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sábado, 24 de outubro de 2015

Divisando matérias-primas do ideário cristão nas narrativas da vinda de Jesus ao mundo


Matthias Grünewald: Isenheim Altar - opened, 1
Altar de Isenheim - Matthias Grünewald

As famosas narrativas de episódios que cercam a anunciação e o nascimento de Jesus movimentam o imaginário de gerações até os dias de hoje. Na arte e literatura, na academia, igrejas, mídias, festas populares, se escreveu, tratados, muito se poetizou, cantou, encenou e pesquisou.

Historiadores e outros estudiosos especializados produziram miríades de volumes abrangendo vários aspectos. Dentre estes, algo que sempre gerou profusas controvérsias é a discrepância geral das narrativas produzidas dentro da mesma geração. Nota-se variações desde o começo e a apresentação, passando pelas genealogias, circunstâncias históricas imediatas, e outras de caráter geográfico e político.

Sobretudo, para a possibilidade de um mínimo fio sincronizado, forçoso é considerar que boa parte das cenas do evangelho da tradição de Mateus se passa em cerca de dois anos após o nascimento narrado em Lucas. Muitas outras dificuldades, tanto em particular de cada um, quanto mais ainda tomadas em conjunto, surgem, mesmo considerando variados graus de liberdade para imaginação literária e emprego de simbologia. O que suscitou outro grande debate relacionado às hipóteses de composições dos evangelhos... o escritor do evangelho segundo Mateus conhecia o material de Lucas? O de Lucas conhecia o de Mateus? Se uma resposta é positiva, porque produziu outro relato, e com tantas diferenças? Ou não conheciam um ao outro? Sendo assim, havia várias versões circulando ou se contavam muitos relatos e cada um dos escritores trabalhou com alguns - para uma deliberada ênfase no plano geral de seu propósito para todo o evangelho escrito?

Por outro lado, temos também elementos centrais para a tradição que se dão em comum com as duas narrativas, sugerindo fortemente que compartilhavam de tradições amplas e antigas dentre os cristãos de então.

Como também ponderou John.P. Méier [1]:
(...)Quaisquer concordâncias entre os dois [Mateus e Lucas] nessas narrativas se tornam historicamente significativas, em especial quando o critério da múltipla confirmação é invocado. Essas concordâncias em duas narrativas independentes e profundamente contrastantes representariam, no mínimo, um recurso a uma tradição mais antiga, e não a criação dos evangelistas.

Pelo menos doze pontos nos chamam muito a atenção:

1 – O nascimento de Jesus é contextualizado ainda durante o governo de Herodes Magno (Mt. 2.1; Lc. 1.27-34).
2 – Maria não se relacionara sexualmente com José antes de se engravidar (Mt.1.18; Lc 1.27-34)
3 – José não participa da concepção de Jesus (Mt. 1.18-25; Lc. 1.34)
4 – José é da linhagem de Davi (Mt. 1.16-20; Lc. 1.27; 2.4).
5 – A concepção e nascimento de Jesus é anunciada por um anjo ( Mt. 1.20-21; Lc. 1.28-30)
6 – Mesmo assim põe em relevo que Jesus é descendente de Davi (Mt.1.1; Lc.1.32)
7 – O nome “Jesus” é designado antes do seu nascimento (Mt. 1.21; Lc. 1.31)
8 - Jesus veio ao mundo concebido por ação miraculosa do Espírito Santo (Mt. 1.18- 20; Lc 1.35)
9 – Jesus é vocacionado pelo Deus de Israel como o ‘Salvador’ ( Mt.1.24-25; Lc. 2.11)
10 – José e Maria se casam antes do nascimento de Jesus (Mt. 1.24-25; Lc. 2. 4-7)
11 – O nascimento de Jesus se dá em Belém (Mt. 2.1; Lc. 2.4-7)
12 – Nazaré passa ser a residência da família de Jesus e onde ele cresce (Mt. 2.22-23; Lc. 2.39-51)

Mas o interesse histórico está longe de encerrar em exames quanto a factualidade de eventos particulares, apesar de ser o que mais concentra o interesse dos leigos. Há vários campos que a investigação trabalha. Aqui nos propomos num breve esboço, nos debruçar sobre o que este material nos pode desvelar sobre as matérias-primas e estruturas da formação da fé das primeiras gerações de cristãos.

Um exemplo propício a se começar é com as genealogias; enquanto muito se discutiu acerca de diferenças, particularidades e artifícios simbólicos nas genealogias mateanas e lucanas, muitas vezes se deixou escapar a indagação relativa a terem apresentado a pessoa de Jesus com genealogias. Mas, na Bíblia Hebraica, genealogias costumam funcionar elos de unificação entre figuras principais da história do povo de Israel, como Abraão-Noé-Adão. Logo, ambos evangelistas trabalham por encaixar a figura de Jesus num horizonte histórico maior no qual se opera a ação divina de acordo com seu plano, Jesus fazendo parte do mesmo em um ápice juntamente com figuras especiais para a memória devocional do povo.

