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domingo, 25 de novembro de 2018

"Quando Israel era Menino" - Arqueologia e o Livro de Reis - Parte 1

Samuel unge Davi. Painel interior da Sinagoga de Dura
Europos. Siria. Século III DC, via wikicommons
Em novembro de 2010, escrevendo sobre "o critério do constrangimento e da diferença e seus análogos fora da pesquisa histórica do Novo Testamento", foi utilizado como exemplo as narrativas integrantes da obra deutoronomista correspondente aos livros de Josué, Juízes, I e II Samuel e I e II Reis. A reflexão foi interessante, mas nunca tivemos a oportunidade de retornar a ela, mais ainda, nos seus próprios termos. O que vai abaixo é expansão daquelas reflexões, abordando alguns os artefatos arqueologicos associados a Israel e Judá, em dialogo com o texto bíblico. Mencionamos naquele post as Inscrições do Templo de Karnak, celebrando a campanha do Faraó Sisaque na Palestina, a Estela de Mesha, rei moabita que desafiou o rei de Israel, o prisma de Taylor, que narra o cerco do assírios ao Rei Ezequias, e acrescentaremos a Estela de Tel Dan, que menciona a casa de Davi. Inicialmente, pretendemos dois posts.

Uma preliminar importante é o uso da Bíblia como fonte histórica. Como exposto aqui no adcummulus anteriormente vamos ouvir com frequência os termos maximalista e minimalista, que descrevem uma postura geral dos estudiosos quanto a confiabilidade histórica dos textos bíblicos. Como observa o Professor Airton José da Silva, 
  "(...) controvérsia existente entre a postura maximalista que defende que tudo nas fontes que não pode ser provado como falso deve ser aceito como histórico e a postura minimalista que defende que tudo que não é corroborado por evidências contemporâneas aos eventos a serem reconstruídos deve ser descartado. [1]

Esclarecemos também, naquela ocasião,  a opção "maximalista" ou "minimalista" não necessariamente reflete a visão religiosa ou teológica do pesquisador (existem ateus e agnósticos identificados com os"maximalistas", como o arqueólogo William Dever; assim como existem judeus praticantes e cristãos minimalistas), e que tais tais definições demarcam os extremos. A esmagadora maioria dos arqueólogos, historiadores e biblistas se posiciona entre um e outro polo, combinando diferentes proporções das duas posturas, formando um espectro. É comum uma abordagem basicamente minimalista para alguns períodos (como os patriarcas, êxodo e conquista) e maximalista para outros (monarquia unida e reinos de Israel e Judá), sendo o foco da discussão deslocado para definir a "fronteira" em que se vai adotar cada uma das posturas. Assim, uma visão típica do "centro" do espectro considera que a obra deuteronomista foi concluída no reinado do Rei Josias, no final do século VII AC, mas que incorpora material de crônicas reais e sacerdotais e tradições populares, que sofreram um profundo processo de reinterpretação teológica. Assim, o deuteronomista nos daria corretamente o "fluxo geral" e um esboço dos acontecimentos históricos.


A invasão de Sisaque, 925 AC


Relevo da campanha de Sisaque, via wikicommon
No quinto ano do reinado de Roboão, Sisaque, rei do Egito, atacou Jerusalém. Levou embora todos os tesouros do templo do Senhor e do palácio real, inclusive os escudos de ouro que Salomão havia feito. Por isso o rei Roboão mandou fazer escudos de bronze para substituí-los, e os entregou aos chefes da guarda da entrada do palácio real. 28 Sempre que o rei ia ao templo do Senhor, os guardas empunhavam os escudos, e, em seguida, os devolviam à sala da guarda. Os demais acontecimentos do reinado de Roboão, e tudo o que fez, estão escritos nos registros históricos dos reis de Judá. Houve guerra constante entre Roboão e Jeroboão. (I Reis 14:25-29).
Sisaque foi faraó do Egito entre 943-922 AC, e  fundou a 22ª dinastia. Por volta do ano 930 AC, Sisaque (Sesac ou Sheshonk) invadiu a Palestina e, usando as palavras do texto bíblico "tomou as cidades fortificadas de Judá e chegou até Jerusalém (II Cronicas. 12:4). A expedição vitoriosa de Sisaque foi inscrita em pedra em um portal no Templo de Ramsés II em Karnak.

Mario Liverani, Professor de História do Antigo Oriente Médio da Universidade de Roma La Sapienza, detalha os efeitos da invasão



"O período "formativo" dos reinos de Judá e de Israel se encerra com um evento traumático: a expedição do faraó Sheshonq através de toda a Palestina (c 925 AC). O evento é conhecido seja pela inscrição do faraó sobre o Templo de Karnak (cf ANET, p. 242-243, 263-264), com uma longa lista das localidades atravessadas e conquistadas  ou eventualmente destruídas, seja pela breve notícia do livro de Reis (1 Reis 14:35-38;cf 2 Cr 12:1-12) sobre o tributo pago por Roboão de Judá. A campanha teria acontecido, portanto, depois da morte de Salomão, com os reinos de Judá e Israel já separados"[2]
Amihai Mazar, Professor de Arqueologia da Universidade Hebraica de Jerusalém, aborda os efeitos da invasão do ponto de vista arqueológico na região ao sul de Jerusalém:


Esses assentamentos na região montanhosa de Negueb foram provavelmente destruídos e abandonados como resultado da campanha militar do Faraó Sesac na região cinco anos após a morte de Salomão (...). A lista topográfica de Sesac, preservada nas paredes do templo de Amon em Karnak, inclui quase setenta nomes de lugares do Negueb. Alguns deles podem ser identificadas na área de Arad e Bersabéia, mas outros estavam talvez localizados mais ao sul, na região montanhosa do Negueb. O prefixo hgr aparece e é possivelmente uma transcrição egípcia do termo hebraico hagar, "cinturão' ou "recinto, que poderia ter designado as "fortalezas' de casamatas do Negueb. (...) [3]
Mazar continua, agora seguindo o rastro da expedição do faraó no norte e centro de Israel.
Já registramos o avanço pelo sul da campanha no Negueb; as operações do norte e no centro tiveram lugar na região montanhosa, o coração do território israelita. Sesac cruzou o Sefelá via Vale de Aialon e ascendeu a Cariat-Iarim e gabaon, ameaçando assim Jerusalém a partir do nordeste. Roboão, rei de Judá, evitou que a capital sofresse um sítio egípcio pagando um pesado tributo "Apoderou-se dos tesouros do templo do Senhor e dos tesouros do palácio real; ele levou tudo, inclusive todos os escudos de ouro que Salomão mandara fazer" (I Reis 14:26). O recém-nascido Reino do Norte, Israel, sofreu consideravelmente; a incursão de Sesac espalhou-se em arco desde gabaon até Betel, passando pelo Vale do Jordão e chegando até o vale de Jezrael. Ele então varreu a rota costeira histórica ("o caminho do mar") de Meguido até Gaza. Algumas das maiores destruições desse período podem ser atribuídas à campanha de Sesac: Tamna (Tel Batash, estrato IV), Gazer (Estrato VIII), Tell el-Mazar, Tell el-Hama, Tell el Sa'idiyeh (estes três sítios no Vale do Jordão), Meguido (Estrato IVB-VA), Tell Abu Hawân )(Estrato III), Tel Mevorakh (Estrato VII), Tel Michal e Tell Qasile (Estrato VIII). Aparentemente, Meguido foi só em parte destruída - pois o portão de seis câmaras parece ter continuado em uso n período seguinte, e Sesac erigiu lá uma estela da vitória, da qual um fragmento foi achada nas escavações.[3]
  Liverani atribui um significado político mais amplo a ação de Sisaque. A idéia seria revitalizar  as antigas reinvindicações egípcias de soberania na região, evocando o período a palestina era o quintal egípcio:


Se posto num mapa, o itinerário desenha uma espécie de grande S ao contrário, que evita tocar sistematicamente os territórios de Judá e de Israel, preferindo costea-los. O interesse parece se adensar sobre zonas planas (médio Jordão, planície de Yizre'el, planície costeira), zonas a qual o Egito se vangloriava de ter uma tradicional soberania, que se tornara agora teórica, mas que sheshonq procurava revitalizar com sua expedição. Se essa interpretação está correta, parece claro que os reinos de Judá e Israel estavam então não somente separados (ou já separados, como quer o texto bíblico, ou jamais unidos antes, como é também possível), mas ambos muito pequenos, em particular o reino de Israel estava ainda separado das tribos galiléias pela permanência do corredor "cananeu" na baia de Akko´ao médio Jordão.[4] 
Kenneth Kitchen, Professor de Egiptologia da Universade de Liverpool, observa que  Sisaque não  menciona explicitamente Jeroboão ou Roboão, bem como os reinos Judá e Israel, mas isso é usual neste tipo de inscrição [5]. (A Estela do Faraó Merneptah, de cerca de 1200 AC, declara que "Israel está destruído, e sua semente já não existe mais", atesta a presença de Israel, como um entre os vários povos (e cidades estado) na Palestina). Kitchen é da opinião que as fontes egípcias e hebraicas complementam-se mutuamente, apesar das profundas diferenças de composição.

A Estela de Mesha (Pedra Moabita), 847 AC


Estela de Mesha, Rei de Moabe, via wikicommons
Mesha, rei de Moabe, tinha muitos rebanhos e pagava como tributo ao rei de Israel cem mil cordeiros e a lã de cem mil carneiros. Mas, depois que Acabe morreu, o rei de Moabe rebelou-se contra o rei de Israel.  Então, naquela ocasião, o rei Jorão partiu de Samaria e mobilizou todo o Israel. Também enviou esta mensagem a Josafá, rei de Judá: “O rei de Moabe rebelou-se contra mim. Irás acompanhar-me na luta contra Moabe?” Ele respondeu: “Sim, eu irei. Serei teu aliado, os meus soldados e os teus, os meus cavalos e os teus serão um só exército”. E perguntou: “Por qual caminho atacaremos?” Respondeu Jorão: “Pelo deserto de Edom”. (II 3:4-8)

A Estela de Mesha ou Pedra Moabita é mantida no Museu do Louvre, em Paris, e foi descoberta em 1868, por Frederik Augustus Klein, em Dibon, atual Jordânia. O Reino de Moabe, junto com Amon e Edom, fazia fronteira com Israel e Judá. Quando Mesha assumiu o trono, Moabe era um reino vassalo de Israel. A estela é um relato de como ele reverteu esse estado de coisas com ajuda de Kemosh, deus de Moabe.


Eu Mesha, filho de Kemosh [...], Rei de Moabe, o dibonita – o meu pai reinou sobre Moabe 30 anos e eu reinei depois do meu pai – fiz este lugar alto para Kemosh, Qarhoh, porque ele me salvou de todos os reis e me fez triunfar de todos os meus adversários. No que toca a Omri, Rei de Israel, este humilhou Moabe durante muito tempo, porque Kemosh estava irritado com sua terra. E o seu filho seguiu-o e disse também: Hei de humilhar Moabe. No meu tempo ele o disse, mas eu triunfei sobre ele e a sua casa, enquanto Israel tinha perecido para sempre! Omri tinha ocupado a terra de Mádaba e Israel tinha habitado lá no seu tempo e durante metade do tempo do seu filho, por 40 anos; mas Kemosh habitou ali, no meu tempo. Eu construi Baal Meon, e nela construi um tanque. Eu construi Kirjathan. Os gaditas tinham habitado na terra desde tempos antigos, e o rei de Israel tinha constrido para si Ataroth. Eu guerriei, porém, contra a cidade e a tomei.
A inscrição nos informa que Moabe foi dominado pelo Reino de Israel do Norte, a partir do reinado de Omri, e que a situação perdurou sobre Acabe. Após a morte deste, Mesha se revoltou, e foi bem sucedido, recuperando os antigos territórios de Moab, e derrotando não só Israel, mas Edom, e Judá. 

