Mosaico Grego na Pedro da Unção Igreja do Santo Sepulcro, Jerusalém, via wikicommons |
O cristianismo tem como crença fundamental que Jesus de Nazaré é o messias, morreu pelos pecados do mundo e ressuscitou dos mortos. Conforme afirma o Apóstolo Paulo "(...) Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras, 5e apareceu a Pedro e depois aos Doze"(I Coríntios 15:3-4). Paulo faz uma declaração teológica, mas afirma se basear em uma tradição recebida, anterior a sua atuação como apóstolo, já que ele somente seria assim designado após uma aparição tardia do Jesus ressurreto, "como um nascido fora do tempo".
O evangelho de João o localiza num jardim próximo do Gólgota - no assim chamado lugar do "Crânio", diz ele com precisão, como o fazem também Mateus e Marcos, sugerindo uma pequena saliência em forma de calota rochosa. Parece que a memória cristã se esforçou desde as origens por salvaguardar a lembrança do lugar da morte e da ressureição de Cristo, apesar das vicissitudes por que passou o lugar em 135, quando o Imperador Adriano mandou erigir ali um templo a Afrodite e um fórum. Estes grandes trabalhos, que visavam transformar Jerusalém em colônia romana, ocultaram a lembrança de Jesus, mas também tiveram uma caráter conservador, já que a passagem original permaneceu intacta sob o muro de sustentação do Templo. Em 326, quando Constantino mandou procurar o túmulo de Jesus, foi indicado a seus arquitetos que era preciso cavar sob o templo romano. O tumulo, uma vez descoberto, foi coberto por uma rotunda, enquanto o rochedo do Gólgota foi conservado a céu aberto. Em seguida, o edíficio foi incessantemente retocado, destruído e reconstruído no decorrer das invasões, incêndios até as cruzadas, mas a arqueologia recente, desde as escavações realizadas entre 1961 e 1984 e retomadas em 2016-2017, tendem a confirmar a autenticidade deste lugar de memória. [2]
As circunstâncias em que o santo sepulcro foi localizado seriam, a princípio, um elemento a pesar contra sua autenticidade. Já sob reinado de Constantino, recém convertido ao cristianismo, em um processo que foi conduzido em grande parte por sua mãe, Helena, que era uma cristã devota. O próprio Constantino celebra a descoberta em uma carta ao Patriarca Macário de Jerusalém (no cargo entre 312-334 DC) "(...) o monumento de sua santíssima Paixão, há tanto tempo enterrado sob a terra, deveria ter permanecido desconhecido por uma série de anos tão longa, até que seu reaparecimento a seus servos agora libertados pela remoção daquele que era o inimigo comum de todos, é um fato que realmente supera toda admiração (...)". A descoberta do Santo Sepulcro aconteceu pouco depois da derrota e execução do rival (e antigo aliado) de Constantino, Licínio (e co-autor do Edito de Milão), garantindo a hegemonia de Constantino sobre todo o Império.
No entanto, apesar dessas circunstâncias, há vários elementos que, em conjunto, indicam que o Santo Sepulcro é, muito provavelmente, o lugar de sepultamento de Jesus. Conforme Crossan e o Professor Jonathan Reed, da La Verne University, descrevem:
Teriam encontrado mesmo o lugar de sepultamento de Jesus? Pensamos que ao lado da Casa de Pedro em Cafarnaum, o Santo Sepulcro de Jerusalém é um dos poucos lugares sagrados cristãos dignos de credibilidade. A igreja constantiniana pode muito provavelmente ter sido erguida em cima do lugar que Jesus foi crucificado e o corpo sepultado. Estava dentro do terceiro muro da parte norte de Jerusalém construído por Agripa I (41-44 DC), mas do lado de fora do segundo muro que demarcava a cidade no tempo de Jesus. Estava fora, portanto, da cidade do primeiro século, como prescreviam os judeus para crucifixões e sepultamentos. Os arqueólogos de Constantino acharam, depois, túmulos de um cemitério quando cavavam debaixo do templo de Afrodite. As camadas escavadas por Constantino foram corroboradas por recentes missões estatigraficas. Encontraram paredes de uma estrutura monumental do tempo de Adriano que deveriam ter pertencido ao templo da deusa. Debaixo desse complexo havia muitos túmulos do primeiro século ou anteriores a ele. Antes dessas descobertas o lugar estava desabitado e era uma pedreira. [3]
Fonte: Jerusalem no período do Segundo Templo: Map,” The Land of Israel / Palestine: Image Database, accessed July 13, 2023, https://image-database.nes.lsa.umich.edu/items/show/182 |