Albrecht Dürer: Seven Sorrows: The Flight into Egypt
A Fuga para o Egito - Albrecht Dürer

Em Mateus, o quadro maior da saga da família de Jesus e sua emigração – sim, refugiados políticos – e retorno para a terra é algo muito mais íntimo do que uma mera alusão evocativa à tradição do chamado do povo para fora do Egito, tal como consta em tradições proféticas como em Oseias 11,1.

Os judeus reavivavam estas tradições em formatos devocionais, e um deles que temos registro hoje é o chamado Hagadah da Páscoa, de cerca dos finais do século I a.C. [2].

Jerome Murphy O'Connor [3] nos produziu uma valiosa tabela em que lhes coloca em paralelo:

História da Fuga e Regresso
Agadah da Páscoa
1) Perigo (v. 13d) “Herodes procura a criança para destruí-la
1) Perigo (I,1) “O arameu procurou destruir o meu pai”
2) Mandamento divino (v.13b) “Toma a criança de sua mãe e foge para o Egito”
2) Mandamento divino (II,1) “Desceu ao Egito impelido pela palavra do Senhor”
3) Estadia temporária (v. 13c) “Permanece lá até que eu te avise”
3) Estadia temporária (II,2) “Não desceu ao Egito para lá se instalar, mas apenas para ficar algum tempo
4) Regresso (v.20) “Toma a criança e vá para a terra de Israel”
4) Regresso (VII,1) “O Senhor trouxe-nos do Egito, não por meio de um anjo, nem por meio de um mensageiro, mas pelo próprio Altíssimo, que Ele seja louvado”


Já vimos aí que da parte de um evangelista, a apresentação de Jesus coloca-lhe invocando importantíssimas rememorações e anelos da fé judaica.

No material do evangelista lucano, temos uma fartura tão grande de recortes que aqui poderemos tratar de um dos mais de mais forte apelo: sua coleção de poemas presentes nos dois primeiros capítulos. Estes foram cantados e declamados ao longo dos séculos e são presença altissonante em liturgias de várias igrejas e comunidades religiosas. Podemos somente imaginar a força simbólica e apelativa que teriam ao serem lidas ou entoadas pelos cristãos antigos.

Sugiro aos leitores que, se possível, leiam cada um mas afastando um pouco a ligação com todos os evangelhos, como se fossem salmos independentes dos livros em que foram inseridos.

Com essa sugestão, fica mais fácil compreender aquilo que James D.G.Dunn [4] enunciou algo que foi pontuado com destaque na academia em períodos recentes:
Qualquer que seja a sua origem e derivação final, Lucas possivelmente as extraiu da adoração das congregações primitivas (antes que das memórias retrospectivas de oitenta anos atrás). Em outras palavras, são os salmos das comunidades palestinenses antigas, que atingiram sua forma atual em um período quando não havia quaisquer cristãos, somente judeus que acreditavam que o Messias havia chegado (p. 230).

Teria o célebre pesquisador ido muito longe com esta colocação?

Comecemos com o mais aclamado e presente dos hinos, o amplamente conhecido como “Magnificat” de Maria, devido à tradução latina da abertura do mesmo.

Na Bíblia Hebraica, uma mulher ter um filho anunciado por Deus numa situação inusitada sempre indicava um plano especial para o povo na história, como com Isaque, Sansão e Samuel – Gn 18,11; Jz 13,2-5; ISm 1-2.

Os termos do anúncio do anjo a Maria “grande aos olhos do Senhor”, o reino sobre a casa de Israel, que “não terá fim” faz eco a movimentos nacionalistas contemporâneos que produziram literatura que também expressava estes termos, como os “Salmos de Salomão 1-2”. Novamente, materiais culturais judaicos que aspiravam uma libertação nacional, reconfigurados para se centrarem em Jesus.

O Magnificat está estruturado na forma da canção de Ana em I Sm 2,1-10. Alude a diversas passagens da Bíblia Hebraica relacionadas à libertação nacional e figura régia:

Verso 48: I Sm 1,11
Vs 49: Sl 111,9
Vs 50: Sl 103,13-17
Vs51: Sl 89,10; 2Sm 22,28
Vs52: Jó 12,19; 5,11;
Vs 53: I Sm 2,5; Sl 107,9
Vs 54: Is 41,8
Vs55: Mq 7,20;Gn 17,7; 22,17;2Sm 22,51

Dunn assinala ainda que “É notável que não haja nenhuma ideia especificamente cristã nele; é tipicamente hebraico no caráter e no conteúdo. Mas igualmente notável que nos primeiros dias da nova fé, cristãos fossem capazes de tomá-lo como expressão de seu próprio louvor” (p.299)

Assim também se passa com o “Benedictus”, segundo Darrel L. Bock [5], um louvor do sacerdote Zacarias em que profetiza acerca do seu filho João que vai nascer com uma missão especial; segundo o pesquisador mencionado, o hino tem ecos principalmente do agradecimento de Salomão (notar especialmente o vs 69), em 1Reis 8,15, por ter sido agente do cumprimento da promessa de Deus de lhe construir um Templo. Também é articulado numa linguagem que lembra salmos como 89,24; 106,10, 45-46; 105,8-9. A descrição do “Chifre da Salvação” ecoa a descrição de Davi em ICr 17,4.

