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sábado, 31 de agosto de 2013

Mitra, Mitras, Mitraismo, Jesus e Cristianismo - Existem Paralelos? - Parte III - Mitraismo Romano e Zoroatrismo

Taq-e Bostan: Alto Relevo da investidura de Ardeshir II (379-383 DC),
Mitra (esquerda), Shapur II e Ahura Mazda (direita), sobre o corpo caido
 do Imperador Juliano. Via Wikipedia Commons, foto de Phillipe Chavin 
O deus persa Mitra e a religião de mistério  Mitraismo são citados frequentemente, e na internet principalmente, como inspiração para a vida de Cristo. Contudo, na grande maioria das vezes não são citadas as fontes dessas afirmações, e quando são, consistem em textos exóticos, teorias da conspiração ou muito antigas (século XVIII ou XIX). Mas, existe algum fundamento nessas afirmações?  Continuando nossa série: vamos tentar responder a pergunta: 
O deus mitra no Zoroatrismo e as origens do Mitraismo Romano




Um dos argumentos usados para dizer que os cristãos usaram Mitra como modelo da vida de Jesus, e de que ele é uma divindade antiga, adorada na antiga religião persa e no hinduismo muitos séculos antes do cristianismo.

Contudo, o que sabemos sobre o deus Mitra no Zoroatrismo, e no culto mitraista do Império Romano? Existiam diferenças entre um outro? Eram significativas? E quando são apontados paralelos, eles existem mesmo? E se existem se referem ao Mitraismo Romano ou ao Mitra zoroatrista/hindu? Ou ambos?

Para essa pergunta, temos duas formas de responder. Uma curta, e a outra longa. Em poucas palavras, podemos citar o Professor Manfred Clauss "Não podemos descrever o Mitras Romano em termos emprestados do Mitra Persa". As razões dadas por Clauss e vários outros estudiosos fazem parte da resposta longa, abaixo, para qual convido os leitores do adcummulus.

Professora Alison Griffith, da Universidade de Canterbury (Nova Zelândia), relata como os primeiros estudos das origens dos Místerios de Mitras insistiam na continuidade a partir da divindade Mitra do panteão zoroatrista. 
The precise relationship between the Roman cult of Mithras as it developed during the empire and the Mitra and Mithra of the Hindu and Zoroastrian pantheons, respectively, is unclear.The theory that Roman Mithraism had its roots in Zoroastrianism was first put forward by Franz Cumont, (...)publication Textes et monuments figurés relatifs aux mystères de Mithra in 1896 and 1899. Cumont compiled a catalogue of every known mithraic temple, monument, inscription, and literary passage relating to Mithras and claimed on the basis of his study of this body of evidence that Roman Mithras was, ultimately, Zoroastrian Mithra. (Tradução): A relação precisa entre o Culto romano a Mitras desenvolvido durante e o Império e  Mitra dos panteões Hindu e Zoroatrista, respectivamente, é incerta. A Teoria de que o Mitraismo Romano teve suas origens no zoroatrismo foi primeiramente apresentada por Franz Cumont (...) a publicação Textes et monuments figurés relatifs aux mysteres de Mithra em 1896 e 1899. Cumont compilou um catálogo de cada mitrario, monumento, inscrição e passagem literárias relativas a Mithras e argumentou com base em seu estudo que o Mitras Romano era, ao fim e ao cabo, o Mitra do zoroatrismo.[1]
No Zoroastrismo, Mitra é um dos Yazatas, ou seja, um dos seres divinos criados por Ahura Mazda, para auxilia-lo na luta contra os poderes das trevas, e, portanto, dignos de veneração e louvor. Como já descrito pelo Professor Richard Gordon, da Universidade de Erhfurt  a devoção a Mitra foi introduzido no mundo ocidental e mediterrâneo, na região da Anatólia (atual Turquia), durante a expansão do Império Persa Aquêmida, no século VI AC [2]. Com a derrota dos persas, e a efetiva destruição e conquista de seu Império por Alexandre Magno, a lembrança do deus persa se esvaiu, não tendo restado evidências de culto instituicionalizado ou de  grandes templos erigidos em sua honra durante o período helenístico, embora sua lembrança tenha sido mantida em âmbito privado, entre a diáspora iraniana [2]. Gordon observa, e veremos o porque adiante, que "(...) é improvável que algum dia haja evidência suficiente para preencher a lacuna entre o Mitra iraniano, conhecido basicamente através do Hino Avesta (Yast) in sua honra, composto entre 450-400 AC, e o culto romano a Mitras/Mitres Muitos tentaram - este é um dos pontos nevralgicos do estudo do Mitraismo - mas não nenhuma evidência genuina e incontestávelmente relevante"[2]

Uma das tentativas, e que foi a proposta dominante até cerca de 40 anos atrás, foi a tese do Professor Franz Cumont (1868-1947), que teve o mérito de prover uma explicação coerente para o desenvolvimento dos Mistérios de Mitra, que ele chamava "Mazdeismo Romano" baseado na evidência arqueológica disponível no início do século XX. Conforme sumário do Professor Roger Beck, da Universidade de Toronto em Mississauga (Canadá), em artigo na Encyclopaedia Iranica[3], Cumont propunha que
For Cumont, Mithraism in the West was Romanized Mazdaism, thus still at its core a Persian religion, though one which had undergone extensive metamorphoses in its passage first through Chaldaea, where it acquired its astrological overlay and the syncretic assimilation to Mithra of the Babylonian Sun god Šamaš; and secondly through Anatolia and the culture of the Magusaeans, the Hellenized Magi of the Iranian diaspora (on whom see Bidez and Cumont 1938, Beck 1991), where it acquired a Stoic cosmology of sorts, especially in its eschatology (on which see Cumont 1931, Beck 1995). (Tradução)   Para Cumont, o Mitraísmo no ocidente era mazdeismo romanizado, e assim em essêncialmente uma religião persa, ainda que tivesse passado por extensiva modificação, primeiramente, em suas passagem pela Caldéia, onde teria adquirido seu elemento astrológico e assimilado sincréticamente o deus solar babilônio Shamash, e em seguida na Anatólia e da cultura do Maguseanos, os Magos helenizados da diáspora iraniana ( arespeito dos quais consultar Bidez e Cumont 1938, Beck, 1991), onde adquiriu um tipo de cosmologia estóica, especialmente em sua escatologia (ver Cumont, 1931, Beck 1995).[3]              
 Mas como pesquisador minucioso e cuidadoso que era, Cumont reconhecia as vulnerabilidades de sua teoria, como relata a Professora Alisson Griffith

Cumont himself recognized possible flaws in his theory. The most obvious is that there is little evidence for a Zoroastrian cult of Mithra (Cumont 1956), and certainly none that suggests that Zoroastrian worship of Mithra used the liturgy or the well-devoloped iconography found in the Roman cult of Mithras. Moreover, few monuments from the Roman cult have been recovered from the very provinces which are thought to have inspired worship of Mithras (namely the provinces of Asia Minor). (...)Cumont's large scholarly corpus and his opinions dominated mithraic studies for decades. A series of conferences on Mithraism beginning in 1970 and an enormous quantity of scholarship by numerous individuals in the last quarter century has demonstrated that many of Cumont's theories were incorrect (see especially Hinnells 1975 and Beck 1984).
(Tradução) O próprio Cumont reconheceu possíveis inconsistências de sua teoria. A mais óbvia é que existe muito pouca evidência para um culto a Mitra no zoroatrismo (Cumont, 1956), e certamente nenhuma indicação de que adoração de Mitra no zoroatrismo utilizasse a bem desenvolvida iconografia encontrada no culto romano a Mitras. Além disso, poucos monumentos do Culto romano foram recuperados nas provincías que se acreditava terem inspirado a adoração a Mitras (principalmente as províncias da Asia Menor).  (...) O vasto trabalho acadêmico de Cumont e suas opiniões dominaram os estudos mitraisticos por décadas. Um série de conferências sobre o Mitraismo iniciadas na decada de 1970, e uma enorme quantidade de estudos acadêmicos de muitos pesquisadores no último quarto do século, demonstraram que muitos das teorias de Cumont estavam erradas.[4]
Assim, como observa Griffits, entre os problemas reconhecidos por Cumont estava o fato de que Mitra não tinha um culto desenvolvido em torno de si no Zoroatrismo, e o elemento icionográfico, fortíssimo dos mistérios romanos de Mitras, não tinha paralelo na religião persa. Pesava ainda, o fato de que a evidência arqueológica mais ampla e antiga dos mistérios de Mitra concentrava-se nas fronteiras do Reno e Danúbio, bem como na cidade de Roma, e não na Asia Menor, e províncias do leste, vizinhas a fronteira com o Império Parto.

A tese de Cumont sobre o desenvolvimento dos Mistérios de Mitras foi exposta, principalmente, em seu livro Les Mystères de Mithra (1900), a qual os leitores do adcummulus podem encontrar em sua versão inglesa, The Mysteries of Mithras. O livro descreve também os principais paralelos com o cristianismo [5], segundo Cumont: batismo, eucaristia, guarda do domingo, valorização da ética e pureza moral, a existência do céu, inferno, juizo final e ressureição dos mortos no último dia. Ou seja, não há na construção Cumontiana, praticamente, paralelos com a Vida de Cristo, mas sim com o ritual e elementos doutrinários da Igreja. Ainda,  Cumont, não arriscou um julgamento em termos de "quem copiou quem" e considerava plausível que "muitas correspondências entre a doutrina mitráica e a fé católica são explicáveis por sua origem oriental comum"[5]. (Alías, podemos comentar aqui, que uma vez que as religiões são também fenômenos sociais, interagindo com os anseios e tensões vividos por seus adeptos, apresentem semelhanças quando se desenvolvem em contextos históricos semelhantes. Não só  nas suas origens orientais, judaismo e zoroatrismo, como também no seu desenvolvimento no mundo mediterrâneo).