O Rei da Galiléia, Herodes Antipas (4-37 DC), nos relata Flávio Josefo, havia tido problemas em edificar sua nova capital, Tiberíades, por volta do ano 20 DC. Apesar da cidade ter sido construída as margens do Lago da Galiléia, em uma região considerada aprazível, e de Antipas ter construído "casas muito boas" para que alguns colonos pobres fossem morar lá, teve que força-los a habitar na cidade, já que muitos judeus piedosos consideravam que os "que moravam lá estavam transgredindo a lei", pois "muitos sepulcros tiveram que ser retirados para que a cidade de Tiberíades fosse edificada, uma vez que nossas leis declaram tais habitações como imundas" [5]. Como observa Magen Broshi (1929-2020), que foi arqueólogo do Museu de Israel, e professor convidado da Universidade Bar Ilan, "
De mais a mais, antigas tumbas judaicas encontradas na vizinhança apontam para existência de um local de sepultamento anterior ao ano 70 DC. Está dentro dos limites dos muros da cidade, e parece estar situado de forma estranha, uma vez que as escrituras nos dizem que o local estava "próximo da cidade" (João 19:20) ou "do lado de fora da porta" (Hebreus 13:12). A execução ou o sepultamento dentro de uma área colonizada eram estritamente proibidos segundo a Lei judaica, ainda mais na Cidade Santa, onde antigas tumbas ficavam do lado de fora dos muros da cidade. Por ocasião da crucificação, entretanto, esta área estava realmente do lado de fora das muralhas. Ela seria cercada pela assim chamada "terceira muralha" somente uma década mais tarde". [6]
Maquete (1:50) da Jerusalém do tempo de Jesus (segundo templo), em exposição no Museu de Israel. Via wikicommons. |
Ou seja, o túmulo encontrado pelos arqueólogos de Constantino, e no qual também foram encontrados outros pela escavações arqueológicas modernas, se localizava fora do perímetro do segundo muro, e dentro do terceiro. Assim, só pode ter existido como lugar de sepultamento em um período de tempo de 40 a 50 anos, mais ou menos, na primeira metade do século I DC. Além disso, Jerusalém foi totalmente destruída durante a primeira guerra judaica (66-73DC), e reconstruída por volta de 130 DC, tendo sido construído sob o local um templo dedicado a Vênus (Afrodite). Sendo assim, fica evidenciada a existência de uma memória cristã antiga, de antes de 40DC, de um cemitério ali localizado, que é confirmada pela arqueologia.
Professores Gerd Theisen (Universidade de Heildelberg) e Annete Merz (Universidade de Utrecht), comentam que "sem uma antiga tradição local sobre o túmulo de Jesus ninguém teria procurado seu túmulo no meio da cidade". Consolidam assim os argumentos pelos quais a localização da Gólgota e do Santo Sepulcro se baseiam em tradições contemporâneas a crucificação:
O túmulo "descoberto" na época de Constantino não pode ser uma "invenção". Ele foi descoberto no meio da cidade bizantina, sob um templo de Vênus associada à fundação de Aelia Capitolina em 136 DC. Na Antiguidade, os túmulos ficavam fora da cidade. Sem uma antiga tradição local sobre o túmulo de Jesus, ninguém teria procurado seu túmulo no meio da cidade. É altamente provável que na época de Jesus seu túmulo estivesse fora dos muros da cidade. Herodes Agripa I foi o primeiro a mandar construir um terceiro muro entre 41 e 44 DC em virtude do qual o Gólgota e o túmulo vieram a se localizar entre os muros. Por conseguinte, é provável que já houvesse no séc. I uma tradição local que situava o túmulo de Jesus onde ele é hoje venerado na Igreja do Santo Sepulcro. O túmulo na Igreja do Santo Sepulcro é um "túmulo novo". Faltam os diversos loculi adicionais que partem da câmara principal. Além disso, ele está na proximidade do Gólgota, numa pedreira abandonada que poderia muito bem ter servido como Jardim. Tudo isso se coaduna com João 19:41. A tradição joanina pressupõe um tipo de túmulo que podemos ver hoje. [7]
