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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Pesquisa seminal sobre Corpus Hermeticum no Brasil

Tenho muito prazer em compartilhar no AD CUMMULUS este projeto desenvolvido pelo grande camarada David Pessoa de Lira, uma corajosa pesquisa seminal no Brasil, em um tema de interesse primoroso para os fins do biblioblog. De fato o hermetismo é uma névoa insondada pelos estudos em português, e assim, pode estar sujeita a conjecturas sem firme embasamento. David descortina importantes nuances, perspectivas e contribuições para a compreensão do ideário religioso. Abaixo, a notícia de divulgação da Escola Superior de Teologia e uma apresentação do trabalho, oferecida com muita cordialidade pelo próprio David e que aqui socializamos com os leitores.


Doutorando do PPG/EST realiza pesquisa inédita no país 

O título provisório de sua tese é “Ὁ Κρατήρ: Uma Análise do Corpus Hermeticum IV. 3-6a.” O objeto da pesquisa é "O Tratado Hermético Ὁ Κρατήρ na História das Antigas Religiões do Mediterrâneo Egípcio-Helenístico – Uma Análise Exegética do Corpus Hermeticum IV. 3-6a."

De forma variada, seus objetivos são:


  • Analisar a concepção de βαπτίζω [baptizō] no Tratado Ὁ Κρατήρ (C.H. IV.3-6a) e estabelecer sua relação com os textos de Timæus 41 D (de Platão), De somniis II. 183, 190, 249 (Filo de Alexandria) e de Provérbios 9.1-6 (LXX).
  • Apresentar um panorama da Literatura Hermética, inclusive do texto em questão, C.H. IV. 3-6a, no original grego. Buscar-se-á identificar assim as formas de exposição do tema Hermetismo e Literatura Hermética na História das Antigas Religiões Mediterrâneas, principalmente, na História do Mundo Contemporâneo do Novo Testamento e da Igreja Primitiva, Contexto e Substrato do Novo Testamento, a fim de proporcionar ao tema seu devido lugar na disciplina; 

No Projeto, David salienta:

Portanto, a presente pesquisa do Corpus Hermeticum se justifica por se tratar de um objeto de pesquisa da História do Mundo Contemporâneo do Novo Testamento e da Igreja Primitiva, Contexto e Substrato do Novo Testamento, da História das Antigas Religiões Mediterrâneas, da História da Filosofia, além de ser objeto mesmo do estudo da Filologia e da Linguagem e Interpretação. Vários são os estudiosos que fizeram pesquisas acerca do Corpus Hermeticum, os filólogos Richard August Reitzenstein, Arthur Darby Nock, André-Jean Festugière; o semioticista Humberto Eco; os filósofos Giovanni Reale, Garth Fowden; o historiador das religiões Mircea Eliade; o cientista da religião Giovanni Filoramo; os exegetas do NT e Teólogos John Horman, Thomas McAllister Scott; o historiador Charles Flowers; a doutora em língua inglesa Cassandra Cherie Amundson; a pesquisadora Willis Barnstone; entre muitos outros e outras.

A realização desta pesquisa na Área de Bíblia – Especialidade Novo Testamento – torna-se de suma importância pelo fato de que, desde Wilhelm Franz Bousset and Richard August Reitzenstein até os nossos dias, os Escritos Herméticos têm sido estudados no âmbito maior na História das Religiões e da Filosofia e relacionados com Fenômeno Gnóstico. A Escola da História das Religiões (Religionsgeschichtliche Schule) empregou, entre várias fontes, o Corpus Hermeticum para evidenciar a existência das antecedências gnósticas sobre o Cristianismo. Reitzenstein considerava o Corpus como produto final de um movimento que tinha se desenvolvido por um longo período de tempo, cujo início se deu antes da Era Cristã. Neste sentido, ele acreditava que os Escritos Herméticos poderiam ser uma fonte aplicável e confiável para interpretar e aclarar muitos elementos característicos das doutrinas cristãs e sua teologia com certa segurança. Não é raro ver que muitos acadêmicos têm seguido essa teoria. Eles têm colocado ou situado o Hermetismo como uma seção ou capítulo dentro do assunto Gnosticismo para explicar as origens do Gnosticismo, mesmo quando eles estão tratando daquilo que é rotulado como Gnosticismo Cristão. Foi justamente com essa Escola, na metade do século XIX ao início do século XX, que começou um criterioso estudo e uma acurada pesquisa histórico-religiosa na área de Novo Testamento. Os pesquisadores tinham como objetivo situar o NT no ambiente das antigas religiões, estabelecendo comparações histórico-religiosas, com a finalidade de identificar as possíveis relações de dependência entre o cristianismo e as outras religiões de seu mundo assim como conhecer melhor os sentidos próprios dos conceitos e ideias no Novo Testamento.

Sendo assim a pesquisa sobre o Corpus Hermeticum e o Hermetismo tem sua relevância não só na área de uma Teologia Cristã (Novo Testamento), mas também na área da Filosofia, Ciências da Religião (inclusive História das Religiões e Fenomenologia da Religião), Psicologia, Antropologia, Filologia e História. Sendo assim, ela contribui para uma boa compreensão do Movimento Hermético na História das Antigas Religiões Mediterrâneas, e principalmente quando se fala do Mundo Contemporâneo do Novo Testamento.


Esmiúça a seguinte hipótese:

Visto que aparece a palavra baptizo no texto em que procedo a análise e ao mesmo tempo ali, semanticamente, se trata de um texto de banquete, eu digo que baptizo não quer dizer necessariamente imersão, mas mistura, misturar, significa que ali há possibilidade do texto ter sido empregado na festa de Tekh que acontecia no ano novo, no período da cheia do Nilo, quando havia um ritual de beberagem e comensalidade. Então ali não se trata nem de imersão nem de qualquer compreensão cristã.

Quando o texto fala βάπτισον σεαυτὴν ἡ δυναμένη εἰς τοῦτον τὸν ϰρατῆρα no C.H. IV.3-6a ele não quer dizer “batiza-te a ti mesmo na cratera que tu podes”, mas algo para significar “mistura na cratera tu que podes”. O redator/autor deve ter empregado uma alegoria antiga da cratera e deve ter adaptado as palavras ao contexto egípcio, visto que ϰεράννυμι [kerannȳmi] e μίγνυμι [mignȳmi] não poderiam traduzir a palabra “Tekh”, mas encher, mergulhar, transbordar, era o ritual de "Thoth”.

David assinala as implicações, em que segundo ele batismo não significa apenas “imergir, mergulhar”, nem só “embebedar”, mas também misturar. Desafia frontalmente as teorias de muitos que diziam que aqui estava vinculado com a prática ritualística grega ou a mistura de dois sacramentos; os herméticos não tinham sacramentos. A “gnose” para os herméticos é comer e beber do conhecimento. Logo, "não se deve fazer a confusão do Hermetismo com qualquer movimento gnóstico-cristão.”



Sobre o autor: 


David hoje estuda na EST, mas seu contato com o assunto "Literatura Hermética" surgiu quando lera “A Interpretação do Quarto Evangelho”, de C.H. Dodd na Biblioteca do SAET (Seminário Anglicano de Estudos Teológicos do Recife). Daí, percebera que não havia muitos materiais em português e quase nada se produzia sobre isso no Brasil, de onde partiu seu interesse em pesquisar sobre a Literatura Hermética e Hermetismo, sendo hoje o pioneiro dessa pesquisa.

domingo, 8 de julho de 2012

Origens Cristãs e a Questão de Deus: A Metanarrativa na Historiografia de N.T.Wright

Neste nosso trabalho visamos apresentar o arcabouço epistemológico e metodológico do programa de pesquisa de Nicholas Thomas Wright para o estudo histórico das Origens Cristãs. Daremos um panorama geral, apresentaremos os postulados básicos tendo em vista disponibilizar os instrumentos para o exercício a quem se interessar por suas propostas, e brevemente, indicarmos alguns resultados a que ele chega. Trarei para colaboração um resumo de uma abordagem que julgo ter alguns bons paralelos, descontando o interesse sobremaneira diverso, para o leitor poder julgar por si se os instrumentos que Wright oferece são apropriados e úteis dentro da consideração pelo rigor crítico.

**Obs. Como o presente autor procedeu em outra ocasião, por questões de espaço/tamanho, realizara a tradução livre direta das citações em inglês - reportando a fonte. Reafirma como da outra vez que com prazer pode repassar, já que são citações breves, a parte original em inglês de onde extraira caso seja solicitado.

N. T. Wright, também conhecido como Tom Wright, é mais famoso no Brasil como um dos expoentes da chamada “Nova Perspectiva” sobre os estudos de Paulo. Contudo, ele é internacionalmente reconhecido como exímio debatedor e acadêmico dos estudos sobre Origens Cristãs e Jesus Histórico. Em sua formação inclui-se estudos em Literatura Clássica, Filosofia e História no Exeter College, em Oxford, onde também cursara teologia e também “Divindades”, também em Durham e St. Andrews. De 2003 até se aposentar em 2010 fora Bispo de Durham da Igreja Anglicana. Foi professor das universidades de Cambridge e Oxford por vinte anos, professor visitante de universidades como Harvard Divinity School, nos Estados Unidos, Universidade Hebraica de Jerusalém e Universidade Gregoriana em Roma.

Duas de suas mais importantes obras para os propósitos de nosso empreendimento aqui são os livros “The New Testament and the People of God” e “Jesus and the Victory of God”, os dois primeiros volumes da série: Christian Origins and the Question of God. London: SPCK; Minneapolis: Fortress.