Na FAQ, do Electronic Journal of Mithraic Studies (EJMS), Professor Richard Gordon, que é membro do Board Editorial daquele jornal, comenta   as origens do mistérios de Mitras, como incialmente proposta por Franz Cumont,
(...) Cumont's book is thus more than a century old. In the meantime, there have been many very important archaeological finds, some of which you will perhaps have learned about from Vermaseren's book of 1960. It would be a good idea to look at Manfred Clauss' book, which is well-illustrated and provides a much more up-to-date idea of modern work. But even from reading Cumont, it must be clear to you that the main problem with the cult of Mithras is that we know hardly anything about it. There are virtually no ancient sources to tell us what the archaeology - of which there is almost too much, scattered about over the entire Roman world -- might mean. As for Cumont, the difficulty is twofold: not merely did he write his “Conclusions” before 70% of the now known archaeology was discovered, but his solution to the problem posed by the lack of written evidence.(...) (Tradução) (...) O livro de Cumont tem mais de um século. Nesse meio tempo, muitas descobertas arqueológicas significativas foram feitas, algumas das quais você pode verificar no livro de Vermaseren de 1960. Seria uma boa idéia conferir o trabalho de Manfred Clauss, que é muito bem ilustrado e apresenta uma perspectiva atualizada dos estudos atuais. Mas mesmo lendo Cumont,deve ficar claro para você que o maior problema com o Culto a Mitras é que nós não sabemos quase nada sobre ele. Praticamente não há fonte antiga para nos contar o que a arqueologia - que nós temos muito, espalhada por todo o mundo romano - pode significar. E para Cumont a dificuldade é dupla, pois não apenas ele escreveu suas conclusões antes que 70 % do material arqueológico atual tivesse sido descoberto, mas a solução que ele propôs carecia de evidência textual. (...). [6]

O Professor David Ulansey, da Universidade da California em Berkeley e do California Institute of Integral Studies,  apresenta alguns dos pontos que levaram ao gradual abandono da síntese Cumontiana, notadamente na associação entre o zoroatrismo e os Mistérios de Mitras, a partir de 1970.
"However, from the beginning there were obvious problems with Cumont's interpretation. The Western mistery cult of Mithraism as it appeared in the Roman Empire derived its very identity from a number of characteristcs which were completely absent from the Iranian worship of Mithra: a series of initiations into ever higher levels of the cult accompanied by strict secrecy about the cult's doctines; the distinctive cavelike temples in which the cult's devotees met; and, most important, the iconography of the cult, in particular tauroctony. None of these essential characteristics of Western Mithraism were to be found in the Iranian Worship of Mithra. Cumont therefore attempted to explain these characteristics as transformations which the "Iranian" religion underwent during its supposed passage from Persia to the Roman Empire. Thus, to take what is perharps the most important example, there is no evidence that the Iranian god Mithra ever had anything to do with killing a bull. (Tradução) No entanto, desde o início havia obvios problemas com a interpretação de Cumont. A religião de mistério Mitraista, que existiu no período romano no ocidente, deriva sua própria identidade de uma série de carcterísticas completamente ausentes da adoração iraniana a Mitra: uma série de iniciações a níveis mais altos do culto acompanhadas de estrito segredo sobre suas doutrinas; os peculiares templos em forma de caverna onde os devotos se reuniam; e, mais importante, a iconografia do culto, em particular a tauroctonia. Nenhuma dessas características essenciais do Mitraismo ocidental foram encontradas na adoração iraniana a Mitra. Cumont havia tentado explicar estas características como transformações que a religião iraniana sofreu em sua suposta passagem da Pérsia para o Império Romano. Assim, tomando o que talvez seja o mais importante exemplo. Não há evidência alguma de que o deus iraniano Mitra tivesse tido em algum momento matado um Touro. [7]
Mosaico no Mitrário de Felicissimo, Ostia, Itália, Seculo II DC,
imagem via Wikipedia.
Não obstante, Ulansey observa Cumont até encontrou um mito persa em que o Touro Celeste era morto [7]. No  entanto, tal feito era realizado por Arimã (ou Angra Mainyu), o chefe dos poderes malignos na religião zoroatrista. Ademais, o mito nos é conhecido a partir de uma versão do século IX, já no período islâmico, contida em textos que recontam o mito zoroatrista de fundação do mundo [7]. Os estudiosos acreditam que esse mito incorpora tradições muito antigas, mas sua identificação e datação é incerta [7]. Ulansey observa:

"Cumont did manage to locate an Iranian myth in which a bull is killed. However, in the myth which Cumont chose the bull is killed not by the expected Mithra but rather by Ahriman, the power of cosmic evil, Thus Cumont was forced to hypothesize the existence of a variant on this myth - a variant for which there was no Iranian evidence - in which the bull slayer had become Mithra rather than Ahriman. The myth which Cumont used is found in the Bundahishn ("Original Cretion"), a Zoroastrian text of the ninth century C.E. incorporating earlier traditions, im which the story is told of the creation of an archjetypal man and a bull by Ahura Mazda, the supreme god of goodness. According to the story, the forces of evil, led by Ahriman, attacked these creatures nad killed them. From their bodies there then sprang forth the different forms of life which inhabit the earth. (...) Despite the problems with this Iranian hypothesis, Cumont's vison of the nature of Mithraism remained virtually unchallenged for a full seventy years. But the flaws in Cumont theory could not go unnoticed forever, and things reached a head in 1971 at the First International Congress of Mithraic Studies, held at Manchester University" (Tradução) Na verdade, Cumont conseguiu localizar um mito iraniano em que um touro é morto. No entanto, no mito que Cumont selecionou o touro não é morto por Mitra, como seria esperado, mas por Arimã, o poder cósmico do mal. Assim Cumont foi forçado a postular a existência de uma variante deste mito - uma variante para a qual não havia evidência iraniana - em que o matador do touro seria Mitra, em vez de Arimã. O mito utilizado por Cumont é encontrado no Bundahishn ("Criação Original"), um texto zoroastriano do século IX DC incorporando tradições anteriores, em que é contada a história da criação de um homem arquétipo e um touro por Ahura Mazda, o deus supremo de bondade. Segundo a história, as forças do mal, lideradas por Arimã, atacaram estas criaturas e as mataram. De seus corpos então brotaram as diferentes formas de vida que habitam a Terra. (...) Apesar dos problemas com esta hipótese iraniana, a visão Cumontiana da natureza do mitraísmo permaneceu praticamente sem contestação por cerca de 70 anos. Mas as falhas na teoria Cumont não poderiam passar despercebidas para sempre, chegando ao limite em 1971 no Primeiro Congresso Internacional de Estudos Mitraisticos, realizado na Universidade de Manchester [7]

A partir do colapso  da sintese Cumontiana nos estudos mitraísticos, foram propostas várias teorias para explicar o desenvolvimento dos mistérios, algumas tentando manter parte do legado de Cumont, outras rompendo abertamente com sua tese. O Professor Roger Beck faz uma avaliação das questões em discussão e do estado das concepções acadêmicas:
That Roman Mithras was a Persian god in more than just the perception and self-definition of his Roman initiates is indisputable. To say that he was “the same” god, or that he “came from” Iran is equally true, though it begs as many questions as it appears to answer. Did he emigrate together with his cult? Was institutionalized Mithra-worship transmitted from East to West? Likewise the Mithra myth(s) and the concepts of the god, his powers, and his functions? Was he “the same” god in that strong sense? Or was he re-invented in the West, perhaps by those with some knowledge of the East, as a new god for new mysteries in a new type of cult association appropriate to the different social and cultural environment of the Roman Empire? Was he “the same” merely in the weaker sense that he was re-outfitted with Iranian trappings sufficient to authenticate him as “Persian” in his new context? . (TraduçãoQue Mitras Romano era um deus persa em um sentido mais abrangente do que  a percepção e auto-definição de sua iniciados é indiscutível. Dizer que ele era "o mesmo" deus, ou que ele "veio do" Irã é igualmente verdadeiro, embora isso levante tantas perguntas do que parece responder. Será que ele emigrou, juntamente com o seu culto? Um culto mitraista institucionalizado teria sido transmitido do oriente para o ocidente? E, semelhantementem o mito de Mitra, seus conceitos, poderes e funções? Ele era "o mesmo" deus em um sentido forte? Ou ele foi re-inventado no Ocidente, talvez por indíviduos com algum conhecimento do Oriente, como um novo deus para novos mistérios em um tipo novo de associação/culto apropriado para o ambiente social e cultural diferenciado do Império Romano? Ou será ele era "o mesmo" apenas no sentido mais fraco que ele foi remodelado com atributos iranianos suficientes para autentica-lo como "persa" em seu novo contexto? [8]
A forma como os estudiosos tem avaliado as evidências e respondido a cada uma  dessas perguntas, define seu posicionamento frente ao surgimento dos Mistérios de Mitras, admitindo um amplo espectro de possibilidades entre os extremos de total reinvenção e total continuidade.  
Beck continua:
 Two statements at least may be made with some confidence about the century-long scholarly controversy over these questions: first, that at the beginning of the third millennium there is still no consensus; secondly, that in the last three decades the balance of opinion has shifted, rightly or wrongly, in favor of re-invention over continuity. (Tradução) Pelo menos duas afirmações podem ser feitas com alguma confiança sobre a secular controvérsia acadêmica sobre as questões seguintes: em primeiro lugar, que, no início do terceiro milênio, ainda não há consenso, em segundo lugar, que, nas últimas três décadas, o balanço de opinião tem se deslocado, correta ou incorretamente, em favor da re-invenção em detrimento a continuidade.[8]
Arqueiro a Cavalo Parto, no Palazzo Madama (Turim), foto de
Jean Chadrin, via Wikipedia.
Desta forma, começando  do Primeiro Congresso Internacional de Estudos Mitraísticos de 1971, em Manchester (Inglaterra) houve uma profunda mudança da visão acadêmica da origem dos Mistérios de Mitras. Embora não haja um consenso ainda, a tendência crescente é o entendimento de que o desenvolvimento do culto ocorreu no ocidente romano (e não no vizinho Império Parto, atual Irã)  e que há poucas semelhanças com o seu correspondente persa. Assim,  Roger Beck distingue duas posturas básicas entre os estudiosos vinculados a tendência dominante. Uma parte destes estudiosos acredita que a partir de uma figura divina da religião zoroatrista foi criada uma religião totalmente nova, sem qualquer correspondência com o culto original. Outros também crêem que o culto se originou no ocidente mas vêem algumas semelhanças com a forma persa. 
 Of the latter position there is a strong and a weak form. The strong form, having noted the undeniable similarities, then describes the cult, its origins, and its early development entirely in terms of the socio-religious culture(s) of the Roman empire. A typical proponent of this strong form is M. Clauss (2000: pp. 3-8, 21-2), who locates the cult’s origins and point of departure firmly in late first-century CE Rome (...) Discontinuity’s weaker form of argument postulates re-invention among and for the denizens of the Roman empire (or certain sections thereof), but re-invention by a person or persons of some familiarity with Iranian religion in a form current on its western margins in the first century CE. Merkelbach (1984: pp. 75-7), expanding on a suggestion of M.P. Nilsson, proposes such a founder from eastern Anatolia, working in court circles in Rome. So does Beck 1998, with special focus on the dynasty of Commagene (see above). Jakobs 1999 proposes a similar scenario. (TraduçãoNessa segunda corrente,  há uma forma forte e outra fraca. A forma forte, tendo notado as semelhanças inegáveis​​, em seguida, descreve o culto, as suas origens e seu desenvolvimento precoce inteiramente em termos da cultura(s) sócio-religiosa do império romano. Um proponente típico desta forma forte é M. Clauss (2000, pp 3-8, 21-2), que situa as origens do culto e ponto de partida firmemente na Roma final do primério século da era cristã   (...) descontinuidade é forma mais fraca do argumento, e postula re-invenção entre e para os habitantes do Império Romano (ou em certas regiões dele), ressalvando que essa re-invenção teria sido por uma pessoa ou pessoas de alguma familiaridade com a religião iraniana corrente em suas fronteiras ocidentais, no primeiro século DC . Merkelbach (1984, pp 75-7), ampliando uma tese de MP Nilsson, situa os fundadores no leste da Anatólia, trabalhando em círculos imperiais romanos. O mesmo acontece com Beck 1998, com especial enfoque na dinastia de Comagene (veja acima). Jakobs 1999 propõe um cenário semelhante [8]
Professor Richard Gordon pondera também sobre o colapso da síntese Cumontiana, e das tendências atuais dos estudiosos do campo, e de forma ainda mais contundente que Beck, constata a completa mudança de posição dos estudiosos, hoje em sua maioria convencidos que o culto mitraísta era iraniano apenas em um sentido muito fraco, talvez apenas pseudo-iraniano.
(...) the final judgement and the resurrection of the dead are tenets ofZoroastrianism - it is perfectly possible that they derive from Judaism, but no one knows for sure: it is usually considered that the Jews got these ideas from the Iranians after the captivity in Babylonia At any rate, sine he believed the entire cult to be a thinly-disguised from of Zorastrianism, Cumont thought they must also have been present in the Roman cult Since the 1970s, Cumont’s entire construction has come under heavy fire. One can say that there is no one now working on Mithraism who believes in it. This change of heart was largely due to articles published in the proceedings of the first Mithraic conference in Manchester in 1971: Mithraic Studies, ed. J.R. Hinnells (Manchester, 1975). (...) We may say that at the most scholars now believe that the cult of Mithras was Iranian only in a weak sense; indeed, many people think it wasn't Iranian at all, but simply pseudo-Iranian, and that the cult was created in Italy. I think that goes too far;
(Tradução) (...) O julgamento final e ressurreição dos mortos são crenças do zoroatrismo - é perfeitamente possível que elas sejam derivadas do judaísmo, mas ninguém sabe ao certo, geralmente se considera  que os judeus absorveram essa idéias dos iranianos após o cativeiro babilônico. Em todo o caso, já que ele acreditava que o culto era uma forma de zoroatrismo disfarçada, Cumont pensava que tais crenças forçosamente estavam presentes no culto romano. Desde os anos de 1970, porém, toda o edificio teórico de Cumont tem sofrido pesados ataques. Pode-se dizer que ninguém hoje que trabalhe com o Mitraismo acredita mais nele. Esta mudança de disposição foi em grande parte devido aos artigos publicados nos anais da Primeira Conferência de Mitraismo em Manchester em 1971: Mithraic Studies, ed. J.R. Hinnells (Manchester, 1975). Nos podemos dizer que, atualmente, a maioria dos estudiosos acredita que o Culto a Mitras era apenas levemente iraniano; de fato, muita gente pensa que não era Iraniano de forma alguma, mas pseudo-iraniano, e que o culto foi criado na Itália. Eu até acho que isso é um pouco extremo;[9

