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domingo, 13 de junho de 2021

Quando Israel era Menino - Arqueologia e o Livro de Reis - Parte 2 - Origens (Josué, Juízes e Samuel)

Débora e Baraque, Século XIII, Saltério
de São Luiz
, via wikicommons
 Continuando, após dois anos e meio, nossa série sobre a arqueologia bíblica. Agora, utilizaremos não só exemplos do livro de I e II Reis, mas também Juízes e I e II Samuel.

Como abordamos anteriormente, a utilização do Antigo Testamento como fonte histórica gera uma divisão entre arqueólogos, historiadores e biblistas no campos minimalista e maximalista. Entre aqueles que entendem que a narrativa dos livros históricos da Bíblia deve ser considerada como factual até que expressamente contradita pela evidência literária ou arqueológica contemporânea, e aqueles que defendem que o texto bíblico somente deve ser utilizado quando "provado" por evidências externas.

Na prática, porém, tais visões demarcam os extremos, estando a grande maioria dos pesquisadores entre esses polos. O período a ser considerado também é extremamente relevante, uma vez que há atestação muito maior para os reinados de Omri ou Ezequias do que, por exemplo, o tempo de Isaque e Jacó.


Professor Michael Coogan, de Harvard, ilustra como a evidência diferenciada entre os vários períodos descritos na história bíblica orienta a percepção dos estudiosos:

"The evidence, then, is fragmentary, but when all of it is considered - texts from the ancient Near East, the Bible, and archeological data - it does, generally, fit together. An analogy is a large jigsaw puzzle that is missing many of its pieces - but enough of them fit so that the reconstruion is probable, if not certain. This applies to chronology, and thus to persons or events, throughout the first millennium, that is, from the time of the dividion of the United Monarchy of Israel in the late tenth century to the time of the Maccabees in the second century BCE. With some diffidence we may push this back slightly, to David and Solomon, the second and third kings of Israel in the tenth century, but probably not before (tradução) As evidências, então, são fragmentárias, mas quando todas são consideradas - textos do antigo Oriente Próximo, a Bíblia e dados arqueológicos - geralmente se encaixam. Uma analogia é um grande quebra-cabeça do qual faltam muitas de suas peças - mas cabem em número suficiente para que a reconstrução seja provável, senão certa. Isso se aplica à cronologia e, portanto, a pessoas ou eventos, ao longo do primeiro milênio, isto é, desde a época da divisão da Monarquia Unida de Israel no final do século X até a época dos Macabeus no segundo século AEC. Com alguma hesitação, podemos recuar um pouco, para Davi e Salomão, o segundo e o terceiro reis de Israel no século dez, mas provavelmente não antes[1] 

Assim, a postura minimalista ou maximalista, para a grande maioria dos estudiosos, é uma abordagem metodológica que leva em conta as particularidades de cada período. De Gênesis até, digamos, I Samuel (ou Juízes) e do tempo de II Samuel em diante. O posicionamento dessa "fronteira" é objeto também de intensa discussão. Eric H. Cline, Professor da Universidade George Washington, é outro a demarcar a "fronteira" em termos de atestação externa de figuras e eventos bíblicos, considerando as descobertas arqueológicas relativas aos cananeus, sírios, hititas, egípcios e povos da Mesopotâmia, mas que indica também um território não tão bem demarcado, entre, digamos, o século XIII AC (data tradicional do Êxodo) e o início do século X AC (divisão dos reinos de Israel e Judá).

"such discoveries have shed relatively little light on the actual stories found in the Hebrew Bible - particularly those in Genesis ans Exodus. As a result, many of the earlier stories of the Hebrew Bible, especially those from Creation to the Exodus, have not been corroborated by archeologists and remain a matter of faith. On the other hand, events from a slightly later period, i.e., during the era of the Divided Kingdoms in the first millenium BCE after the empire of David and Solomon broke assunder, benefit from extrabiblical inscriptions, records, and other data that can be used to corroborate biblical details. (tradução) tais descobertas lançaram relativamente pouca luz sobre as histórias encontradas na Bíblia Hebraica - particularmente aquelas em Gênesis e Êxodo. Como resultado, muitas das histórias anteriores da Bíblia Hebraica, especialmente aquelas da Criação ao Êxodo, não foram corroboradas por arqueólogos e permanecem uma questão de fé. Por outro lado, os eventos de um período ligeiramente posterior, ou seja, durante a era dos Reinos Divididos no primeiro milênio antes da era cristã, depois que o império de Davi e Salomão rachou subitamente, se beneficiam de inscrições extra-bíblicas, registros e outros dados que podem ser usados para corroborar detalhes bíblicos.[2]

Vamos esse período de "fronteira", abordando algumas evidências arqueológicas desse período entre os século XIII e X AC, período antecedente ao Livro de Reis, descrito nos livros de Josué, Juízes e I e II Samuel.

 1) A Estela de Merneptah, 1208 AC

Estela de Merneptah, Museu do Cairo, via wikicommons 
Os israelitas viviam entre os cananeus, os hititas, os amorreus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus. Tomaram as filhas deles em casamento e deram suas filhas aos filhos deles, e prestaram culto aos deuses deles. (Juízes 3:5-6);

O Faraó Merneptah (1213-1203 AC) empreendeu uma campanha militar na Palestina no 5° ano do seu reinado (c. 1208 AC). Os egípcios tinham importantes interesses no território, recolhendo tributos dos reis cananeus e utilizando como "tampão" frente a expansão do Reino de Mittani, e posteriormente, do Império Hitita.

Para celebrar suas vitórias, Merneptah comissionou uma inscrição, descoberta em 1896, em Tebas, por Sir Flinders Petrie. Hoje a estela de Merneptah, se encontra no Museu Egípcio, no Cairo. 

Os principes se prostraram, dizendo, "Paz!"
Ninguém levanta a cabeça entre os nove arcos.
Agora, os Tehenu (Libia) foram arruinados,
Hatti foi pacificada;
Canaã foi despojada de toda a maldade:
Ascalon foi conquistada;
Gezer foi capturada;
Yenoam já não existe.
Israel foi destruído e sua descendência já não existe;
A Siria tornou-se uma viúva para o Egito.

A menção a Israel por Merneptah é a primeira em fontes egípcias e extrabíblicas. Professor Mario Liverani, da Universidade de Roma La Sapienza, comenta sua significância:

"(...) Uma estela de Merneptah celebra o triunfo do faráo numa campanha dele através da Palestina, citando entre os inimigos vencidos cidades como Ascalon e Gezer, países como Canãa e Kharu, acompanhando esses nomes com o determinativos de "região"; mas entre eles há um nome com o determinativo de "gente" (portanto, um gupo tribal, não sedentário) e é Israel. É a primeira menção em absoluto do nome, que, provavelmente deva ser posto na zona dos altiplanos centrais. Na verdade, a sequência das três localidades Ascalon-Gezer´-Yeno'am está como enquadrada entre os dois termos (mais amplos) Canaã e Israel; e se Canaã se situa por certo no início da sequência, na planície costeira do sul, Israel se situa por certo também nos altiplanos centrais. [3]

O fato de Israel ser citada é significante por ser uma menção que atesta a existência de um grupo tribal que vagava na Palestina, principalmente nas regiões montanhosas centrais, sem uma associação definida as cidade estado cananeias, e sem constituir ainda um estado organizado, o que é consistente com o contexto geral descrito no livro de Juízes. No entanto, a estela faz menção a um conflito que não é mencionado na Bíblia. Da mesma forma, o domínio dos egípcios sobre Canaã não é uma memória existente nos livros de Josué e Juízes, ainda que a presença dos israelitas, como um dos causadores de problemas para os egípcios não tenha passado desapercebida. 

Liverani descreve a natureza da dominação egípcia:

Por cerca de três séculos (1460 - 1170 AC) a Palestina foi submetida ao domínio direto dos Egípcios (...) o controle egípcio era em grande parte indireto e os "pequenos reis" locais conservaram sua autonomia (mas não a independência) como "servos" e tributários do Faraó. O quadro fornecido pelas cartas de El-Amarna (1370-1350 AC) mostra que somente três centros siro-palestinos eram sede de governadores egípcios: Gaza na costa meridional, Kumidi na Beq'a Libanesa e Sumura na costa setentrional, junto a atual fronteira siro-libanesa. Havia guarnições egípcias também em algumas outras localidades: Jafá (perto da hodierna Tel Aviv) Bet-She'an (na passagem entre a planície de Yizre'el e o vale do Jordão), Ulaza (na abertura para o mar da via proveniente do vale do Orontes). Calculando as pequenas guarniçoes permanentes e a tropa que (como veremos) efetuava o giro anual de cobrança, pode-se calcular que o Egito do período armaniano empregasse na gestão e no controle de seu "império" siro-palestino não mais que setecentas pessoas  [4]

 

Dessa forma, para um habitante comum de Canaã do século XIII AC, a presença militar egípcia passaria praticamente desapercebida, fora da base de Bete Seã. Não era, portanto, um cenário de ocupação, mas de suserania, onde os reis das cidade-estado cananeias prestavam fidelidade ao Faraó, pagavam tributo, e davam satisfações (como indicam as cartas de Amarna), mantendo porém um grau elevado de autonomia para tratar dos assuntos do dia a dia. Era um esquema que permitirá aos egípcios manterem seus interesses por quase 300 anos, recebendo tributo, e com manutenção de força militar e administrativa mínima.