Um ponto relevante, antes de prosseguir, são as circunstâncias em que Jesus foi sepultado. Jesus foi vítima de uma execução por crucificação, tendo sido acusado de ser um pretendente real (rei dos judeus). Vítimas de crucificação, principalmente na ocorrência de rebeliões contra Roma, eram deixadas expostas aos elementos por vários dias, e depois serviam de alimento as aves de rapina [8]. Nas palavras de Crossan "(...) em circunstâncias normais, os soldados guardavam o corpo até a morte e depois ele era deixado ao corvo, cão carniceiro ou animais selvagens, para que acabassem com trabalho brutal" (...) [8]. Assim, Apiano nos conta que após Marco Licinio Crasso derrotar os escravos rebeldes liderados por Espártaco, na Batalha do Rio Silárico, os seis mil prisioneiros foram crucificados na estrada entre Roma e Cápua [9]. Josefo nos conta que Quintilio Varo crucificou em Jerusalém 2 mil judeus acusados de envolvimento na revolta após a morte de Herodes, liderada por Simão de Peréia, Atronges e Judas Galileu [9]. Josefo também nos conta que, no auge do cerco de Jerusalém, Tito ordenou crucificar até 500 judeus por dia, diante dos muros, de forma que chegou a faltar lugar e madeira para tantas cruzes [9]. Crossan também nos diz que a crucificação era "terrorismo de estado", o que é dito de outra forma numa declaração atribuída a Quintiliano (35-96 DC), "sempre que crucificamos os culpados, as estradas mais movimentadas são escolhidas, onde o maior número possível de pessoas possam ser impactadas pelo medo. Pois as penalidades não se medem tanto pela retribuição, mas para servir de exemplo"[10] . Segundo Suetônio, durante as guerras civis da republica Romana, o futuro imperador Augusto, após derrotar Bruto e Cassio em Filipi, recebendo um pedido de clemência de um prisioneiro - que, humildemente, apenas pedia que seu corpo fosse enterrado após a execução - disse "os pássaros em breve resolverão o problema" [11].
Retábulo de Isenheim, de Mathias Grunewald e Nikolau de Hagenau, 1512-1516, Museu de Unterlinden, Colmar, France, via wikicommons |
Por outro lado, a crucificação era de uma natureza tão brutal e chocante, que levou a algumas limitações de seu emprego em tempos de paz. Os casos acima ocorreram durante insurreições provinciais generalizadas ou nas guerra civis de Júlio Cesar e Otávio Augusto. Em tempos "normais" (ou em lugares não conflagrados), a crucificação não era aplicada contra cidadãos romanos. Assim, por exemplo, uma das acusações mais graves que Cicero faz contra o Governador da Sicília, Gaio Verres, foi de que ele havia mandado crucificar o cidadão romano Públio Gávio, o que era ilegal [12]. Para os demais súditos do império, Filo de Alexandria utiliza como uma das provas da crueldade e incompetência do governador do Egito, Avílio Flaco, o fato dele não deixar que os corpos de pessoas crucificadas fossem, nas vésperas de festivais e feriados, "retirados da cruz, e dados a seus familiares, para que pudessem ser adequadamente sepultados" (Contra Flaco, 10:83). Josefo também relata a preocupação dos judeus com os sepultamentos, "pois eles costumar tomar os corpos dos condenados e crucificados, e enterra-los antes do por do sol" (Guerras Judaicas, Livro 4. capítulo V, §2), em observância a Deuteronômio 21:22-23, "(...) Se um homem culpado de um crime que mereça a morte for morto e pendurado num madeiro, não deixem o corpo no madeiro durante a noite. Enterrem-no naquele mesmo dia, porque qualquer que for pendurado num madeiro está debaixo da maldição de Deus. Não contaminem a terra que o Senhor, o seu Deus, lhes dá por herança (...)". Além disso, justamente nas proximidades de Jerusalém, foram encontrados os restos mortais de um individuo crucificado no século I DC, chamado Yehohanan son of Hagakol, em um ossuário (pequena urna funerária, onde os ossos da pessoa falecida eram acomodados um ano após o sepultamento) numa tumba familiar A constatação de Yehohanan foi crucificado decorreu de um acaso. O osso do tornozelo foi transpassado por um prego, que por estar torto, ficou preso na madeira. Quando o crucificado foi retirado do madeiro, foi necessário retirar também um pedaço da cruz, de forma que madeiro, prego e osso do calcanhar ficaram juntos. Assim, as circunstâncias peculiares da retirada da cruz, se somam ao fato de que Yehohanam veio de uma família abastada (pelo simples fato de ter sido enterrado em um sepulcro familiar), e que os romanos permitiram seu enterro. A partir dessa evidência arqueológica e literária, a Professora Jodi Magness (Universidade da Carolina do Norte em Chapell Hill), sustenta que "(...) embora vítimas de crucificação fossem, em algumas ocasiões, deixadas em suas cruzes por dias, esta não era a situação mais usual (...)". [13] O evangelho deixa claro, porém, que era uma situação tensa, as mulheres que seguiam de Jesus observavam "de longe"(Mc 15:40), e o pedido de José de Arimatéia a Pilatos para sepultar Jesus era "ousado" (Mc 15:43).