Wright situa a matriz explicativa para o despontar do cristianismo dentro de um “quadro de referencia narrativo”, um grande raconto alimentado no incitamento de oferecer respostas para a expectativa do futuro diante da memória histórica e condição social relacionados aos mesmos fatores histórico-políticos. O cristianismo foi uma irrupção de uma maneira de estar no mundo, eclodida dentro de um caldo fervilhantes de diversas outras maneiras na fonte comum do Judaísmo do Segundo Templo. O arrabalde cultural carregado de teologia, que era a luz sob a qual o povo se interrogava sobre sua identidade e seu destino.

A visão de mundo básica, referenciada na história – passada, presente, possibilidades ( e ansiedades) futuras – e ultrapassando-a, articulava símbolos, costumes, narrativas, perguntas e respostas. Wright delineia essa busca em termos de: “Quem somos? Onde estamos? O que está errado? Qual a solução? Como virá?”

Interessante é que tomando este ponto de partida, vemos como apropriadamente serve para contemplar a característica narrativa dos evangelhos tratando-a adequadamente no momento que se toma como fonte para o estudo histórico crítico. É algo que o eminente filósofo Alasdair MacIntyre, chama a atenção:
O que chamo de história é uma narrativa dramática encenada, na qual os personagens também são autores. Os personagens, naturalmente, nunca começam literalmente ab initio; eles mergulham, in medias res, o iniciar de sua história já feito para eles por quem ou pelo quê passou por lá anteriormente.
(...)
O homem é, em seus atos e trabalhos, bem como em suas ficções, essencialmente um animal narrador de histórias. Não é, em essência, mas se torna no decorrer de sua história, um contador de histórias que aspiram à verdade. Mas a questão principal não é sobre sua própria autoria; somente posso responder à questão ‘O que devo fazer?’ se souber responder ao questionamento: ‘De que história ou histórias eu estou fazendo parte?’ [1]
Tom Wright advoga que a memória coletiva dos judeus ainda era marcada por um senso de continuarem no “Exílio”, sendo que mesmo após o retorno do cativeiro babilônico, continuaram dominados por nações estrangeiras, se debatendo sobre o porvir das promessas proféticas de Isaías, Ezequiel, etc., que do contrário estariam frustradas. Assim, aguardava-se a forma como YWHW iria intervir para novamente libertar e restaurar seu povo, tal como no Pentateuco. Wright aponta algumas referências na literatura do Judaísmo do Segundo Templo, como o livro de Baruc e os capítpulos 13 e 14 do livro de Tobias. 

 Assim, as respostas para as questões básicas levantadas giravam em torno de: “Nós somos Israel, o verdadeiro povo do deus criador; nós estamos em nossa terra (e/ou dispersos fora de nossa terra); nosso deus ainda não nos restaurou completamente como um dia o fará; portanto, nós buscamos restauração, que incluirá a justiça de nosso deus sendo exercida sobre as nações pagãs.”  [2]

Nuances de amplo espectro se davam entre diferentes grupos dentro do judaísmo. Era muito forte e intensa a expectativa de haveria uma vindicação do povo pela divindade israelita, com uma ação com impacto em todo o mundo e um grande julgamento final dos seres humanos. [3]

Tal maneira de pautar um programa de estudo histórico pode causar um estranhamento. Talvez essa abordagem enquadrando em um “grande quadro narrativo” retire o rigor científico minucioso; talvez esteja por demais configurado por e mergulhado em temáticas teológicas e assim constituir-se-ia uma agenda teleológica. Como Craig Keener acentua nesta entrevista:
Tom é mais sintético: ele brilhantemente reúne um vasto conjunto de ideias e vê como elas se encaixam. Eu faço um pouco disso, mas acho que sou uma pessoa mais detalhista: eu gasto muito tempo matutando através de textos antigos individuais e vendo onde a evidência me leva. Tom é muitas vezes mais diretamente teológico, eu sou quando eu prego, mas em alguns dos meus trabalhos acadêmicos despendo muito tempo em detalhes históricos. Eu acho que Tom também se concentra mais na leitura do Novo Testamento através da lente do Antigo Testamento.  
Eu gostaria de contribuir para nos ajudar com tais dúvidas, tratando de uma abordagem de um cientista social com formação e interesse totalmente diverso, a respeito de um tema histórico completamente diferente. Peço licença para fazer uma divagação por um assunto de interesse distante da proposta do blog, mas que nos ajudaria a captar melhor a propriedade desta proposta do Wright, para quem quiser fomentar a análise crítica.


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Immanuel Wallerstein e o aflorar ideológico da Modernidade

 Immanuel Wallerstein teve como formação o B.A. (1951), M.A. (1954) e Ph.D. (1959) na Universidade de Columbia, Nova Iorque; fora professor distinto de sociologia da Universidade de Binghamton (SUNY) de 1976 até sua aposentadoria em 1999, além de chefe do Centro Fernand Braudel para o Estudo das Economias, Sistemas históricos e Civilizações até 2005.

Wallerstein ocupou vários cargos como professor visitante em universidades em todo o mundo, recebeu vários títulos honoríficos, de forma intermitente serviu também como Directeur d'Études Associé na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, foi presidente da Associação Internacional de Sociologia entre 1994 e 1998. Durante os anos 1990 , ele presidiu a Comissão Gulbenkian sobre a Reestruturação das Ciências Sociais. Em 2000 ingressou no Departamento de Sociologia de Yale como Pesquisador Sênior. Em 2003 recebeu o Prêmio Career of Distinguished Scholarship dos Estados Unidos. Sua grande contribuição revolucionária para o mundo do conhecimento das Ciências Sociais foi como, a partir da sistematização e reformulação de categorias de Karl Marx,  Nikolai Kondratiev, Max Weber, Karl Polanyi, Fernand Braudel, da Teoria da Dependência, dos estudos do pós-colonialismo, criador da Análise de Sistemas-mundo

O cientista social engendra uma explicação para o irromper de três movimentos ideológicos marcantes do mundo moderno: o conservadorismo, o liberalismo e o socialismo. A apresenta dentro de um plano maior que contempla uma grande narrativa que combina revoluções estruturais na história que perpassavam preocupações, angústias e aspirações no imaginário e no inconsciente coletivo das pessoas do ambiente social e cultural de onde irromperam. Ele situa esta emergência em um intervalo que compreende o período em torno da Revolução Francesa. E que esta se dera, concomitante, no mesmo bojo , tendo um suscitado e desencadeado outro. Foram as racionalizações de respostas que se fizeram necessárias a temas cuja resolução exigia uma postura social e programas políticos, sendo que não se engendrara, porém, apenas como questão intelectual, mas de alternativas sociais e existenciais para as pessoas. Dentre a vasta obra, dois artigos podem ser selecionados para nossos fins. “The West, capitalism, and the modern world-system”, e “The French Revolution as a World-historical Event. In Unthinking Social Science: The Limits of Nineteenth-century Paradigms”. 

Seu raciocínio é desenvolvido apontando que a partir do século XVI irrompera um novo Sistema Histórico, o Capitalismo Histórico. Um "sistema histórico" se constrói de vários tipos de instituições as quais governam, ou moldam a ação social de forma a manter e operar os mecanismos básicos deste sistema, proporcionar relativa coesão social entre pessoas e grupos para que o comportamento seja compatível com esse sistema no grau mais ótimo possível, em torno de uma divisão do trabalho que lhe permite sustentar-se e reproduzir-se. Articula assim essas instituições, que agem reciprocamente de maneira econômica, política, sociocultural, de forma que o sistema “funcione em essência em termos das consequências de seus processos internos". [4]

Este sistema viera se formatando a partir de processos já desencadeados em que o autor destaca as cidades-estado italianas e o centro financeiro em flandres. E a grande irrupção adviera com os empreendimentos de grandes navegações e a chegada europeia nas Américas. Na mesma zona geocultural onde então predominavam os sistemas feudais, estes foram substituídos pelo Capitalismo Histórico. Nos padrões de mudanças de sistema que o autor articula, o que ocorrera fora que o sistema anterior ao capitalismo histórico experimentara a falência das estruturas e tendências seculares que garantiam a viabilidade renovada de suas instituições, não podendo mais fazer “os ajustes necessários para continuar operando segundo suas próprias regras”. 

Três instituições-chave entraram em colapso: o Senhorio, os arranjos estamentais, a igreja. “De um modo geral, as estruturas políticas estavam a tornar-se mais fracas, e a sua preocupação com as lutas internas dos politicamente poderosos significava que pouco tempo restava para reprimir a força crescente das massas da população. O cimento ideológico do catolicismo estava sujeito a uma grande tensão”. Convulsões demográficas desestabilizavam o sistema de servidão na terra dos senhores feudais, além de insurreições camponesas. As lutas entre as nobrezas mais a queda na arrecadação colapsaram os estados reais; isto enfraqueceu também economicamente a igreja, gerou dificuldade de sustentar sua autoridade ao mesmo tempo que fomentou grupos libertários no seu interior. 

Immanuel Wallerstein aponta que normalmente na história, sistemas assim desmoronam e os estratos governantes se renovam devido, mais frequentemente, a conquista externa ( um parâmetro que poderia servir para analisar a história judaica). Não tendo sido possível, e com o colapso do papel destas instituições no feudalismo, um fator emergente que assumira preponderância fora o “capital”. Passou a ser uma força de motivação social e dinâmica econômica à medida que firmou-se a característica primária de ser acumulativo autorreplicante, rompendo todos os constrangimentos culturais. O grande fator a destravar qualquer instituição inibidora para a “Mudança Social” e a mais potente “força motivadora”. [5]

O que fora catalizado então se estabelecera como elemento aglutinador da "geocultura", segundo o autor, com a eclosão da Revolução Francesa. É a questão definidora de como o autor delineia a “Modernidade”, como uma combinação de uma determinada realidade social com uma determinada “Weltanschauung”, ou visão de mundo geral. A Revolução Francesa fora assim um “ponto de inflexão” no qual se gerara respostas, em forma de programas socioculturais, à pautas civilizatórias para o horizonte, de forma a propiciar a realização das pessoas na sociedade; pautas estas: a “Mudança social, estabelecida agora como algo 'normal', 'inevitável' ”; a questão da legitimidade do poder político, ou 'a questão da soberania'."