A sublime menção ao “profeta do Altíssimo” atribuída ao menino no vs. 76 faz lembrar a passagem do livro de Isaías 40,35 ( posteriormente, a menção ao “mensageiro” em Malaquias 3,1) com acentuada conotação de esperança de redenção coletiva; o evangelista vai retomar essa linguagem em 3,4-6. Ainda na bênção de Zacarias, a importante ênfase no termo “redimiu” faz alusão à libertação do cativeiro egípcio, onde se amarra à evocação de Deus visitando seu povo para redenção.

Dunn também ponderou sobre este hino: 
Uma das figuras ou dos títulos da esperança messiânica judaica era 'o profeta' (Dt 18,18s; Is61,1ss; Ml.4,5; Testamento de Levi 8,15;Testamento de Benjamin 9,2 [?]; IQS9,11; 4Qtest. 5-8); e a palavra grega usada no v. 78 para nascente (anatolë) pode ser uma alusão à LXX de Jeremias 23,5; Zacarias 3,8; 6,12) onde ela traduz a metáfora messiânica 'ramo'.

Outra bela peça exposta na narrativa lucana é o hino tradicionalmente conhecido como “Gloria in Excelsius” (Lc.2,14), que já foi matéria-prima para belíssimas composições de Bach e Vivaldi; Dunn ainda foi mais enfático sobre o mesmo: “Não contém nada especificamente cristã em si, isto é, fora de seu contexto”.

O hino conta com uma expressão importante, “povo de quem ele se agrada” que apresenta paralelos de aspirações de libertação nacional em um trecho dos rolos da comunidade de Qumrã, 1QH 4,32-33 e no texto protorrabínico Shemoneh Esrei, benção de gratidão 17, a “Avodah”. 

Ainda outras referências importantes embutidas no segundo capítulo de Lucas são auspiciosas: em 2,13-14 ele joga com uma contraposição entre as anunciações de arautos imperiais sobre a “pax augusta”, a “paz universal” reivindicada pelo imperador romano Augusto. Prepara o terreno para mais à frente (Lc 2,25-26) fazer menção à “Consolação”, expressão da intervenção de Deus a favor de Israel (Is. 49,13; 51,3; 52,9; 66,13).

Há ainda algo notável relacionado ao Magnificat que deixamos para o final destas nossas constações. O cântico anuncia um título real atribuído ao Jesus que estaria para vir ao mundo, o “Filho do Altíssimo” [6]. Coisa de poucas décadas atrás importantes estudiosos consideravam que esta expressão fora tomada de empréstimo do meio cultural helenístico, não fazendo parte dos primórdios da tradição cristã e assim sendo, uma atribuição que fora incorporada mais tarde através de um processo evolutivo gradual.

Mas após um trabalho com um fragmento dos Manuscritos do Mar Morto, constatou-se o uso desta expressão por parte do imaginário messiânico e escatológico. Mais do que isso, este fragmento de Qunram inteiro tem fortes ecos em comum com a linguagem do Magnificat. Na tradução e reconstrução de Hershell Shanks, “[X]será grande sobre a terra. [Oh Rei, todos (povos) haverão de] fazer [paz], e todos haverão de servi-[lo. Ele será chamado o filho] do [G]rande [Deus], e por este nome será aclamado (como) o Filho de Deus, e o chamarão Filho do Altíssimo” [7].


Combinando este mosaico temos uma tela em que se retrata algo que bate de frente com algumas inferências vulgarmente encontradas, que dizem que a fé cristã despontou em uma clivagem aguda com uma expressão do judaísmo com fortes preocupações messiânicas de cunho político e comunal, aspirando a uma subversão das estruturas de poder do Império e uma libertação nacional. Estas falas que lemos ou ouvimos contrapõem com isso uma fé cristã que nasceu com um caráter mais “espiritual” (sic), intimista e individualista, cuja aspiração seria o gozo da libertação da alma para as regiões celestes despregando-se das preocupações com o destino do povo como um todo e do mundo.

O quadro apresentado vai em um sentido em que esta clivagem alegada é significativamente nuançada. A matéria-prima e os materiais que engendravam a fé cristã nascente compartilhavam, mesmo bebiam das fontes de aspirações coletivas judaicas, com acentos de anelos para subversão das estruturas de poder pela ação de Deus na história, partindo desse mesmo Deus das tradições de Israel, reconfiguradas de forma em que a figura do messias Jesus fosse central e o sujeito consumador vital, com as ênfases próprias de seus ethos comunitário e com uma força propulsora centrífuga.

Ficamos aqui por esta vez, brindando com a belíssima abertura da composição do “Magnificat” por Johann Sebastian Bach. 




[ 1] MÉIER, J.P. Um Judeu Marginal. Repensando o Jesus Histórico. Volume Um: As Raízes do Problema e da Pessoa. Rio de Janeiro: Imago, 1993, pp. 213-214.

[ 2 ] FILKENSTEIN, L. The Oldest Midrash, Pré-Rabbinic Ideals and Teaching in the Passover Haggadah. Harvard Theological Review,Vl; 31. 1938, pp 291-317

[ 3 ] MURPHY O'CONNOR, J. Jesus e Paulo: Vidas Paralelas. São Paulo: Paulinas. 2008. pp.22

[ 4 ] DUNN, J. Unidade e Diversidade no Novo Testamento. Santo André: Editora Academia Cristã, 2009.