Maurice Casey (1942-2014), que foi professor da Universidade de Nottingham, aponta passagem na Mishná, em que as cortes judaicas mantinham sepulturas para criminosos executados: "E eles não serão enterrados junto de seus ancestrais, mas duas sepulturas serão preparadas pelo tribunal, uma para os apedrejados e queimados, outra para os estrangulados e decapitados"(Mishná Sinédrio VI.11)".Casey observa que mesmo executado pelos romanos, a sepultura do tribunal judaico poderia ser utilizada, sendo consistente com a tradição contida em Atos 13:27-29, onde os "habitantes de Jerusalém e seus lideres (...) pediram a Pilatos que o mandasse executar (...) tiraram-no do madeiro e o colocaram num sepulcro", e com o relato de Marcos 15:46, em que José de Arimateia manda sepultar Jesus, e Maria Madalena e Maria, Mãe de Tiago e José, apenas acompanham de longe (v. 40 e 47), sem "qualquer evidência de atuarem juntos, ou cooperando". Na verdade, segundo Casey, José de Arimateia estaria, na verdade, "submetido aos principais sacerdotes", agindo de forma piedosa em garantir o sepultamento de um desassistido.[14].
Casey, sustenta, portanto, que Jesus foi sepultado como um criminoso, longe de seus ancestrais, sem os ritos funerários adequados, em um túmulo destinado a executados. Já para Jodi Magness "(...) os relatos dos evangelhos sobre o sepultamento de Jesus são amplamente consistentes com as evidências arqueológicas. Embora a arqueologia não prove que houve um seguidor de Jesus chamado José de Arimatéia ou que Pôncio Pilatos concedeu seu pedido pelo corpo de Jesus, os relatos do Evangelho que descrevem a remoção de Jesus da cruz e o sepultamento são consistentes com as evidências arqueológicas e com a lei judaica (...)"[15]. A opinião é parecida com a de Geza Vermes (1924-2013), que foi professor de estudos judaicos em Oxford, que reconstrói os eventos da seguinte forma, "(...) com a permissão de Pilatos, José de Arimatéia, ou Jose e Nicodemos, deitou o corpo de Jesus numa tumba nova talhada na pedra pouco antes do início da festa da Páscoa e do Sabá, no sábado, 15 Nisan (...)"[16]. Crossan, porém, diverge "(...) se os romanos não observavam o decreto deuteronômico, o corpo de Jesus seria deixado na cruz para os animais selvagens. E seus seguidores, que haviam fugido, saberiam disso. Se os romanos observavam o decreto, os soldados se certificariam de que Jesus estava morto e o sepultariam como parte de seu trabalho. Em ambos os casos, seu corpo deixado na cruz ou em uma cova rasa mal coberta com terra e pedras, os cães estavam a espreita (...)" [17]. Mesmo assim, Crossan, como indicado acima (em trabalho conjunto com Jonathan Reed) acredita que a Igreja do Santo Sepulcro marca o local em que Jesus foi executado e possivelmente sepultado "A Igreja do Santo Sepulcro de Constantino foi construída em cima de um cemitério e tudo indica que esteja perto do lugar onde Jesus fora crucificado"[18]
Uma descrição do contexto arqueológico do sítio da igreja do Santo Sepulcro é apresentada pelo Professor James Charlesworth, do Seminário Teológico de Princeton.