Conforme o relato bíblico, os Reis de Israel, Judá e Edom marcharam contra Mesha, e o cercaram em sua capital, Dibon. Contudo, ao verem o Rei sacrificar seu próprio filho para Kemosh, ficaram ultrajados e se retiraram.

Professor Kenneth Kitchen, compara a versão de Mesha com o relato bíblico:


Here there is overlap with the Hebrew account, but also additional information(just as in Shoshenq's case) Both accounts agree in portraying the basic situation; namely, that the Omride Dynasty in Israel had suceed in imposing its overlordship upon Moab, turning the Moabite Kingdom into a tribute-paying vassal, and that for a clear span of years, not just the odd year or two. That situation began under Omri and contnued under Ahab until his death. But under Joram, the Moabite King rejected vassal status and rebelled. (TraduçãoAqui há sobreposição com o relato hebraico, mas também informações adicionais (assim como no caso de Shoshenq) Ambos relatos concordam em retratar a situação básica; ou seja, que a Dinastia Omrida em Israel tinha imposto sua soberania sobre Moabe, transformando o Reino Moabita em um vassalo pagador de tributo, e isso por um período de muitos anos e não apenas em ano ou dois . Essa situação começou sob Omri e contida sob Acabe até a sua morte. Mas sob Jorão, o Rei de Moabe rejeitou o status vassalo e rebelou-se. [5]
O movimento de Mesha deve ser analisado em um contexto mais amplo. Há indícios de mudanças profundas nas estruturas sociais e econômicas de Moabe, permitindo a Mesha acumular recursos para ser mais que um criador de rebanhos para os reis omridas. Mario Liverani aponta os resultados das escavações arqueológicas na região:


Houve um extraordinário desenvolvimento sóciopolítico pela metade do século IX, e a estela de Mesha (SSI I 16) fornece úteis indicações a ser integradas aos dados arqueológicos. Deve se presumir que durante a primeira metade do período do Ferro Moabe tenha tido uma estrutura tribal muito dispersa, que se coadunava bem com uma economia agropastoril praticada nas zonas mais favorecidas (...) Mas na epoca de Mesha completa-se um processo de unificação, induzido pelas necessidades de competir com os Estados mais fortes e organizados que tinham se formado a norte e a oeste. O fato é que o reino de Mesha se caracteriza pela unificação politica em torno da capital Dibon (...) a existência de capitais cantonais como Madaba, Atarot, Yahas, a construção de cidades fortificadas (...) [6].
Em 1994, O Professor André Lemaire, professor da Ecole Pratique des Hautes Etudes, propos a leitura da linha 32 da Estela como se referindo a Casa de David. Desde então, sua proposta tem alcançado significativa aceitação pelos estudiosos, tais como Kenneth Kitchen e Israel Finkelstein [7][8]. Seria também a primeira menção extrabíblica a Dinastia de David. 

Da mesma forma, a menção a Omri na estela de Mesha é uma das duas primeiras a reis israelitas em fontes extrabíblicas. Em 853 AC, Acabe, filho de Omri, é mencionado numa Estela de Salmaneser III, da Assíria, como um dos doze reis que teriam sido derrotados por ele na Batalha de Quarquar (os assírios reinvidicaram vitória, mas o embate foi provavelmente não conclusivo). Salmaneser relata que "Acabe, o Israelita" compareceu a batalha com um força considerável de 2 mil carruagens e  10 mil homens, representando um dos maiores exércitos da coalizão. Em conjunto, as inscrições evidenciam o grande poder da disnatia Omrida.


A Estela de Tel Dan, 840 AC


Estela de Tel Dan, Museu de Israel, via wikicommons
No décimo segundo ano do reinado de Jorão, filho de Acabe, rei de Israel, Acazias, filho de Jeorão, rei de Judá, começou a reinar. Ele tinha vinte e dois anos de idade quando começou a reinar, e reinou um ano em Jerusalém. O nome de sua mãe era Atalia, neta de Onri, rei de Israel. Ele andou nos caminhos da família de Acabe e fez o que o Senhor reprova, como a família de Acabe havia feito, pois casou-se com uma mulher da família de Acabe.Acazias aliou-se a Jorão, filho de Acabe, e saiu à guerra contra Hazael, rei da Síria, em Ramote-Gileade. Jorão foi ferido e voltou a Jezreel para recuperar-se dos ferimentos sofridos em Ramote[c], na batalha contra Hazael, rei da Síria.(II Reis 8:28-29)

Qualquer relação das maiores descobertas arqueológicas recentes, fará justiça a Estela de Tel Dan. Descoberta pelo Professor Avraham Abiram e sua equipe, em escavações no norte de Israel entre 1993 e 1994. A inscrição real é do século IX AC, e dela restaram três fragmentos. Embora o Rei que comissionou a estela não seja identificado, as informações constantes no artefato e contexto histórico apontam para Hazael, Rei da Síria.