[ 5 ]. BOCK, D.L. Jesus segundo as escrituras. São Paulo: Shedd Publicações, 2006, pp.56-57.

[ 6 ] FITZMYER, J. A. 4Q246 The "Son of God" Document from Qumran. Biblica: 1993, pp.153-174

[ 7 ] SHANKS, H. (org). Para Compreender os Manuscritos do Mar Morto; uma coletânea de ensaios da Biblical Archaeology Review. Rio de Janeiro: Imago, 1993, pp. 212-214



terça-feira, 3 de setembro de 2013

ANOTAÇÕES AD CUMMULUS 002: os complexos imaginários apocalípticos que circundavam Jesus

Estamos vibrando com a excelente iniciativa de nosso amigo Flávio de incrementar novos tipos de postagens no AD Cummulus, dando mais dinamicidade ao mesmo e potencializando os insights e horizontes que se descortinam nas nossas leituras e reflexões sobre o campo de interesse do blog. São drops valiosíssimos também para estimular o interesse em pessoas que se deparam com este campo de estudo acadêmico e que poderão ajudar a disseminá-lo mais no Brasil

E nosso amigo e fundador começou com uma exploração de grande fecundidade, de interesse literário, sociológico e histórico-cultural sobre o ambiente das ideias escatológicas envolvendo Jesus e os grupos religiosos do período. Flávio propõe-se a analisar as interfaces com escatologias presentes no ambiente farisaico.

A gente vislumbra pontes e pontos de apoio para muitos saltos e dos feixes que se formam a gente vai tentando amarrar. Me lembro de cara dos hinos de origens judaicas e rearranjados pelos judeus-cristãos da abertura do evangelho lucano, capítulos 1 e 2, por Izabel, Maria, os anjos no Gloria in Excelsis, Simeão... como sorvem em expectativas com muitas semelhanças aí. Reflexo dos anseios dos primeiros convertidos, e antes deles, de judeus com grandes anelos e anseios messianológicos.
Daí, em relação a eles, em Jesus parece-nos mais verossímil conceber que nele havia um embebimento comum de tradições judaicas como as refletidas no 1Enoque (como 51,3-4)
Ele [um anjo] disse: Todas essas coisas que contemplas serão para o domínio do Messias, para que ele possa comandar e ser poderoso sobre a terra.
E aquele anjo de paz respondeu-me dizendo: Aguarde mais um curto espaço de tempo, e entenderás, e cada coisa secreta que o Senhor dos Espíritos tem decretado será revelada a ti. Aquelas montanhas que viste, a montanha de ferro, a montanha de cobre, a montanha de prata, a montanha de ouro, a montanha de metal fluido e a montanha de chumbo, todas estas, na presença do Eleito,serão como um favo de mel diante do fogo, e como a água descendo de cima sobre estas montanhas, e devem tornar-se debilitadas diante de teus pés.
Também refletidas em 2 Baruq 70,2: 
Eis que os dias estão chegando e isso vai acontecer quando chegar a hora do mundo ter amadurecido e vier a colheita da semente dos ímpios e dos justos, que YWHW, o Poderoso, fará vir sobre a Terra e seus habitantes, e causar em seus governantes confusão de espírito e espanto do coração. E eles vão odiar uns aos outros e provocar um ao outro para lutar.
72,2: Depois que vierem os sinais vieram dos quais eu tenho falado com você antes - quando as nações forem movidas e o tempo de meu Ungido chegar, Ele vai chamar todas as nações, e algumas delas Ele não poupará, e outras ele vai exterminar.
O Hino do capítulo 10 do Testamento de Moisés:
E a terra há tremer: em seus limites ela será abalada
E as altas montanhas virão abaixo
E os outeiros serão abalados e cairão.
E as extremidades do sol serão despedaçadas e ele se converterá em trevas;
E a lua não dará a sua luz, e será transformada completamente em sangue.
E o círculo das estrelas será remexido.
E o mar se retirará para o abismo,
E as fontes das águas falharão,
E os rios se secarão.
Para a aparição do Altíssimo,  o único Deus Eterno, (...)
E também que formaram tradições refletidas na biblioteca de Qumrã, como o famoso 4 Q521, que engloba as passagens sobre os sinais da era messiânica tomados de cominações isaiânicas 35.5, 61.1 (presos libertos, cegos curados, encurvados soerguidos, mortos redivivos, boa nova aos ‘pobres’).  

Algo como a dimensão cósmica, com sinais antecipatórios; o misto de urgência com indeterminação. Talvez por uma questão de não identificar a realização das expectativas no que apontavam diversos os diversos grupos que cultivavam dadas orientações; aí a gente viaja na recepção e continuação do movimento de Jesus nos primeiros tempos da igreja primitiva e a incorporação de pessoas oriundas de outros movimentos messiânicos com abordagens em comum dos fariseus dos Salmos de Salomão, e mesmo de fariseus.