Deve ser observado ainda, que o discurso triunfalista de Merneptah esconde o enfraquecimento do domínio egípcio, que estava utilizando seus recursos para enfrentar os vários inimigos descritos na Estela, simultaneamente, sejam cananeus, povos do mar (Filisteus), israelitas ou líbios. Assim, a despeito de seu discurso triunfante, a estela captura um momento em que a hegemonia egípcia era questionada, súbita e intensamente, em varias frentes.  

Professor Kenneth Kitchen, egiptologista da Universidade de Liverpool, contextualiza os vários inimigos mencionados na Estela de Merneptah, e seu papel na queda da hegemonia egípcia sobre Canaã:

Then new factors came in circa 1230 onward, clearly attested in first-hand Egyptian texts. Rebuffed by Egypt (ca 1177), the Sea People ended up in Canaan - the Pilisti or Philistines in the southwest, and Sikils and Shekelesh farther north (Dor, Jezreel). In Transjordan, new names appeared: Edom and Moab, plus the Ammonites (as yet unmentioned in contemporary texts). Arameans now become more prominent from the north. And, as Merneptah made clear in 1209, a group called Israel was present in Canaan, most likely in the hill country. All these peoples were to have a long and varied history for the next six or seven centuries (...) we have an outline, basic correspondence of the two sources, Egyptian and Biblical. (tradução) Então, novos fatores surgiram por volta de 1230 em diante, claramente atestados em textos egípcios contemporâneos. Repelidos pelo Egito (cerca de 1177), o Povo do Mar acabou em Canaã - os Filisti ou Filisteus no sudoeste, e Sikils e Shekelesh mais ao norte (Dor, Jezreel). Na Transjordânia, novos nomes apareceram: Edom e Moabe, mais os amonitas (ainda não mencionados em textos contemporâneos). Os arameus agora se tornam mais proeminentes no norte. E, como Merneptah deixou claro em 1209, um grupo chamado Israel estava presente em Canaã, provavelmente na região montanhosa. Todos esses povos estão para posicionados para uma longa e variada história pelos seis ou sete séculos seguintes (...) temos assim um esboço, correspondência básica das duas fontes, egípcia e bíblica.[4]

 Os egípcios devem também ter ficado alarmados, assim, com o aparecimento súbito desses vários atores no cenário canaanita. No que tange aos israelitas, surgem, em número considerável, vilas e povoados, nas montanhas da Palestina na segunda metade do século XIII AC, com vertiginoso crescimento ao longo da Idade de Ferro I (1200 a 1000 AC)

Professor Israel Finkelstein, da Universidade de Tel Aviv, elaborou um levantamento arqueológico nas terras altas centrais da Palestina (correspondente ao antigo Efraim, e depois Samária) entre 1250 e 1000 AC com os seguintes resultados:

"A queda das cidades-Estado do Bronze Tardio e o colapso do governo egípcio em Canaã resultou em dois processos distintos. Nas terras altas, uma onda de assentamentos que pode ter se iniciado tão cedo quanto no final do século XIII AC, e acelerado nos séculos XII e XI AC (Finkelstein, 1988). O número de sítios cresceu dramaticamente, de cerca de 30 sítios com uma área total construída de aproximadamente 50 hectares no Bronze Tardio II (século XIII AC) para algo como 250 sítios com uma área construída de aproximadamente 220 hectares dois séculos e meio depois, no Ferro Tardio I (o início do século XII AC). Isso significa que a população sedentarizada aumentou ao menos quatro vezes seu tamanho. (...) A maioria desses assentamentos continuou ininterrupta até o Ferro IIA-B - o tempo do Reino do Norte - e disso eles podem ser rotulados "israelitas" tão certo quanto o Ferro I. Em outras palavras, essa onda de assentamentos fez nascer o Israel Primitivo (Finkelstein, 1988, Faust, 2006) [5]

Kenneth Kitchen, complementa os dados da pesquisa de Finkelstein, já referenciada acima, com o levantamento de  Adam Zertal (1936-2015), na região imediatamente ao norte, correspondente as áreas montanhosas da tribo de Manassés:

Surface surveys have been undertaken in some depth in central Canaan, notably by the Filkenstein team in the terrain of ancient Ephraim/Samaria, and by Zertal and colleagues in the adjoining territory of ancient West Manasseh. (...)  Next door in West Manasseh, Zertal note some 39 sites for Late Bronze but over 200 for Iron I, again a huge increase. This great rash of farmsteads, hamlets, and small villages represents a wholly new development, as universally admited (tradução)  Os levantamentos da superfície foram realizados em alguma profundidade no centro de Canaã, notavelmente pela equipe Filkenstein no terreno da antiga Efraim / Samaria, e por Zertal e colegas no território adjacente da antiga Manassés Ocidental. (...). No vizinho Manassés Ocidental, Zertal observa cerca de 39 sítios no Bronze Tardio, e mais de 200 na Idade de Ferro I, novamente um grande aumento. Esta grande onda de fazendas, aldeias e pequenas aldeias representa um desenvolvimento totalmente novo, como é universalmente admitido [6]

Por fim Amihai Mazar, Professor da Universidade Hebraica, apresenta uma visão mais ampla, considerando toda Palestina, no que tange a localização desses novos assentamentos:

"Intensivos levantamentos arqueológicos de superfície revelaram um padrão de assentamento inteiramente  novo na Idade do Ferro I. Centenas de pequenos sítios novos estavam habitados nas áreas montanhosas da Alta e Baixa Galileia, nas colinas de Samaria e Efraim, em Benjamim, no Negueb setentrional e em partes da Transjordânia central e setentrional. Boa parte pode ser relacionada a tribos israelitas, muito embora a atribuição étnica em algumas dessas regiões seja questionável.[7] 

 A explosão de assentamentos com um novo padrão de ocupação, "israelita", ou "protoisraelita", a partir do final do século XIII AC, marca assim um crescimento populacional impressionante, indicando, como observa Kitchen, um número muito maior de habitantes que o existente no Bronze Tardio II (1400-1200 AC). Citando Filkenstein, a população de Canaã, como um todo, mais que duplicou entre 1150 AC e 1000 AC (início do reinado de Saul), passando de 21.000 para 51.000 pessoas, e quadruplicou ou quintuplicou no intervalo maior de 1250 e 1000 AC [8]. No entanto, considerando apenas as terras altas do centro do país, o aumento de população pode ter sido de 5 vezes nos primeiros 100 anos desse período [8]. 

Resta porém a questão, de onde veio tanta gente?

Mario Liverani descreve as várias teorias existentes:

"Influenciados - positiva ou negativamente - pela narrativa bíblica, os estudiosos modernos (arqueólogos não menos que biblistas) propuseram teorias unívocas, com forte polêmica reciproca, sobre a explicação da etnogenia de Israel (...) bastará lembrar aqui as principais teorias que se sucederam e se confrontaram. (1) A teoria da conquista "militar" compacta e destrutiva, de direta inspiração bíblica, é ainda afirmada em alguns ambientes tradicionalistas (especialmente norte-americanos e israelitas), mas é agora deixada a margem do debate. (2) Prevalece hoje a ideia de uma ocupação progressiva, nas duas variantes (mais complementares do que exclusivas entre sí) de sedentarização de grupos pastoris já presentes na área e da infiltração do adjacente pré-deserto (3) Enfim, a teoria (chamada "sociológica") da revolta camponesa, que privilegia totalmente o processo por linhas internas sem contribuições externas, depois dos consensos dos anos 1970-1980, é atualmente malvista, por motivos às vezes declaradamente políticos. Ainda hoje as várias propostas são normalmente contrapostas, quando deveriam ser todas utilizadas para compor um quadro multifatorial próprio de um fenômeno histórico complexo. [9].

 Como evidenciado acima, os últimos 50 anos marcaram uma perda de força da teoria da conquista, outrora dominante entre os estudiosos, bem como a dificuldade de estabelecimento de um novo consenso. De qualquer forma, deve ser questionado até que ponto a própria narrativa bíblica propõe uma conquista avassaladora, irresistível e inexorável dos israelitas, ou um misto de confronto e convivência entre os israelitas e os vários grupos que habitavam Canaã, ao longo de várias gerações, até o surgimento da monarquia. 

O livro de Juízes faz menção a várias batalhas, mas também afirma sem rodeios não só que "os israelitas viviam entre os caananitas", e "tomaram as filhas deles em casamento e deram suas filhas aos filhos deles", bem como "prestaram culto aos deuses deles". Esses elementos indicam a possibilidade de um grupo estrangeiro tenha se fixado na região montanhosa central de Canaã e se associado a população local, e após várias gerações, assumiu uma consciência étnica e nacional. Como observa Avraham Faust, da Universidade Bar Ilan, a posição dominante entre os estudiosos é que pelo menos uma parte dos habitantes desses novos assentamentos eram provenientes das regiões transjordânicas e do deserto e, provavelmente, de uma forma ou outra, do Egito, indicando pelo menos uma núcleo de memória nas narrativas do Exodo [10]. 