Nos últimos anos da década de sessenta, Kenyon descobriu provas de que a muralha que hoje circunda o sítio tradicional do Calvário, em certos pontos, apoia-se numa fundação construída em 41 E.C, ou pouco depois, por Herodes Agripa. Em consequência, em 30 E.C. o lugar tradicional teria ficado fora da cidade. (...) nos últimos anos da década de setenta, arqueólogos que trabalhavam no sítio do Gólgota desenterraram fundações do Foro Romano de Adriano, onde o Templo de Afrodite foi construído por volta de 135 E.C. Os romanos haviam provavelmente construído esse templo para cobrir o Golgota e talvez o túmulo de Jesus. Agora duas importantes descobertas confirmam, na minha opinião, que a igreja do Santo Sepulcro abriga a rocha em que Jesus foi crucificado (...) M. Broschi, em 1976, descobriu restos de uma muralha herodiana na seção nordeste da própria igreja. Consequentemente, em 30 E.C, o Gólgota ficava fora da muralha ocidental. [19]
Ainda mais importante que isso é o fato de que ficou agora claro, graças as escavações de D. Katsiminibinis nos últimos anos da década de setenta, que a rocha do Cálvario ainda se ergue apoximadamente 13 metros acima do leito da rocha. A rocha exposta mostra sinais de antigo trabalho de pedreiro; é uma porção rejeitada de uma antiga pedra branca anterior ao exílio israelita, malaki, pedreira. Na altura do primeiro século AEC esse sítio evoluiu de uma pedreira do sétimo ou oitavo século até tornar-se um depósito de entulho e, finalmente, um cemitério, já que são visíveis túmulos judeus anteriores a 70 E.C. [19]
Como já exposto aqui no adcummulus, um princípio fundamental da arqueologia é que as várias camadas de ocupação humana, os contextos, vão se sobrepondo a medida que o tempo vai passando, de forma que é possível inferir a história da ocupação do sítio em função de sua estratigrafia. Então os vários contextos sucessivos de ocupação indicam a construção da atual igreja (século IV DC), sobre o templo de Afrodite e Foro da Aelia (século II DC), um cemitério (sec I DC) e antes um depósito de entulho, remanescente de uma pedreira que existiu desde tempos antigos, a partir do século VII-VIII AC. No tempo de Jesus, observa Charlesworth [19], o local estava perto de uma estrada pública importante, o que é refletido na memória de transeuntes zombando de Jesus, (Mc 15:29), atendendo as requisitos romanos para crucificação ("sempre que crucificamos os culpados, as estradas mais movimentadas são escolhidas, conforme Quintiliano, acima), e judaicos, pouco além dos muros da cidade ("fora do arraial", conforme Levítico 24:14,"mas pouco além dele", Mishná Sanhedrin 6.1) [19], em frente ao portão Genate ("jardim", cf João 19:42), onde a primeira e o segunda muralha se encontravam. A memoria incorporada a tradição evangélica de uma antiga pedreira no local do Gólgota, fora de Jerusalém, é compatível com as recorrentes citações nos textos neotestamentários (ex. Atos 4.11, Romanos 9:33 e I Pedro 2:7) ao Salmo 118:22 "A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular", uma das quais na parábola dos lavradores maus "Assim eles o agarraram [o Filho], e o mataram, e o lançaram para fora da vinha (...) Vocês nunca leram esta passagem das Escrituras? ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; isso vem do Senhor, e é algo maravilhoso para nós (...)" (Marcos 12:8 e 10).