Os documentos das passagens citadas foram engendrados no período dos dois séculos circundantes a Jesus. Imagino que circularam entre grupos judaicos piedosos de estudiosos e místicos que fizeram uma leitura da história e de sua conjuntura mais fatalista, embora não desesperançada, à medida que influenciada pelas narrativas da libertação do Egito e diversos fragmentos proféticos, conceberam – e penso que não é necessário que o grau entre o que seria mais e menos metafórico ou simbólico seja o mesmo para todos – a intervenção de YWHW na história se faria acompanhar de sinais na criação e implicaria, para um mundo social renovado, renovações no mundo natural (à medida que foram amalgamando os males sociais e políticos com concepções cósmicas e o que a gente diria hoje, “ônticas” sobre a natureza destes males).

É um campo muito viçoso buscarmos conceber como teria sido o contato e interação de Jesus com estes corpos apocalípticos complexos, considerando que não seriam propriamente “escolas” ou “ramos” do judaísmo, tanto delineados como o é convencionalmente, mas ainda mais fluidos. Inclusive, eu imagino que deve estar na explicação para sua possível alfabetização.




sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Artigos acadêmicos sobre perseguição aos cristãos, curas, pretendentes messiânicos e manuscritos do mar morto - de acesso livre e em português!!!!



Abaixo vai uma seleção de artigos acadêmicos interessantes, publicados em português, com os respectivos links. Uma vez que a grande maioria dos artigos acadêmicos sobre as origens cristianismo esta em jornais não acessíveis ao público não vinculado a universidades (jornais acadêmicos especializados de subscrição paga) e/ou lingua estrangeira, é interessante compartilhar esses "achados". Os artigos também tratam de assuntos que discutimos aqui no adcummulus recentemente.

1)
Diogo Pereira da Silva (2011) As Perseguições aos cristãos no Império Romano (sec. I a IV): Dois Modelos de Apreensão, Revista Jesus Histórico e sua Recepção - Ano IV [2011] - volume 7
"Resumo:No âmbito da pesquisa em torno das perseguições aos cristãos pelo Império romano nos quatro primeiros séculos, podem-se observar intensas discussões eruditas. Nesse texto, busca-se evidenciar que as abordagens acadêmicas divergentes podem ser conjugadas formando um modelo explicativo globalizante
Palavras-chave: Perseguição aos cristãos, martírio, Império Romano.

(Observação
: aqui no adcummulus abordamos as Perseguição da Igreja Primitiva pelo Império Romano no post "Porque os cristãos foram perseguidos"? (agosto de 2010), e, tangencialmente, quando abordamos a referência do historiador romano Tácito sobre Jesus no contexto da perseguição aos cristãos de Roma por Nero A Significância de Jesus e a Escala Richter de Impacto Histórico Parte 2D: Historiadores Romanos.)

2) Lolita Guimarães Guerra (2011) Cura e Experiência Religiosa no Cristianismo Primitivo, Revista Jesus Histórico e sua Recepção - Ano IV [2011] - volume 7
Resumo:As primeiras comunidades cristãs, ao comporem narrativas acerca das atividades religiosas de seu líder, lançaram mão de um vasto conjunto de práticas e conceitos relativos à cura de doenças e à ressurreição dos mortos. Noções judaicas de causa, tratamento e cura de doenças se modificam no interior desses grupos no debate com práticas presentes, por exemplo, nos cultos a Esculápio, Ísis e Serápis. Para além do mundo divino, cura e ressurreição foram associadas, tanto no judaísmo como para além dele, a mortais como Apolônio de Tiana, Hipócrates e Salomão, assim como a figuras públicas como Vespasiano e Pirro. Nos primeiros séculos da Era Comum, este diálogo toma forma através da atribuição do poder de curar exclusivamente a Cristo, o qual inclusive lança mão de outros personagens para exercer milagres. As comunidades cristãs sintetizam, neste único personagem, os papéis do sábio/médico à terapia e à cura.
Palavras-chave: início da Era Comum; experiência religiosa; doença; possessão; cura.


3) Vicente Dobraruka (2002) Josefo, a literatura apocalíptica e a revolta de 70 na Judéia, Phoinix. Vol.8. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002.
Este artigo discute as relações entre escatologia e concepção de história na obra do historiador judeu Flávio Josefo, tomando-se por eixos de análise tanto a relação por ele estabelecida entre as expectativas messiânicas dos judeus quanto às concepções metahistóricas de sua obra, em si mesmas credoras da literatura apocalíptica.Entre 74 e 79 d.C., o historiador judeu Flávio Josefo redigiu uma obra que teria lugar assegurado postumamente como um dos textos historiográficos mais famosos da Antigüidade - a Guerra dos judeus.

Observação: o assunto messianismo foi discutido aqui no adcummulus no post "Jesus, os Cristãos, Messianismo e Apocaliptismo no Judaismo do Primeiro Século: Tudo Junto e Misturado"(janeiro de 2011), e no que se refere aos pretendentes messiânicos, como Judas Galileu, Simão de Peréia e o Profeta Egípcio em "A Significância de Jesus e a Escala Richter de Impacto Histórico Parte 4.1: O Rei dos Judeus entre os Revolucionários" (julho de 2011).