"A Queda de Faeton", Peter Paul Rubens, 1604, National
Gallery of Art, Washington (DC), via Wikipedia Commons.
Gordon forneçe um exemplo de como a evidência textual e arqueológica do culto romano de Mitras em relação ao julgamento final e ressureição foi interpretada por Cumont em conjunto com os escritos sagrados do zoroatrismo, em conjunto  apontando para uma famosa passagem polêmica em que Tertuliano de Cartago, abre fogo contra os seguidores de Mitras, levando a uma conclusão de continuidade,  e como tal avaliação foi revista posteriormente.
Cumont himself was aware that the Roman Mithraic evidence for the resurrection of the body and the judgement at the end of the world was very thin, so he was delighted when the excavation of the mithraeum at Dieburg in 1926 produced a very unusual Mithraic relief (CIMRM 1247) with a scene of Phaethon receiving his father's Sun-chariot. In view of the well-known result of this voyage, Cumont argued in an article published in 1931 that the scene was intended as an illustration of the Frasegird, the final conflagration of the world in Zoroastrianism. But the story of Phaethon was understood in many less adventurous ways in the Roman period, which he did not attempt to explore. The only other evidence for the idea of resurrection occurs in a sentence of the Church Father Tertullian, De praescriptione haereticorum 40 (written AD 203), where he says '(Diabolus) celebrat et panis oblationem et imaginem resurrectionis inducit et sub gladio redimit coronam': (The Devil) celebrates the ritual offering of bread, performs a semblance of resurrection, redeems a crown under threat of death. Although the last phrase may indeed relate to the cult of Mithras, there is no reason to think the others do: the passage as a whole simply lists a variety of ways in which Tertullian seeks (absurdly) to explain the numerous similarities between pagan and Christian rituals by saying the Devil has deliberately imitated Christian rituals. At any rate,this passage is the SOLE evidence Cumont could find for Mithraic belief in resurrection - why of the body, is anyone's guess. We can see clearly that he needed to reinforce his belief that Roman Mithraism was really a form of Zoroastrianism, and thus ended up by arguing in a complete circle. (TraduçãoO próprio Cumont estava ciente de que  a evidência no Mitraismo Romano na crença da ressurreição do corpo e do julgamento no fim do dias, era tênue, então ele ficou encantado quando a escavação do mitrário de Dieburg em 1926 produziu um relevo muito incomum (CIMRM 1247) com uma cena de Faeton recebendo a carruagem solar de seu pai. Tendo em vista o resultado bem conhecido desta viagem, Cumont argumentou em um artigo publicado em 1931 que a cena foi concebida como uma ilustração da Frasegird, a conflagração final do mundo no Zoroastrismo. Mas a história de Faeton foi entendido de maneiras muito menos aventureiras no período romano, que ele não tentou explorar. A única outra evidência para a idéia de ressurreição ocorre em uma frase do Padre da Igreja, Tertuliano, De Praescriptione haereticorum 40 (escrito AD 203), em que ele diz "(Diabolus) cele et panis et oblationem Imaginem Resurrectionis inducit et sub gladio redimit coronam ': (o Diabo) celebra a oferta do pão, realizando um simulacro da ressurreição, resgatando uma coroa sob ameaça de morte. Embora a última frase pode de fato se relacionar com o culto de Mitra, não há nenhuma razão para pensar que as outros o fazem: a passagem como um todo simplesmente lista uma variedade de maneiras em que Tertuliano procura (absurdamente) explicar as numerosas semelhanças entre rituais pagãos e cristãos  dizendo que o diabo tinha deliberadamente imitado rituais cristãos. De qualquer forma, esta passagem é a única evidência Cumont pode encontrar para uma crença mitraíca na ressurreição - por que do corpo, é uma incógnita. Podemos ver claramente que ele precisava para reforçar sua convicção de que o mitraísmo romano era realmente uma forma de zoroastrismo, e, assim, acabou em uma argumentação completamente círcular. [9]
 A questão da vida após a morte entre os adeptos dos Mistérios de Mitras foi discutida de forma mais detalhada aqui no adcummulus no post anterior dessa série (ver nota de rodapé 14, e seção "Iconográfia, Inscrições e Expectativas dos seguidores de Mitra"). Como observa o Professor Richard Gordon acima, a evidência de que os adeptos dos Mistérios de Mitras esperassem do deus persa auxílio quando deixassem esse mundo  é escassa. A quase totalidade das inscrições votivas é por agradecimento por bençãos concedidas nessa vida. Contudo, uma vez que essas crenças existiam no zoroatrismo,   dentre algumas (poucas) passagens nos pais da igreja, havia uma menção de Tertuliano (Da Prescrição dos Hereges, 40),  bem  como o relevo, num contexto do culto de Mitras, de Faeton e carruagem do sol [10] descoberto em Dieburgo (Alemanha) em 1926, houve a tentativa de Cumont e outros estudiosos de postular a existência de uma crença dessa natureza entre os seguidores  do deus persa no período romano. O problema é que se os anos se passaram após a descoberta de 1926, e não foram descobertas novas evidências arqueológicas e textuais que corroborassem a proposta Cumontiana. Somado ao fato da desconstrução da tese básica de continuidade entre o Zoroatrismo e os Misterios de Mitras no periodo romano, formou-se uma situação de circularidade. So faz sentido assumir que os mitraistas romanos acreditam em ressureição porque se assume a continuidade com o Zoroatrismo, mas a continuidade com o Zoroatrismo é justamente o ponto que esta sendo questionado.        
É claro que os testemunhos de autores antigos devem também ser considerados, e poderiam esclarecer esses fatos. Mas confiar em autores como Tertuliano pode não ser a melhor escolha. Como observa o Professor Gordon, a passagem é ambigua quanto a sua vinculação a crença na ressureição final. Tertuliano, a partir da ceia entre Mitras e o Sol, encenada pelos adeptos do culto passa a interpretar o ritual como tendo implicações semelhantes a Eucaristia, bem como do milagre da água, em que Mitras acerta uma rocha com uma pedra, e dela sai água, em relação ao batismo. Esses dois rituais, como mostrado aqui no adcummulus no post anterior (ver seção "paralelos, existe algum"), são os dois principais paralelos entre  o Mitraismo e o Cristianismo.  No entanto, os Mistérios de Mitras, como o próprio nome indica, implica que só os iniciados, e apenas de forma gradual, tinham conhecimento das doutrinas, ensinos e significado dos ritos, sendo improvável que não adeptos como Tertuliano tivessem um conhecimento correto dos mistérios.
Outro motivo pelo qual os pais da igreja devem ser lidos com cautela quanto a eventuais similaridades, é sua postura agressiva quanto  a suposta "Imitação Diabólica". Uma vez que    pregavam que Jesus Cristo era o cumprimento das Escrituras Judaicas, e a Igreja o Novo Israel, eventuais semelhanças com outros cultos e religiões de mistério eram explicadas como uma cópia diabólica das profecias judaicas, para afastar as pessoas do conhecimento de Cristo!!! Embora isso possa nos parecer absurdo, para os polemistas e apologistas cristãos a vantagem era dupla i) O cristianismo era uma religião ilegal e perseguida, uma superstição nova e depravada, enquanto que os cultos pagãos eram frequentemente sancionados pelas autoridades, se havia semelhanças isso mostrava que o cristianismo não era tão perigoso assim ii)  O Judaísmo, embora visto com restrição pelos romanos, era reconhecido como uma religião antiga e venerável. O Historiador e Politico Romano Cornélio Tácito, ao descrever a origem dos judeus (adotando um tom agressivo e deselegante), liga as origens dos judeus aos tempos do "Reinado de Isis", ou quando Saturno foi destítuido por Júpiter (Zeus), e afirma que a religião dos judeus se sustenta por sua antiguidade (Histórias V: 2-5). Estrabo também descreve as origens antigas da religião judaíca (Geografia, Livro XVI.ii.34-46), então, para os antigos, argumentar que o cristianismo era, simplesmente, o cumprimento das profecias do judaísmo, era um bom argumento para mostrar que a nova fé não era uma superstição nova, mas estava ligada a uma religião antiga e veneranda.  Então, por esses motivos, há uma tendência dos pais da igreja de exagerar os paralelos. Obviamente, isso não deve nos fazer descartar totalmente a existência de paralelos e mesmo eventuais influências, mas considerar eventuais argumentos com cuidado.
Já houve, inclusive, defesas acadêmicas de influências do judaismo sobre o Mitraismo. Como já propôs o Professor J.H.Wolf G. Liebeschuetz, da Universidade de Nottingham:
 "It was, of course, a commonplace of Christian apologetics that whenever pagan authors expounded doctrines that bore a resemblance to Christian teaching, the pagans (e.g. Plato) had learned them from the ancient "prophecies" of Moses  (Justin Ap. 59). But in the case of Mithraism Justin cites evidence (Dial Tryph 70). According to him words closely resembling Isaiah XXXIII 13-19 were used in Mithraic ritual. Justin cites the whole passage , presumably because all of it is close to what was said in a Mithraic service. But the precise moral teaching of the passage is not what one expect to find in Graeco Roman ritual. It suggest that the author of Mithraic ritual was aware of biblical religion, and that the resemblance between Christianity and Mithraism are not coincidental. Jewish-Christian elements have probably contributed to Mithraism.  (Tradução)  Naturalmente, era um lugar-comum da apologética cristã que sempre que  autores pagãos expunham doutrinas que tinham semelhança com os ensinamentos cristãos, os pagãos (por exemplo, Platão) tinham aprendido dos antigos "profecias" de Moisés (Justino Ap. 59). Mas, no caso do mitraísmo Justina cita evidências (Dialogo com Trifo 70). Segundo ele palavras muito semelhantes a Isaías XXXIII 13-19 eram usados ​​em ritual mitraico. Justino cita a passagem inteira, provavelmente porque parecia com o que era dito nos rituais mitraicos. Mas o ensinamento moral precisa da passagem não é o que se esperaria encontrar em ritual greco romano. Isso sugere que o autor do ritual mitraico conhecia a religião bíblica, e que a semelhança entre o cristianismo eo mitraísmo não seria coincidência. Elementos judaico-cristãos, provavelmente, contribuíram para o mitraísmo[11]
Retornando a questão da descontinuidade entre mitraismo romano e zoroatrismo, como poderíamos entende-la? Como o culto de uma divindade persa poderia se diferenciar tanto no Império Romano , até o ponto de estudiosos, como visto acima, chegarem a afirmar que o culto era pseudo-iraniano e se originou na Itália. O Professor Jona Lendering, da Livius Onderwijs, faz uma analogia com o desenvolmento do cristianismo, e suas várias correntes, em relação ao judaísmo. O cristianismo proto-católico, proto-ortodoxo, manteve o Antigo Testamento, seus ensinos e heróis, bem como a crença de Jesus de Nazaré representou o cumprimento das expectativas messiânicas, além de doutrinas como imortalidade, julgamento final, ressureição dos mortos, dentre outras. No entanto, outros grupos cristãos tinham idéias bastante distintas, propondo o rompimento quase completo com a herança judaica, e tais idéias, como o Marcionismo, foram extremamente populares, e poderiam ter sido vitoriosas. Como observa Lendering:   