Mapa de Madaba: Mosaico no piso da Igreja de São Jorge em Madaba, Jordânia, do século VI com a mais antiga representação do oriente médio, palestina, e, principalmente, Jerusalém. |
Professora Joan E Taylor, da Universidade de Londres, chama a atenção a menção do Bispo Melito de Sardes (II século), em sua homília "Peri Pasca"(Sobre a Páscoa) "(...) Um assassinato extraordinário aconteceu no centro de Jerusalém, na cidade dedicada à lei de Deus, na cidade dos hebreus, na cidade dos profetas, na cidade considerada justa (...) no meio da rua principal, mesmo no centro da cidade, enquanto todos assistiam, que o injusto assassinato deste justo ocorreu (...)" (Peri Pasca, 94). Melito escreveu entre 160-170 DC, cerca de 30 anos após a reconstrução de Jerusalém sobre Adriano, sobre as ruínas da cidade destruída por Tito em 70 DC. O Templo de Vênus/Afrodite (sobre o qual Constantino depois construiria a Igreja do Santo Sepulcro) ficava junto ao Foro na Aelia Capitolina de Adriano. Isso é relevante porque a partir de 140 DC aquele ponto ficava na parte central da cidade reconstruída (um "centro novo"), junto a plateia ("rua larga" ou rua principal), muito improvável para um crucificação, diferentemente da Jerusalém anterior a 40 DC, onde ficava, muito provavelmente, junto a estradas mas logo fora dos muros. Mais significativo ainda é o fato de que, como provavelmente sabido pelo Bispo Melito, era inconsistente com o descrito no novo testamento, que dizia que Jesus foi crucificado fora da cidade. O fato de cristãos como Melito indicarem para um local da crucificação em pleno centro de Jerusalém, mesmo que fosse remoto para eles que mais de cem anos antes esse local ficava fora da cidade é evidência que uma memória antiga foi conservada, e existia séculos antes de Constantino. Taylor estima que o sítio da crucificação ficava mais ou menos 200 metros ao sul do lugar hoje indicado na igreja do Santo Sepulcro, na junção de duas importantes estradas, que iam para o norte (na direção de Samaria e Damasco) e oeste (para Emaus, Lida e Jope). Taylor conclui a partir da evidência disponível que "de qualquer forma, os cristãos da Palestina sabiam que o imperador havia coberto a tumba, e colocado uma estátua de Jupiter (como ele mesmo?) no lugar. Eles também recordaram a local da crucificação sob a plateia (rua larga), mais provavelmente o decumanus da Aélia, e contado a visitantes como Melito sobre isso". [20].
Dan Bahat, que foi arqueólogo distrital de Jerusalém e professor da Universidade Bar Ilan, pondera as várias questões envolvidas em relação ao sítio da igreja do Santo Sepulcro, e sua plausibilidade como a identificação com a Gólgota e o tumba mencionada no novo testamento.
Was the Constantinian rotunda actually built over the true site of Jesus’ burial? Although we can never be certain, it seems very likely that it was. As we have seen, the site was a turn-of-the-era cemetery. The cemetery, including Jesus’ tomb, had itself been buried for nearly 300 years. The fact that it had indeed been a cemetery, and that this memory of Jesus’ tomb survived despite Hadrian’s burial of it with his enclosure fill, speaks to the authenticity of the site. Moreover, the fact that the Christian community in Jerusalem was never dispersed during this period, and that its succession of bishops was never interrupted supports the accuracy of the preserved memory that Jesus had been crucified and buried here. (tradução) A rotunda Constantiniana foi realmente construída sobre o verdadeiro local do sepultamento de Jesus? Embora nunca possamos ter certeza, parece muito provável que tenha sido. Como vimos, o local era um cemitério do início da era cristã. O cemitério, incluindo o túmulo de Jesus, estava enterrado há quase 300 anos. O fato de ter sido de fato um cemitério e de essa memória da tumba de Jesus ter sobrevivido, apesar do fato de Adriano o ter soterrado com preenchimento do recinto, fala da autenticidade do local. Além disso, o fato de a comunidade cristã em Jerusalém nunca ter se dispersado durante esse período e de sua sucessão de bispos nunca ter sido interrompida apóia a precisão da memória preservada de que Jesus foi crucificado e sepultado aqui.[21]