4) Edgard Leite (2008) Os Manuscritos de Qumran e a Teologia do Cristianismo Antigo, Revista Jesus Histórico e sua Recepção – Ano I [2008] - volume 1
"Os manuscritos de Qumran introduziram novos elementos nos estudos sobre o cristia-nismo antigo. Antes de sua descoberta o conhecimento do universo religioso da Judéia do século I era muito limitado. Tanto os evangelhos canônicos quanto os apócrifos, por exemplo, eram pouco esclarecedores. Seu principal objetivo era a reafirmação das mensagens de Jesus – tais como diferentes tradições as entendiam - e não uma reflexão sobre as forças e tendên-cias conceituais que as envolviam."

Outros artigos como este podem ser encontrados na Revista Jesus Histórico.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Juizo Final [ atualizado em 15/04/12 ]


(...)e eis que com as nuvens do céu vinha um como Filho de Homem; ele chegou até o Ancião de Dias, e o fizeram aproximar de sua presença. E lhe foi dada soberania, glória e realeza, assim as pessoas de todos os povos, nações e línguas o serviam.

(...)
a seguir, os Santos do Altíssimo receberão a realeza, e possuirão a realeza para sempre e para todo o sempre.

(...) e o julgamento fosse dado em favor dos Santos do Altíssimo, e que chegasse o tempo e os Santos possuíssem a realeza.



A expressão Filho do Homem, aparece no Antigo Testamento em diversos contextos e sentidos. No livro de Daniel, surge com um significado especial. Uma figura que viria executar o juízo em nome do próprio Altíssimo, num julgamento em que tomarão parte os seus Santos. Está inserido em uma grande parte que trata de “visões”, ao estilo da chamada literatura apocalítica. Repercute também em diversos textos importantes da literatura apocalíptica judaica, em destaque no Apocalipse das Semanas de Enoch:

Então interroguei a um dos anjos que estava comigo e que me explicou todos os mistérios relativos ao Filho do homem. Perguntei-lhe quem era ele, de onde vinha e porque acompanhava o Ancião dos Dias. Respondeu-meo nessas palavras: 'Este é o Filho do Homem a quem toda justiça se refere, com quem ela habita, e que tem a chave de todos os tesouros ocultos; pois o Senhor dos espíritos o escolheu preferencialmente e deu-lhe glória acima de todas as criaturas. Esse Filho do Homem que viste, arrancará reis e poderosos de seu sono voluptuoso, fá-los-á sair de suas terras inamovíveis, colocará freio nos poderosos, quebrará os dentes dos pecadores. Expulsará os reis de seus tronos e de seus reinos, porque recusam honrá-lo, de tornarem públicos seus louvores e de se humilharem diante daquele a quem todo reino foi dado. Colocará tormentos na raça dos poderosos; forçá-los-á a se deitarem diante dele'.
Outros textos desse período que refletiam uma imagem semelhante são 4 Esdras ( final do século I) e o contido no papiro 11 Melquisedeque - parte dos Manuscritos do Mar Morto, aplicado ao mesmo [ a respeito das referências em correlação com o livro de Daniel, confira o capítulo "The Messianic Associations of The Son of Man", do livro Messianism among Jews and Christians: twelve biblical and historical studies de William Horbury] .

O Apocalipse das Semanas é uma composição antiga que fora incluída na "Epístola de Enoque",  pertencente ao"Livro de Enoque", que é uma compilação de materiais que vão de período posterior ao regresso judaico sob domínio persa, cerca de três séculos antes de Cristo, até a um período imediatamente anterior ao despontar de Jesus, começo do primeiro século [confira a respeito - James J. Collins, "Books of Enoch" em Dictionary of New Testament Backgrounds, eds. Craig A. Evans e Stanley Porter; também J.J. Colins, "The Apocalyptic Imagination: An Introduction to Jewish Apocalyptic Literature", pgs 177-8, 192-3] . Neste aspecto, é importante chamarmos atenção para fragmentos do material mais recente, "As Similitudes de Enoque", que foram citados no começo da postagem. A eles também se assomam:

E naquela hora o Filho do Homem foi nomeado na presença do Senhor dos Espíritos; e seu nome perante o Ancião dos Dias. Sim, antes que o sol e os sinais fossem criados, antes que as estrelas dos céus fossem formadas, seu nome foi nomeado perante o Senhor dos Espíritos. Ele será uma fortaleza para os justos,  onde poderão permanecer e não cair, será a luz dos gentios, e a esperança dos amargurados de coração.

Jesus emprega o termo O Filho do Homem, nos evangelhos em diversos sentidos, incluindo passagens que é algo que remete a uma circunlocução de auto-referência, tal como "um homem como eu" - p. ex., Mateus 8.20 e 12.32.

Contudo, essa passagem de Daniel, tomada no conjunto tendo em perspectiva todo o capítulo 7, a partir do sonho atribuído a Daniel durante o reinado de Belshasar até onde ele dá por encerrada, é retomada e/ou aludida em passagens importantes do Novo Testamento, que nos ajuda a refletir sobre a expectativa dos primeiros cristãos, sobre seu entendimento de si mesmos, de quem foi Jesus, e de Jesus sobre si mesmo e o caráter de sua missão.