(Quando) meu pai ficou doente e foi ao encontro dos seus (antepassados)o rei de Israel veio à terra de meu pai. Mas Hadad me fez rei, e Hadad veio até mim e eu parti dos sete [...] do meu reino e eu matei set[enta r]eis que tinham preparado mi[lhares de ca]rros e milhares de cavalos. [E eu matei Yeho]ram, filho [de Acabe], rei de israel e eu matei [ahaz]yahu, filho [de Yehoram r]ei da Casa de Davi. E eu levei [à ruína a cidade deles e] a terra deles á [ desolação].
Mario Liverani descreve o contexto imediato da inscrição:

A inscrição se une intimamente à narrativa de 2 Reis 8:28-29 (que ajuda a integrar os nomes parcialmente danificados), mas traz elementos novos em relação ao texto bíblico, Vê-se claro que o rei autor da inscrição de Tel Dan é Haza'el, Rei de Damasco, que depois da vitoria pode ocupar a cidade de Dan por tempo suficiente para erigir sua estela celebrativa. E é claro que a revolta de Yehu contra Yoram/Yehoram fazia parte da ofensiva damascena , tanto que Haza'el se vangloria de ter morto ele próprio o rei de Israel e de Judá, que o livro dos Reis relata como mortos por Yehu. Yehu, posto no trono por vontade de Haza'el ou pelo menos por contragolpe da vitória de Haza'el, iniciou, portanto, o seu reino como vassalo do Rei de Damasco.[9]

A inscrição é também importante na avaliação da natureza das relações dos reinos de Israel e Judá com seus vizinhos. Anos antes, como descrito acima, uma coalização de estados médios, em que os sírios e o rei Acabe de Israel aparecem de forma proeminente, haviam conseguido se opor, e possivelmente conter, o poderoso Império Assírio. Agora, Israel e Siria estão se confrontando. Enquanto isso, os reis de Israel e de Judá estão novamente em aliança, como no conflito moabita.


Obelisco Negro de Salmaneser III, Jeú oferece tributo ao Rei
da Assiria, Museu Britãnica, via wikicommons.
Direta ou indiretamente, Hazael provoca a ascensão de Jeú ao trono israelita. Se a intenção de Hazael, porém, era fazer amigos, logo se decepcionaria. Em pouco tempo Jeú entraria em confronto com os sírios. O obelisco negro de Salmaneser III, no Museu Britânico, apresenta cinco relevos em que vários governantes, dentre eles os reis do Egito e de Israel, oferecem tributo ao soberano assírio. Jeú é representado beijando os pés de Salmaneser (literalmente), com a seguinte inscrição: "O tributo de Jeú, da Casa de Omri; dele ganhei prata, uma taça de ouro, um vaso de ouro de pontas finas, copos de ouro, baldes de ouro, estanho, um cetro real e lanças". 

A submissão ao Rei Assírio, contudo, parece não ter beneficiado Jeú tanto assim, pois II Reis 10:32-33 nos diz:


Naqueles dias , o Senhor começou a reduzir o tamanho de Israel. O Rei Hazael conquistou todo o território israelita a leste do Jordão, incluindo toda a terra de Gileade (II Reis 10:32-34).
O livro de Reis atribui o fracasso final de Jeú ao fato de não ter "obedecido de todo o coração a lei do Senhor, Deus de Israel, nem se afastou dos pecados que Jeroboão levara Israel a cometer". O texto bíblico nos diz porém que em recompensa por sua atuação contra o culto de Baal, os descendentes de Jeú reinariam a até a quarta geração.

Professor Eric H Cline, da George Washington University, observa que apesar de ter sofrido com Hazael e Salmaneser III, Jeú (e Israel) teriam cerca de cem anos de alívio (ou cerca de quatro gerações).:


Jeú, entretanto, acabou se tornando um perdedor em dose dupla, pois se tornou vassalo pagador de impostos para um Salmanasar que, de outro modo, teria sido dominado e que, provavelmente, não perdeu muito o sono quando Hazael decidiu cobrar sua vingança e atacar Jeú e destruir o reino vassalo de Israel da Assíria (fig. 3.9). Depois de Salmanassar, a ameaça assíria diminiui por quase um século, o que permitiu que o reino do norte se recuperasse, mas a tregua seria apenas temporária [11]. 

Além do contexto imediato, a inscrição é um elemento importante para avaliação do legado de Davi. 

Conforme a avaliação do Professor Israel Finkelstein, da Universidade de Tel Aviv, a inscrição é relevante tanto no contexto histórico imediato:


Through fragmentary, this inscription offered a unique perspective on the turbulent politics of the region in the ninth century B.C.E. It describes from the aramean perspective , the territorial conflict between Israel and Damascus in the ninth century B.C.E and records how an Aramean king (Hazael) launched a punishing offensive against his southern enemies (ca 840 B.C.E) in which, so he claimed - he killed the king of Israel and his ally, the king "House of David (or bytdwd). (Tradução)  Ainda que fragmentária, a inscrição oferece uma perspectiva única sobre a política turbulenta da região no século IX AC. Descreve a partir da perspectiva araméia, o conflito territorial entre Israel e Damasco no nono século AC e registra como um rei arameu (Hazael) lançou uma ofensiva punitiva contra seus inimigos do sul (cerca 840 AC) na qual, ele alegou - ter matado o rei de Israel e seu aliado, o rei da "Casa de Davi (ou bytdwd)[11].
Quanto como evidência do legado de Davi, como fundador de uma dinastia real.