Assim, a concepção de que houve uma confluência entre um fluxo populacional de origem estrangeira e outro autóctone, com conquista e coexistência é uma possibilidade a ser explorada. A vertente de convivência e posterior associação do elemento "proto-israelita" e cananeu, pode ser exemplificada pela cidade estado de Siquém, cuja evolução é descrita por Liverani:

"Diferente é o caso de Siquém, que a tradição apresenta sob o signo da progressiva assimilação - como confirmado arqueologicamente pelo continuísmo que marca a passagem da florescente cidade do século XIV (estrato XIII), à mais modesta do século XIII (estrato XII) - ao assentamento "proto-israelita" do Ferro I (extrato XI). [11]

A  vertente de confronto é exemplificada por Hazor, na próxima parte do post

2) Destruição de Hazor

 

Carta de Amarna, do Rei Abdi-Tirzi, de Hazor
para o Faráó Amenotep (ou seu filho, Akenaten)
Sec. XIV AC, Museu Britânico, via wikicommons
Quando Jabim, rei de Hazor, soube disso, enviou mensagem a Jobabe, rei de Madom, aos reis de Sinrom e Acsafe, e aos reis do norte que viviam nas montanhas, na Arabá ao sul de Quinerete, na Sefelá e em Nafote-Dor, a oeste; aos cananeus a leste e a oeste; aos amorreus, aos hititas, aos ferezeus e aos jebuseus das montanhas; e aos heveus do sopé do Hermom, na região de Mispá. Saíram com todas as suas tropas, um exército imenso, tão numeroso como a areia da praia, além de um grande número de cavalos e carros. Todos esses reis se uniram e acamparam junto às águas de Merom, para lutar contra Israel. E o Senhor disse a Josué: "Não tenha medo deles, porque amanhã a esta hora entregarei todos mortos a Israel. A você cabe cortar os tendões dos cavalos deles e queimar os seus carros". Josué e todo o seu exército os surpreenderam junto às águas de Merom e os atacaram, e o Senhor os entregou nas mãos de Israel, que os derrotou e os perseguiu até Sidom, a grande, até Misrefote-Maim e até o vale de Mispá, a leste. (...) Na mesma ocasião Josué voltou, conquistou Hazor e matou o seu rei à espada. ( Hazor tinha sido a capital de todos esses reinos. ).Matou à espada todos os que nela estavam. Exterminou-os totalmente, sem poupar nada que respirasse, e incendiou Hazor. (Josué 11:1-11)

 


 Como descrevemos acima, a teoria da conquista não é mais o modelo dominante para explicar a emergência do antigo Israel em Canaã. Várias teorias alternativas foram propostas, mas nenhuma obteve o mesmo grau de dominância que esta teve, ou chegou próximo de estabelecer um consenso. Os motivos são apontados pelo Professor Eric Cline:

Many of the sites mentioned in the biblical account and specifically noted as being destroyed by the invading Israelites have now been excavated by biblical archeologists, with an interesting conundrum resulting. On the one hand, most of the sites described as being destroyed do not show any archeological evidence of destruction - and some, such as Jericho, were not even occupied at the time. On the other hand, there are sites in the region that were definitely destroyed at that time, but none of these sites is mentioned in the biblical account. One of the few places named in the Bible as being destroyed by the Israelites and at which a destruction has been found by archaelogists is the site of Hazor (traduçãoMuitos dos locais mencionados no relato bíblico e especificamente indicados como destruídos pelos invasores israelitas foram agora escavados por arqueólogos bíblicos, resultando em um enigma interessante. Por outro lado, a maioria dos locais descritos como destruídos não apresentam nenhuma evidência arqueológica de destruição - e alguns, como Jericó, nem estavam ocupados na época. Por outro lado, existem locais na região que foram definitivamente destruídos naquela época, mas nenhum desses locais é mencionado no relato bíblico. Um dos poucos lugares mencionados na Bíblia como tendo sido destruído pelos israelitas e no qual evidências de destruição foi encontrada por arqueólogos é Hazor. [12].

No livro de Josué, a conquista militar de Canaã se inicia com a travessia do Jordão, a completa destruição de Jericó e Ai, e o estabelecimento de uma aliança com a cidade-estado de Gibeão. Josué, então, inicia uma campanha contra a liga de cidades sulistas, lideradas pelo Rei de Jerusalém. Após a vitória no sul, Josué enfrenta uma coalização das cidades-estado do norte, lideradas por Jabim, Rei de Hazor. A coalização é derrotada, e Hazor completamente destruída. A "terra teve descanso da guerra" (Js 12:23) e houve a divisão entre as tribos. 

Juízes, começa com várias tribos conduzindo esforços isolados de ocupação. No capítulo 1, a tribo de Judá, por exemplo, consegue várias vitórias, mas a resultante de seus esforços foi que "(...)ocuparam a serra central, mas não conseguiram expulsar os habitantes dos vales, pois estes possuíam carros de guerra feitos de ferro.("(v. 19). As tribos centrais, Manassés e Efraim, também não teriam conseguido prevalecer contra importantes centros como Dor, Megido, e Gezer, "pois os cananeus estavam decididos a permanecer naquela terra."(v. 27), bem como a tribo de Benjamim não conseguiu tomar  Jerusalém dos Jebuseus. No norte, as tribos de Aser, Zebulom e Naftali, viviam "entre os cananeus que habitavam naquela terra.(v. 32)". A relação conflituosa, mas também cooperativa entre os israelitas e os demais habitantes de Canaã é indicada pelo fato de que  "os israelitas viviam entre os cananeus, os hititas, os amorreus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus. Tomaram as filhas deles em casamento e deram suas filhas aos filhos deles, e prestaram culto aos deuses deles"(Jz 3:5). O livro descreve a resistência organizada por vários juízes contra incursões de midianitas, amonitas, arameus, amalequitas, filisteus, bem como a grande vitória de Débora e Baraque contra uma nova coalização nortista liderada por Hazor.

 Hazor era uma das mais importantes e poderosas cidade-estado na palestina, pedra angular do sistema de suserania egípcio na região, e principal praça do norte de Canaã [13][14][15].

Israel Finkelstein comenta a destruição de Hazor, que parece ter precedido a queda de outras cidades cananeias em algumas décadas, e suas implicações:

Hazor, provavelmente a cidade-Estado mais importante do Norte, foi destruída num violento incêndio, provavelmente na segunda metade do século XIII a.C (Yadin, 1972; Kitchen, 2002; Ben-Tor, 2008). Outras cidades-Estado, incluindo aquelas situadas no vale de Jezrael, assim como um centro egípcio em Betsã, continuaram ininterruptamente por quase um século. O sistema de cidades-Estados canaanitas sob dominação egípcia nos vales do Norte chegou ao fim numa série de destruições no final do século XII a.C. [13].

Esses efeitos da destruição de Hazor, e os prováveis culpados, são discutidos por Amihai Mazar:

Hasor é descrita no livro de Josué como a maior das cidades cananéias "Hasor era outrora a capital de todos esses reinos" (Josué 11,10). Depois da batalha junto às águas do Meron, Hasor foi nivelada: "Todavia, todas as cidades que estavam erigidas sobre suas colinas de ruínas, Israel não as incendiou, salvo Hasor, que Josué incendiou" (Josué 11,13). Vimos que Hasor foi de fato a maior cidade cananéia durante toda a duração das idades do Bronze Médio e Recente. A última cidade cananéia lá (Estrato XIII), que era bastante pobre em comparação com as suas predecessoras, foi destruída em algum momento durante o século treze a.C, provavelmente cerca de meio século antes da aniquilação de Laquis. Os escavadores assumiram que o fim de Hasor cananéia deve ser atribuido aos israelitas. [14]

Uma descrição dessa Hazor do estrato XIII, que corresponderia ao período entre 1400 a 1200 AC foi apresentada por Kenneth Kitchen

In the second millenium Hazor consisted of an upper citadel (on a high mound) which dominated a large "lower city" on its north side - a vast site, certanly then "head of all [Canaan's] kingdoms". Both areas were destroyed  along with a massive conflagration in the thirteenth century, probably towards its end (citadel, stratum XIII; lower city, stratum Ia). Insofar as the results of Yadin's work are confirmed by the new excavations under Ben-Tor, then it will seem very probable (as it did to Yadin, long ago) that the massive destruction of greater Hazor was that wrought by Joshua. (tradução) No segundo milênio, Hazor consistia em uma cidadela superior (em um monte alto) que dominava uma grande "cidade baixa" em seu lado norte - um vasto local, certamente então "cabeça de todos os reinos [de Canaã]". Ambas as áreas foram destruídas juntamente com uma grande conflagração no século XIII, provavelmente no final (cidadela, estrato XIII; cidade baixa, estrato Ia). Na medida em que os resultados do trabalho de Yadin são confirmados pelas novas escavações sob Ben-Tor, então parece muito provável (como para Yadin, há muito tempo) que a destruição massiva da grande Hazor foi feita por Josué [15].