A resposta inovadora viera nos tons dos apelos ao “progresso” e à “soberania popular”. E as três ideologias se concatenaram como respostas diferentes dadas a estas questões. Para o “Conservadorismo”, a mudança social poderia representar um perigo se não fosse bem “circunscrita” e limitada; para o “Liberalismo” [político], ela deveria ser administrada tecnicamente; para o “Socialismo”, deveria ser acelerada com luta política. Os liberais tenderam a representar o “povo” com a figura abstração do “indivíduo” em suas competências; os conservadores, em termos dos grupos “tradicionais” em graus hierárquicos na sociedade; os socialistas (antes, chamados "democratas"), em termos mais totalizantes e universais, embora enfatizando o recorte dos trabalhadores não-capitalizados. [6]

Enfim, para o interesse estrito da nossa apresentação, é importante destacar que, a despeito das grandes diferenças, vemos paralelos em dois tratamentos de origens de grandes movimentos socioculturais em reação a memórias históricas dentro de realidades sociais, em busca de configurar um cenário para o futuro. O autor trabalhou com um amplo plano temporal de escala analítica para analisar o que suscitara as inquietações e anseios a que os movimentos ofereceram como resposta para o povo.  Chama a atenção o quanto, considerando a matéria histórica tratada, o período, o foco e o fenômeno histórico, impera a necessidade de não somente ter sensibilidade para, diálogo com, mas embebimento em discussões de filosofia política. Assim também nas origens cristãs, para com inquéritos teológicos. 

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Ainda dentro da discussão dos aspectos básicos do programa de pesquisa de Wright, ele esmiúça um pouco mais questões de metodologia. Promove uma recapitulação dos diferentes estados da arte do campo de pesquisa desde o século XIX até os anos 90. Perpassa as críticas de Johannes Weiss e Albert Schweitzer aos contemporâneos que produziam um Jesus "sem escatologia", reproduzindo-o às suas imagens e semelhanças. A escola fideísta de Bultmann, às preocupações alemãs com os "ditos mais originais" que se espalharam pelo ambiente de língua inglesa, à inflexão com a ambientação judaica... Apresenta as teorias, os pressupostos, promovendo uma discussão crítica quanto até que ponto contemplavam as realidades do período histórico das origens cristãs. Ele promove uma comparação entre as abordagens positivistas ou objetivistas (afirmam que as entidades postuladas pelas teorias são realidades possíveis de serem captadas à parte da interferência do observador, interessando-se pela captura dos “fatos históricos” objetivos, a priori da interpretação), e as fenomenológicas-construtivistas ( se interessam pelo que se pode apresentar a respeito do “fenômeno” observável, não pela “coisa-em-si”, ou o “fato-em-si”, a preocupação focal é quanto aos procedimentos descritivos e suas propriedades), apontando pontos fracos e pontos fortes. 

A partir daí ele explica sua posição que considera escapar das armadilhas das outras duas e unir o que de mais teriam de consistente: o Realismo Crítico. Esta [ i.e., o Realismo Crítico] é uma maneira de descrever o processo de "saber" que reconhece a realidade da coisa conhecida, como algo diferente do que é o conhecedor (daí o ‘realismo’), enquanto também reconhecendo plenamente que o único acesso que temos a esta realidade encontra-se ao longo do trajeto em espiral de diálogo adequado ou uma conversa entre o conhecedor e a coisa conhecida (daí o 'crítico’). Este caminho leva à reflexão crítica sobre os produtos do nosso inquérito sobre a ‘realidade’, para que nossas afirmações sobre ela reconheçam a sua própria provisoriedade. O conhecimento, em outras palavras, embora em princípio concebe a realidade independente da mediação do conhecedor, nunca é em si mesmo independente do conhecedor.  [7] 

 Desta forma, ele acredita que a epistemologia para o estudo do caráter literário dos evangelhos pode se envolver com eles, sem se deixar ser tomada e perder o caráter crítico. Fechando uma encorpada sessão em que analisa a paisagem sociocultural da Palestina do século I d.C., ele recapitula eventos-chave para entender como se chegou àquele cenário; destarte ele explica a formação dos diferentes “partidos” no Judaísmo de então, os ramos mais sectários, e os pontos que ele considera em comum, elementais para se chamar Judaísmo. Ele focaliza sua preocupação depois com a vida e mentalidade do “judeu comum”. 

Assemelha-se este foco com o que o historiador Fernand Braudel chamava de “vida material”: 
Parti do cotidiano, daquilo que, na vida, se encarrega de nós sem que o saibamos sequer: o hábito ­ melhor, a rotina ­ mil gestos que florescem, se concluem por si mesmos e em face dos quais ninguém tem que tomar uma decisão, que se passam, na verdade, fora de nossa plena consciência. Creio que a humanidade está pela metade enterrada no cotidiano. Inumeráveis gestos herdados, acumulados a esmo, repetidos infinitamente até chegarem a nós, ajudam-nos a viver, aprisionam-nos, decidem por nós ao longo da existência. São incitações, pulsões, modelos, modos ou obrigações de agir que, por vezes, e mais freqüentemente do que se supõe, remontam ao mais remoto fundo dos tempos. [8]                                                     
Chama a atenção que tal historiador também trabalha com um vasto horizonte analítico, chamado "longue durée", marcado por interações físicas, ecológicas, geográficas, socioculturais, numa escala de tempo em que há estruturas básicas comuns.

Tom conclui que os judeus eram rigorosamente monoteístas, referendando-se no atributo criador da divindade, igualmente no papel redentor e escatológico, aguardando que ela os resgataria e livraria de toda dominação. Mais controvertida é sua posição de que as imagens e descrições apocalípticas, sobre fenômenos de cataclismos terrenos e cósmicos, eram figuras para expressar mudanças procelosas em toda ordem mundial [ similares seriam Richard Horsley, “Jesus e a Espiral da Violência”, pgs 118-128; Marcus J. Borg [ (embora o tom na escatologia de Wright seja muito mais proeminente), Conflict, Holiness and Politics in the Teachings of Jesus, pgs 22-35] , 


Para corroborar sua posição, procede uma análise dos capitulos clássicos apocalípticos em Daniel e na literatura chamada pseudepígrafa. Essa foi a matiz cultural e motivacional para os nascimento do cristianismo. Wright aponta que a literatura cristã está marcada pela convicção de que os cristãos viram esta redenção expressa no Messias Jesus, narrando suas histórias na perspectiva e expetação moldada pela personificação em sua obra dos temas do “êxodo, conquista, exílio e restauração” - “batismo , ministério, morte, ressurreição, ascensão”; paralelos com figuras como Samuel, Davi, Elias, Eliseu expressadas em João e Jesus, projeções da imagem do Lógos... em Jesus eles viram o cumprimento das promessas do judaísmo e assim configuraram seu narrar sobre ele. 

Aqui temos uma síntese das conclusões a que chega:

Essa idéia do plano a ser revelada é novo, caracteristicamente judaica, e os contemporâneos de Jesus tinham desenvolvido uma forma complexa de pensar nisso. Eles usaram imagens , muitas vezes sensacionalistas e espetaculares, elaborada a partir das Escrituras , para falar sobre coisas que estavam acontecendo no mundo público, o mundo da política e da sociedade, e dar a esses acontecimentos o seu significado teológico. 

Assim, ao invés de dizer "Babilônia vai cair, e isso vai ser como um colapso cósmico", disse Isaías: "O sol escurecerá, a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu". (Isaías 13:10). A Bíblia Judaica está repleta de tal linguagem, que é muitas vezes chamada de "apocalíptica", e seria um grande erro imaginar que tudo estava predestinado a ser tomado literalmente. Era uma forma, para repetir ponto, de descrever o que poderíamos chamar de eventos no espaço-tempo e investi-los com o seu significado teológico ou cosmológico. Os judeus da época de Jesus não estiveram, em grande parte, a esperar que o universo no espaço-tempo chegasse a ficar inerte. Eles esperavam que Deus iria agir de forma tão dramática dentro do universo no espaço-tempo, como ele tinha agido antes em momentos-chave, como o Êxodo, que a única linguagem apropriada seria a linguagem de um mundo desmontado e renascido. 

Estes avisos se agrupam no chamado Breve Apocalipse de Marcos 13 e seus paralelos em Mateus 24 e Lucas 21. O capítulo inteiro é para ser lido, sugiro, como uma previsão não do fim do mundo, mas da queda de Jerusalém. A coisa crítica, aqui e alhures, é entender como funciona a linguagem apocalíptica. Como eu disse antes, a linguagem do sol e a lua se escurecendo, e assim por diante, é regularmente usada nas Escrituras para designar as grandes convulsões políticas ou sociais da ascensão e queda de impérios, como nós dissemos, e, pelo uso dessa linguagem, para conotar de significado cósmico ou teológico que eles atribuem a esses eventos. [9]

A linguagem de Marcos 13 então, sobre o Filho do Homem vindo sobre as nuvens não deve ser tomada literalmente a ferro e a fogo, como no decurso de gerações de ambos, estudiosos críticos e crentes não-críticos têm tomado. A linguagem aqui é retirada de Daniel 7, onde os eventos referidos são da derrota e do colapso dos grandes impérios que se opuseram ao povo de Deus e à vindicação do verdadeiro povo de Deus, os 'santos do Altíssimo'. A frase sobre "o filho do homem vindo sobre as nuvens" não iria ser lida, por um judeu do primeiro século debruçado sobre Daniel, como se referindo a um ser humano "aproximando-se" para baixo em direção à terra montado em uma nuvem real . Ele seria visto como a previsão de grandes eventos e através dos quais Deus iria vindicar seu povo verdadeiro após o seu sofrimento. Eles "chegariam", não à terra, mas a Deus. 