This was the first time that the name "david" was found in any contemporary source outside Bible, in this case only about a century after his lifetime. Moreover, it most probably specified the names of the two later kings - Joram of Israel and Ahaziah of Judah - both of whom are mentioned in the biblical text. Most significantly, Hazael employed a common idiom of his time by naming a state (Judah) after the founding of its ruling (or dominant) dinasty, bytdwd - just as the Assyrian labeled the "Northern Kingdom as the "House of Omri" or bit omri. (tradução)  Esta foi a primeira vez que o nome" david "foi encontrado em qualquer fonte contemporânea fora da Bíblia, neste caso, apenas cerca de um século após sua vida. Além disso, ele provavelmente especificou os nomes de dois reis mais recentes - Jorão de Israel e Acazias de Judá - ambos mencionados no texto bíblico. Muito significativamente, Hazael empregou uma expressão idiomática de seu tempo nomeando um estado (Judá) em função de sua dinastia governante (ou dominante), bytdwd - assim como os assírios chamaram o reino do norte como a" Casa de Omri" ou bit omri.[11]
A prática usual daquele contexto, era nomear o reino pelo fundador da casa dominante. Ao chamarem o Reino de Judá como "Casa de Davi", Hazael entende que havia um Rei Davi que fundou aquele Reino. Não é uma informação direta sobre Davi e a natureza de seu reino, mas é forte evidência de seu legado, cercade 3 ou 4 gerações após sua morte. Das dezenas de reis que Hazael se vangloria de ter derrotado, ele devota espaço especial em sua inscrição aos reis de Israel e da Casa de Davi.

Maxi e Mini, a obra deutoronomista como fonte histórica.
A Morte do Rei Saul, Elie Marcuse, wikicommons

Desta forma, apresentamos acima vários momentos em que a evidência arqueológica acompanha o relato biblico, coincidindo em pessoas, eventos e tempo. Existem, porém, situações em que não foram encontradas evidências externas de eventos bíblicos, ou esta é contraditória, como a peregrinação no deserto e a conquista de Jericó e Ai. Além disso, muitos sítios com abundante material arqueológico tem limitada possibilidade de escavação, por serem grandes centros urbanos (ex. Jerusalém), além de guerras (Síria) e o tráfico de material arqueológico, que impede que artefatos sejam localizados em sítios sujeitos a escavações controladas cientificamente.

Israel Finkelstein tem sido bastante crítico contumaz do uso da arqueologia para "provar" a Bíblia. No Brasil, seu livro "The Bible Unearthed", foi traduzido como "A Bíblia não tinha razão". Contudo, ele é igualmente crítico da rejeição da obra deuteronomista como fonte, entendendo que é sim uma fonte rica de material histórico. 

Primeiro, ele compara os padrões de assentamento observados nas escavações arqueológicas com as vilas, cidades e distritos mencionadas no texto bíblico:


Archaelogicals excavations and surveys have confirmed that many of the Bible's geographical listings - for example, of the boundaries of the tribes and the districts of the kingdom - closely match settlement patterns and historical realities in the eight and seventh centuries B.C.E.(traduçãoEscavações e levantamentos arqueológicos confirmaram que muitas das listas geográficas da Bíblia - por exemplo, dos limites das tribos e dos distritos do reino - correspondem de perto aos padrões de assentamentos e realidades históricas nos séculos VIII e VII B.C.E.[11]
Em seguida, compara as fontes extrabíblicas, como as inscrições assírias, sírias, moabitas  etc..., citando o trabalho de Baruch Halpern, da Universidade da Georgia:
Baruch Halpern showed that a relatively large number of extra-biblical historical records - mainly Assirian -  verify ninth to seventh-century B.C.E events described in the Bible: the mention of Omri in Mesha Stele, those of Ahab and Jehu in the Shalmameser III inscriptions, Hezekiah in the inscriptions of Sennacherib, Manasseh in the records of Esarhaddon ans Ashurbanipal, and so on.(TraduçãoBaruch Halpern mostrou que um número relativamente grande de registros históricos extra-bíblicos - principalmente Assirianos - verifica os eventos do nono ao sétimo século aC descritos na Bíblia: a menção de Omri em Mesha Stele, os de Acabe e Jeú nas inscrições de Shalmameser III, Ezequias nas inscrições de Senaqueribe, Manassés nos registros de Esarhadom e Assurbanipal, e assim por diante.[11]
E, por fim, a evidência linguistica, em que Finkelstein cita o Professor Avi Hurwitz, da Universidade Hebraica de Jerusalém:


No less significant is the fact, as indicated by the linguist Avi Hurwitz, that much of the Deutoronomistic History is written in late-monarchic  Hebrew, which is different of Hebrew of post-exilic times.(Tradução) Não menos significativo é o fato, como indicado pelo linguista Avi Hurwitz, de que grande parte da História Deutoronomista é escrita em hebraico tardio monárquico, que é diferente do hebraico dos tempos pós-exílicos[11]
Pontos semelhantes são enfatizados pelo Professor James D'Avila, da Universidade de Saint Andrews, fazendo uma comparação heurística da obra deutoronomista em comparação com a obra do historiador antigo Herodoto, de um lado, e Geoffrey de Monmouth, que basicamente é um relato legendário do ciclo arturiano :
The evidence seems pretty clear to me that the Dtr is more like Herodotus' work than Geoffrey's. There is good reason to doubt much of the account of the United Monarchy under David and Solomon. Archaeological survey points toward a small population in Judah and against a state apparatus that could have supported the sort of empire described for David and Solomon. (The new excavation in Jerusalem may or may not change this perspective. It's too early to tell.) If there was a Temple built in the time of Solomon, it probably was a more modest building than what is described and which seems to have been the template for the later temples in Judah, Elephantine, and perhaps Samaria. (TraduçãoA evidência parece bastante clara para mim que o Dtr é mais parecido com o trabalho de Heródoto do que o de Geoffrey. Há boas razões para duvidar muito do relato da monarquia unida sob Davi e Salomão. Levantamentos arqueológicos apontam para uma pequena população em Judá e contra um aparato estatal que poderia ter apoiado o tipo de império descrito por Davi e Salomão. (A nova escavação em Jerusalém pode ou não mudar essa perspectiva. É muito cedo para dizer.) Se houvesse um templo construído na época de Salomão, provavelmente seria um edifício mais modesto do que o descrito e que parece ter sido o modelo para os últimos templos em Judá, Elefantina e talvez Samaria.
Apontando os vários sincronismos e confirmações com a evidência extrabíblica e arqueológica:
 All this said, the writer of the Dtr did have some good information. Quite a number of the kings of Israel and Judah are mentioned in outside sources, and in the Dtr they always appear in the proper order, at the proper time, and in relation to the proper figures in the larger ancient Near Eastern world. A few of the episodes, such as the Egyptian King Shishak's invasion of Judea in the time of Rehoboam; the destruction of Samaria by the Assyrian King Sargon II; the Assyrian King Sennacherib's invasion of Judea in the time of Hezekiah; and the Babylonian King Nebuchadnezzar's conquest of Jerusalem, receive independent verification from extrabiblical inscriptions. And the writer knows a good many details that show that some of the sources used were pretty good. For example, the denominations of weights used for commerce which are mentioned casually in the Dtr do correspond closely to the (sometimes inscribed) weights actually excavated in Judah, only in the late Iron Age II. (TraduçãoTudo isso dito, o escritor do Dtr teve acesso a algumas boas informações. Um grande número de reis de Israel e Judá é mencionado em fontes externas, e no Dtr eles sempre aparecem na ordem apropriada, no tempo apropriado, e em relação às figuras apropriadas no mundo antigo do Oriente Médio. Alguns dos episódios, como a invasão da Judéia pelo rei egípcio Sisaque na época de Roboão; a destruição de Samaria pelo rei assírio Sargão II; a invasão da Judéia do rei assírio Senaqueribe na época de Ezequias; e a conquista de Jerusalém pelo rei babilônico Nabucodonosor recebe uma verificação independente das inscrições extra-bíblicas. E o escritor conhece muitos detalhes que mostram que algumas das fontes usadas foram muito boas. Por exemplo, as denominações de pesos usadas para o comércio que são mencionadas casualmente no Dtr correspondem de perto aos pesos (por vezes inscritos) realmente escavados em Judá, apenas no final da Idade do Ferro.