It often happens that elements from one civilization cross over to another, and it would certainly have been possible for an Iranian god to join the Roman pantheon. But how much that was Iranian was he allowed to take with him? Compare it to Christianity, which is essentially a type of Judaism accepted by Greeks and Romans. Some converts believed that only a couple of ideas were really useful; men like Marcion of Sinope thought that the Old Testament books could be done away with, and that the Jewish context was best forgotten. Other Christian authors, like Irenaeus, stressed the need to keep in touch with the original foundations. The Roman cult of Mithras seems to have originated with a Marcion-like prophet, who took a couple of lose elements and abandoned the rest of Iranian Mithraism. (Tradução) Acontece frequentemente que os elementos de uma civilização são assimilados por outra, e certamente teria sido possível para um deus iraniano se juntar ao panteão romano. Mas quanto de seu caráter iraniano lhe seria autorizado conservar? Comparemos com o cristianismo, que é essencialmente um tipo de judaísmo aceita por gregos e romanos. Alguns convertidos acreditavam que apenas algumas poucas ideias eram realmente úteis; homens como Marcião de Sinope pensavam que os livros do Antigo Testamento poderiam ser descartados, e que o contexto judaico deveria ser esquecido. Outros autores cristãos, como Irineu, ressaltaram a necessidade de se manter a ligação com as bases originais. O culto de Mitra romano parece ter tido como fundador um profeta que agiu de forma semelhante a Marcião conservando alguns poucos elementos, e abandonando o resto do mitraísmo iraniano. [12]
Mas antes de descartar a possibilidade de continuidade entre o Mitraismo Romano e a devoção de Mitra no religião persa zoroatrista Richard Gordon o supostos paralelos com crenças como ressureição dos mortos e julgamento final, professadas pelos cristãos, a luz dos trabalhos acadêmicos mais recentes.
(...) but, thanks primarily to the work of Shaul Shaked, Dualism in Transformation: Varieties of Religion in Sasanian Iran (London, 1994), we do now know that there was no such thing as Zoroastrianism in a sense reasonably familiar to us until the Sasanid reforms of the religion in the third century AD; even for the Sasanid form of the religion it is difficult to find reliable evidence, because of the extent of the censorship and pruning imposed by the priests who created the Pahlavi sacred books of Zoaroastriansim in the ninth century AD after the Muslim conquest of Iran.But I do think there are some features of the Roman cult of Mithras his association with light, might and fertility, for example, and the moral stringency, which have old-Iranian origins- at any rate, they are all found in the Avestan Hymn to Mithra, composed in the second half of the fifth century BC But this is not the same as saying that the Roman cult of Mithras was Iranian in a strong sense, let alone that it contained numerous Zoroastrian features. And unless one starts from that hypothesis, there is no good reason to suppose that the Roman cult believed either in the resurrection of the dead, or in a final judgement at the end of the world. (Tradução) mas, graças principalmente ao trabalho de Shaul Shaked, Dualism in Transformation: Varieties of Religion in Sasanian Iran (Londres, 1994)Nós sabemos agora que não existia um zoroatrismo razoavelmente familiar a nós até as reformas Sassanidas da religião no século III DC e mesmo para a forma Sassanida da religião é difícil encontral evidências confiáveis, devido a extensão da censura e mutilação impostas aos sacerdotes que criaram os livros sagrados Pahlavi do zoroatrismo no século IX DC após a conquista muçulmana do Irã. Eu até acredito que há algumas semelhanças com o culto romano a Mitras: sua associação com a luz, força e fertilidade, por exemplo, seu rigor moral, todas associadas a origens iranianas antigas - e que ademais, são encontradas no Hino Avesta dedicado a Mitra, da segunda metade do século V AC.  Mas isso não é o mesmo que dizer que o culto romano a Mitras era fortemente iraniano ou tivesse muitas características zoroatristas. E a menos que se começe com essa premissa não há nenhuma boa razão para supor que o culto romano crêsse tanto em ressureição dos mortos quanto em juizo final nos fins dos tempos.[13]

 Como observa o Professor Gordon, além da incerteza quanto a se o culto romano a Mitras envolvia a crença na ressuereição dos mortos e Juízo Final, é incerto até mesmo de que forma essas doutrinas existiam no Zoroatrismo durante o período arsacida ou parto (247 AC a 224 DC) da história do Irã, uma vez que os Avesta, livros sagrados daquela religião foram compilados durante as reformas da religião iniciadas em meados do século III - coincidente com a deposição do Rei arsacida Artabano V por Ardashir, fundador do  Império Sassânida (224-651 DC) - embora contenha tradições orais muito mais antigas, parte do periodo Aquêmenida (550-330 AC), e algumas, provavelmente, que remontam ao próprio Zoroastro

A acusação de “plágio” cristão não se sustenta. O mitraismo surgiu no Império Romano, no I século DC, mais ou menos na mesma época que o cristianismo, e a maioria dos especialistas vê pouco ou quase nada do zoroatrismo em suas crenças. Além disso, o Zoroatrismo sofreu profundas transformações ao longo de sua história, e reconstituir suas crenças a partir do Avesta e dos textos Pahlavi, que embora contenham tradições orais muito antigas, foram compilado séculos depois de Cristo. Adicionalmente, não há evidência sólida de ressurreição dos mortos, julgamento final, ou fim do mundo no mitraismo e, mais ainda, que o cristianismo copiou essas idéias.

Todos os mitrários encontrados no Império Romano são datados após o séc. I DC, não temos nenhum escrito mitraista, e as fontes externas começam em Plutarco, em cerca de 80 DC, No Oriente não romano existia um Mitra, mas, até onde se sabe, ele não tinha seu próprio culto, e hoje boa parte dos estudiosos, senão a maioria, acredita que o mitraismo romano tem muito pouco do Irã, se não apenas um "cheirinho" de Irã e da antiga tradição zoroatrista? Donde vem tanta confiança em relação ao conhecimento do que era o Mitraismo, no séc I, para dizer o que o cristianismo plagiou?

Concluimos essa parte citando Manfred Clauss, Professor Emérito da Universidade Goethe de Frankfurt (Alemanha),  que de forma categórica comenta:

It Should be emphasised that the purpose of this summary account is not to suggest that such ideas were taken over directly into the Roman mystery-cult. On the contrary, no direct continuity, either of a general king or in specific details, can be demonstrated between the Perso-Hellesnistic worship of Mitra and Roman mysteries of Mithras. The oft-repeated attempts to trace a seamless history of  Mithras from the second millenium BC to the fourth century AD simply tell us something quite general about the relative stability, or, as it may be, flexibility. We cannot account for Roman Mithras in terms borrowed from Persian Mitra. (Tradução) Deve ser enfatizado que o propósito desse relato sumário não é sugerir que essas idéias foram utilizadas diretamente no Mitraismo Romano. Pelo contrário, nenhuma continuidade, seja geral ou especifica pode ser demosntrada entre a adoração persa-helenistica de Mitra com os Misterios Romanos de Mitras. As frequentes tentativas de traçar uma história contínua de Mitras do II milênio AC ao IV século DC apenas nos revelam em termos bem gerais a relativa estabilidade, ou melhor dizendo, flexibilidade, das idéias religiosas. Não podemos descrever o Mitras Romano em termos emprestados do Mitra Persa". [14]

E conclui
There is another reason too for thinking that it makes little sense to treat the mysteries of Mithras as but one stage in a longer evolution. The mysteries cannot be shown to have developed from Persian religious ideas nor does it make sense to interpret them as a fore-runner of Christianity. Both views neglect the sheer creativity that gave rise to the mystery-cult, Mithraism was an independt creation with its own unique value within a given historical, specifically roman, context.  (Tradução) Há uma outra razão para concluir que faz pouco sentido tratar os Mistérios de Mitras como mais um estágio de uma longa evolução. Não se conseguiu demonstrar que os Misterios de Mitras se desenvolveram a partir de idéias religiosas persas, como também não faz sentido interpreta-lo como predecessor do cristianismo. Em ambos os casos se ignora a criatividade que deu origem a religião de mistério. Mitraismo foi uma criação independente cujo valor reside numa dada situação histórica, e especifica romana.[14]

CONTINUA

Referências Bibliográficas
[1] Alison Griffith (1996) Mithraism, Exploring Ancient World Cultures: Essays on Ancient Rome,  http://eawc.evansville.edu/essays/mithraism.htm  acessado em 20.08.2013
[2]    Richard Gordon (2007) Institutionalized Religions Options: Mithraism In Jorg Rüpke (2007) Companion to Roman Religion, fls. 394-395, Wiley Blackwell. Citado no primeiro post desta série http://adcummulus.blogspot.com.br/2012/07/mitra-mitras-mitraismo-jesus-e-o.html
[3]  Roger Beck (2002) Mithraism, Encyclopaedia Iranica, edição online, artigo de 20.07.2002, disponivel em http://www.iranicaonline.org/articles/mithraism , acessado em 22.08.2013
[4] Alison Griffith (1996) Mithraism, Exploring Ancient World Cultures: Essays on Ancient Rome, http://eawc.evansville.edu/essays/mithraism.htm acessado em 20.08.2013
[5] Franz Cumont (1903)  The Mysteries of Mithra, fl. 191-194;  (Cap. Mithraism and the Religions of Empire, http://www.sacred-texts.com/cla/mom/mom09.htm), acessado em 27.08.2013 
[6] Richard Gordon (2005?) Frequently Asked Questions (FAQ) - Electronic Jounal of Mithraic Studies (EJMS),  http://www.hums.canterbury.ac.nz/clas/ejms/faq.htm, seção Resurrection of the Dead. Final Judgement,
[7] David Ulansey (1991), The Origins of the Mithraic Mysteries: Cosmology and Salvation in the, fl. 8-9, Oxford University Press
[8] Roger Beck (2002) Mithraism, Encyclopaedia Iranica, edição online, artigo de 20.07.2002, disponivel em http://www.iranicaonline.org/articles/mithraism , acessado em 22.08.2013
[9] Richard Gordon (2005?) Frequently Asked Questions (FAQ) - Electronic Jounal of Mithraic Studies, http://www.hums.canterbury.ac.nz/clas/ejms/faq.htm , seção Resurrection of the Dead. Final Judgement.
[10] Faeton, filho de Apolo, pediu ao seu pai insistentemente para conduzir a carruagem do Sol. Ao conseguir seu desejo, não tinha a força e habilidade necessária para controlar os cavalos, e acabou  tumultuando e incendiando os céus. Para evitar que o Universo fosse destruído, Zeus o derrubou com um raio, e caindo na Terra, Faeton morreu. 