Jesus está assim usando alguns temas-padrão dentro da expectativa judaica do Segundo-Templo de uma forma radicalmente nova. Ele estava tomando o material sobre a destruição da Babilônia, ou Síria, ou quem quer que seja, e aplicando-o a Jerusalém. E redirecionando para ele e seus seguidores as previsões proféticas de vindicação. [10]    


Para ser possível concatenar coerentemente a partir desta verificação, Wright observa que é crucial conseguir engendrar uma análise da mentalidade motivacional das visões de mundo, se atendo ao estudo histórico e evitando psicologizar conjecturas, algo que está em descrédito fazem muitos anos nos estudos bíblicos. Desta forma ele adapta ferramentas desenvolvidas pelo semiólogo lituano Algirdas Julien Greimas  nos seus estudos sistemáticos das personagens das narrativas, de acordo com as interações nas sequências ao longo do esquema narrativo [11], onde a narratividade pode ser compreendida como um elemento organizador e fundador do sentido, o modo de se aperceber do sintagma; desta forma, um número finito de temas funcionais justapostos em oposição binária com possíveis papéis ( sujeito-objeto; emissor-receptor ; ajudante-adversário ) geraria as estruturas que chamamos de histórias. Com isto N.T. Wright consegue entretecer as perícopes dos evangelhos, que narram eventos e proclamações independentes, em um enredo interligada com o grande plano geral que traça afim de captar um sentido contatenado através das ações nas tramas. 

 É o ponto a partir do qual ele chega a uma das principais problematizações que desenvolve: a esperança judaica. Ele rechaça tentativas de se trabalhá-la em esquemas sistemáticos de dogmática; antes de tudo, para Wright, se dava como reação às pressões de dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais, sempre sob o auspício da humilhação da dominação romana e opressão pelos líderes vassalos de Roma. Isso acrescenta altissonância ao centrar na “vinda do Deus de Israel” para a libertação nacional, em contraste com expectativas de desencarnação para sobrevivência post-mortem. [12]

Tal abordagem inverte os lugares-comuns sobre o “legalismo” judaico para com a Lei (Torá); as observâncias de regras de pureza não eram para “ganhar a salvação individual”, mas a sua tônica era a preocupação em manter sua distinção dado por Deus em contraste com as nações pagãs , especialmente aquelas que se julgavam como estando a oprimi-los. Era a demarcação do “povo da aliança”; as “obras da Torá" não eram degraus de uma escada legalista, na qual alguém subia para ganhar o favor divino, mas foram os emblemas que se usavam como as marcas de identidade [13]

Isto é o que ele focaliza o conceito de narrativas formadoras de identidades, em que podemos recapitular: 

Assim é então como ela deve ser entendida, lida em contextos apropriados, dentro de uma acústica que irá permitir os seus tons serem ouvidos. Deve ser lida com distorção tão pouca quanto possível, e com a sensibilidade , tanto quanto possível aos seus diferentes níveis de significado. Estes devem ser lido como histórias, e a História, à qual se diz poder ser consistente chegar com as histórias, e não como formas de declarar 'ideias a-históricas'. Deve ser lida sem o pressuposto de que já sabemos o que vai se dizer, e sem a arrogância que assume que 'nós '- que pode ser qualquer grupo- já temos direitos ancestrais sobre esta ou aquela passagem , livro, ou escritor [14] .

Desta forma está preparado o palco interativo para “Jesus and the Victory of God”. Wright postulando um critério que ele chama de “Dupla Similaridade e Dupla Dissimilaridade” [15] 

Dupla Similaridade tenta descobrir como Jesus cabe dentro judaísmo do primeiro século e como tal um Jesus Judeu poderia explicar a ascensão do cristianismo primitivo. A Dupla Dissimilaridade procura explicar por que Jesus foi rejeitado pelo judaísmo e como as tradições evangélicas, devido à sua dissemelhança , não poderiam ter se originado dentro da igreja primitiva. Assim, sua principal ferramenta é muito mais abrangente do que o muito mais limitado “critério de dissimilaridade”. Com ela, vai se afigurando uma figura profética peculiar, que passava de aldeia em aldeia, dizendo substancialmente as mesmas coisas onde quer que fosse, com variações e novidades surgindo em resposta a uma situação nova, um questionamento afiada ou desafio. Contudo, com o critério da Dupla Similaridade Wrigth postula que Jesus repetira certas parábolas-chave muitas vezes, provavelmente com pequenas variações . . . 

Meu palpite seria que temos duas versões da parábola Grande Ceia , duas versões da Parábola dos Talentos/Libras, e duas versões das Bem-aventuranças, não porque um é adaptado a partir do outro, ou ambos a partir de uma fonte comum de um único escrito, mas porque estas são duas em uma dúzia ou mais variações possíveis que, se alguém tivesse estado na Galileia com um gravador poderia ter 'recolhido' " [16].

Wright desmembra esta imagem na parte 2 do livro, "Perfil de um Profeta". Ela consiste em seis capítulos. No Capítulo 5, intitulado " A Práxis de um Profeta", Wright, com as ferramentas acima apontadas, argumenta que a melhor categoria para classificar Jesus é a de uma “ Liderança Profética e Oracular" (162-68 ). Explica de forma meticulosa nos capítulos 6, 7 e 8; "Histórias do Reino", subdivididos em "Anúncio", "Convite, Boas-vindas, Desafio e Convocação"e "Julgamento e Vindicação". Prossegue com o capítulo 9 intitulado "Símbolo e Controvérsia", onde discute as ações de Jesus e os ensinamentos sobre o símbolos da identidade judaica, ou seja, Sábado , Comida, Nação, Terra e Templo, problematizando o emprego próprio por parte de Jesus dos símbolos do Reino, que tratam do “retorno do exílio”, a “restauração da terra e da nação”, a “nova família de Deus”, “o culto renovado”. 

Wright ilustra um exemplo de atitude de arrependimento individual análogo nos escritos de Josefo, descrevendo um chefe de turba de bandidos tramando contra sua vida, ao passo que Josefo lhe diz: “Eu gostaria, no entanto, de desculpar suas ações se ele mostrasse arrependimento e provasse sua lealdade a mim”. É uma alusão que transmite a introspecção necessária para a conclamação de Jesus “se ele arrepender e crer em mim”. [17]


 “A parábola do filho pródigo é a história do exílio de Israel e sua restauração. Este é o tema principal. 

A Babilônia tinha tomado o povo em cativeiro; Babilônia caira, e voltou o retornara. Mas nos dias de Jesus muitos, se não a maioria, dos judeus consideravam o exílio como ainda a permaneccer. O povo voltou em sentido geográfico, mas a grande profecia de restauração ainda não tinha chegado realmente. O que Israel fazia? Porque, se arrependera-se do pecado que o havia levado ao seu exílio, e retornara a YHWH com todo o seu coração, então quem ficara em seu caminho para evitar seu retorno? A multidão mista, e não menos importante os samaritanos, tinham permanecido na terra enquanto o povo estava no exílio. Mas Israel iria voltar, submisso e redimido: os pecados seriam perdoados, a aliança renovada, o Templo reconstruído e os mortos ressuscitados. O que seu deus havia feito por ela no êxodo . . . ele iria enfim fazer de novo, ainda mais gloriosamente. YHWH finalmente tornar-se-ia rei, e faria por Israel, em aliança de amor, o que os profetas haviam predito. [18]

(...)"Aqueles que reclamam [ representados pelo irmão mais velho na parábola ] do que está acontecendo estão escalado para o papel do judeus que não foram para o exílio, e que se opunham as pessoas que regressaram.  Eles são, com efeito, virtualmente samaritanos" [19]

 O tema de Jesus assim seria eminentemente escatológico, e assim se descortina seu senso de vocação em sua pregação e visão de seu papel: 

Se, então , alguém fosse falar com os contemporâneos de Jesus de YHWH tornando-se rei, podemos seguramente assumir que eles têm em mente, de uma forma ou outra, essa história de dois lados sobre a dupla realidade de exílio. Israel faria "realmente" o retorno do exílio; YHWH finalmente retornaria a Sião. Mas, se isto viesse a acontecer teria que ser um terceiro elemento, tal como: o mal, geralmente em a forma dos inimigos de Israel, deve ser derrotado. Juntos, esses três temas formar a metanarrativa implícita na línguagem do reino”. [20]

 E consequentemente articula o programa do ideário do nascer do cristianismo: 

A práxis de Jesus, histórias e símbolos, assim, indicam suas respostas, implícitas e às vezes explícitas, às cinco grandes questões da visão de mundo: 'Quem somos nós?' Jesus e seus seguidores formam o povo do real retorno do exílio, o remanescente, a semente, o pequeno rebanho. 'Onde estamos?' Estamos na terra, embora ainda dominados, mas o nosso Deus nos fará herdar a terra. 'Em que tempo estamos?' Em tempo de crise, a grande tribulação através da qual o reino virá, o momento tão esperado, quando o Êxodo será re-promulgado, quando terminará o exílio, o mal será derrotado e YHWH irá retornar a Sião. 'O que está errado?' O mal está desenfreado não apenas dentro do paganismo, mas dentro de Israel: do regime opressivo dos chefes sacerdotais para os movimentos populares revolucionários, o mal do mundo radicalmente infectara Israel também. 'Qual é a solução?' Tudo o que sabemos sobre Jesus sugere que, no fundo de seu coração, ele deu a resposta: 'Eu sou'.  [21]