Continua

Referências Bibliográficas:

[1] Airton José da Silva: "Os Minimalistas: Pode uma história de Israel ser escrita" https://airtonjo.com/site1/minimalistas.htm, acessado em 24/11/2018.
[2] Mario Liverani (2003) Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 137
[3] Amihai Mazar (1990) Arqueologia na Terra da Bíblia: 10000-586 AC, fls 383-385.
[4] Mario Liverani (2003) Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 139
[5] Kenneth Kitchen (2003) On the Reliability of the Old Testament, fls. 34-36
[6] Mario Liverani (2003) Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 175
[7] Kenneth Kitchen (2003) On the Reliability of the Old Testament, fl. 35
[8] Israel Finkelstein e Neil Sibermann (2002) The Bible Unearthed, fl 129
[9] Mario Liverani (2003) Para Além da Bíblia, História Antiga de Israel, fl. 151-152.
[10] Eric Cline e Mark W Graham (2011), Impérios Antigos: Da Mesopotâmia à Origem do Islã, fl. 107.
[11] Israel Finkelstein, Digging for the truth: Archaelogy and the Bible, In Schimdt (2007) The Quest for the Historical Israel, fl. 14
[12] James D'Avila (2005) "Evidence for the first ("Solomonic") Temple", post de 12/08/2005, http://paleojudaica.blogspot.com/2005_08_07_archive.html, acessado em 24/11/2018.

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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

29/12/2013 - partira Birger Gerhardsson

         
           E 2013 despede-se com uma pesada baixa no corpo mundial dos estudiosos das origens cristãs: o estudioso sueco Birger Gerhardsson.
         
           Gerhardsson é amplamente famoso pela obra com a qual investiu contra postulados centrais da Crítica das Formas acerca da transmissão das tradições sobre Jesus no cristianismo nascente. Em 1961 ele lança "Memory and Manuscript: Oral Transmission and Written Transmission in Rabbinic Judaism and Early Christianity", um denso e documentado trabalho em que traça analogias entre a transmissão de tradições no judaísmo rabínico, envolvendo autoridade dos portadores delas bem como técnicas mnemônicas, além de restrições para com as expansões e margens de variações interpretativas de acordo com a referência nos portadores abalizados das tradições. Reconhecendo a posterioridade da tradição rabínica, ele enfatizava que descendiam de métodos educacionais comuns anteriores entre a escola farisaica que serviu de modelo para a igreja cristã.

           Gerhardsson advogava um sistema de transmissão formal e controlada das tradições evangélicas, com o núcleo girando em torno da figura dos Doze. Diante do que ele julgava excesso na informalidade, anonimidade e criatividade apregoados pela Crítica das Formas, ele ressaltou por demais a formalidade em sua postulação, o que fez com que sua obra criasse bastante polêmica e fosse abordada com cautela ainda pelos simpatizantes, que enfatizaram a demasiada ligação que fizera entre o farisaísmo da primeira metade do século I e as posteriores escolas rabínicas; ele fora ao longo do tempo publicando defesas ante os críticos e também revisões em alguns aspectos de sua tese, considerando que a transmissão das tradições seria um pouco mais difusa e suas fontes se expandiam para além dos Doze englobando outras correntes, numa coleção de estudos reunidas em "The Reliability of the Gospel Tradition".

           As contribuições de B. Gerhardsson para os estudos especializados se deram também em diversos outros tópicos, e destacamos algumas homenagens que recebera aqui e aqui.
       

sábado, 27 de abril de 2013

Ecce homo: O Jesus Histórico como Revolucionário Subversivo Anti Romano, de Herman Samuel Reimarus a Fernando Bermejo Rubio - Parte 1

O Professor Fernando Bermejo Rubio, do Departamento de Filologia Grega e Linguística Indo Européia da Universidade Complutense de Madrid, acaba de publicar um artigo na Bible and Interpretation que promete causar bastante debate.