Bahat aponta a improbabilidade de Constantino ter encontrado um lugar semelhante ao da atual igreja do Santo Sepulcro sem uma "pista" do que estava buscando. Era um lugar apropriado a execução e um cemitério nos anos 30 DC, logo na saída da cidade. Foi incorporado a cidade em 40 DC, segundo Josefo. Posteriormente a cidade foi destruída em 70 DC, e reconstruída em 135 DC, localizado agora na rua principal no novo centro da nova cidade, com um templo romano construído lá. E duzentos anos depois, a busca ocorre ali, e não nos vários complexos funerários fora da cidade. A hipótese mais provável é que havia a memória, conservada pela comunidade cristão palestina que, embora tenha perdido relevância, se manteve desde os anos 30 da era cristã liderada, pelo menos nas primeiras gerações de cristãos, por membros da família de Jesus e seus descendentes. Tiago, irmão de Jesus, chamado o Justo, foi citado pelo apóstolo Paulo como uma das colunas da Igreja de Jerusalém (Gálatas 2:9), e sua execução é relatada por Josefo. Hegésipo, escrevendo em meados do século II, também menciona a execução de Tiago em Jerusalém, pouco antes da queda, acrescentando o papel de outros membros da família de Jesus, como Simeão, Judas e seus netos [22]. Tempos depois, no início do século III DC, é a vez de Julio Africano descrever os desposyni, os descendentes dos irmãos de Jesus que se concentravam na Galileia. Assim, o argumento de Bahat, de que a memória do local de execução foi preservada pela comunidade cristã palestina e bispos de Jerusalém em sucessão é bastante plausível. Destacamos o papel relevante, e atestado em várias fontes, de Tiago, Simão, Judas e seus descendentes e seguidores na conservação de memórias e tradições evangélicas, frequentemente, e desde muito cedo, em conflito com visões dominantes das comunidades gentias paulinas (Atos 15; Gl 2:12; Tiago 2:14-17) e, posteriormente, na Igreja de Roma. Como vimos acima, relatos como o do Bispo Melito, em meados do século II DC, indicando o local da execução no centro de Jerusalém, contra todas as possibilidades, é uma das mais fortes evidências em seu favor.
Perhaps the strongest argument in favor of the authenticity of the site, however, is that it must have been regarded as such an unlikely site when pointed out to Constantine’s mother Queen Helena in the fourth century. Then, as now, the site of what was to be the Church of the Holy Sepulchre was in a crowded urban location that must have seemed as strange to a fourth-century pilgrim as it does to a modern one. But we now know that its location perfectly fits first-century conditions. (tradução) Talvez o argumento mais forte a favor da autenticidade do local, no entanto, seja que ele deve ter sido considerado um local tão improvável quando apontado para a mãe de Constantino, a rainha Helena, no século IV. Então, como agora, o local do que viria a ser a Igreja do Santo Sepulcro ficava em um local urbano lotado que deve ter parecido tão estranho para um peregrino do século IV quanto para um moderno. Mas agora sabemos que sua localização se encaixa perfeitamente nas condições do primeiro século.[21]
Bahat então revê os vários elementos incidentais nos relatos evangélicos, a luz da evidência arqueológica disponível, e conclui que a Igreja do Santo Sepulcro tem uma reinvindição forte. Embora não acha um elemento decisivo e indiscutível em seu favor, há vários indícios e elementos circunstâncias, que tomados isoladamente não seriam significativos, mas, em conjunto, apontam para uma tradição sólida e corroborada factualmente.
The Gospels tell us that Jesus was buried “near the city” (John 19:20); the site we are considering was then just outside the city, the city wall being only about 500 feet to the south and 350 feet to the east. We are also told the site was in a garden (John 19:41), which is at the very least consistent with the evidence we have of the first century condition of the site. (tradução) Os Evangelhos nos dizem que Jesus foi sepultado “perto da cidade” (João 19:20); o local que estamos considerando era então fora da cidade, a muralha da cidade estando a apenas cerca de 500 pés ao sul e 350 pés a leste. Também nos é dito que o local estava em um jardim (João 19:41), o que é no mínimo consistente com a evidência que temos da condição do local no primeiro século. [23]
A Igreja do Santo Sepulcro, construída e reconstruída diversas vezes desde o tempo de Constantino, em que se refletem as várias divisões da cristandade. patrimônio artístico e cultural da humanidade, se mantém imponente por dezessete séculos. Apesar de reconhecermos que certezas são muito raras, e na maior parte das vezes, precipitadas, concordamos com Dan Bahat que "(...) Podemos não estar absolutamente certos de que o local da Igreja do Santo Sepulcro seja o local do sepultamento de Jesus, mas certamente não temos outro local que possa reivindicar quase o mesmo peso e realmente não temos motivos para rejeitar a autenticidade do local. (...).[23]
Referências Bibliográficas
Excelente texto, Nehemias. Estou ansioso para as próximas publicações. Uma dúvida: Pretende publicar algum material sobre a ressurreição?
ResponderExcluirBoa noite,
ResponderExcluirDesculpe a demora em responder.
Então, não tenho, ainda, nada especifico na cabeça. Mas é uma sugestão interessante.
Abs,
Nehemias