[1] MacINTYRE, Alasdair. After Virtue. Indiana: University of Notre Dame, 1984, pgs.215-16.
[2] The New Testament and the People of God, pg. 118.
[3] como desenvolvido em "The New Testament(...)", parte 3.
[4]  “The Rise and Future Demise of the World Capitalist System: Concepts for Comparative Analysis”, republicado em WALLERSTEIN, I. The Essential Wallerstein. New York: The New York Press, 2000
[5] “The West (...)”, pgs. 561-619.
[6] “The French Revolution”(…) pgs. 7-22.
[7] The New Testament and the People of God, pg. 35
[8] BRAUDEL, Fernand. (1987), A dinâmica do capitalismo.  Rio de Janeiro, Rocco. pg. 13-14
[9] em "The Challenge of Jesus", 38
[10] The Challenge of Jesus, 51
[11] conferir GREIMAS, A. J, Semântica Estrutural: Pesquisa de Método, Ed. Cultrix, Säo Paulo, 1976
[12] The New Testament and the People of God, 169-170
[13] The New Testament and the People of God, 237-238 
[14] Jesus and the Victory of God, pg. 6
[15] Jesus and the Victory of God131-33.
[16] Jesus and the Victory of God, 170
[17] Jesus and the Victory of God, 250
[18] Jesus and the Victory of God, 126-127
[19] Jesus and the Victory of God127
[20] Jesus and the Victory of God206.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Cristologia e Messianologia Centrífuga e Centrípeta no livro de Hebreus


Em uma postagem, “Transculturalismo e retórica nocristianismo nascente”, fiz umas asserções polêmicas em relação a questão da evolução da cristologia e do ideário em torno da figura de Jesus ao longo do período inicial de desenvolvimento do cristianismo.

Ela bate de frente com a perspectiva da formação paulatina através do sincretismo e assimilação de idéias alheias as quais não encontravam fundamento ou ressonância em períodos anteriores, emergindo assim destas incorporações, uma configuração completamente nova em relação à matiz judaica da igreja nascente.

Nesta postagem, trabalhei primeiramente com pontos de retórica paulina, argumentando que ela adotava estratégias e pontes que consistiam em “em reapresentar e/ou confrontar termos e formulações de doutrinas ou pensamentos alternativos e/ou divergentes de maneira a usa-los como apoio ao seu evangelho, como instrumento de demonstração do papel de Jesus num quadro de pensamento mais amplo numa atividade fagocitária.” E mais adiante afirmei que (...)”O autor de Efésios, na linha do ambiente de Paulo, utiliza a mesma estratégia”.

Para poder ter uma visualização mais próxima, nesta postagem agora debruçaremos especificamente em um documento importante no Novo Testamento, emanado de e para um ambiente judaico helenizado. Já fora mencionada na postagem sobre a qual comentara, que “Perspectivas, crenças e expectativas judaicas que eram polêmicas para com o cristianismo poderiam ser sujeitas do mesmo recurso tal como mencionamos em relação às outras linhas de pensamento ou visões de mundo. O livro de Hebreus ilustraria isso através das diversas drashs - 'interpretação; descobrir o significado através da midrash, por comparação palavras e formas e também por ocorrências semelhantes noutros locais'- desenvolvidas envolvendo a figura de Melquisedeque, Moisés, os serviços rituais do Templo...”

Este livro possui datação controversa, variando entre os especialistas de ser dos meados dos anos 60 a última década do século I. Eu me inclino a considerar ser de pouco após a destruição do Templo de Jerusalém. O autor é ainda mais controverso, para o qual temos menos dados aproximativos ainda e o grau especulativo é bem maior. É notório que se trata de algum judeu helenizado e bastante culto, conhecedor de técnicas rabínicas de exegese e exposição.

foi apresentado aqui no blog um importante autor e pesquisador, David Flusser, com um ímpar conhecimento de fontes judaicas do século I a.C., e dos sécs. I e II. Em um importantíssimo trabalho [1],  ele se debruça sobre a retórica e matiz hermenêutica do autor de Hebreus.

Flusser apresenta uma série de discussões presentes em Midrashs (sobretudo de Salmos como o 8, 22, 68, 84, 110), targuns aramaicos (sobretudo do livro de Isaías e Zacarias), comentários presentes nos manuscritos do Mar Morto, Documento de Damasco, Pergaminho de Ação de Graças, debates entre rabinos e escolas rabínicas, em que se debate o papel e o grau do status do Messias; em que são justapostas as figuras do Messias Sacerdotal, de descendência levita e referenciando-se a Aarão, com o Messias de Realeza, referenciando-se em Davi, com escolas diferentes exaltando um a mais do que outro. Discussões envolvendo traduções e interpretações bíblicas, incluindo a versão da Septuaginta, sobre interpretações diferentes dos status dos anjos, ante à figuras importantes no imaginário judaico, como Moisés, Abraão, Davi, Zorobabel, e o Messias, com diversas apontando o status superior deste. Também com Melkizedeque, que é visto como uma figura de expressão de Deus, até mesmo com um ser arquetípico da realeza davídica (Malkhi-Zedek = Rei de Justiça). Essas figuras apareciam em diversas expressões, como mais exaltadas ontologicamente do que qualquer outro ser humano, a nível acima do humano.

O autor de Hebreus teria se engajado então em toda essa matiz, em que haviam debates contemporâneos a ele, que permaneceram por tempos, mas também diversos textos atestando controvérsias anteriores, como os Salmos de Salomão, que permaneciam fortes em seu tempo. Ele teria usado um método de argumentação semelhante às discussões rabínicas, pegando o gancho para trazer para discussões internas nas igrejas cristãs judaico-helênicas, com uma noção nova, em que imagens e artes retóricas são tomadas de empréstimo de forma útil para apresentar a superioridade de Jesus Cristo e seu papel elevado exaltado ao lado de Deus. Combinaria já na glorificação de sua missão terrena o papel presente do Mais Alto Sacerdote, junto com Deus, com sua obra presente, ainda a ser consumada, de Grande Juiz e Rei sobre o cosmo. Sua eternidade com a ressurreição, sua preexistência na hipóstase da “Sabedoria” de Deus, seu papel de Filho ante aos ministradores e servos, o testemunho direto de Deus, são motivos invocados ligados com passagens-chave dos debates.

Segundo Flusser (pg 38, 39), 

Por um lado, o tema principal de Hebreus é a tentativa de provar, a partir das Escrituras, que a nova dispensação é superior à antiga e que, para esse propósito, o autor tenta persuadir seus leitores da vantagem de Cristo como Filho de Deus sobre várias personalidades, instituições e criaturas celestiais do Velho Testamento. Por outro lado, a justaposição não se origina de uma luta espiritual entre a nova comunidade cristã e a velha comunidade de Israel, ou um de seus grupos. Pelo contrário, o autor cristão toma, para sua polêmica, material literário do judaísmo de seu tempo. Os próprios judeus, em debates internos ou num esforço comum, estavam então discutindo o grau mais alto ou mais baixo de personalidades bíblicas e criaturas celestiais.(...)
A fusão de idéias e motivos judaicos com a nova perspectiva cristã é típica não apenas da Epístola aos Hebreus, mas também de todos os escritos do segundo estrato do cristianismo.
(...)Temos de lembrar que nem todos os motivos usados no cristianismo do Novo Testamento a fim de descrever o caráter divino de Cristo e sua tarefa cósmica são especificamente cristãos. Muitos deles se originaram de especulações judaicas sobre a pessoa e grau do Messias e figuras bíblicas, bem como de outros theologoumena judaicos.

Outros pesquisadores de formação diversa detêm-se em pontos específicos que ampliam nossa percepção a respeito deste trabalho no livro.

Christopher Richardson [2], PhD pelo Covenant Theological Seminary, argúi a respeito da discussão do autor de Hebreus circundando a figura enigmática de Melquisedeque, que sua discussão visa ao ponto de que “(...)Como Melquisedeque , a quem 'não tem fim de dias' mas 'para sempre permanece sacerdote',  o sacerdócio de Jesus também 'é dependente da....qualidade de vida' que ele possui (78). No caso de Jesus , é vida ressurreta que é decisiva , já que ele se 'tornou-se um sacerdote ... através do poder de uma vida indestrutível' (7:16 , ver também 7:24-25)" .


Tratando da arte argumentativa do autor, Herbert W. Bateman, professor de Novo Testamento no Southwestern Baptist Theological Seminary em Fort Worth, Texas, faz [3] uma contribuição colocando as abordagens das Escrituras pelo autor de Hebreus em paralelo com documentos de Qumrã e as sete regrasexegéticas atribuídas a Hillel, no que frisa a questão messiânica da realeza davídica.

Pamela Eisebaum [4] professora Associada de Estudos Bíblicos e Origens Cristãs,no Center for Judaic Studies da Universidade de Denver, escreveu uma importantíssima dissertação em que ela expõe sobre Hebreus 11, traçando paralelos com listas de heróis da Bíblia Hebraica, da literatura judaica do século I e listas greco-romanas de heróis. Ela entrevê alusões com retóricas em Aristóteles, Quitiliano, Isócrates e Cícero, deixando evidente, contudo, a proximidade bem maior com as listas judaicas, ainda que em sua complexidade, não fica nada a perder com a retórica helênica, que oferece uma caracterização considerável, em sua multidimensionalidade, para o estudo do capítulo, na estratégia de legitimação da comunidade cristã à qual o livro é endereçado.

Análises de pequenas partes-chave do livro servem para assentar de maneira mais opaca este vislumbre.  Craig Keener, Ph.D. na Universidade de Duke, professor de Novo Testamento no  Asbury Theological Seminary, discorre sobre 2.10 [4]:
O termo archçgos, traduzido “autor”, ou “príncipe”, significa “pioneiro”, “líder” ou “campeão”. O termo era usado para heróis humanos e divinos, fundadores de escolas ou aqueles que cortavam um caminho adiante para os seus seguidores.