Jesus expulsa os vendilhões do Templo, de Giotto (sec. XIV), Capela Scrovegni, (via wikipedia)
Why is the Hypothesis that Jesus was an Anti-Roman Rebel Alive and Well? Theological Apologetics versus Historical Plausibility
 (Porque a hipótese de que Jesus foi um rebelde contra Roma continua firme e forte? Apologética Teologica versus Plausibilidade Histórica).

A proposta de Jesus como líder revolucionário, contrário a ordem romana estabelecida não é nova. Pelo contrário, na gênese dos estudos do Jesus Histórico está o trabalho de Herman Samuel Reimarius (1694-1758), que apresenta Jesus e seus discipulos como buscando o estabelecimento de um reino terreno, subvertendo a ordem estabelecida. Bermejo-Rubio lamenta que, apesar de sua antiguidade, a tese não recebe o reconhecimento que deveria.

A tese de Rubio: Rubio fundamenta sua tese em três pilares. O primeiro, e pelo que entendemos da exposição de Rubio, o principal, é que espalhados pelos evangelhos, em fontes, camadas e formas de tradição diferentes existe numerosos elementos, que Rubio lista de a) a z), que apontam para um Jesus em conflito com Roma e seus prepostos [1]. No processo de edição e redação final dos evangelhos esses elementos foram amenizados ou distorcidos, uma vez que seus autores buscavam demonstrar que Jesus não criou problemas para Roma e foi executado por seus conflitos com a cúpula religiosa judaica. No entanto, tais elementos, mesmo que varridos para debaixo do tapete, demonstram a existência de um padrão recorrentemente atestado de tensões entre Jesus e seus seguidores contra Roma. Rubio então utiliza o critério de atestação recorrente, proposto por Dale Allison, para identificar esse conflito político como proveniente da atividade do Jesus histórico. É o primeiro pilar de sua tese. Podemos apontar e classificar alguns desses elementos da seguinte forma:
a) A própria execução: Jesus foi crucificado sob uma acusação eminentemente politica, de pretender ser o Rei dos Judeus, entre dois rebeldes.
b) As circunstâncias de sua prisão: Rubio aponta os relatos evangélicos em que Jesus é preso por um destacamento militar fortemente armado, a noite, secretamente, e como uma cilada (Mt 26:47, Mc 14:41, Lc 22:47 e  João 18:12). Lucas relata que, antes, Jesus havia solicitado que seus discipulos estivessem armados (Lc 22:35-36), e alguns deles mantinham espadas em segredo, prontos para utiliza-las (Lc 22:38 e 49 e Mc 14:47). Todos os evangelhos reportam resistência oferecida inicialmente pelos discipulos durante a prisão.
c) Comportamento de Jesus e seus discipulos em Jerusalém, antes da prisão:  A expulsão dos vendilhões do Templo, a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, a disposição de vários  discipulos, declarada antes da prisão, de morrer com Jesus, e após a prisão, seus temores de serem presos e executados. Rubio alega também que o episódio de Jesus ensinando a dar a César o que é César (Mc 12:13-17), quando lido em conjunto com Lc 23:2, 5, e 14 indica uma disposição em não pagar tributos a Roma e subverter a nação judaica.
d) Pregação e Atividade Anterior de Jesus: Professor Bermejo-Rubio destaca o inequívoco caráter politico, concreto, implícito na pregação de Jesus nos evangelhos da vinda iminente do Reino de Deus. A promessa registrada na tradição de que os díscipulos sentariam em tronos para julgar e governar as doze tribos de Israel, seria conflitante com a manutenção do governo de Roma e seus representantes, e indica uma dimensão concreta, material e imediata desse Reino, com recompensas neste mundo. O antagonismo existente entre Jesus e Herodes Antipas, que governava a Galiléia em que Jesus exercia seu ministério. Em vários ditos na tradição, Jesus limita seu ministério a Israel, com contornos nacionalistas e até chauvinistas. Outro elemento citado por Rubio é que Marcos ( 15:7) e Lucas (23:19), fazem referência a uma revolta  ocorrida pouco antes da prisão de Jesus.
e) Outros elementos incidentais nas fontes: A narrativa de infância de Lucas (capítulos 1 e 2), apresenta traços de uma disposição nacionalista, de subjugar os gentios. Em Atos 5, o movimento de Jesus é comparado por Gamaliel com os de Teudas e Judas Galileu, ambos dos quais entraram em conflito com os romanos.
O conjunto de elementos apresentados por Bermejo Rubio é bastante significativo. Em minha opinião, a proposta é interessante (embora, mais adiante, direi porque, em minha opinião, necessita de algumas ressalvas e revisões) a nos fazer lembrar do fato que Jesus foi executado pelos romanos, justa ou injustamente, por uma acusação politica, e que esse fato deve ser explicado. Como já disse o Professor Bart Erhman, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill:
"The link between Jesus' message and his death is crucial, and historical studies of Jesus life can be evaluated according to how well they establish the link. This in fact is a common weakness in many portrayals of the historical Jesus: They often sound completely plausible in their reconstruction of what Jesus said and did, but they can't make sense of his death (tradução) A relação entre a mensagem de Jesus e sua morte é crucial, e os estudos sobre a vida de Jesus podem ser avaliados em quão firme fica estabelecida essa ligação. Na verdade, essa é uma vulnerabilidade comum nos estudos sobre o Jesus Histórico: Frequetemente soam perfeitamente plausíveis em reconstruir o que Jesus disse e fez, mas não conseguem explicar por que ele foi morto. [2].
Da mesma forma, Professora Paula Frederiksen, da Universidade de Boston, enfatiza que
The single most solid fact about Jesus life is his death; He was executed by the roman Prefect Pilate, on or around passover, in the manner Rome reserved particularly for political insurectionists, namely, crucifixion. Construction of Jesus primarily of Jewish religious figure, one who challenged the authority of Jerusalem's priests, thus fit umconfortably on his very political, Imperial death (Tradução) O fato mais solidamente estabelecido sobre a vida de Jesus é sua morte; Ele foi executado pelo Prefeito Romano Pilatos, nos dias da páscoa, ou próximo deles, da forma que os romanos reservavam especalmente para subversivos politicos, ou seja,  crucificação. Portanto, reconstruções de  Jesus  primariamente como uma figura religiosa judaica, que desafiou os sacerdotes de Jerusálem, ficam desconfortáveis com essa morte tão política, imperial [3]  