 A existência de uma memória histórica do confronto entre os (proto) israelitas e a entidade política de Hazor é reforçada pela menção em Josué e Juízes do Rei (Yabin), em confronto com Josué e seu filho de mesmo nome contra Débora e Baraque. (O Jabin de Josué é identificado como Rei de Hazor. O Jabin de Débora e Baraque, como Rei de Canaã). Nos arquivos da cidade de Mari, na Mesopotâmia, há referencias do século XVIII AC ao comércio entre Hazor e Mari. Há uma menção a um certo Rei Ibni, que é o exato correspondente ao hebraico Yabin (Jabin), nome do Rei de Hazor em Josué e depois em Juízes. Professor William Dever, da Universidade do Arizona, escreve:

It would appear that the authors of this passage in the Hebrew Bible, however late, had some knowledge of an Ibni (that is, a Yabin) dinasty in Hazor, stretching all the way back to the middle Bronze Age centuries earlier. To me, this suggest strongly that the writers of the book of Joshua did not entirely "invent" the story of the fall of Hazor. They had reliable historical sources, oral and/or written. They also knew correctly that Hazor had indeed been the "head of all these kingdoms" or city-states in the north, as the current excavations have made abundantly clear (tradução) Parece que os autores desta passagem na Bíblia Hebraica, embora tardia, tinham algum conhecimento de uma dinastia Ibni (isto é, um Yabin) em Hazor, remontando à Idade do Bronze, séculos antes. Para mim, isso sugere fortemente que os escritores do livro de Josué não "inventaram" inteiramente a história da queda de Hazor. Eles tinham fontes históricas confiáveis, orais e / ou escritas. Eles também sabiam corretamente que Hazor tinha de fato sido  "chefe de todos esses reinos" ou cidades-estado no norte, como as escavações atuais deixaram bem claro [16]

Liverani, por sua vez, também aponta os israelitas (ou proto israelitas) como os responsáveis pela destruição, mas associa ao período de Debora e Baraque (Juizes 4), alguma décadas depois. Aponta o cântico de Debora, considerado entre os estudiosos como uma das partes mais antigas da Bíblia (provavelmente anterior em vários séculos a redação final de Juízes), para indicar a coalização de seis tribos, nortistas e centrais, contra a coalização cananeia. 

"O conflito historicamente mais plausível é, porém, o segundo, a batalha em Taa'nak, perto de Megido, que vê as milícias tribais da Galiléia (Zabulon, Issacar e Neftali) e centrais (Makir/Manassés, Efraim, e Benjamim) guiadas por Baraq e cercadas por Débora descerem de suas montanhas para enfrentar os temidíssimos carros de guerra das cidades cananéias, sob a hegemonia de Yabin, Rei de Hasor, e guiadas pelo general Sisera. O "cantico de Débora", por todos considerado um dos textos mais antigos da Bíblica, constituiu o núcleo sobre o qual depois de construiu o texto narrativo que o engloba. [17]

 

Em suma, a evidência até aqui indica que por volta de 1200 AC, havia o conhecimento em fontes egípcias de um grupo étnico (não ainda organizado em cidades estado ou reinos) que habitava Canaã, provavelmente em sua região montanhosa. A evidência arqueológica indica "explosão" de assentamentos "israelitas" nesse período, e que esse grupo provavelmente esteve associado a destruição da grande cidade de Hazor, pedra angular do sistema das cidades estado do norte, e possivelmente toda  Canaã (tendo sido, provavelmente, um dos motivos pelo qual a dominação egípcia se enfraqueceu no longo prazo, e ter levado Merneptah em tentar restabelece-la), e que o quadro geral apresentado por Juízes, do antigo Israel coexistindo e interagindo com os vários povos que habitavam a Palestina, reflete provavelmente uma memória histórica.

A emergência (e decadência) de Siló.

Eli e Samuel no Tabernaculo, 1780
por John Singleton Copley, via wikicommons
 Toda a comunidade dos israelitas reuniu-se em Siló e ali armou a Tenda do Encontro. A terra foi dominada por eles; Josué 18:1

Samuel, contudo, ainda menino, ministrava perante o Senhor, vestindo uma túnica de linho. Todos os anos sua mãe fazia uma pequena túnica e a levava para ele, quando subia a Siló com o marido para oferecer o sacrifício anual. (...) Todo o Israel, de Dã até Berseba, reconhecia que Samuel estava confirmado como profeta do Senhor. O Senhor continuou aparecendo em Siló, onde havia se revelado a Samuel por meio de sua palavra. I Samuel 1 2:18,19 e 3:20,21.

Sabendo-o Deus, enfureceu-se e rejeitou totalmente a Israel;
abandonou o tabernáculo de Siló, a tenda onde habitava entre os homens. Salmos 78:59,60

"Portanto, vão agora a Siló, o meu lugar de adoração, onde primeiro fiz uma habitação em honra do meu nome, e vejam o que eu lhe fiz por causa da impiedade de Israel, meu povo. Jeremias 7:12

Como indicado nos textos bíblicos acima, os livros de Josué, Juízes e I Samuel apontam Siló como o mais importante centro religioso dos antigos israelitas, onde estava o Tabernáculo e a Arca da Aliança. Na falta de uma estrutura política central, o santuário servia como a "capital" informal das tribos. Ainda segundo o texto bíblico, os israelitas foram derrotados pelos filisteus na 1ª batalha de Ebenézer, a arca da aliança foi capturada pelo inimigo, o sacerdote Eli morreu com a notícia, e a "a glória se foi de Israel". Porque a arca foi tomada (1 Samuel 4:22). A narrativa progride com Samuel liderando a revanche israelita na 2ª batalha de Ebenézer, mas os filisteus já haviam devolvido a Arca, que estava em Quiriate Jearim. Vinte anos depois, Davi traz a arca para Jerusalém (II Samuel 6), e com a construção do Templo, ela foi acomodada no "Santo dos Santos". Jeroboão, ao promover a revolta das 10 tribos e fundar o reino de Israel do Norte, mesmo tendo sido ungido por Aias, o Silonita, decidiu construir santuários rivais ao Templo de Jerusalém nas cidades de Betel e Dã (colocando em cada uma um bezerro de ouro). Assim, embora a Bíblia não mencione explicitamente como e quando ocorreu a destruição do santuário de Siló, o fato é que após a morte do sacerdote Eli, Siló entra em decadência e praticamente desaparece do registro bíblico.

Arqueologicamente falando, a evidência relativa a Silo é bem interessante, indicando um sítio bastante utilizado entre os séculos XIII e XI AC, e praticamente abandonado posteriormente, como apontam Amihai Mazar:

"A evidência arqueológica de práticas religiosas israelitas durante o período de Juízes é escassa. Em Siló, a parte central do sítio, onde provavelmente ficava o santuário foi totalmente destruída pela erosão e pelas atividades bizantinas de construção. A evidência de que existia um lugar de culto neste sítio já na idade do Bronze Recente é de considerável importância. Ele provavelmente servia a tribos de pastores seminômades que viviam nas vizinhanças, pois não foi encontrado no cômoro nenhum assentamento real desse período. Siló, portanto, parece ter sido um local sagrado desde muito antes da Idade do Ferro, e talvez essa tradição tenha levado a sua escolha como centro religioso dos israelitas durante o período dos Juízes [18]

 

Israel Finkestein:

Os livros de Josué, Juízes e I Samuel descrevem Silo como um santuário central dos primeiros israelitas - a localidade da Arca da Aliança. Jeremias (7:12,14; 26, 6.9) refere-se ao antigo templo de Yahweh que tinha estado em Siló e que foi destruído pela iniquidade de Israel. E embora Silo não fosse um importante local no final do Ferro II, quando a maioria desses textos foi colocada por escrito, sua localização - entre Jerusalém e Siquém - era bem conhecida pelo Historiador Deuteronomista (Juízes 21:19). A arqueologia demonstrou que Silo foi abandonada após sua destruição no Ferro I. Resultados de radiocarbono alocam essa destruição na segunda metade do século XI a.C (Finkelstein e Piasetzky, 2006). Não há assentamentos significantes ali nos períodos do Ferro II e persa. Vestígios datados desses períodos são escassos e de nenhuma importância especial; eles não revelam sinais de um lugar de culto ou de destruição por fogo. É impossível, assim, ler a tradição do santuário de Silo contra o panorama do Ferro II ou posterior. [19].

E Kenneth Kitchen:

The Iron I phase at the site was violently destroyed about 1050 or so, in line with the veiled allusions in Jer. 7:12-14 and Ps 78:60-61. There is no reason to view Shiloh in Iron I as anything other than an early Israelite center, amidst an area of considerable early Israelite settlement. (traduçãoA fase Ferro I do sítio foi violentamente destruída por volta de 1050 ou mais, em acordo com as alusões veladas em Jer. 7: 12-14 e Sl 78: 60-61. Não há razão para ver Shiloh em Iron I como outra coisa senão um centro israelita primitivo, em meio a uma área de considerável colonização israelita inicial [20]

Se o santuário de Siló foi praticamente abandonado em meados do século XI AC, e o deuteronomista foi escrito no século VII AC, o fato de existir uma memória de que aquele local era um importante santuário séculos antes é relevante e indica pelo menos uma possibilidade de que outras memórias semelhantes tenham sido preservadas.

Nos anos de 1930, o estudioso alemão Martin Noth postulou que as tribos de Israel se organizavam numa anfictionia, ou seja, uma liga ou confederação cujas instituições funcionavam em torno de um santuário central, a semelhança das cidades estado gregas (em torno de Delfos), que se organizaram para manter o santuário de Apolo e que com o tempo incorporou também funções políticas.

