No
post anterior analisamos a imagem de Jesus como um mestre e homem sábio na principal fonte não-cristão, Flávio Josefo. Agora vamos continuar a contextualizar a visão de Jesus
como homem sábio(...) mestre de pessoas que recebem a verdade com prazer", utilizando uma fonte um tanto desprezada, mas que pode bem ser a mais antiga referência não-cristã a Jesus. A Carta do estóico sírio Mara Bar Serapion.
Mara Bar Serapion (73 DC - 150 DC)
A (provável) menção a Jesus se dá em uma
carta de exortação a excelência da sabedoria que sobrevive mesmo com as injustiças e eventual morte que sofre o sábio. Jesus é comparado a Pitágora e Sócrates.
"O que diremos, quando os sabíos são arrastados pelas mãos dos tiranos, e sua sabedoria os leva a perda da liberdade, e são despojados por causa de sua inteligência superior,sem a oportunidade de se defender? Mas eles não devem ser objeto de pena. Pois qual benefício obtiveram os atenienses por condenarem Socrátes a morte, uma vez que eles receberam em troca fome e peste? Ou os cidadãos de Samos por lançar Pitágoras as chamas? Num instante seu território se viu coberto de areia. Que vantagem obtiveram os judeus matando seu sábio Rei. Logo depois, seu reino foi destruido. Pois com justiça Deus vingou esses três sábios. Pois os atenienses morreram de fome, o povo de Samos foi coberto pelo mar, e os judeus, desolados e expelidos de seu reino, vagam dispersos por todas as terras. Socrates não morreu, por causa de Platão, ou Pitagoras, por causa da Estátua de Hera, nem tampouco o Sábio Rei, continuou a viver nos ensinamentos que transmitiu." [14]
Professor
Gerd Theissen , da Universidade de Heidelberg (Alemanha), e
Professora Annete Merz, Universidade de Utrecht (Holanda), fazem uma descrição da fonte:
"Curiosamente, o testemunho pagão supostamente mais antigo sobre Jesus é pouco conhecido. Encontra-se numa carta pessoal do estóico sírio, originário de Samosata, Mara Bar Serapion, que escreveu de uma prisão romana (em lugar desconhecido) ao filho Serapion. A carta tem por conteúdo numerosos conselhos e advertências que Mara faz ao filho em face de sua possível condenação" [15]
Theissen e Merz [15] observam que a datação da carta é controversa. A referência a dispersão dos judeus pode ser encaixada na Revolta de
Bar Kochba (135 DC), ou na destruição de Jerusalém (70 DC). Ele acrescenta, que há na carta uma menção a fuga dos cidadãos anti-romanos da cidade de Samosata para Selêucia, que parece ser idêntico ao da destruição e expulsão do Rei Antioco IV de Comagene (que tinha por capital Samosata) pelos romanos no ano de 73 DC, relatado do Josefo em Guerras Judaicas 7:219-243.
Ainda segundo Theissen e Merz [15], "
os dados sobre Pitagoras, os sâmios e os atenienses são historicamente muito imprecisos. Talvez Mara considere o filósofo e o escultor Pitagorá a mesma pessoa".
Mara não menciona Jesus pelo nome. A associação é feita baseada nas características:
1) Ele era judeu
2) Era um sábio
3) Ele era um "Rei"
4) Ele continuou vivo por meio de seus ensinamentos
5) Ele foi morto por seu povo
6) O reino judeu foi destruído após sua morte.
1) Jesus era judeu;
2) Era considerado como um sábio ou filósofo (Luciano; Evangelho de Tomé 13: Tu és como um sábio filósofo);
3) Era o "Rei dos Judeus"; (Titulus Crucis nos quatro evangelhos)
4) Seus seguidores mantiveram vivo seus ensinamentos após sua morte, e mesmo depois da destruição de Jerusalém. Trinta anos após a morte de Jesus, estavam solidamente estabelecidos em Roma ( Tácito, Suetônio).
5) Jesus foi morto sob Pôncio Pilatos, mas as autoridades do Templo exerceram uma papel importante. De qualquer forma, a pregação cristã logo tendeu a minimizar a responsabilidade romana e enfatizar a judia.
6) Cerca de 40 anos depois da morte de Jesus, Jerusalém foi destruida. (Elemento também presente na pregação cristã).