Não encontramos a passagem-chave de Daniel 7.13 citada explicitamente. Mas nos evangelhos, ela ecoa bem ressonante em Marcos 13.26 Então, eles verão o Filho do Homem vir, rodeado de nuvens, na plenitude do Poder e da Glória. E toda a passagem de Marcos 13.14-27 retoma o capítulo 7 de Daniel, culminando com o vs. 27 Então ele enviará os anjos e, dos quatro ventos, da extremidade da terra à extremidade do céu reunirá seus eleitos. E retomado o tema novamente em 14.62, quando, indagado pelo Sumo Sacerdote se era o Messias, Filho do Deus Bendito, Jesus responde: Eu o sou, e vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-poderoso e vindo com as nuvens do céu. O que é aparentemente paradoxal na imagem, em que ao mesmo tempo que se está sentado no trono está vindo entre as nuvens, se aclareia pelo fato que, partilhando de um substrato comum com culturas da Antiguidade no Oriente Próximo, no ideário judaico o "Trono de Deus" era também a "Carruagem" de Deus [vide o capítulo 1 e o 10 de Ezequiel, o 4 de Apocalipse, por exemplo].

David Flusser, no capítulo 4 de “O Judaísmo e as Origens do Cristianismo – vl.2” faz uma reconstrução crítica desse dito de Jesus no confronto com o Sacerdote, afirmando que Lucas 22,69 indica com maior acuidade a expressão original e direta de Jesus, ressoando assim sua carga de impacto própria. Ele reconstrói a passagem como “A partir de agora o Filho do Homem estará sentado à direita do Poder”. Acolhe a sugestão das influências do Salmo 110.1, muito utilizado pelas comunidades cristãs mais antigas (O Senhor diz ao meu Senhor: assenta-te à minha direita(...)” e 80.18 “Concede tua ajuda ao homem à tua direita, o filho do homem que tomaste como teu próprio”.

Flusser faz um minuncioso resgate de usos e termos “hipostáticos” acerca de Deus e Seus atributos, com análises de usos de rabinos, de textos na comunidade de Qumrã e comentaristas cristãos da antiguidade como Teodoreto de Ciro, dando destaque à passagem de Isaías 9,5-6, (títulos como Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz) e encontra uma visão no “Pergaminho de Ação de Graças" - encontrado entre os Manuscritos do Mar Morto (1 QH 3:2-18) -, em que a interpretação da combinação de títulos é de que o Messias seria um Maravilhoso Conselheiro do Deus Poderoso, um oráculo sobre o destino da criança. Mais adiante, esse menino é descrito numa visão como “Maravilhoso Conselheiro com Seu Poder [o de Deus]” – 1 QH 3:10. Aponta que “Poder”, do hebraico gevurah e grego dunamis, é o “Grande Poder” de Atos 8,10 – livro do mesmo autor do Evangelho de Lucas [ sendo que a hipóstase "Glória", presente em Marcos, consta no tratado de Enoque 104,1]. Flusser aponta que o hino contendo a expressão dessa interpretação esteve numa tradição que contribuíra de forma importante para o capítulo 12 de Apocalipse.

O contexto [sobre o complexo contexto e uma discussão prolífica da elaboração nos evangelhos, sugiro "The Background to the Son of Man Sayings", de F.F.Bruce] da fala dele, dada como resposta, e a reação do Sumo Sacerdote e demais, nos indicam de forma clara que Jesus referiu-se a si; provocando escândalo ao se colocar numa posição de mesmo plano para com Deus na grande epifania escatológica - sentado à direita. E sendo essa passagem retomada da outra supracitada, com a mesma aplicação e nos mesmos termos (combinando, possivelmente por releitura do evangelista, com o Salmo 110.1 (Oráculo do Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, que eu faça dos teus inimigos o escabelo dos teus pés!) afasta a possível impressão de que na passagem do capítulo 13, Jesus se referia a uma terceira pessoa ou entidade.

Ainda no Novo Testamento, no livro de Apocalipse, podemos enxergar que os cristãos associavam a figura do Filho do Homem ao seu Senhor. Em 1.7, essa passagem de Daniel 7.13 é aludida, combinando com Zacarias 12.10 ( (...) Erguerão, então, o olhar para mim, aquele a quem traspassaram. Celebrarão o luto por ele, como pelo filho único. Chorarão amargamente como se pranteia um primogênico). Outra importante ilustração apocalítica: Ei-lo que vem entre as nuvens e todo olho o verá, até mesmo os que o traspassaram: todas as tribos da terra estarão de luto por causa dele. Fundamental notar que a passagem está integrada a (...) da parte de Jesus Cristo, a testemunha fiel, o primogênito dentre os mortos e o príncipe dos reis da terra.

Também em 1.9-11 está implícito, culminando em 1.13 imiscuído com textos diversos do Antigo Testamento: e no meio dos candelabros, um como Filho de Homem. Ele vestia uma longa túnica, um cinto de ouro lhe cingia o peito.

Observe-se o paralelo entre essa parte do evangelho de João [ que se relaciona intimamente com as perspectivas do grupo cristão oriundo dos chamados “judeus helenistas”, apresentando também uma ligação com conversos de Samaria] 5.25-27 e o quadro apocalíptico de Daniel comentadas aqui:

Em verdade, em verdade eu vos digo, vem a hora – e é agora – em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus e os que tiverem ouvido viverão. Porque assim como o Pai possui a vida em si mesmo, assim também deu ao Filho possuir a vida em si mesmo; ele deu o poder de exercer o julgamento porque é o Filho do Homem.