A tese de Noth foi criticada por considerar um contexto distante milhares de quilômetros e atestada pelo menos meio milênio depois do tempo de juízes. No entanto, a existência de uma organização tribal, e alguma solidariedade entre seus membros tem paralelos em contextos mais próximos aos da antiga Canaã, como observa Kitchen:

However, as lomg sice proposed, there were analagous institutions much near home, in the Near East. Hallo gave a detailed account of a Neo-Sumerian "amphictyony" of twelve or more cities that contributed supplies of a twelve monthly basis to the upkeep of the holy Sumerian city of Nippur, under the rules of the third dinasty of Ur circa 2000. As with Greece, the central central temples were the focus of attention (...) Alongside these concrete cases the Hebrew tribal federation can stand, with its shrine. The better comparison is with tribal federations, as at Mari and early Arabia (...)" (traduçãoNo entanto, como há muito proposto, havia instituições análogas muito perto de casa, no Oriente Próximo. Hallo fez um relato detalhado de uma "anfictonia" neo-suméria de doze ou mais cidades que contribuíam com suprimentos de doze meses para a manutenção da sagrada cidade suméria de Nippur, sob as regras da terceira dinastia de Ur por volta de 2000. Como com a Grécia, os templos centrais centrais eram o foco das atenções (...) Ao lado desses casos concretos pode se manter a federação tribal hebraica, com seu santuário. A melhor comparação é com as federações tribais, como em Mari e no início da Arábia [21]

Assim,  além de um santuário comum, as tribos empreendem ações militares conjuntas, um dos principais exemplos contido no cântico de Débora, como observa Liverani:

"É um texto importante para nos fazer entrever uma agregação tribal que teoricamente compreende dez tribos, seis das quais participam do empreendimento; as outras quatro julgam não faze-la (e são, por isso, ridicularizadas): Asher e Dan, porque empenhadas em trabalhar nas esquadrilhas fenícias, Rubem e Gile'ad, porque empenhadas em seus pastos estivais na Transjordânia. Observe-se que a coalização é definida como Israel (e na verdade coincide com o Reino do Norte) ou "o povo de Yahweh", mas se usa o também o coletivo "aldeões" (perazot) contraposto as cidades de muros e portas e portas dos cananeus (...)" [22].

Liverani também pontua que as fronteiras dessas tribos, pelo menos das maiores, corresponde aos padrões de assentamento das vilas "protoisraelitas"  do século XIII/XII AC  

"Não por acaso a situação das tribos principais corresponde muito bem a distribuição das vilas "proto-israelitas" e fornece uma confirmação cruzada avaliada como positiva. Mas diversas outras tribos que depois passaram a fazer parte da lista "canônica" são ou nitidamente funcionais (mas que de estirpe), como Levi (mas também Issacar, ou também os qenitas), ou de origem e pertença duvidosas (como Dan) ou desaparecidas tão cedo (Simeão) que somos levados a duvidar se algum dia existiram [23].

Assim, Silo parece ter representado um papel fundamental no período anterior a  monarquia, por servir de centro de agregação das várias tribos de Israel, permitindo algumas ações conjuntas, além da cooperação religiosa. No entanto, o livro de Juízes indica frequentemente dificuldades de mobilização conjunta entre as várias tribos. Assim, Débora consegue mobilizar seis tribos, tendo convidado 10; Gideão apenas Manassés, Aser, Zebulom e Naftali (Jz 6:35); e Jefté fica restrito as tribos de além do Jordão, tanto Gideão como Jefté recebem reclamações de Efraim, que alega que não foi adequadamente convocada para guerra. 

Desta forma, temos um Israel, ou "proto israel", que surge de forma súbita no registro histórico e arqueológico, em pequenas vilas e assentamentos nas regiões montanhosas centrais da Palestina, no final do século XIII AC. Esse grupo tem elementos autóctones, convivendo com outras populações que habitavam a região, mas também se envolve em conflitos contra forças regionais, como a cidade de Hazor e seus aliados. Suas tribos tinham algum grau de coesão, organizando ações militares conjuntas, bem como mantendo um santuário em Siló.

Referencias Bibliográficas:

[1] Michael Coogan (2008) The Old Testament, a Very Short Introduction, fl.31

[2] Eric H Cline (2009) Biblical Archaelogy, A Very Short Introduction, fl. 72

[3]  Mario Liverani (2003), Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 52

[4] Mario Liverani (2003), Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fls 37 e 38

[5]  Israel Finkesltein (2013), O Reino Esquecido - Arqueologia e História de Israel do Norte, fl. 39 

[6] Kenneth Kitchen (2003) On the Reliability of the Old Testament, fl. 225

[7] Amihai Mazar (1990) Arqueologia das Terras da Bíblia, fl. 328

[8] Kenneth Kitchen (2003) On the Reliability of the Old Testament, fl. 226

[9] Mario Liverani (2003), Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 59-60

[10] Avraham Faust (2015), The Emergence of Iron Age Israel, an Origin and Habits, fl. 476

[11] Mario Liverani (2003), Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 120

[12] Eric H Cline (2009) Biblical Archaelogy, A Very Short Introduction, fls. 77-78

[13] Israel Finkesltein (2013), O Reino Esquecido - Arqueologia e História de Israel do Norte, fl. 38

[14] Amihai Mazar (1990) Arqueologia das Terras da Bíblia, fl. 326

[15] Kenneth Kitchen (2003) On the Reliability of the Old Testament, fl. 184

[16] William Dever (2006) Who were the early Israelites, and where did they come from?, fl. 68

[17] Mario Liverani (2003), Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 122

[18] Amihai Mazar (1990) Arqueologia das Terras da Bíblia, fl. 341

[19] Israel Finkesltein (2013), O Reino Esquecido - Arqueologia e História de Israel do Norte, fls. 70-71

[20] Kenneth Kitchen (2003) On the Reliability of the Old Testament, fl. 231

[21] Kenneth Kitchen (2003) On the Reliability of the Old Testament, fl. 222

[22] Mario Liverani (2003), Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 122

[23] Mario Liverani (2003), Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 93



domingo, 25 de novembro de 2018

"Quando Israel era Menino" - Arqueologia e o Livro de Reis - Parte 1

Samuel unge Davi. Painel interior da Sinagoga de Dura
Europos. Siria. Século III DC, via wikicommons
Em novembro de 2010, escrevendo sobre "o critério do constrangimento e da diferença e seus análogos fora da pesquisa histórica do Novo Testamento", foi utilizado como exemplo as narrativas integrantes da obra deutoronomista correspondente aos livros de Josué, Juízes, I e II Samuel e I e II Reis. A reflexão foi interessante, mas nunca tivemos a oportunidade de retornar a ela, mais ainda, nos seus próprios termos. O que vai abaixo é expansão daquelas reflexões, abordando alguns os artefatos arqueologicos associados a Israel e Judá, em dialogo com o texto bíblico. Mencionamos naquele post as Inscrições do Templo de Karnak, celebrando a campanha do Faraó Sisaque na Palestina, a Estela de Mesha, rei moabita que desafiou o rei de Israel, o prisma de Taylor, que narra o cerco do assírios ao Rei Ezequias, e acrescentaremos a Estela de Tel Dan, que menciona a casa de Davi. Inicialmente, pretendemos dois posts.

Uma preliminar importante é o uso da Bíblia como fonte histórica. Como exposto aqui no adcummulus anteriormente vamos ouvir com frequência os termos maximalista e minimalista, que descrevem uma postura geral dos estudiosos quanto a confiabilidade histórica dos textos bíblicos. Como observa o Professor Airton José da Silva, 
  "(...) controvérsia existente entre a postura maximalista que defende que tudo nas fontes que não pode ser provado como falso deve ser aceito como histórico e a postura minimalista que defende que tudo que não é corroborado por evidências contemporâneas aos eventos a serem reconstruídos deve ser descartado. [1]

Esclarecemos também, naquela ocasião,  a opção "maximalista" ou "minimalista" não necessariamente reflete a visão religiosa ou teológica do pesquisador (existem ateus e agnósticos identificados com os"maximalistas", como o arqueólogo William Dever; assim como existem judeus praticantes e cristãos minimalistas), e que tais tais definições demarcam os extremos. A esmagadora maioria dos arqueólogos, historiadores e biblistas se posiciona entre um e outro polo, combinando diferentes proporções das duas posturas, formando um espectro. É comum uma abordagem basicamente minimalista para alguns períodos (como os patriarcas, êxodo e conquista) e maximalista para outros (monarquia unida e reinos de Israel e Judá), sendo o foco da discussão deslocado para definir a "fronteira" em que se vai adotar cada uma das posturas. Assim, uma visão típica do "centro" do espectro considera que a obra deuteronomista foi concluída no reinado do Rei Josias, no final do século VII AC, mas que incorpora material de crônicas reais e sacerdotais e tradições populares, que sofreram um profundo processo de reinterpretação teológica. Assim, o deuteronomista nos daria corretamente o "fluxo geral" e um esboço dos acontecimentos históricos.


A invasão de Sisaque, 925 AC


Relevo da campanha de Sisaque, via wikicommon
No quinto ano do reinado de Roboão, Sisaque, rei do Egito, atacou Jerusalém. Levou embora todos os tesouros do templo do Senhor e do palácio real, inclusive os escudos de ouro que Salomão havia feito. Por isso o rei Roboão mandou fazer escudos de bronze para substituí-los, e os entregou aos chefes da guarda da entrada do palácio real. 28 Sempre que o rei ia ao templo do Senhor, os guardas empunhavam os escudos, e, em seguida, os devolviam à sala da guarda. Os demais acontecimentos do reinado de Roboão, e tudo o que fez, estão escritos nos registros históricos dos reis de Judá. Houve guerra constante entre Roboão e Jeroboão. (I Reis 14:25-29).
Sisaque foi faraó do Egito entre 943-922 AC, e  fundou a 22ª dinastia. Por volta do ano 930 AC, Sisaque (Sesac ou Sheshonk) invadiu a Palestina e, usando as palavras do texto bíblico "tomou as cidades fortificadas de Judá e chegou até Jerusalém (II Cronicas. 12:4). A expedição vitoriosa de Sisaque foi inscrita em pedra em um portal no Templo de Ramsés II em Karnak.