[11] Richard Gordon (2005?) Frequently Asked Questions (FAQ) - Electronic Jounal of Mithraic Studies, http://www.hums.canterbury.ac.nz/clas/ejms/faq.htm , seção Resurrection of the Dead. Final Judgement.
[12] JHWG Liebeschuetz (1994) The expansion of Mithraism among the religious cults of the second century republicado em JHWG Liebeschuetz (2006) Decline and Change in Late Antiquity: Religion, Barbarians and their Historiography, fl. 453 (fl. 197).
[13] Jona Lendering (2009)   http://rambambashi.wordpress.com/2009/11/26/mithra-and-mithras/, Mithra and Mithras acessado em 27.08.2013
[14] Manfred Clauss (2001) The Roman Cult of Mithras: The God and his Mysteries,

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Pesquisa seminal sobre Corpus Hermeticum no Brasil

Tenho muito prazer em compartilhar no AD CUMMULUS este projeto desenvolvido pelo grande camarada David Pessoa de Lira, uma corajosa pesquisa seminal no Brasil, em um tema de interesse primoroso para os fins do biblioblog. De fato o hermetismo é uma névoa insondada pelos estudos em português, e assim, pode estar sujeita a conjecturas sem firme embasamento. David descortina importantes nuances, perspectivas e contribuições para a compreensão do ideário religioso. Abaixo, a notícia de divulgação da Escola Superior de Teologia e uma apresentação do trabalho, oferecida com muita cordialidade pelo próprio David e que aqui socializamos com os leitores.


Doutorando do PPG/EST realiza pesquisa inédita no país 

O título provisório de sua tese é “Ὁ Κρατήρ: Uma Análise do Corpus Hermeticum IV. 3-6a.” O objeto da pesquisa é "O Tratado Hermético Ὁ Κρατήρ na História das Antigas Religiões do Mediterrâneo Egípcio-Helenístico – Uma Análise Exegética do Corpus Hermeticum IV. 3-6a."

De forma variada, seus objetivos são:


  • Analisar a concepção de βαπτίζω [baptizō] no Tratado Ὁ Κρατήρ (C.H. IV.3-6a) e estabelecer sua relação com os textos de Timæus 41 D (de Platão), De somniis II. 183, 190, 249 (Filo de Alexandria) e de Provérbios 9.1-6 (LXX).
  • Apresentar um panorama da Literatura Hermética, inclusive do texto em questão, C.H. IV. 3-6a, no original grego. Buscar-se-á identificar assim as formas de exposição do tema Hermetismo e Literatura Hermética na História das Antigas Religiões Mediterrâneas, principalmente, na História do Mundo Contemporâneo do Novo Testamento e da Igreja Primitiva, Contexto e Substrato do Novo Testamento, a fim de proporcionar ao tema seu devido lugar na disciplina; 

No Projeto, David salienta:

Portanto, a presente pesquisa do Corpus Hermeticum se justifica por se tratar de um objeto de pesquisa da História do Mundo Contemporâneo do Novo Testamento e da Igreja Primitiva, Contexto e Substrato do Novo Testamento, da História das Antigas Religiões Mediterrâneas, da História da Filosofia, além de ser objeto mesmo do estudo da Filologia e da Linguagem e Interpretação. Vários são os estudiosos que fizeram pesquisas acerca do Corpus Hermeticum, os filólogos Richard August Reitzenstein, Arthur Darby Nock, André-Jean Festugière; o semioticista Humberto Eco; os filósofos Giovanni Reale, Garth Fowden; o historiador das religiões Mircea Eliade; o cientista da religião Giovanni Filoramo; os exegetas do NT e Teólogos John Horman, Thomas McAllister Scott; o historiador Charles Flowers; a doutora em língua inglesa Cassandra Cherie Amundson; a pesquisadora Willis Barnstone; entre muitos outros e outras.

A realização desta pesquisa na Área de Bíblia – Especialidade Novo Testamento – torna-se de suma importância pelo fato de que, desde Wilhelm Franz Bousset and Richard August Reitzenstein até os nossos dias, os Escritos Herméticos têm sido estudados no âmbito maior na História das Religiões e da Filosofia e relacionados com Fenômeno Gnóstico. A Escola da História das Religiões (Religionsgeschichtliche Schule) empregou, entre várias fontes, o Corpus Hermeticum para evidenciar a existência das antecedências gnósticas sobre o Cristianismo. Reitzenstein considerava o Corpus como produto final de um movimento que tinha se desenvolvido por um longo período de tempo, cujo início se deu antes da Era Cristã. Neste sentido, ele acreditava que os Escritos Herméticos poderiam ser uma fonte aplicável e confiável para interpretar e aclarar muitos elementos característicos das doutrinas cristãs e sua teologia com certa segurança. Não é raro ver que muitos acadêmicos têm seguido essa teoria. Eles têm colocado ou situado o Hermetismo como uma seção ou capítulo dentro do assunto Gnosticismo para explicar as origens do Gnosticismo, mesmo quando eles estão tratando daquilo que é rotulado como Gnosticismo Cristão. Foi justamente com essa Escola, na metade do século XIX ao início do século XX, que começou um criterioso estudo e uma acurada pesquisa histórico-religiosa na área de Novo Testamento. Os pesquisadores tinham como objetivo situar o NT no ambiente das antigas religiões, estabelecendo comparações histórico-religiosas, com a finalidade de identificar as possíveis relações de dependência entre o cristianismo e as outras religiões de seu mundo assim como conhecer melhor os sentidos próprios dos conceitos e ideias no Novo Testamento.

Sendo assim a pesquisa sobre o Corpus Hermeticum e o Hermetismo tem sua relevância não só na área de uma Teologia Cristã (Novo Testamento), mas também na área da Filosofia, Ciências da Religião (inclusive História das Religiões e Fenomenologia da Religião), Psicologia, Antropologia, Filologia e História. Sendo assim, ela contribui para uma boa compreensão do Movimento Hermético na História das Antigas Religiões Mediterrâneas, e principalmente quando se fala do Mundo Contemporâneo do Novo Testamento.


Esmiúça a seguinte hipótese:

Visto que aparece a palavra baptizo no texto em que procedo a análise e ao mesmo tempo ali, semanticamente, se trata de um texto de banquete, eu digo que baptizo não quer dizer necessariamente imersão, mas mistura, misturar, significa que ali há possibilidade do texto ter sido empregado na festa de Tekh que acontecia no ano novo, no período da cheia do Nilo, quando havia um ritual de beberagem e comensalidade. Então ali não se trata nem de imersão nem de qualquer compreensão cristã.

Quando o texto fala βάπτισον σεαυτὴν ἡ δυναμένη εἰς τοῦτον τὸν ϰρατῆρα no C.H. IV.3-6a ele não quer dizer “batiza-te a ti mesmo na cratera que tu podes”, mas algo para significar “mistura na cratera tu que podes”. O redator/autor deve ter empregado uma alegoria antiga da cratera e deve ter adaptado as palavras ao contexto egípcio, visto que ϰεράννυμι [kerannȳmi] e μίγνυμι [mignȳmi] não poderiam traduzir a palabra “Tekh”, mas encher, mergulhar, transbordar, era o ritual de "Thoth”.

David assinala as implicações, em que segundo ele batismo não significa apenas “imergir, mergulhar”, nem só “embebedar”, mas também misturar. Desafia frontalmente as teorias de muitos que diziam que aqui estava vinculado com a prática ritualística grega ou a mistura de dois sacramentos; os herméticos não tinham sacramentos. A “gnose” para os herméticos é comer e beber do conhecimento. Logo, "não se deve fazer a confusão do Hermetismo com qualquer movimento gnóstico-cristão.”



Sobre o autor: 


David hoje estuda na EST, mas seu contato com o assunto "Literatura Hermética" surgiu quando lera “A Interpretação do Quarto Evangelho”, de C.H. Dodd na Biblioteca do SAET (Seminário Anglicano de Estudos Teológicos do Recife). Daí, percebera que não havia muitos materiais em português e quase nada se produzia sobre isso no Brasil, de onde partiu seu interesse em pesquisar sobre a Literatura Hermética e Hermetismo, sendo hoje o pioneiro dessa pesquisa.

sábado, 28 de julho de 2012

Mitra, Mitras, Mitraismo, Jesus e o Cristianismo - Existem Paralelos? Parte 2 - A Vida de Mitras

A Vida de Mitras
O deus persa Mitra e a religião de mistério  Mitraismo são citados frequentemente, e na internet principalmente, como inspiração para a vida de Cristo. Contudo, na grande maioria das vezes não são citadas as fontes dessas afirmações, e quando são, consistem em textos exóticos, teorias da conspiração ou muito antigas (século XVIII ou XIX). Mas, existe algum fundamento nessas afirmações?  Continuando nossa série: vamos tentar responder a pergunta: Mas, afinal, o que sabemos sobre o mito de Mitras? 


Cenas do mito de Mitras, e sacrifício do touro, Neuenheim, Alemanha

Como já dito anteriormente não existem escritos mitraistas, todas as informações derivam das evidências arqueológicas disponíveis nas cenas retratadas nos mitrários, inscrições e menções esporádicas nos escritos clássicos.

Jaime Alvar Ezquerra, Professor Catedrático de História Antiga da Universidade Carlos III de Madri,  aponta as limitações que o estado da evidência nos impõe nas reconstruções acadêmicas do ritual, mitologia e doutrina dos Mistérios de Mitras.


"We are thus obliged to reconstruct the narrative mainly from the iconographic sources, supplemented by one or two isolated references in Classical Sources. As a result, we can hardly hope to do more than gain a rough outline of the story, accepting that we have lost the subtleties, conscious and unconscious, that figure in the literary documentation, such as it is. This is one of the reasons why the cult is often considered somewhat different from the other oriental cults. (Tradução) Desta forma, nos somos obrigados a reconstruir a narrativa com base nas fontes iconográficas, suplementadas por uma ou outra referência nas fontes literárias classicas. Assim, é muito difícil obter algo mais do que um esboço da estória, aceitando o fato de que perdemos as sutilizas, conscientes e inconscientes, que se apresentam nas fontes documentais literárias tal como se apresentam. Essa é uma das razões porque o culto é considerado diferenciado de outros cultos orientais. [1]

Desta forma, a primeira coisa a se ter em mente é que temos imagens em certa abundância, mas os textos, que explicam essas imagens, são escassos. E cada vez mais escassos a medida que nos aproximamos dos momentos iniciais do desenvolvimento do Mitraismo. Tendo isso em mente, o Professor Ezquerra sugere como analogia o caso do franciscano belga Pedro de Gante (1479-1572), que elaborou um Catecismo, composto basicamente de figuras, com os quais ele ensinou os fundamentos da fé cristã as crianças astecas na Escola São José de Belém, na atual Cidade do México [1], As imagens do culto mitraista apresentam alto grau de uniformidade, e, assim, devem ter tido também finalidade pedagógica, podendo servir como ponto de partida para o pesquisador [1]. 