Sobre 1.5, uma passagem-chave, Keener explica:
O autor cita o Salmo 2.7 e 2 Samuel 7.14, textos que já haviam sido ligados a especulações sobre a vinda do Messias (nos Manuscritos do Mar Morto). Os intérpretes judeus frequentemente ligavam os textos por meio de uma palavra-chave comum; a palavra aqui é “Filho”. Como muitos outros textos messiânicos, o Salmo 2 originalmente celebrava a promessa para a linha davídica em 2 Samuel 7; a “geração” se refere à coração real – no caso de Jesus, sua exaltação (cf. similarmente a At. 13,33).

Como ressaltado na postagem “Transculturalismo e retórica”, esta estratégia abre campos de pesquisa ampliados sobre a retórica e apologética no cristianismo nascente, com imensa demanda de pesquisadores e trabalhos.

Há um amplo campo sob o escopo do que se mostra como um espectro de tentativas de pensar o divino e sua relação com o mundo à medida que se busca comunicar as convicções do cristianismo nascente acerca do papel de Jesus para com o a história e com o culto e seu papel redentor, de acordo com as matizes culturais do ambiente de vida da igreja nascente. Um marco em amplitude de abordagem e que abre diversos caminhos a serem explorados, dentro do que trabalhamos nesta postagem espeficicamente, relacionando com um ângulo alternativo, o impacto e reação dos rabinos e os reflexos e reações nos movimentos gnósticos,  é a obra de Alan F. Segal, "Two Powers in Heaven: Early Rabbinic Reports about Christianity and Gnosticism".


[1] Flusser, David. “Messianologia e Cristologia na Epístola dos Hebreus”, captulo II de “O Judaísmo e as Origens do Cristianismo”, volume 2. Rio de Janeiro, Imago, 2001. 

[2] Richardson, Christopher; “The Passion: Reconsidering Hebrews 5.7–8” , em Bauckham, Richard; Hart, Trevor; MacDonald, Nathan; Driver, Daniel. eds. “A Cloud of Witnesses: The Theology of Hebrews in its AncientContexts". Library of New Testament. Studies 387

[3] Bateman, Herbert W. “Early Jewish Hermeneutics andHebrews 1:5-13: The Impact of Early Jewish Exegesis on the Interpretation of aSignificant New Testament Passage”.  American University Studies, Series 7: Theology and Religion 193. New York: Peter Lang, 1997.

 [4] Eisenbaum, Pamela Michelle. “The Jewish Heroes ofChristian History: Hebrews 11 in Literary Context”. SBL Dissertation Series 156. Atlanta: Scholars Press, 1997.

 [5] Keener, Craig S. “Comentário Bíblico Atos – NovoTestamento”. Belo Horizonte. Ed. Atos, 2004. “Hebreus” PPS 669-707.


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Jesus Histórico no Brasil: pé atrás e pé na tábua...

Ainda, na virada para 2011, o quadro no Brasil em termos de trabalhos, leituras, publicações e pesquisas, mesmo interesse, acerca do campo de estudos históricos positivos de Jesus e das origens cristãs está num estágio incipiente e com um número relativamente pequeno de pessoas engajadas. Torcemos e buscamos contribuir para difundir este importante campo das humanidades, transdisciplinar por excelência, que abarca a arqueologia, antropologia, história, lingüística, literatura, sociologia, teologia, etc.

Temos alguns espaços com abertura e apoio à pesquisa, como na UFRJ, a Universidade Metodista em SP, a EST de São Leopoldo,algumas PUC’s, como a de Goiás, a UFJF, a UNB dentre outras cujo espaço não permite esgotar.


Agora, infelizmente, nos deparamos sobretudo na internet com algumas declarações que, numa atitude oportunista diante deste cenário, buscam querer imputar às suas posições particulares o caráter de ser “o estado da arte” dos estudos, e muitas vezes, fanfarronices que desrespeitam as demais pessoas que buscam acompanhar o campo de estudo, como se pensassem “estou numa terra de cegos, vou ser o rei de um olho a me lambuzar no melado”.


Com todo o respeito ao esforço do professor da UFRJ André Leonardo Chevitarese, ele é um que tenho visto em menções na internet exemplificar este tipo de atitude, e meu artigo aqui visa contribuir para que estas coisas tenham fim no Brasil. Para tanto, vou trabalhar em cima de um caso em que tal comportamento foi gritante.


Nesta resenha do livro “A Gruta de São João Batista”, ele trata de desancar o professor de arqueologia na Universidade da Carolina do Norte, Shimon Gibson, porque este apresentara posições contra as quais o prof. André tem um antagonismo passional e teleológico. Ele se esquiva e perde o foco em relação a matéria arqueologica propriamente dita.

O professor Gibson é mundialmente renomado, autor de uma prolífica publicação científica no campo, e referência em arqueologia de Jerusalém. Um de seus livros é o aclamado “Archaeological Encyclopedia of the Holy Land”. Acompanhou e participou em primeirão mão de muitas escavações e pesquisas de primeira magnitude no campo arqueológico.  Foi diretor do Departamento de Relatórios Científicos e de Pesquisa na Autoridade para Antiguidades de Israel, de 1995 a 1999.

Um curriculo assim, impressionante posta em paralelo com a do nosso professor André, já serviria para ele, pelo menos, ser mais comedido em críticas, e evitar o ad homine, em nome da respeitabilidade do debate acadêmico.


Chevitarese coloca:
Apesar das discussões trazidas por Gibson, como por exemplo, acerca dos rituais de limpeza judaicos ou sobre o culto em torno das imagens de um pé ou de pés no Oriente Próximo, sempre seguidas de indicações bibliográficas, verifica-se, de forma sistemática, o seu tratamento acrítico em relação à documentação neotestamentária (...)Pode-se mesmo dizer que lhe falta o equilíbrio.

A sobriedade levaria alguém a refletir que, uma pessoa capaz de dar tal tratamento, poderia ter suas posições não acríticas, mas com algum embasamento, ainda que discordantes da do prof. André. Nenhuma pessoa desanca a outra assim de forma tão descuidada, sem lhe dar o bônus da dúvida. Pode ser que André acredite que o minimalismo com relação ao N.T. seja a posição correta, contudo, não pode tropeçar nas suas próprias palavras, e “explorar ao máximo o seu lado sensacionalista, aproveitando a “infantilidade” do leitor para tudo o que diz respeito à religião, independentemente dos campos de experimentação”, buscando incutir que todos os grandes analistas seguem sua tendência, e não há aqueles que divergem dela.

Ele dá vários exemplos de como fica indignado com um tratamento não-minimalista. Não é de nosso interesse aqui discutir todos eles, mesmo porque não acompanho necessariamente o prof. Gibson em todos.

Há bons motivos para ser cauteloso e crítico quanto à narrativa do massacre das crianças por Herodes em Mateus. Mas o prof. André age como um amador apressado em se apoiar nisso:

Pode parecer incrível, mas em nenhum momento o autor se perguntou acerca do paralelismo entre esta história evangélica e aquela referente a Moises, contida no livro de Êxodo; esta relação seria obra do acaso ou uma clara intenção de Mateus em ler Jesus como sendo o novo Moises?

Primeiramente, o paralelo mais próximo a natividade de Mateus não é a história do Êxodo em primeira instância, mas de forma mais afastada. Jesus na narrativa da natividade não é um adulto com protagonismo nas ações, mas uma criança e agente passivo. Não faz nem realiza nada. Está ao reboque dos pais. Não é definitivamente, como Moisés na epopéia. Alguém pode considerar que o paralelo concentra no massacre das crianças - que pode ser lendário ou não. Seria como o eixo em que o resto se encaixa numa engrenagem a girar o mecanismo do "novo Moisés". Seria uma imagem tal qual os eixos das figuras das visões de Ezequiel. Ainda que forneça materiais para a psicanálise se debruçar que de um cesto no rio seguido por uma irmã e encontrado por uma egípcia emane uma família andando num camelo, temos que criar muitas hipóteses ad hoc para confabular uma saga de milhares de crianças massacradas em todo império, potenciais mão-de-obra para um faraó calculista preocupado com exércitos, com um punhado numa vila num momento em que Herodes estava massacrando inimigos até nos sonhos. Está para com isso o mesmo tanto que o peso da estadia e formação no Egito esteve para o Moisés da narrativa quanto o silêncio e mesmo desimportância da estadia do bebê Jesus no Egito em que mal sabemos se influenciou o próximo espirro que deu.

O paralelismo mais imediato é com a antiga Agadah da Páscoa, dos finais do século I a.C. [para conhecê-la melhor, ver L. Filkenstein: “The Oldest Midrash, Pré-Rabbinic Ideals and Teaching in the Passover Haggadah.”]. Chevitarese deveria ter conhecimento disto.

Nessa Midrash, o protagonismo é de Jacó, sendo que no início se abre com “O arameu procurou destruir meu pai”. Se faz aí um trocadilho mesmo entre Labão e Herodes, arameu e idumeu respectivamente ( com grafias parecidas, ‘rmy com ‘dmy), ambos considerados intrusos indesejados no mundo da fé.

Mas a perspectiva dentro do mundo do judaísmo diferia para os autores do evangelho e do agadah. Por exemplo, o evangelista tinha a perspectiva dos anjos como agentes mediadores para a transcedência de Deus e sua ação na Terra; o do agadah é cauteloso com a idéia – “Adonai trouxe-nos do Egito, não por meio de anjo, nem por mensageiro, mas pelo próprio Altíssimo, que seja bendito”, VII.1.