Mario Liverani, Professor de História do Antigo Oriente Médio da Universidade de Roma La Sapienza, detalha os efeitos da invasão



"O período "formativo" dos reinos de Judá e de Israel se encerra com um evento traumático: a expedição do faraó Sheshonq através de toda a Palestina (c 925 AC). O evento é conhecido seja pela inscrição do faraó sobre o Templo de Karnak (cf ANET, p. 242-243, 263-264), com uma longa lista das localidades atravessadas e conquistadas  ou eventualmente destruídas, seja pela breve notícia do livro de Reis (1 Reis 14:35-38;cf 2 Cr 12:1-12) sobre o tributo pago por Roboão de Judá. A campanha teria acontecido, portanto, depois da morte de Salomão, com os reinos de Judá e Israel já separados"[2]
Amihai Mazar, Professor de Arqueologia da Universidade Hebraica de Jerusalém, aborda os efeitos da invasão do ponto de vista arqueológico na região ao sul de Jerusalém:


Esses assentamentos na região montanhosa de Negueb foram provavelmente destruídos e abandonados como resultado da campanha militar do Faraó Sesac na região cinco anos após a morte de Salomão (...). A lista topográfica de Sesac, preservada nas paredes do templo de Amon em Karnak, inclui quase setenta nomes de lugares do Negueb. Alguns deles podem ser identificadas na área de Arad e Bersabéia, mas outros estavam talvez localizados mais ao sul, na região montanhosa do Negueb. O prefixo hgr aparece e é possivelmente uma transcrição egípcia do termo hebraico hagar, "cinturão' ou "recinto, que poderia ter designado as "fortalezas' de casamatas do Negueb. (...) [3]
Mazar continua, agora seguindo o rastro da expedição do faraó no norte e centro de Israel.
Já registramos o avanço pelo sul da campanha no Negueb; as operações do norte e no centro tiveram lugar na região montanhosa, o coração do território israelita. Sesac cruzou o Sefelá via Vale de Aialon e ascendeu a Cariat-Iarim e gabaon, ameaçando assim Jerusalém a partir do nordeste. Roboão, rei de Judá, evitou que a capital sofresse um sítio egípcio pagando um pesado tributo "Apoderou-se dos tesouros do templo do Senhor e dos tesouros do palácio real; ele levou tudo, inclusive todos os escudos de ouro que Salomão mandara fazer" (I Reis 14:26). O recém-nascido Reino do Norte, Israel, sofreu consideravelmente; a incursão de Sesac espalhou-se em arco desde gabaon até Betel, passando pelo Vale do Jordão e chegando até o vale de Jezrael. Ele então varreu a rota costeira histórica ("o caminho do mar") de Meguido até Gaza. Algumas das maiores destruições desse período podem ser atribuídas à campanha de Sesac: Tamna (Tel Batash, estrato IV), Gazer (Estrato VIII), Tell el-Mazar, Tell el-Hama, Tell el Sa'idiyeh (estes três sítios no Vale do Jordão), Meguido (Estrato IVB-VA), Tell Abu Hawân )(Estrato III), Tel Mevorakh (Estrato VII), Tel Michal e Tell Qasile (Estrato VIII). Aparentemente, Meguido foi só em parte destruída - pois o portão de seis câmaras parece ter continuado em uso n período seguinte, e Sesac erigiu lá uma estela da vitória, da qual um fragmento foi achada nas escavações.[3]
  Liverani atribui um significado político mais amplo a ação de Sisaque. A idéia seria revitalizar  as antigas reinvindicações egípcias de soberania na região, evocando o período a palestina era o quintal egípcio:


Se posto num mapa, o itinerário desenha uma espécie de grande S ao contrário, que evita tocar sistematicamente os territórios de Judá e de Israel, preferindo costea-los. O interesse parece se adensar sobre zonas planas (médio Jordão, planície de Yizre'el, planície costeira), zonas a qual o Egito se vangloriava de ter uma tradicional soberania, que se tornara agora teórica, mas que sheshonq procurava revitalizar com sua expedição. Se essa interpretação está correta, parece claro que os reinos de Judá e Israel estavam então não somente separados (ou já separados, como quer o texto bíblico, ou jamais unidos antes, como é também possível), mas ambos muito pequenos, em particular o reino de Israel estava ainda separado das tribos galiléias pela permanência do corredor "cananeu" na baia de Akko´ao médio Jordão.[4] 
Kenneth Kitchen, Professor de Egiptologia da Universade de Liverpool, observa que  Sisaque não  menciona explicitamente Jeroboão ou Roboão, bem como os reinos Judá e Israel, mas isso é usual neste tipo de inscrição [5]. (A Estela do Faraó Merneptah, de cerca de 1200 AC, declara que "Israel está destruído, e sua semente já não existe mais", atesta a presença de Israel, como um entre os vários povos (e cidades estado) na Palestina). Kitchen é da opinião que as fontes egípcias e hebraicas complementam-se mutuamente, apesar das profundas diferenças de composição.

A Estela de Mesha (Pedra Moabita), 847 AC


Estela de Mesha, Rei de Moabe, via wikicommons
Mesha, rei de Moabe, tinha muitos rebanhos e pagava como tributo ao rei de Israel cem mil cordeiros e a lã de cem mil carneiros. Mas, depois que Acabe morreu, o rei de Moabe rebelou-se contra o rei de Israel.  Então, naquela ocasião, o rei Jorão partiu de Samaria e mobilizou todo o Israel. Também enviou esta mensagem a Josafá, rei de Judá: “O rei de Moabe rebelou-se contra mim. Irás acompanhar-me na luta contra Moabe?” Ele respondeu: “Sim, eu irei. Serei teu aliado, os meus soldados e os teus, os meus cavalos e os teus serão um só exército”. E perguntou: “Por qual caminho atacaremos?” Respondeu Jorão: “Pelo deserto de Edom”. (II 3:4-8)

A Estela de Mesha ou Pedra Moabita é mantida no Museu do Louvre, em Paris, e foi descoberta em 1868, por Frederik Augustus Klein, em Dibon, atual Jordânia. O Reino de Moabe, junto com Amon e Edom, fazia fronteira com Israel e Judá. Quando Mesha assumiu o trono, Moabe era um reino vassalo de Israel. A estela é um relato de como ele reverteu esse estado de coisas com ajuda de Kemosh, deus de Moabe.


Eu Mesha, filho de Kemosh [...], Rei de Moabe, o dibonita – o meu pai reinou sobre Moabe 30 anos e eu reinei depois do meu pai – fiz este lugar alto para Kemosh, Qarhoh, porque ele me salvou de todos os reis e me fez triunfar de todos os meus adversários. No que toca a Omri, Rei de Israel, este humilhou Moabe durante muito tempo, porque Kemosh estava irritado com sua terra. E o seu filho seguiu-o e disse também: Hei de humilhar Moabe. No meu tempo ele o disse, mas eu triunfei sobre ele e a sua casa, enquanto Israel tinha perecido para sempre! Omri tinha ocupado a terra de Mádaba e Israel tinha habitado lá no seu tempo e durante metade do tempo do seu filho, por 40 anos; mas Kemosh habitou ali, no meu tempo. Eu construi Baal Meon, e nela construi um tanque. Eu construi Kirjathan. Os gaditas tinham habitado na terra desde tempos antigos, e o rei de Israel tinha constrido para si Ataroth. Eu guerriei, porém, contra a cidade e a tomei.
A inscrição nos informa que Moabe foi dominado pelo Reino de Israel do Norte, a partir do reinado de Omri, e que a situação perdurou sobre Acabe. Após a morte deste, Mesha se revoltou, e foi bem sucedido, recuperando os antigos territórios de Moab, e derrotando não só Israel, mas Edom, e Judá. 

Conforme o relato bíblico, os Reis de Israel, Judá e Edom marcharam contra Mesha, e o cercaram em sua capital, Dibon. Contudo, ao verem o Rei sacrificar seu próprio filho para Kemosh, ficaram ultrajados e se retiraram.