(E aqui, caros leitores do adcummulus,  por isso, podemos observar que a cautela dos pesquisadores contrasta com a confiança, por vezes arrogância, dos textos sobre Mitra que circulam na internet.)


A Cena Principal: Tauctonia ou o Sacrifício do Touro Sagrado
Professora Alison Griffith, da Universidade de Canterbury (Nova Zelândia) descreve as cenas mais comuns:



Mithraic monuments have a rich and relatively coherent iconography, chronologically and geographically speaking. In each mithraic temple there was a central scene showing Mithras sacrificing a bull (often called a tauroctony). Mithras is clad in a tunic, trousers, cloak, and a pointed cap usually called a Phrygian cap. He faces the viewer while half-straddling the back of a bull, yanks the bull's head back by its nostrils with his left hand, and plunges a dagger into the bull's thoat with his right. Various figures surround this dramatic event. Under the bull a dog laps at the blood dripping from the wound and a scorpion attacks the bull's testicles. Often the bull's tail ends in wheat ears and a raven is perched on the bull's back. On the viewer's left stands a diminutive male figure named Cautes, wearing the same garb as Mithras and holding an upraised and burning torch. Above him, in the upper left corner, is the sun god, Sol, in his chariot. On the viewer's left there is another diminutive male figure, Cautopates, who is also clad as Mithras is and holds a torch that points downards and is sometimes, but not always, burning. Above Cautopates in the upper right corner is the moon, Luna. This group of figures is almost always present, but there are variations, of which the most common is an added line of the signs of the zodiac over the top of the bull-sacrificing scene. (...)
(Tradução) Monumentos mitraísiticos apresentam uma rica e relativamente coerente iconografia, cronologica e geograficamente falando. Em cada mitrário, há uma cena central de Mitras sacrificando um Touro (frequentemente chamada Taurotctonia). Mitras esta vestido em tunica, calças, casaco e um chapéu pontudo, usualmente chamado chapéu frígio. Ele encara o observador enquanto posiciona uma das pernas nas costas do Touro, e puxa a cabeça do animal para trás pelas narinas com sua mão esquerda, enquanto enfia um punhal em seu pescoço com sua mão direita. Vários personagens  cercam este dramático evento. Embaixo do Touro um cão lambe o sangue que escorre da ferida e um escorpião fere os testículos do Touro. Frequentemente a cauda do Touro termina com um feixe de trigo e um corvo  esta sob as costas do Touro. A esquerda do observador está uma figura em miniatura chamada Cautes  vestido com as mesmas roupas que Mithras e segurando uma tocha acesa, apontando para cima. Acima dele, no canto superior esquerdo esta Sol, o deus solar, em sua carruagem. A esquerda do observador há uma outra figura pequena, Cautopates, também vestido como Mitras e que segura uma tocha apontando para baixo, e as vezes, mas não sempre, acesa. Acima de Cautopates, no canto superior direito esta a Lua, Luna. Este grupo de figuras esta quase sempre presente, mas existem variações, das quais a mais comum é uma linha com os signos do zodiaco logo acima da cena do sacrifício do Touro. (...) [2]

Então, Griffith ressalta a cena da Tauroctonia, onde Mitras mata o Grande Touro. É a cena central de Mitrários, e com certeza representava o mais relevante aspecto do Culto. Em sua luta, Mitras é ajudado por algumas figuras, como o Cão, o Escorpião e o Corvo, e observada por outras como Cautes e Cautopates, a deusa lua, Luna, e o deus solar, Helios (Sol)
Mitras Tauroctonous: de Roma, II século, foto de Mike Young, escultura no Museu Britânico, (via wikipedia)
Outro representação de Tauroctonia
Mitras sacrificando o Touro Sagrado: Relevo em mármore dedicado pelo escravo Apronianus, tesoureiro da cidade Nersae, Mitrário de Nersae, 172 DC, Provincia de Rieti, Itália

Roger Beck, Professor da Universidade de Toronto, em um artigo da Encyclopaedia Iranica,   mantida pela Columbia University (publicação especializada sobre história, cultura e religião da Antiga Persia, a qual recomendamos aos interessados no assunto), complementa a descrição da Prof. Griffith sobre o que se pode deduzir sobre o mito a partir da evidência arqueológica.


Como Griffith, Beck destaca inicialmente a relevância da Tauroctonia para o Culto Mitraista:
The story of Mithras survives not in written form derived from an oral narrative — if such there ever was, it has disappeared without trace — but as scenes preserved on what are collectively termed “the monuments,” for the most part as relief sculpture on icons, altars, etcetera, but also as statuary and in fresco on the walls of mithraea. In the frescos and on the great complex reliefs (the latter mostly from the Rhine and Danube frontier provinces) a selection of side-scenes representing various episodes surrounds the central scene, the god’s sacrificial killing of a bull. More often this “tauroctony” is a self-contained icon, and from its privileged location at the head of the central aisle we know that it was the cult’s principal icon; consequently, that the bull-killing was the main event in the Mithras myth. (The fundamental illustrated catalogue of Mithraic monuments is Vermaseren 1956-60. Merkelback 1984 and Clauss 2000 are also exceptionally well illustrated. On the iconography of Mithras, see Vollkommer 1992. On the myth of Mithras as inferred from the iconography, see Cumont 1903: pp. 104-49; Vermaseren 1960: pp. 56-88; Clauss 2000: pp. 62-101.) (Tradução) A estória de Mitras sobrevive não em forma escrita derivada de uma narrativa oral - se ela algum dia existiu, desapareceu sem deixar traço - mas em cenas preservadas no que são coletivamente chamdos "monumentos", em sua maioria esculpidas em relevos em icônes, altares etc... Mas também em estátuas e afrescos nas paredes dos mitrários. Nos afrescos e nos grandes relevos (os últimos mais comuns nas províncias fronteirças do Danubio e Reno) uma certo número de cenas representando episódios secundários que cercam a figura central, o sacríficio realizado pelo deus matando o touro. Mas frequentemente esta Tauroctonia é uma figura independente, e da posição privilegiada, central, que ocupa no ponto mais bem localizado, sabemos que é o principal icone do culto; dessa forma, o ato de matar o Touro é o principal evento do mito de Mitras (O mais importante catálogo de monumentos Mitraisticos é Vermaseren 1956-60. Merkelback 1984 e Clauss 2000 são também excepcionalmente bem ilustrados. Para a Iconografia de Mitras, ver Vollkommer 1992. Do mito de Mitras inferido a partir da iconografia, ver Cumont 1903: pp. 104-49; Vermaseren 1960: pp. 56-88; Clauss 2000: pp. 62-101.) [3]
As outras cenas

Professora Alison Griffith continua sua descrição, fazendo menção agora as outras cenas:


In addition to this central scene there can be numerous smaller scenes which seem to represent episodes from Mithras' life. The most common scenes show Mithras being born from a rock, Mithras dragging the bull to a cave, plants springing from the blood and semen of the sacrificed bull, Mithras and the sun god, Sol, banqueting on the flesh of the bull while sitting on its skin, Sol investing Mithras with the power of the sun, and Mithras and Sol shaking hands over a burning altar,  These scenes are the basis for knowledge of mithraic cosmology. There is no supporting textual evidence. (Tradução) Além dessa cena central, há numerosas outras, menores, a qual parecem representar episódios da vida de Mitras. As mais comuns mostram Mitras nascendo de uma rocha. Mitras arrastando o Touro para uma Caverna, plantas brotando do sangue e sêmen do Touro sacrificado, Mitras e o deus solar, Sol, banqueteando da carne do touro enquanto assenta-se em sua pele, Sol investindo Mitras com seu poder, Mitras e Sol apertando as mãos sobre o altar em chamas, estas cenas são a base de nosso conhecimento da cosmologia mitraica. Não há evidência textual disponível [4]
 
Assim, além da cena central, outros episódios da vida de Mitra são comumente representados, seus nascimento de um rocha, Mitras capturando e arrastando o Grande Touro para a caverna, a morte do Touro como elemento de renovação da natureza, com plantas brotando de seu corpo, e a comemoração do triunfo, com o grande banquete cósmico entre o deus solar Helios  e Mitras. 


Já a descrição do Professor Beck, acrescenta mais alguns detalhes:

The gods' banquet, then, is the outcome of the sacrifice, and since it is replicated in the cult meal of the initiates,  it must be supposed that the mythic sacrifice performed by Mithras is the salvafic cause of whatever benefits accrue to his mortal initiates in replicating the banquet of the two gods. (…)The side-scenes are numerous, and they represent many different episodes in the myth, e.g. the pursuit and capture of the bull, the ascent of Mithras in the Sun's chariot, as well as occasional episodes which, (…), do not include or concern Mithras at all. (…). In addition to the bull-killing and the banquet, the scene of Mithras' birth is manifestly important. He is shown rising upright from a rock, not as a baby but in the prime of youth, with extended arms holding torch and sword. (…). It would be wrong to say that he has no mother, for the rock itself, identified explicitly as Petra Genetrix ("the rock that gives birth") is his mother.. Since the bull-killing was so obviously the god’s principal act, (...) the scene as regularly represented (with remarkably few variations from the norm) must be described. At the mouth of a cave, Mithras straddles the bull, plunging a dagger into its heart. A dog and a snake dart up at the blood flowing from the wound. A scorpion fastens on the bull's genitals, and a raven perches on the god's billowing mantle. Miraculously, the tail of the dying bull has metamorphosed into an ear of wheat. (Tradução) O banquete oferecido pelo deus, é, então, o resultado do sacríficio, e visto que era reencenado em uma refeição ritual pelos iniciados, por certa devemos supor que o sacrifício mítico realizado por Mitras é a causa salvífica de quaisquer benefícios extendidos aos iniciados ao reencenarem o banquete entre os dois deuses  (...) as cenas secundárias são numerosas e representam vários episódios do mito, por exemplo, a perseguição e captura do Touro, a ascensão de Mitras na carruagem solar, assim como episódios ocasionais que não se referem diretamente a Mitras (...) Além do sacríficio do Touro e o Banquete, a cena do nascimento de Mitras é muito importante. Ele aparece emergindo de uma pedra, não como um bebê, mas no auge da juventude com tocha e espada em punho (...) seria equivocado dizer que ele não tem mãe, a rocha é a sua mãe, sendo identificada como Petra Genetrix (a rocha que gera vida). Visto que o sacríficio do Touro é obviamente o principal feito do deus, (...) a cena como geralmente representada (como raríssimas variações da norma) deve ser descrita. Na entrada de uma caverna, Mitras se engalfinha com o touro, mergulhando um punhal em seu coração. Um cão e uma serpente sugam o sangue que verte da ferida. Um escorpião se prende aos genitais do Touro, e um corvo se empoleira na capa do deus. Miraculosamente, a cauda do touro de morte se transforma em trigo. [5]
Assim, Beck  realça a cena do nascimento de Mitras, que emerge de uma pedra como um homem feito, pronto para realizar grandes façanhas,  e o episódio da perseguição e captura do grande Touro. Fala também da ascensão de Mitras ao céu na carruagem do Sol, e o banquete entre os dois deuses, que era reencenado pelos iniciados.