O quadro da agadah oferece a moldura para o relato de Mateus, mas não o seu conteúdo, independente do nível de historicidade que se dê para as diversas cenas da “fuga e regresso da Sagrada Família”.

Pulemos então de analisar caso por caso, para nos atermos a um panorama geral. Pois o panorama que se apresenta o tratamento do professor André ao pesquisador e membro sênior do Instituto de Pesquisa Arqueológica em Jerusalém, editor chefe por duas décadas do "Bulletin of the Anglo-Israel Archaeological Society" por adotar uma visão a qual Chevitarese tem indisposição ex ante, é absurdo. Ademais, no referido livro resenhado o professor Gibson rechaça por completo alguma historicidade na natividade de Lucas. Tal não se enquadra no retrato que de forma oportunista André quis pintar dele como um religioso acrítico por provar a Bíblia com a arqueologia.

Sofregamente, André Chevitarese chega a apelar em sua retórica a reverberando:
mantém a velha tradição editorial deste país de só publicar livros que reforcem a visão fundamentalista na forma de ler e interpretar o material neotestamentário.

Bem, fica claro para quem acompanha o professor que ele considera fundamentalista tudo o que não seja minimalista. Ainda assim, fica estranho para alguém pensar como em tal tradição se encaixa as publicações de Burton L. MackElaine Pagels, Haim Cohl, Santiago Guijarro , os diversos livros de Dominic Crossan, Bart D. Ehrman, e tantos outros? É definitivamente um apelo emocional descuidado.

O “X” da questão está na parte onde o professor André dispara agressivamente:
O clímax da superficialidade das análises documentais, acrescido da necessidade que Gibson tem de reforçar todo e qualquer vínculo entre a gruta de Suba e João Batista é atingido no seguinte ponto:
Acredito firmemente no conceito de longevidade da memória coletiva e no poder da tradição oral [...]” (página 205).        
Só mesmo os mais ortodoxos dos fundamentalistas abonariam uma posição como esta!


Nesta hora, não posso me esquivar de dizer, o professor brasileiro se comporta de forma extremamente imatura.

No livro lançado aqui “Os Últimos Dias de Jesus – A evidência arqueológica”, o professor Gibson fala de si mesmo:

Alguns leitores talvez achem presunção minha, um arqueólogo, escrever sobre o caráter, as realizações e os objetivos de uma personalidade tão importante quanto Jesus. Afinal de contas, bilhões de pessoas em todo o planeta o adoram como o Cristo, o Salvador e como o Filho de Deus. No entanto, minhas opiniões estão expressas aqui de forma sincera, com base em uma análise de dados históricos e arqueológicos a que tive acesso; não tenho interesse pessoal nem religioso de nenhuma natureza e, definitivamente, não desejo ofender ninguém, embora algumas das coisas que digo possam parecer radicais e controversas”.

Sobre os evangelho, ele apresenta sua opinião, que “foram adaptados, enfeitados e alterados pelos redatores" e, portanto, “pode ser perigoso usá-los de forma acrítica e indiscriminada”.
Pgs. 183 e 184.

O retrato que ele concebe de Jesus:
O Jesus histórico, creio eu, era um homem de família rural abastada da Galiléia, treinado em questões relativas a purificação por João Batista, alguém que acreditava em métodos de cura alternativos e talvez, até mesmo em um pouquinho de magia, alguém cujos discursos apaixonados e ensinamentos pouco convencionais assustaram as autoridades judaicas e romanas de tal maneira que estas decidiram tomar uma medida radical e executá-lo.“
Pg. 188

Somente um fundamentalista especular poderia abonar uma posição que considere tal pessoa um fundamentalista! Prof. Chevitarese acaba nos dizendo mais de si mesmo – e de seu fundamentalismo especular - do que do livro de Shimon Gibson.
 
Neste livro ainda, o professor Gibson reitera sua posição: “Pessoalmente, sou forte defensor da tradição oral (...)”. pg. 178. E ele apresenta uma referência de discussão a respeito de grande peso intelectual e insuspeita:
The Voice of the Past - Oral History”, monumental magnum opus do historiador top de linha Paul Thompson. Uma obra, excelência prima em historiografia, a qual Chevitarese nunca publicara algo que beirasse a sombra, de um historiador que, com todo respeito ao brasileiro, ele não desata as sandalhas.
Com isto, podemos concluir que a leitura de Gibson não advém de uma paixão cega para apologia – ele é cético – mas antes, de uma equilibrada e ponderada avaliação metodológica centrada. É uma perspectiva também coadunada com a obra da Jan Vansina e Maurice Halbwachs.

E se não bastasse, podemos pegar algumas referências nos campos dos estudos bíblicos neotestamentários similares, por parte de pesquisadores icontestadamente não-fundamentalistas, nem mesmo de alas mais conservadoras dentre os biblistas, consentâneos com este prospecto ante a tradição oral, obras também muito além de algo que o prof. Chevitarese tenha produzido, por parte de pesquisadores bem mais reconhecidos:

Os artigos clássicos “Middle Eastern Oral Tradition and the Synoptic Gospels”e “Informal Controlled Oral Tradition and the Synoptic Gospels” de Kenneth E. Baley.

O livro meticuloso “The past of Jesus in the Gospels”, de Eugene Lemcio.

Do prof. James D.G.Dunn, o volume 1 da monumental coleção “Christianity in the Making” – Jesus Remembered.

Por Samuel Byrskog, famoso pelo seu agudo rigor,  “Story As History, History As Story: The Gospel Tradition in the Context of Ancient Oral History”.

O respeitadíssimo professor de Cambridge Graham Stanton, “The Gospels and Jesus”.


De Richard Bauckham, o marcante “Jesus and the Eyewitnesses: The Gospels as Eyewitness Testimony.

O recente “The Historical Jesus of the Gospels”, De Craig S. Keener.

É claro que eu, um leigo, não cairei no mesmo erro de Chevitarese e dizer que quem está antenado com o mundo das pesquisas precisa ter essa perspectiva, quem não tem, não está. Ótimas obras de igualmente excelentes estudiosos discordam. Contudo, o mínimo a que se pode concluir é que no atual momento do Brasil, é preciso ser muito cuidadoso com as declarações que se lê a respeito do estudo de “Jesus histórico”. E o prof. André Chevitarese atraiu muita suspeita quanto aos seus pronunciamentos e trabalhos.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Transculturalismo e retórica no Cristianismo Nascente


Em mais da metade da carta de Paulo aos Colossenses [ achei mister acrescentar que considero-a uma carta paulina, da segunda metade da década de 50], ele tem em mente advertir os cristãos daquela comunidade quanto a deturpações do evangelho que ele anuncia, ou concorrência com outras propostas religiosas ou filosóficas aos quais os fiéis estavam expostos, e que poderiam seduzi-los. Seu argumento é que Jesus tal como apresentado no evangelho que ele prega seria o cumprimento das verdades que haveriam em outras doutrinas, e as verdades e as maiores expressões nelas apontariam para ele, sendo que ele seria o firmamento para a salvação deles, não os demais conceitos.

No meio da retórica, uma passagem chama a atenção. Em 1.19, ele emprega o termo pleroma, para falar da plenitude do Ser que está em Cristo. No gnosticismo, [ já mencionamos antes as correntes gnósticas que assimilaram o judaísmo, antes das que o fizeram com os cristãos - RUDOLPH, Kurt. Gnosis: The Nature and History of Gnosticism. NY: Harper and Row -, melhor conhecidas nas cartas Pseudo-Clementinas], é um termo especialmente importante, indicaria o além-do-Ser, algo como a fonte de todos os seres superiores, a abrangência holística de todos os níveis espirituais de onde provinham os aeons.

Ele utiliza um método que consiste em reapresentar e/ou confrontar termos e formulações de doutrinas ou pensamentos alternativos e/ou divergentes de maneira a usa-los como apoio ao seu evangelho, como instrumento de demonstração do papel de Jesus num quadro de pensamento mais amplo numa atividade fagocitária. Em Efésios (considero-a como uma carta adaptada de Colossenses, para uma audiência mais ampla na Ásia Menor, com a ciência de Paulo ou posterior à sua morte), num contexto retórico e polêmico semelhante ao de Colossenses, o autor se vale de tal estratégia também e o termo pleroma também é utilizado semelhantemente.

Não se teria como enxergar de forma mais clara como Paulo teria em mente tal ferramenta ao examinar sua retórica em II Co. 10.4-5, ao falar dos 'raciocínios pretensiosos e todo poder altivo que se ergue contra o conhecimento de Deus. Nós cativamos todo o pensamento para o levar a obedecer a Cristo (...)' – Bíblia de Tradução Ecumênica – TEB.

Não caberia aqui um exame exaustivo das retóricas de Paulo em situações polemizadoras semelhantes, contudo rapidamente se pode apresentar que esta seria uma ferramenta com aplicação sistemática por parte do pensador. À parte da polêmica ainda aberta se o discurso no Aerópago em Atos remete a um discurso real do discípulo, o significativo é que ele fora retratado agindo assim em relação ao pensamento grego, agora não só como ferramenta apologética, mas como estratégia de evangelização por pontos de contato. Em Atos 17.28 temos uma citação de Epimênedes [ a quem se atribui a polêmica do famoso 'paradoxo do mentiroso'], em 'Cretica'.

E Arato, em 'Fenômenos' - numa passagem também encontrada em Cleanto no Hino a Zeus.

É algo coerente com a práxis paulina. Em I Co. 15.33, ele faz o mesmo com Menandro, com um trecho da comédia Thais; em Tito 1.12, novamente com Epimênedes de Creta com a Cretica.

Uma questão intrigante seria se tal fora um procedimento indissiocrático de Paulo, de sua habilidade natural, ou se seria algo fruto de um aprendizado em alguma escola; se seria mesmo algo que se ensinasse nas escolas dos 'doutores da lei'.