A identificação do sábio Rei referido por Mara com Jesus de Nazaré não é completamente certa. Contudo, que outro "candidato" preenche esses requisitos? Josefo lista quase uma dezena de
pretendentes messiânicos, mas eles foram mortos pelos romanos, e seus ensinamentos, quando existiram, não sobreviveram a sua morte.
Judas Galileu, inspirador dos zelotes e outros radicais anti-romanos, manteve seguidores após sua morte. Contudo, até onde se sabe, se ele foi executado, o foi pelos romanos e não pelos judeus; não foi chamado de "Rei dos Judeus"; e seu movimento não sobreviveu a queda de Jerusalém e, portanto, a época em que Mara escreveu.
Como observa
FF Bruce (1910-1990), ex-Professor das Universidades de Sheffield e Manchester:
"Este escritor dificilmente poedria ter sido cristão; tal fosse o caso , haveria declarado que o Cristo continuou vivo e que ressuscitou dos mortos. Maior probabilidadee há de que fosse um filósofo gentio, pioneiro no que se veio depois tornar rotina comum - colocar Jesus em pedestal de igualdade com os grandes sábios de antanho"[16]
Tudo indica que Mara foi influênciado pela pregação cristã, embora se mantivesse como pagão pois faz referência em alguns lugares da carta a "nossos deuses". Era, possivelmente, um simpatizante do cristianismo.
Theissen e Merz [17], observam que as afirmações de Mara são parcialmente dependentes dos evangelhos. Primeiro, apenas os judeus são responsabilizados (ver I Tes. 2:15; Atos 4:10). Segundo, a derrota judaica perante os Romanos é resultado da crucificação de Jesus (cf Mt 22:7; 27:25). Terceiro, Jesus é chamado de Rei Sábio (ver Mt 2:6).
Thiessen e Merz complementam,
"Mara permite reconhecer em alguns pontos uma perspectiva externa em sua avaliação de Jesus e do cristianismo: Na série de paradigmas de Mara, Jesus aparece como um de três sábios Mara não sabe nada da ressureição de Jesus, ou a reinterpreta tacitamente no sentido de sua cosmovisão caracterizada em sua carta da seguinte forma "A vida do homem, meu filho, sai do mundo, seu louvor e seus dons permanecem na eternidade". Isso se aplica da mesma forma a Socrátes como a Jesus. Para Mara, Jesus é importante sobretudo como novo legislador. Ele continua a viver em suas leis. Ao que parece, Mara vê os cristãos como aqueles que vivem segundo a lei do Rei Sábio, o que explica bem a postura do estóico em relação a eles" [17]
Professor Robert Van Voorst, Western Theological Seminary, acrescenta:
"A mais antiga referência filosófica ao cristianismo de que se tem conhecimento, a carta de Mara Bar revela a atração que o cristianismo era capaz de exercer sobre alguns intelectuais. As observações positivas a Cristo e ao Cristianismo, no entanto, não devem ser lidas como um endosso, da mesma forma como sua menção a Sócrates e Pitágoras significam que ele era adepto de suas respectivas escolas filosóficas" [18]
Admitindo a provável menção a Jesus de Nazaré como sábio Rei em Mara Bar Serapion, temos um retrato que é semelhante a descrição de Galeno e, até mesmo, com o de Luciano de Samosata (Samosata, inclusive, fica na mesma região daonde Mara é proveniente). Jesus é visto como um filósofo, que deixou leis e ensinamentos, que foi executado, mas cujo legado permanece, tendo díscipulos que vivem segundo suas leis. Luciano interpretou essas tradições de forma depreciativa aos cristãos. Galeno de forma positiva, embora condescencente. Mara, por sua vez, também as toma de maneira positiva, mas vê em Cristo um modelo de sabedoria.
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CONTINUA
[14] Carta de Mara Bar Serapion
http://www.earlychristianwritings.com/text/mara.html[15] Gerd Thiessen e Annete Merz (1996), O Jesus Histórico, Um Manual, fl. 95
[16] F. F. Bruce (1965), Merece Confiança o Novo Testamento, fl.148-149
[17] Gerd Thiessen e Annete Merz (1996), O Jesus Histórico, Um Manual: fl. 97
[18] Robert Van Voorst (2000), Jesus Outside of the New Testament, fl. 58
Jona Lendering
http://www.livius.org/men-mh/messiah/messianic_claimants00.html (excelente site!!!)