Professor Kenneth Kitchen, compara a versão de Mesha com o relato bíblico:


Here there is overlap with the Hebrew account, but also additional information(just as in Shoshenq's case) Both accounts agree in portraying the basic situation; namely, that the Omride Dynasty in Israel had suceed in imposing its overlordship upon Moab, turning the Moabite Kingdom into a tribute-paying vassal, and that for a clear span of years, not just the odd year or two. That situation began under Omri and contnued under Ahab until his death. But under Joram, the Moabite King rejected vassal status and rebelled. (TraduçãoAqui há sobreposição com o relato hebraico, mas também informações adicionais (assim como no caso de Shoshenq) Ambos relatos concordam em retratar a situação básica; ou seja, que a Dinastia Omrida em Israel tinha imposto sua soberania sobre Moabe, transformando o Reino Moabita em um vassalo pagador de tributo, e isso por um período de muitos anos e não apenas em ano ou dois . Essa situação começou sob Omri e contida sob Acabe até a sua morte. Mas sob Jorão, o Rei de Moabe rejeitou o status vassalo e rebelou-se. [5]
O movimento de Mesha deve ser analisado em um contexto mais amplo. Há indícios de mudanças profundas nas estruturas sociais e econômicas de Moabe, permitindo a Mesha acumular recursos para ser mais que um criador de rebanhos para os reis omridas. Mario Liverani aponta os resultados das escavações arqueológicas na região:


Houve um extraordinário desenvolvimento sóciopolítico pela metade do século IX, e a estela de Mesha (SSI I 16) fornece úteis indicações a ser integradas aos dados arqueológicos. Deve se presumir que durante a primeira metade do período do Ferro Moabe tenha tido uma estrutura tribal muito dispersa, que se coadunava bem com uma economia agropastoril praticada nas zonas mais favorecidas (...) Mas na epoca de Mesha completa-se um processo de unificação, induzido pelas necessidades de competir com os Estados mais fortes e organizados que tinham se formado a norte e a oeste. O fato é que o reino de Mesha se caracteriza pela unificação politica em torno da capital Dibon (...) a existência de capitais cantonais como Madaba, Atarot, Yahas, a construção de cidades fortificadas (...) [6].
Em 1994, O Professor André Lemaire, professor da Ecole Pratique des Hautes Etudes, propos a leitura da linha 32 da Estela como se referindo a Casa de David. Desde então, sua proposta tem alcançado significativa aceitação pelos estudiosos, tais como Kenneth Kitchen e Israel Finkelstein [7][8]. Seria também a primeira menção extrabíblica a Dinastia de David. 

Da mesma forma, a menção a Omri na estela de Mesha é uma das duas primeiras a reis israelitas em fontes extrabíblicas. Em 853 AC, Acabe, filho de Omri, é mencionado numa Estela de Salmaneser III, da Assíria, como um dos doze reis que teriam sido derrotados por ele na Batalha de Quarquar (os assírios reinvidicaram vitória, mas o embate foi provavelmente não conclusivo). Salmaneser relata que "Acabe, o Israelita" compareceu a batalha com um força considerável de 2 mil carruagens e  10 mil homens, representando um dos maiores exércitos da coalizão. Em conjunto, as inscrições evidenciam o grande poder da disnatia Omrida.


A Estela de Tel Dan, 840 AC


Estela de Tel Dan, Museu de Israel, via wikicommons
No décimo segundo ano do reinado de Jorão, filho de Acabe, rei de Israel, Acazias, filho de Jeorão, rei de Judá, começou a reinar. Ele tinha vinte e dois anos de idade quando começou a reinar, e reinou um ano em Jerusalém. O nome de sua mãe era Atalia, neta de Onri, rei de Israel. Ele andou nos caminhos da família de Acabe e fez o que o Senhor reprova, como a família de Acabe havia feito, pois casou-se com uma mulher da família de Acabe.Acazias aliou-se a Jorão, filho de Acabe, e saiu à guerra contra Hazael, rei da Síria, em Ramote-Gileade. Jorão foi ferido e voltou a Jezreel para recuperar-se dos ferimentos sofridos em Ramote[c], na batalha contra Hazael, rei da Síria.(II Reis 8:28-29)

Qualquer relação das maiores descobertas arqueológicas recentes, fará justiça a Estela de Tel Dan. Descoberta pelo Professor Avraham Abiram e sua equipe, em escavações no norte de Israel entre 1993 e 1994. A inscrição real é do século IX AC, e dela restaram três fragmentos. Embora o Rei que comissionou a estela não seja identificado, as informações constantes no artefato e contexto histórico apontam para Hazael, Rei da Síria.


(Quando) meu pai ficou doente e foi ao encontro dos seus (antepassados)o rei de Israel veio à terra de meu pai. Mas Hadad me fez rei, e Hadad veio até mim e eu parti dos sete [...] do meu reino e eu matei set[enta r]eis que tinham preparado mi[lhares de ca]rros e milhares de cavalos. [E eu matei Yeho]ram, filho [de Acabe], rei de israel e eu matei [ahaz]yahu, filho [de Yehoram r]ei da Casa de Davi. E eu levei [à ruína a cidade deles e] a terra deles á [ desolação].
Mario Liverani descreve o contexto imediato da inscrição:

A inscrição se une intimamente à narrativa de 2 Reis 8:28-29 (que ajuda a integrar os nomes parcialmente danificados), mas traz elementos novos em relação ao texto bíblico, Vê-se claro que o rei autor da inscrição de Tel Dan é Haza'el, Rei de Damasco, que depois da vitoria pode ocupar a cidade de Dan por tempo suficiente para erigir sua estela celebrativa. E é claro que a revolta de Yehu contra Yoram/Yehoram fazia parte da ofensiva damascena , tanto que Haza'el se vangloria de ter morto ele próprio o rei de Israel e de Judá, que o livro dos Reis relata como mortos por Yehu. Yehu, posto no trono por vontade de Haza'el ou pelo menos por contragolpe da vitória de Haza'el, iniciou, portanto, o seu reino como vassalo do Rei de Damasco.[9]

A inscrição é também importante na avaliação da natureza das relações dos reinos de Israel e Judá com seus vizinhos. Anos antes, como descrito acima, uma coalização de estados médios, em que os sírios e o rei Acabe de Israel aparecem de forma proeminente, haviam conseguido se opor, e possivelmente conter, o poderoso Império Assírio. Agora, Israel e Siria estão se confrontando. Enquanto isso, os reis de Israel e de Judá estão novamente em aliança, como no conflito moabita.


Obelisco Negro de Salmaneser III, Jeú oferece tributo ao Rei
da Assiria, Museu Britãnica, via wikicommons.
Direta ou indiretamente, Hazael provoca a ascensão de Jeú ao trono israelita. Se a intenção de Hazael, porém, era fazer amigos, logo se decepcionaria. Em pouco tempo Jeú entraria em confronto com os sírios. O obelisco negro de Salmaneser III, no Museu Britânico, apresenta cinco relevos em que vários governantes, dentre eles os reis do Egito e de Israel, oferecem tributo ao soberano assírio. Jeú é representado beijando os pés de Salmaneser (literalmente), com a seguinte inscrição: "O tributo de Jeú, da Casa de Omri; dele ganhei prata, uma taça de ouro, um vaso de ouro de pontas finas, copos de ouro, baldes de ouro, estanho, um cetro real e lanças". 

A submissão ao Rei Assírio, contudo, parece não ter beneficiado Jeú tanto assim, pois II Reis 10:32-33 nos diz:


Naqueles dias , o Senhor começou a reduzir o tamanho de Israel. O Rei Hazael conquistou todo o território israelita a leste do Jordão, incluindo toda a terra de Gileade (II Reis 10:32-34).
O livro de Reis atribui o fracasso final de Jeú ao fato de não ter "obedecido de todo o coração a lei do Senhor, Deus de Israel, nem se afastou dos pecados que Jeroboão levara Israel a cometer". O texto bíblico nos diz porém que em recompensa por sua atuação contra o culto de Baal, os descendentes de Jeú reinariam a até a quarta geração.

Professor Eric H Cline, da George Washington University, observa que apesar de ter sofrido com Hazael e Salmaneser III, Jeú (e Israel) teriam cerca de cem anos de alívio (ou cerca de quatro gerações).:


Jeú, entretanto, acabou se tornando um perdedor em dose dupla, pois se tornou vassalo pagador de impostos para um Salmanasar que, de outro modo, teria sido dominado e que, provavelmente, não perdeu muito o sono quando Hazael decidiu cobrar sua vingança e atacar Jeú e destruir o reino vassalo de Israel da Assíria (fig. 3.9). Depois de Salmanassar, a ameaça assíria diminiui por quase um século, o que permitiu que o reino do norte se recuperasse, mas a tregua seria apenas temporária [11]. 

Além do contexto imediato, a inscrição é um elemento importante para avaliação do legado de Davi. 

Conforme a avaliação do Professor Israel Finkelstein, da Universidade de Tel Aviv, a inscrição é relevante tanto no contexto histórico imediato:


Through fragmentary, this inscription offered a unique perspective on the turbulent politics of the region in the ninth century B.C.E. It describes from the aramean perspective , the territorial conflict between Israel and Damascus in the ninth century B.C.E and records how an Aramean king (Hazael) launched a punishing offensive against his southern enemies (ca 840 B.C.E) in which, so he claimed - he killed the king of Israel and his ally, the king "House of David (or bytdwd). (Tradução)  Ainda que fragmentária, a inscrição oferece uma perspectiva única sobre a política turbulenta da região no século IX AC. Descreve a partir da perspectiva araméia, o conflito territorial entre Israel e Damasco no nono século AC e registra como um rei arameu (Hazael) lançou uma ofensiva punitiva contra seus inimigos do sul (cerca 840 AC) na qual, ele alegou - ter matado o rei de Israel e seu aliado, o rei da "Casa de Davi (ou bytdwd)[11].
Quanto como evidência do legado de Davi, como fundador de uma dinastia real.