Qual seria o cenário propício a visualisarmos a segunda hipótese? Somente se houvessem ocasiões de discussões de mestres da lei judaica com gentios; como apologética, ou mesmo proselitismo. Este último assustaria alguns hoje que têm como certo o caráter não proselitista ou missionário do judaísmo. Mas não necessariamente isso se aplicaria ao judaísmo do século 1 a.C e I d.C, antes da insurreição e destruição do Templo. 'Os prosélitos' são mencionados e ocupam um lugar importante no quadro da disseminação do cristianismo nascente, em destaque vide Atos 6.5. Em Mateus 23.15 se faz menção a uma atividade missionária ativa por parte dos fariseus. Não se pode, com propriedade, considerar que estes esforços eram generalizados e amplamente compartilhados na pluralidade do judaísmo de então; sem sombra de dúvida muitos grupos não concordariam com ele. Mas se dava em escala dispersa o suficiente para chamar a atenção dos gentios:

"Os costumes dessa raça maldita ganharam tanta influência que agora são aceitos por toda parte no mundo. Os vencidos deram sua lei aos vencedores." Sêneca, De superstitione.

Josefo também atesta as conversões de gentios. Aqui, em Guerras Judaicas 7.45, ele se refere ao proselitismo de judeus da Diáspora, em Antioquia: " A quantidade dos muitos gregos que eles atraíam a suas cerimônias religiosas não parava de aumentar, e eles o tinham tornado de alguma forma parte de sua comunidade".

Tal atitude não seria sui generis em toda história do judaísmo. Mesmo no período feudal europeu, o filósofo judaico Maimônedes escrevia na obra Sefer HaMizvot:

'Os sábios dizem que esse mandamento [ i.e. amar ao Senhor teu Deus de todo o coração, de toda a alma e de toda a mente] também inclui a obrigação de chamar toda a humanidade a servir a Ele e a ter fé nEle. Pois da mesma forma é que você louva e exalta alguém que você ama e chama os outros a amá-lo, se você ama o Senhor na amplitude da concepção da verdadeira natureza dEle você conseguiu alcançar, sem dúvida chamará o insensato e o ignorante a reconhecer a verdade que adquirira.' The Commandments of Maimonides, por Charles B. Chavel.

Em Assim viviam os contemporâneos de Jesus: cotidiano e religiosidade no judaismo antigo Michael Tilly expõe que 'até mesmo os escribas mais ortodoxos, que desprezam todas essas práticas [i.e.ambientes culturais, intelectuais, lúdicos, desportivos, etc. helênicos] empenhavam-se muitas vezes em realçar, bem no espírito do estoicismo, os aspectos racional, sensato e lógico das leis da Torá. Na sua interpretação das escrituras, recorriam também a métodos assimilados dos intérpretes romanos de Homero, dos estóicos e dos juristas'. pg.19.

Houveram diversos judeus cultos no campo literário com grande apropriação de estruturas de pensamento helênicas, em maior ou menor grau, que poderiam ser conhecidos das classes mais cultas e mesmo empregados em práxis didáticas; visto que, apesar de muitas vezes, ao invés de usar um suporte na cultura grega para a fé judaica, acabassem enquadrando a fé judaica em estruturas gregas, demonstravam clara preocupação de reverência pela Torá e respeito à fé e história da nação judaica. Poderíamos citar DemétrioEupólemoo Samaritano anônimo, Artápano, Fílon de Alexandria , Aristóbulo.

Se constata em muitas obras a preocupação em apresentar que a Torá reunia os pontos mais altos dos ensinamentos éticos e sabedoria de vida do pensamento grego; ou o usufruto de ferramentas intelectuais que ele proporciona. Em graus variados eram conhecidos, e influenciaram pensamentos mesmo que de certa forma para contraporem-se a discordâncias.

Jesus era notório por ter se envolvido com 'publicanos' e outros segmentos da classe 'média' e 'média-alta' menosprezados pelos mestres religiosos judeus, apresentando disposição em se relacionar com eles. A posição financeira de forma alguma poderia ser tomada como sinônimo de serem cultos, porém, sem dúvida os coletores de impostos ou outros poderiam ter uma formação que os possibilitasse ler obras literárias; considero pouco provável que a maioria fosse analfabeta, como afirmam alguns, pois um posto desses de relativo progresso financeiro seria muito cobiçado num contexto de muita pobreza, a despeito dos tabus, e a leitura e escrita, sem dúvida, seria um diferencial para ocupá-lo. Não seria anacronismo mentalizarmos o passatempo de leitura em pessoas de classes correlatas à 'média-alta'. Outrossim também podemos imaginar que dentre os conversos samaritanos, judeus da diáspora, judeus chamados 'helenistas', e prosélitos também tivessem contato com escritos deste nível de interface entre pensamento grego, ou outros até, e o judaísmo, embora conversos com tal nível de cultura devessem sem dúvida ser minoria, temos exemplos de um Paulo, Lucas, Apolo, Priscila, o autor de Hebreus...

Além disso, tal prática apologética/didática/missionária poderia ser igualmente usada diante de próprios pontos controversos oriundos do judaísmo. Perspectivas, crenças e expectativas judaicas que eram polêmicas para com o cristianismo poderiam ser sujeitas do mesmo recurso tal como mencionamos em relação às outras linhas de pensamento ou visões de mundo. O livro de Hebreus ilustraria isso através das diversas drashs - 'interpretação; descobrir o significado através da midrash, por comparação palavras e formas e também por ocorrências semelhantes noutros locais'- desenvolvidas envolvendo a figura de Melquisedeque, Moisés, os serviços rituais do Templo...

Um exemplo bem concreto. Podemos ver que Jesus é retratado nos evangelhos, sobretudo em Mateus, participando de polêmicas em relação da interpretação do sentido da Lei evocando sua própria autoridade. Através do emprego do 'Amén, amén' (nas traduções portuguesas se emprega normalmente 'em verdade, em verdade'), ou quando dizia, de forma ainda mais enfática, em referência ao que a audiência conhecia do que foi ensinado aos antepassados, mas, 'porém', o que era para ser – 'eu vos digo' – era x, y... não podemos nunca deixar de considerar que o que se concebia era que esse ensinamento repassado provinha do que Moisés recebera de Deus diretamente. Isso é algo escandaloso e uma reivindicação que soaria megalomaníaca. Por isso ele é retratado no diálogo com um jovem rico de outra maneira igualmente escandalosa. Não havia na riqueza dele nada tradicionalmente condenável, como esbanjamento, opulência, fruto de opressão, roubo, etc.; muito pelo contrário, era algo que a literatura sapiencial ressaltava como fruto da vida virtuosa sobre observância da lei, e os evangelistas ressaltam isso destacando que tal se dara 'desde a juventude'. E no relato Jesus o confrontara o chamando a abrir mão de tudo, num quadro em que é nitidamente destacado que segui-lo incondicionalmente é mais essencial para entrar no Reino do que a Torá.

Ed Parish Sanders
acentuava que 'embora ele não se opusesse à lei, ele indicava, sim, que o mais importante era aceita-lo e segui-lo' e mais adiante (...)'considerava ter total autoridade para falar e agir em nome de Deus'. Historical Figure of Jesus, pgs. 236 e 238.

Assim, na perspectiva das reflexões que levantamos, poderíamos enxergar o emprego de imagens de status semi-divinizado que às vezes era dado à Torá e à Moisés, à Jesus. Quanto a Moisés, pode ter-se em mente à tradição da vinda do profeta semelhante a ele, de Deuteronômio 18:15-16. E talvez no plano em que Moisés, Abraão, Melkisedeque, figuram em certas tradições com o papel mediador até investido de autoridade paralela a Deus, como vice-regentes no juízo divino, os cristãos tenham trabalhado de forma a apresentar, argumentar e defender a idéia de que era em Jesus que se dera o cumprimento do que seria a verdade que estaria presente em tais crenças; uma ponte e artifício apologético/didático/missionário. Algo que extrapola as próprias altas reivindicações das figuras investidas do nome divino, algo que em figura messiânica alguma que se tem notícia no judaísmo do segundo templo veríamos tal reivindicação, com um ponto alto que expressaria a perspetiva da encarnação do próprio Deus, na passagem de Paulo em Colossenses 2.9, com o jogo de idéias entre a ênfase em 'habita corporalmente' – ou seja, não apenas moralmente, espiritualmente, etc. – novamente o termo pleroma, e theotês – a Divindade. Ou seja, poderiam ser aportes que apontariam para uma evolução lingüística-expressiva na cristologia, em cima de crenças prestabelecidas ou tidas já como presentes, mesmo num ideário com outros termos, nos cristãos, servindo também como portas de acesso à evangelização e para disseminar ou defender conhecimentos e/ou noções que concebiam como derivados de suas experiências.

Esses são aspectos provocados que necessitariam de um verdadeiro programa de pesquisa. Buscamos aqui levantar pontos que reforçariam a pensar que seja o caso de tais suspeitas serem procedentes, com possibilidades de pesquisas a partir de elementos interligados coerentemente. Conforme o andamento, poderia trazer apontamentos com pouco impacto, ou que virariam literalmente de cabeça para baixo diversas noções sobre a evolução das crenças do cristianismo nascente, se procedente a sugestão sobre pontes para expressão de idéias já presentes ainda que menos elaboradas.
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    Este blog tem como objetivo central a postagem de reflexões críticas e pesquisas sobre religiões em geral, enfocando, no entanto, o cristianismo e o judaísmo. A preocupação central das postagens é a de elaborar uma reflexão maior sobre temas bíblicos a partir do uso dos recursos proporcionados pela sociologia das idéias, da história e da arqueologia.
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