Nesse caso, há a associação com o título messiânico – na perspectiva do messianismo de realeza [Filho de Deus]–, com a figura escatolótica.

Outra questão importante ressaltada no capítulo de Daniel é sobre a participação dos justos no julgamento. Em 7.22, o julgamento fosse dado em favor dos Santos do Altíssimo, e que chegasse o tempo e os Santos possuíssem a realeza.

Essa expectativa na escatologia, dos mártires e dos fiéis perseverantes tomando parte no Julgamento Final ecoa na perspectiva apocalítica no Novo Testamento. Paulo: Acaso, não sabeis que os santos julgarão o mundo?- I Co. 6.2. Daniel 7.18 a seguir, os Santos do Altíssimo receberão a realeza, e possuirão a realeza para sempre e para todo o sempre, ecoa em Apocalipse 5. 9-10, também nas passagens sobre herdar o reino de Deus, mesmo por contraste, como em I Co. 6.9 – referindo-se aos injustos. Ecoa também no hino de II Timóteo 2.11-14, de forma elaborada em que, de grande importância, podemos ver que a própria liturgia da Igreja assimilara a expectativa do papel de Jesus no que concebiam como a manifestação definitiva da glória de Deus e o reinado do povo eleito e a nova realidade. Reverbera também em Lucas 22.28-30, Vós sois os que perseveraram comigo nas minhas provações. E eu disponho para vós o Reino como o meu Pai dispôs dele para mim: assim, comereis e bebereis à minha mesa em meu reino, e vos assentareis sobre o trono para julgar as doze tribos de Israel, com ecos mais suaves em Mateus 19.28; 25.31. Também, a partir de uma visão maior justapondo essas três passagens, ilumina-se o olhar sobre Apocalipse 3.21, no sentido de entender a leitura escatológica da igreja primitiva.

Em destaque, Daniel 7.18 ressoa mais altissonante na leitura de Lucas 12.32: Não temas, pequeno rebanho, porque foi do agrado de vosso Pai dar-vos o Reino. E de forma mais impactante, logo no início da narrativa de Marcos, 1.15: Cumpriu-se o tempodestacamos o impacto do termo tempo, relacionado a cumprir, em se tratando de expectativa escatológica - e o Reinado de Deus aproximou-se; convertei-vos e crede no Evangelho.

Importante refletirmos nisso tendo em mente que, no registro da concepção para com a ressurreição dos mortos tal como em II Macabeus 7.9 e 7.23, que assinala um aspecto que era decisivo na compreensão das diversas correntes do judaísmo do segundo templo: a associação da ressurreição com a justiça feita aos mortos pela causa da Aliança.

Abstemo-nos aqui de uma discussão, que para ser verdadeiramente imparcial demandaria um bom espaço, a cerca de se as passagens dos evangelhos destacadas seriam plausivelmente autênticas na atribuição a Jesus propriamente. Por um lado, reconhecemos a possibilidade de serem coloridas, trabalhadas ou elaboradas redacionalmente à luz de temáticas da pregação e crença das igrejas. Contudo, achamos, particularmente, que o critério da descontinuidade não tem valor em tal escala, para rechassar a autenticidade como apelo maior. Qualquer pessoa lúcida é capaz de compreender que ditos e ensinamentos de alguém tomado como um mestre excepcional com uma prerrogativa extraordinária tenha impactos sobre seus discípulos e nos movimentos que descendem dele, e que em certos períodos, se concentrem mais ênfase em dados aspectos, e outros, que foram menos destacados antes, podem ser retomados com mais ênfase, ou recapitulados,em outros contextos. Assim se dá com os partidos comunistas e os institutos liberais em relação à Marx e Mises.

De qualquer forma, temos elementos suficientes para depreender que: com toda a certeza, o movimento de Jesus e as igrejas cristãs ligada ao círculo de seus discípulos (assim consideramos também a(s) comunidade(s) de Hebreus e as fundadas por Paulo) lhe atribuíam o papel da figura que exercerá o Juízo de Deus. E que a expectativa deles para a definição final da História é que nesse Juízo, exercido pelo Salvador, tomarão parte os santificados e comissionados de Deus ( retomamos aqui também a reflexão sobre o papel dos 'Doze', simbolizando as doze tribos de Israel – daonde entende-se o dilema descrito em Atos para substituir Judas, só entendida a operação como legítima à luz de sua apostasia – para com os tronos falados em Daniel 7.9, o tribunal, em Daniel 7.10). E que com quase toda a certeza, isso foi consolidado a partir do que Jesus pregava, ensinava e arrogava para si e para o sentido de sua obra.

Estava no cerne da crença do cristianismo apostólico das origens que o sentido para o qual aponta o seu caminho: na consumação da História se dará o julgamento, a deslegitimação e subversão das estruturas, discursos e lógicas de dominação do mundo. Isso constantemente foi e é obnublado.

Para mais a respeito da posição do presente autor ante as controvérsias quanto aos ditos do "Filho do Homem" nos evangelhos, este está alinhado com  Delbert Royce Burkett em "The son of man debate: a history and evaluation".

Obs. citações bíblicas estão na versão da Bíblia Teológica Ecumênica - TEB
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