Nascimento de Mitras
Pela sua relevância para o assunto em discussão, a imagem do nascimento de MItras pode ser destacado. Esse evento é representado nos Mitrários de forma muito comum, na cena conhecida como Mitras Petragenetrix (ou Mitras nascendo da Rocha)

Mitras Petragenetrix (Mitras nascendo da rocha), Roma, estátua dedicada por Aurelius Bassinus, aedil, principia castrorum peregrini,  da Guarda dos Cavaleiros Imperiais, Reinado de Cômodo (180-192 DC)
Então sob um certo sentido podemos dizer que Mitras teve um nascimento "virginal", ainda que a virgem em questão seja uma pedra (talvez nascimento "mineral" seja mais apropriado). A evidência de Mitras como o deus nascido da pedra é a mais frequente nos mitrários, (depois da Tauroctonia) e corresponde a evidência mais antiga do ponto de vista arqueológico. O Professor Jaime Alvar aprofunda essas constatações:


"Both literary accounts and iconography tell us that Mithras was miraculously born from a rock. The young hero, as a boy or even a baby, emerges from the rock already dressed in his Phrygian cap, to connote his 'oriental" origin and carrying in one hand a lighted torch and in the other a sword or dagger . The flame of the torch stamps him as a solar deity, and as giver of light, the swords the instrument by means of which he bestows life through the death of the bull.
(Tradução) Tanto os relatos literários quanto os iconograficos testificam que Mitras nasceu miraculosamente de uma rocha. O jovem herói, como um garoto ou mesmo um bebê, emrge de uma rocha já vestido com seu barrete frígio, conotando sua origem oriental e segurando com uma mão uma tocha e na outra uma espada ou adaga. O brilho da tocha o aponta como divindade solar, e a luz como seu dom, a espada o instrumento pelo qual ele sacrifica o touro e concede vida [6].
 Ainda,
The birth of Mithras from the rock is the commonest of all Mithraic scenes after the bull-killing. The fact that his birth brings light seems to fit with the hypothesis of a MIthraic cosmogonic narrative.
(Tradução) O cena do nascimento de Mitras da pedra é a mais comum  nos mitrários depois da Tauroctonia. A fato de que o nascimento traz luz parece se encaixar na hipótese de uma narrativa Mitraíca cosmogonica [6].
A ubiquidade da cena petra genetrix permite inferir algumas posturas sociais do culto. Não só seus artefatos se concentravam nas fronteiras ocidentais do Império e na cidade do Roma, dedicados por soldados engajados  e membros da burocracia imperial, como também as mulheres não podiam participar. Na verdade não há uma figura feminina marcante como Isis nos cultos egícios, ou Cibele no Culto da Grande Mãe, ou mesmo Maria (ainda que numa fase posterior do desenvolvimento do cristianismo), até mesmo a deusa lunar é uma espectadora dos feitos de Mitras. Como observa o Professor Wolf Liebeschuetz, da Universidade de Nottingham, a Petra Genetrix, indicando que Mitras nem mesmo teve uma  mãe humana, sugere que o elemento feminino foi praticamente "ignorado":

Then Mithraism was an association for men. Not only was an association for men. Not only were women excluded from membership, but the iconography of the cult, above all the image of Mithras' birth from a rock, suggests that it simply ignored the female element of the world. (Tradução) Então o Mitraismo era um culto voltado para homens. Não apenas era uma associação masculina. Não só porque as mulheres foram excluidas de sua mebresia, mas também na iconografia do Culto, acima de tudo a imagem de Mitras nascendo da rocha, que sugere que o elemento feminino do mundo foi simplesmente ignorado [7].

Walter Shandruk, hoje doutorando do departamento de estudos clássicos da Universidade de Chicago, manteve durante alguns anos um site muito interessante dedicado ao Mitraismo Romano (hoje aparentemente abandonado). Ele observa, seguindo o Professor Manfred Clauss (Universidade de Frankfurt) , que, ainda que as imagens da petragenia sigam em geral um padrão, com o jovem Mitras surgindo da pedra nu e com os braços levantados, os detalhes variam bastante. No Primus Mithraeum, em Roma, Mitras aparece com uma tocha na mão esquerda e uma adaga na direita. No Mitrário II da Colonia Agripina a tocha é substituida por um feixe de trigo. Na fronteira do Reno, em Augusta Treverorum (atual Tréveris, Alemanha), Mitras faz girar o zodiáco.  Em algumas cenas, Mitras emerge da pedra com ajuda de Cautes e Cautopates, em outros a cobra, o cão e o corvo assistem o nascimento, em outras ainda, a pedra é envolta por um cobra [8] 

Iconográfia, Inscrições e Expectativas dos seguidores de Mitra
Shandruk também observa que outra sequência de cenas marcante é a da caçada ao Touro [9]. Em geral,  a primeira retrata o Touro repousando, ou pastando. Em seguida,  Mitras aborda o Touro, seja puxando seus chifres, seja arrastando-o. A terceira cena, que varia pouco entre os mitrários, mostra o Touro tentando escapar, com MItras o segurando fortemente. Por fim, Mitras subjuga o Grande Touro e o carrega com duas de suas patas em seus ombros. Esta última cena parece ser a transição para a Tauroctonia, sendo muito popular nos mitrários situados na fronteira do Danubio, que concentra três quartos dessas representações [9]. A foto abaixo mostra uma escultura de Ptuj (antiga Pietovio) na atual Eslovênia. 
Mitras arrastando o Touro, escultura, segunda metade do II século, Mitrário de Poetovio (Ptuj), Eslovênia, Museu de Ptuj

A idéia de um ser que é capaz de subjugar um touro, e não um touro comum, mas o grande touro sagrado, deve ter sido um dos motivos para explicar a grande popularidade de Mitras entre os soldados alistados. Nas inscrições, é comum o padrão "Ao invencivel Mitras (ou sol invicto Mitras), fulano de tal, de livre vontade, merecidamente, cumpre seu voto". Por exemplo, no norte da Inglaterra, nas proximidades do Muro de Adriano, exitiram nos séculos III e IV os mitrários dos fortes de Carrawburgh, Rudchester e Housesteads, onde são encontradas inscrições votivas como essa:
(nota adcummulus: as inscrições estão nas fontes do artigo em latim, com tradução para o inglês. Do inglês foram traduzidas para o português) 
DEO INV M L ANTONIVS PROCVLVS PRAEF COH I BAT ANTONIANAE VSLM
(Ao invencível deus Mitras, Lucio Antônio Próculo, prefeito da Primeira Corte Bataviana Antonina, de boa vontade e merecidamente cumpre seu voto), datada de 213-222 DC. (Carrawburgh) [10] ( RIB 1544)
DEO SOLI INVICTO MITRAE SAECVLARI PVBL PROCVLI NVS PRO SE ET PROCVLO FIL SVO VSLM D N GALLO ET VOLVSINO COS 
(Ao deus Sol Invicto Mitras, Senhor Eterno, o centurião Publio Procolino, de boa-vontade e merecidamente cumpre seu voto, em seu favor e de seu filho Procúlo, quando nossos senhores Galo e Volosino eram consúles) , datada de 252 DC (Housesteads).[11] (RIB 1599)
Na fronteira do Danúbio, o Mitrário de Fertorákos, localizado na atual Hungria, e datado do início do III século DC, encontramos um altar com a seguinte inscrição votiva
D(eo) S(oli) I(invicto) M(ithrae) / L(ucius) AVIT(us) MA/TURUS D(e)C(urio) / COL(oniae) KARN(unti) / V(otum) S(olvit) L(ibens) M(erito).
Ao deus Sol Invicto Mitras, Lucio Avito Maturo, decúrio da colônia de Carnuntum, de boa vontade, merecida e alegremente cumpre seu voto. [12] (CINRM N° 1637)
Mas o que essas inscrições podem indicar sobre as expectativas dos adoradores de Mitra? Na antiguidade os deuses muitas vezes tinham funções específicas, ligadas a proteção de uma localidade, uma corporação profissional, um grupo social, ou dádivas especificas. O fato de soldados em serviço agradecerem ao deus invicto ou invéncivel pode indicar que eles buscaram partilhar dessas caracteristicas em combate e foram atendidos. São inscrições de agradecimento, não de prece, ou seja, Mitra os havia tornado invencíveis e por isso agradecem.
Professor Wolf Liebeschuetz observa que as inscrições mitráicas das províncias de Roma, como as apresentadas acima, são majoritariamente do tipo VSLM (Votum Solvit Libens Merito), ou seja, o fiel faz uma oferta em retribuição a divindidade por uma graça concedida, a qual ele havia pedido [13] (o equivalente no mundo romano a "pagar uma promessa" ou um voto). Liebeschuetz observa, porém, que já na cidade de Roma e vizinhanças, a maioria das inscrições de Mitras não segue esse padrão, sendo muitas vezes dedicatórias ao deus por membros do culto, civis em sua maioria. Ou seja, Mitras não era só uma espécie de deus da guerra, devia existir alguns outros motivos pelos quais as pessoas buscavam seu auxílio. 
Utilizando esse exemplo da diferença entre as inscrições mitraícas na capital e provincias Liebeschuetz introduz a importante questão das expectativas dos seguidores de Mitra sobre a vida após a morte. Esperavam seus seguidores que Mitras os ajudasse quando deixassem esse mundo? A maioria dos estudiosos, observa Liebeschuetz, consideram como fato que os rituais de iniciação e a própria estrutura dos sete níveis, associadas a planetas especificos, tem alguma relação com descida e subida das almas, e frequentemente se tem concluido a partir disso que o ritual implicava na imortilidade da alma após a morte, no entanto:

"The fact - or at least what most scholars take to be a fact - tha Mithraic iniciation was believed to involve the descent and ascent of the soul is often taken to mean that Mithraic iniciation was a ritual for ensuring the survival of the soul after death. The conclusion is natural, given the analogy of Christian. It therefore may come as a surprise that scarcely any of the very large number of surviving dedications are in the least corcened with death (...)  
(TraduçãoO fato - ou pelo menos o que maioria dos estudiosos assumem com fato - de que a iniciação mitraíca envolvia descida e ascensão das alma é frequentemente usado como evidência de que a iniciação era um ritual que assegurava a sobrevivência da alma depois da morte. A conclusão é natural, em face de uma analogia com o cristianismo. Pode parecer surpreendente porém, que raramente no grande número de inscrições remanescentes se encontra alguma minimamente preocupada com a morte (...)[13]
 Ou  seja, aparentemente, as pessoas buscavam Mitras para benefícios nessa vida. Não era uma divindade que tinha a vida após a morte como sua especialidade.  Liebeschuetz continua :
The phrase votum solvit libens merito occurs again and again, in other words the god had perfomed what he had been asked to do. On the face of it Mithraists expected from their god the same kind of assistance as other Romans: health, and sucess for themselves and their colleagues and - diplomatically - for their superiors, not least the emperor. If Mithraic religion was coherent at all, the initiaites must have hoped that  the ceremony would  improve their qualifications for receiving support from the god in the problems of life on earth (....) To assume that the principal object must have been to ensure the survival after death is to apply Christian preconceptions. (Tradução) A frase votum solvit libens merito ocorre repetidamente, em outras palavras o deus  realizou aquilo que lhe foi solicitado. Do exposto, os mitraistas esperavam de seu deus o mesmo tipo de assistência que os outros romanos: saúde, sucesso para eles mesmos e seus colegas e - diplomaticamente - para seus superiores, sem esquecer do imperador.Se o culto mitráico tinha alguma coerência, os iniciados certamente esperavam que a cerimônia melhoraria suas condições para receber ajuda divina nos problemas da vida presente. (...) assumir que o objetivo principal era assegurar a vida após a morte é projetar conceitos cristãos.[13]
Liebeschuetz continua disparando, analisando as inscrições funerárias:


 "In the case of Mithraic dedications none, as far as I known, refers to hopes of continued existence after death. Mithraic imagery does not appear on funerary monuments - unlike that of Cybele and Attis which has frequently been found in tombs in the Rhineland (R Turcan 1975, p. 67) not to mention the imagery of Dionysus, which is found on sarcophagi all over the empire (see for example R. Turcan 1966). There are relatively few tombstones which record that the deceased was a follower of Mithras (CIMRM 511, 623-4). Mithraists do not seem to have had separate cemeteries. They were evidently much less concerned that their religous allegiance was recorded on their tombstone than worshippers of Isis (M.Malaise 1972, e.g from Ostia nos. 3, 4, 6, 7, 13 etc.) (Tradução) No caso das dedicatórias mitraistas, nenhuma, até onde sei, refere-se a esperança de existência após a morte. As imagens mitraistas não aparecem em monumentos funerários - totalmente diferente daquela de Cibele e Atis que é encontrada frequentemente em tumbas da região do Reno (R Turcan 1975, p. 67) assim como as imagens de Dionisio, encontradas em sarcofagos por todos os cantos do Império (veja por exemplo R Turcan 1966). Há relativamente poucas sepulturas que recordam que o falecido era seguidor de Mitras (CIMRM 511, 623-4). Aparentemente, os mitraístas não tinham cemitérios exclusivos. É evidente que eles estavam bem menos preocupados de registrar sua filiação religiosa que os adoradores de Isis (M. Malaise 1972, ex. Ostia números 3, 4, 6, 7 e 13 etc.)[13]
e conclui:
The conclusion is unavoidable: the benefits of Mithraic initiation were expected in this life. With the god's help the initiate would achieve help and sucess. In a more spiritual sense the initiate would have become a purer and freer person, liberated from tyranny of fate to which the body is subject. (Tradução) A conclusão inevitável é que os benefícios da iniciação mitráica eram esperados na vida presente. Com o auxílio divino o iniciado teria socorro e sucesso. Em senso mais espiritual, o inciado se tornaria uma pessoa mais livre e pura, liberta da tirania do destino a qual o corpo esta sujeito [13]
Entre os estudiosos a conclusão de Liebeschuetz é consensual no que se refere a escasez de inscrições, imagens e monumentos, bem como fontes literárias relativos ao mitraismo e a vida após a morte, contudo existe divisão quanto a inexistência de expectativa dos adeptos do culto quanto a atuação de Mitras nesse aspecto [14].


Paralelos, existe algum?


Assim, caros leitores, aonde foram parar todos aqueles paralelos entre o cristianismo e o mitraismo? Ou melhor quais elementos da estória de Mitras possuem alguma relação com o texto bíblico, e se existem, qual a significância?


Nós iremos analisar essa questão aqui no adcummulus mais aprofundamente nos próximos posts da série, mas, seria incorreto dizer que não há paralelo nenhum entre o cristianismo e mitraismo. Já mencionamos a refeição entre Sol e Mitras, que era reencenada pelos iniciados, uma situação que traz lembrança da Eucaristia ou Ceia do Senhor. Podemos estabelecer um paralelo com a páscoa judaica, bem como com Genesis 14:18 onde Melquisedeque, Rei de Salém e Sacerdote do Altíssimo veio a Abrãao e seus seguidores, trazendo pão e vinho, e os abençou. Em todo o caso, devemos nos ater não só no rito, mas em seu significado, a indicação do paralelo é apenas o ponto inicial para verificar possíveis influênciais. Cenas para os próximos capítulos. 

Adicionalmente, Professor  Roger Beck alude a um vaso de porcelana, descoberto a cerca de 30 anos, onde a se vê A figura de um "Pater" encenando o "milagre da água"[15]. Nessa cena, encontrada em alguns mitrários, Mitras acerta uma flecha em uma rocha, e dela flue água. Beck observa que o elemento da água faz lembrar o batismo cristão [15]. Há aqui também um paralelo, talvez mais claro, com Moisés, "Então Moisés levantou a mão, e feriu a rocha duas vezes com a sua vara, e saiu água copiosamente, e a congregação bebeu, e os seus animais" (Num. 20:11).  

Beck considera o milagre da água e o banquete entre Mitras e Sol como os dois paralelos mais relevantes com o cristianismo [15]. A opinião é compartilhada também pelo Professor Manfred Clauss [16]. Ambos consideram, porém, como improváveis hipóteses de influência de um culto sobre o outro. Mas para discutir sobre isso pedimos aos leitores do adcummulus um pouco mais de paciência, pois abordaremos essas questões em posts futuros.

A Vida do Invencivel Mitras em um parágrafo:

pesquisador leigo e ativista neo-pagão Ceisiwr Serith (David Fickett Wilbar) faz um esboço biografico de Mitras, baseado na evidência arqueológica.
From the images we can chart out something of the life of Mithras. He is born from a rock, already equipped to perform great deeds. He shoots an arrow into a rock, producing water. He hunts, whether for the bull or something else we don’t know. He carries a bull back to a cave, where he sacrifices it. The sun communicates with him; whether to command the sacrifice or to invite Mithras to heaven afterwards we don’t know. After the sacrifice, the sun raises Mithras to heaven, greets him with a handshake, crowns him, and eats a feast with him. This is what we know of the mythical biography of Mithras. (Tradução) Das imagens podemos traçar um esboço da vida de Mitras. Ele nasce da rocha, já equipado para realizar grandes feitos. Ele atira uma flecha em rocha, produzindo água. Ele caça, se um touro ou outra coisa não se sabe. Ele puxa um Touro para uma caverna, e o sacrifica. O Sol se comunica com ele, se para o ordenar o sacrifício ou convidar Mitras ao céu, é incerto. Após o sacrifício, o Sol eleva Mitras ao céu, o comprimenta com um aperto de mão, coroa-o, e celebra um baquete com ele. É o que se sabe da biografia mítica de Mitras[17]

Referências Bibliograficas

[1] Jaime Alvar Ezquerra (2008) Romanising Oriental Gods: Myth, Salvation, and Ethics in the Cults of Cybele, Isis and Mithras, Brill, fl. 76.
[2] Alison Griffith (1996) Mithraism, Exploring Ancient World Cultures: Essays on Ancient Rome, http://eawc.evansville.edu/essays/mithraism.htm  acessado em 16.07.2012
[3] Roger Beck (2002) Mithraism, Encyclopaedia Iranica, edição online, artigo de 20 de julho de 2002, disponivel em http://www.iranicaonline.org/articles/mithraism  acessado em 19.07.2002
[4] Alison Griffith (1996) Mithraism, Exploring Ancient World Cultures: Essays on Ancient Rome, http://eawc.evansville.edu/essays/mithraism.htm  acessado em 16.07.2012
[5] Roger Beck (2002) Mithraism, Encyclopaedia Iranica, edição online, artigo de 20 de julho de 2002, disponivel em http://www.iranicaonline.org/articles/mithraism , acessado em 19.07.2002
[6] Jaime Alvar Ezquerra (2008) Romanising Oriental Gods: Myth, Salvation, and Ethics in the Cults of Cybele, Isis and Mithras, Brill, fls. 81-82
[7] JHWG Liebeschuetz (1994) The expansion of Mithraism among the religious cults of the second century republicado em JHWG Liebeschuetz (2006) Decline and Change in Late Antiquity: Religion, Barbarians and their Historiography, fl. 451 (fl. 195).
[8] Walter M Shandruk (2002) Descriptions of Mithraea and Iconography - 3:The Rock Birth, Mithraism in History and Archeology, website acessado via webarchive em 23.07.2012 http://web.archive.org/web/20110722023421/http://www.mithraism.org/cgi-bin/display.cgi?file=mithraeum.txt&part=3&total=8 , ver também Manfred Clauss (2001), The Roman Cult of MIthras, fls. 64-69.
[9] Walter M Shandruk (2002) Descriptions of Mithraea and Iconography - 4:The Hunt, Mithraism in History and Archeology, website acessado via webarchive em 23.07.2012
http://web.archive.org/web/20110722024803/http://www.mithraism.org/cgi-bin/display.cgi?file=mithraeum.txt&part=4&total=8 ver também Manfred Clauss (2001), The Roman Cult of Mithras, fls. 75-77.
[10] http://www.roman-britain.org/places/brocolitia.htm#rib1544  (2011) Roman Britain Organization, Brocolitia (Carrawburgh), Hadrian Wall Forts and Temples. (RIB 1544). RIB é a sigla para The Roman Inscription of Britain, catálogo das inscrições romanas na Grã-Bretanha, elaborado por R.G Collingwood e R.P Wright (1965), vol I, Oxford, Clarendon Press.
[11] http://www.roman-britain.org/places/vercovicium.htm  (2011) Roman Britain Organization, Vercovicium (Housesteads), Hadrian Wall Forts and Temples. (RIB 1600) RIB é a sigla para The Roman Inscription of Britain, catálogo das inscrições romanas na Grã-Bretanha, elaborado por R.G Collingwood e R.P Wright (1965), vol I, Oxford, Clarendon Press.
[12] Fertőrákos Mithraeum, Wikipedia, http://en.wikipedia.org/wiki/Fertorakos_Mithraeum , versão de 30.05.2012, acessada em 23.07.2012. (CIMRM n° 1637). CIMRM é a sigla para Corpus Inscriptionum et Monumentorum Religionis Mithriacae, catálogo de inscrições e monumentos associados ao culto de Mitras no Império Romano, editado pelo Professor Marteen J Vermaseren (1960).
[13] JHWG Liebeschuetz (1994) The expansion of Mithraism among the religious cults of the second century republicado em JHWG Liebeschuetz (2006) Decline and Change in Late Antiquity: Religion, Barbarians and their Historiography, fl. 469-470 (fls. 214-215).
[14] Jaime Alvar Ezquerra (2008) Romanising Oriental Gods: Myth, Salvation, and Ethics in the Cults of Cybele, Isis and Mithras, Brill, fls. 125-136. Assim como Liebeschuetz, Ezquerra pondera a inexistência de inscrições (com uma possível excessão), tumbas, sarcófagos ou imagens funerárias ligadas ao culto de Mithras (fls 135-136), critica o ceticismo de Robert Turcan, que vê tais expectativas como meros relatos de neo platonistas, não iniciados, que projetavam suas crenças no culto mitráico (fls. 125-126). Ezquerra rejeita o ponto de Turcan, acredita que o mitraistas associavam beneficíos na vida após a morte com sua iniciação, ainda que hesite se era uma concepção apenas dos mitraístas neoplatonistas, ou generalizada dentro do culto (fl. 126).
[15] Roger Beck (2006) The Pagan Shadow of Christ?, acessado em 23.07.2012 http://www.bbc.co.uk/history/ancient/romans/paganshadowchrist_article_04.shtml
[16] Manfred Clauss (2001) The Roman Cult of Mithras, fl.72
[17] Ceisiwr Serith (David Fickett Wilbar) (2003) What is Mithraism? acessado em 24.07.2012  http://www.ceisiwrserith.com/mith/whatismith.htm



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