This was the first time that the name "david" was found in any contemporary source outside Bible, in this case only about a century after his lifetime. Moreover, it most probably specified the names of the two later kings - Joram of Israel and Ahaziah of Judah - both of whom are mentioned in the biblical text. Most significantly, Hazael employed a common idiom of his time by naming a state (Judah) after the founding of its ruling (or dominant) dinasty, bytdwd - just as the Assyrian labeled the "Northern Kingdom as the "House of Omri" or bit omri. (tradução)  Esta foi a primeira vez que o nome" david "foi encontrado em qualquer fonte contemporânea fora da Bíblia, neste caso, apenas cerca de um século após sua vida. Além disso, ele provavelmente especificou os nomes de dois reis mais recentes - Jorão de Israel e Acazias de Judá - ambos mencionados no texto bíblico. Muito significativamente, Hazael empregou uma expressão idiomática de seu tempo nomeando um estado (Judá) em função de sua dinastia governante (ou dominante), bytdwd - assim como os assírios chamaram o reino do norte como a" Casa de Omri" ou bit omri.[11]
A prática usual daquele contexto, era nomear o reino pelo fundador da casa dominante. Ao chamarem o Reino de Judá como "Casa de Davi", Hazael entende que havia um Rei Davi que fundou aquele Reino. Não é uma informação direta sobre Davi e a natureza de seu reino, mas é forte evidência de seu legado, cercade 3 ou 4 gerações após sua morte. Das dezenas de reis que Hazael se vangloria de ter derrotado, ele devota espaço especial em sua inscrição aos reis de Israel e da Casa de Davi.

Maxi e Mini, a obra deutoronomista como fonte histórica.
A Morte do Rei Saul, Elie Marcuse, wikicommons

Desta forma, apresentamos acima vários momentos em que a evidência arqueológica acompanha o relato biblico, coincidindo em pessoas, eventos e tempo. Existem, porém, situações em que não foram encontradas evidências externas de eventos bíblicos, ou esta é contraditória, como a peregrinação no deserto e a conquista de Jericó e Ai. Além disso, muitos sítios com abundante material arqueológico tem limitada possibilidade de escavação, por serem grandes centros urbanos (ex. Jerusalém), além de guerras (Síria) e o tráfico de material arqueológico, que impede que artefatos sejam localizados em sítios sujeitos a escavações controladas cientificamente.

Israel Finkelstein tem sido bastante crítico contumaz do uso da arqueologia para "provar" a Bíblia. No Brasil, seu livro "The Bible Unearthed", foi traduzido como "A Bíblia não tinha razão". Contudo, ele é igualmente crítico da rejeição da obra deuteronomista como fonte, entendendo que é sim uma fonte rica de material histórico. 

Primeiro, ele compara os padrões de assentamento observados nas escavações arqueológicas com as vilas, cidades e distritos mencionadas no texto bíblico:


Archaelogicals excavations and surveys have confirmed that many of the Bible's geographical listings - for example, of the boundaries of the tribes and the districts of the kingdom - closely match settlement patterns and historical realities in the eight and seventh centuries B.C.E.(traduçãoEscavações e levantamentos arqueológicos confirmaram que muitas das listas geográficas da Bíblia - por exemplo, dos limites das tribos e dos distritos do reino - correspondem de perto aos padrões de assentamentos e realidades históricas nos séculos VIII e VII B.C.E.[11]
Em seguida, compara as fontes extrabíblicas, como as inscrições assírias, sírias, moabitas  etc..., citando o trabalho de Baruch Halpern, da Universidade da Georgia:
Baruch Halpern showed that a relatively large number of extra-biblical historical records - mainly Assirian -  verify ninth to seventh-century B.C.E events described in the Bible: the mention of Omri in Mesha Stele, those of Ahab and Jehu in the Shalmameser III inscriptions, Hezekiah in the inscriptions of Sennacherib, Manasseh in the records of Esarhaddon ans Ashurbanipal, and so on.(TraduçãoBaruch Halpern mostrou que um número relativamente grande de registros históricos extra-bíblicos - principalmente Assirianos - verifica os eventos do nono ao sétimo século aC descritos na Bíblia: a menção de Omri em Mesha Stele, os de Acabe e Jeú nas inscrições de Shalmameser III, Ezequias nas inscrições de Senaqueribe, Manassés nos registros de Esarhadom e Assurbanipal, e assim por diante.[11]
E, por fim, a evidência linguistica, em que Finkelstein cita o Professor Avi Hurwitz, da Universidade Hebraica de Jerusalém:


No less significant is the fact, as indicated by the linguist Avi Hurwitz, that much of the Deutoronomistic History is written in late-monarchic  Hebrew, which is different of Hebrew of post-exilic times.(Tradução) Não menos significativo é o fato, como indicado pelo linguista Avi Hurwitz, de que grande parte da História Deutoronomista é escrita em hebraico tardio monárquico, que é diferente do hebraico dos tempos pós-exílicos[11]
Pontos semelhantes são enfatizados pelo Professor James D'Avila, da Universidade de Saint Andrews, fazendo uma comparação heurística da obra deutoronomista em comparação com a obra do historiador antigo Herodoto, de um lado, e Geoffrey de Monmouth, que basicamente é um relato legendário do ciclo arturiano :
The evidence seems pretty clear to me that the Dtr is more like Herodotus' work than Geoffrey's. There is good reason to doubt much of the account of the United Monarchy under David and Solomon. Archaeological survey points toward a small population in Judah and against a state apparatus that could have supported the sort of empire described for David and Solomon. (The new excavation in Jerusalem may or may not change this perspective. It's too early to tell.) If there was a Temple built in the time of Solomon, it probably was a more modest building than what is described and which seems to have been the template for the later temples in Judah, Elephantine, and perhaps Samaria. (TraduçãoA evidência parece bastante clara para mim que o Dtr é mais parecido com o trabalho de Heródoto do que o de Geoffrey. Há boas razões para duvidar muito do relato da monarquia unida sob Davi e Salomão. Levantamentos arqueológicos apontam para uma pequena população em Judá e contra um aparato estatal que poderia ter apoiado o tipo de império descrito por Davi e Salomão. (A nova escavação em Jerusalém pode ou não mudar essa perspectiva. É muito cedo para dizer.) Se houvesse um templo construído na época de Salomão, provavelmente seria um edifício mais modesto do que o descrito e que parece ter sido o modelo para os últimos templos em Judá, Elefantina e talvez Samaria.
Apontando os vários sincronismos e confirmações com a evidência extrabíblica e arqueológica:
 All this said, the writer of the Dtr did have some good information. Quite a number of the kings of Israel and Judah are mentioned in outside sources, and in the Dtr they always appear in the proper order, at the proper time, and in relation to the proper figures in the larger ancient Near Eastern world. A few of the episodes, such as the Egyptian King Shishak's invasion of Judea in the time of Rehoboam; the destruction of Samaria by the Assyrian King Sargon II; the Assyrian King Sennacherib's invasion of Judea in the time of Hezekiah; and the Babylonian King Nebuchadnezzar's conquest of Jerusalem, receive independent verification from extrabiblical inscriptions. And the writer knows a good many details that show that some of the sources used were pretty good. For example, the denominations of weights used for commerce which are mentioned casually in the Dtr do correspond closely to the (sometimes inscribed) weights actually excavated in Judah, only in the late Iron Age II. (TraduçãoTudo isso dito, o escritor do Dtr teve acesso a algumas boas informações. Um grande número de reis de Israel e Judá é mencionado em fontes externas, e no Dtr eles sempre aparecem na ordem apropriada, no tempo apropriado, e em relação às figuras apropriadas no mundo antigo do Oriente Médio. Alguns dos episódios, como a invasão da Judéia pelo rei egípcio Sisaque na época de Roboão; a destruição de Samaria pelo rei assírio Sargão II; a invasão da Judéia do rei assírio Senaqueribe na época de Ezequias; e a conquista de Jerusalém pelo rei babilônico Nabucodonosor recebe uma verificação independente das inscrições extra-bíblicas. E o escritor conhece muitos detalhes que mostram que algumas das fontes usadas foram muito boas. Por exemplo, as denominações de pesos usadas para o comércio que são mencionadas casualmente no Dtr correspondem de perto aos pesos (por vezes inscritos) realmente escavados em Judá, apenas no final da Idade do Ferro.

Continua

Referências Bibliográficas:

[1] Airton José da Silva: "Os Minimalistas: Pode uma história de Israel ser escrita" https://airtonjo.com/site1/minimalistas.htm, acessado em 24/11/2018.
[2] Mario Liverani (2003) Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 137
[3] Amihai Mazar (1990) Arqueologia na Terra da Bíblia: 10000-586 AC, fls 383-385.
[4] Mario Liverani (2003) Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 139
[5] Kenneth Kitchen (2003) On the Reliability of the Old Testament, fls. 34-36
[6] Mario Liverani (2003) Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 175
[7] Kenneth Kitchen (2003) On the Reliability of the Old Testament, fl. 35
[8] Israel Finkelstein e Neil Sibermann (2002) The Bible Unearthed, fl 129
[9] Mario Liverani (2003) Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 151-152.
[10] Eric Cline e Mark W Graham (2011), Impérios Antigos: Da Mesopotâmia à Origem do Islã, fl. 107.
[11] Israel Finkelstein, Digging for the truth: Archaelogy and the Bible, In Schimdt (2007) The Quest for the Historical Israel, fl. 14
[12] James D'Avila (2005) "Evidence for the first ("Solomonic") Temple", post de 12/08/2005, http://paleojudaica.blogspot.com/2005_08_07_archive.html, acessado em 24/11/2018.

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