 Em vários momentos falamos desse elemento político na mensagem e execução de Jesus aqui no adcummulus, em posts meusoutros do Rodrigo (informadordeopinião), e ainda outro do Flávio,  e vamos entrelaçar essas observações com a analise dos argumentos de Rubio, nas linhas abaixo.
O Reino ou Reinado de Deus, na época de Jesus, implicava no momento em que o domínio de Yahweh, que governava o céu, mas cujo domínio um dia seria plenamente estabelecido sobre a terra (seja diretamente ou por seu Messias), expectativa que se reflete, por exemplo, no Pai Nosso "venha teu Reino, seja feita tua vontade, assim na terra como no Céu"  e no Kadish "(...) Que estabeleça Seu Reino, em nossa vida e em nossos dias e na vida de toda a Casa de Israel, pronta e brevemente (...)". A recorrência do tema do Reinado de Deus nos evangelhos, multiplamente atestado em fontes e formas, é apontada pelo Professor John P. Meier (Universidade de Notre Dame).

''Uma das razões pelas quais os críticos afirmam sem vacilar que Jesus de alguma forma realmente falou no Reino de Deus (ou Reino dos Céus) é que a frase aparece em Marcos, em Q, na tradição especial de Mateus, na tradição especial de Lucas e João, com ecos em Paulo, apesar do "Reino de Deus" não ser a forma preferida de expressão desse último. Ao mesmo tempo a frase é encontrada em diversos gêneros literários (beatitudes, preces, aforismos, história de milagres). Dada a grande quantidade de testemunhos em diferentes fontes e gêneros, vindo principalmente da primeira geração de cristãos, fica bastante díficil alegar que tal material é apenas uma criação da Igreja [4].

E anteriormente, já haviamos destacado que "Metade das parábolas fazem menção ao "Reino de Deus". Jesus foi crucificado entre dois "lestai", termo que embora seja traduzido comumente como "ladrão", leva uma conotação de "revolucionário" ou "guerrilheiro". Jesus teve Cristo (Messias) incorporado a seu nome, sendo que Messias, originalmente, é um conceito que possui amplas conotações políticas, envolvendo o estabelecimento de um Reino terreno, interpretado pelos judeus no I século como o fim do jugo romano [5].

A Captura de Cristo, de Fra Angelico, 1440 (via wikipedia)
Os cristãos, reiteradamente, reinterpretaram o conceito messiânico como o de um Reino Celestial, que seria estabelecido na terra apenas no fim dos tempos. Assim, por exemplo, Justino Martir, em sua 1ª Apologia (150 DC) busca refutar a gravíssima acusação de que os cristãos buscavam estabelecer um reino (e, portanto eram desleais a César, e traidores do Império):
E quando ouvis que buscamos um Reino, imaginais, sem procurar conhecer mais a fundo, que falamos de um reino humano; quando na verdade nos referimos daquele reino que é de Deus, como na confissão de fé feita por aqueles que são acusados por serem cristãos, embora saibam que a morte é a punição imposta aqueles que assim confessam. [6]
 Podemos citar também Atos 17:7, "Todos eles estão agindo contra os decretos de César, dizendo que existe um outro rei, chamado Jesus". Ainda que, como alguns estudiosos, o leitor do adcummulus opte por descartar a historicidade desse episódio específico, resta o fato de que a acusação existia, e era eventualmente levantada contra os cristãos. Se estes tivessem sorte (como Jasom e seus companheiros na narrativa de Atos) as autoridades ficariam corretamente alarmadas (v. 8), mas diante de pessoas insuspeitas e com recursos suficientes para pagar uma fiança (v. 9), poderiam relevar as acusações, principalmente se envolvesse um grupo que incluiria mulheres de alta posição (v.4). Contudo, se a acusação fosse considerada como verossímil, o destino seria a morte, como aqueles a qual Justino se refere.

Tais fatos indicam fortemente que a mensagem de Jesus da vinda iminente do "Reino de Deus", bem como sua condenação como Reio dos Judeus foi interpretada pela autoridades como subversiva a ordem imperial e perturbadora da Pax Romana, seja qual fosse seu conteúdo ou propósito original, e que os cristãos, constrangidos e ameaçados por essa "má impressão", buscaram desfazer esse "mal entendido".
Aqui, podemos acrescentar que além do critério da atestação recorrente, Rubio utiliza também o do constrangimento, ele afirma que os elementos acima apontados:



"Christians would never have gratuitously concocted such material, which not only does not advance their kerygmatic interests, but directly runs counter them".
(Tradução) Os cristãos nunca teria inventado o material examinado acima gratuitamente, que não só não avança seus interesses querigmáticos, como os contraria diretamente.[7]
 e
A significant hint indicating that this kind of material was indeed deeply disturbing for early Christians, at least for those who wrote the Gospels or transmitted the underlying tradition, is that much of the potentially disconcerting material has been tampered with in the editing process.
Significantes indícios de que este material era, de fato, profundamente perturbador para os primeiros cristãos, pelo menos, para aqueles que escreveram os Evangelhos ou transmitido a tradição subjacente, é que grande parte do material potencialmente desconcertante foi alterado no processo de edição. [7]

Não chegariamos a ponto de dizer que seria impossível que os cristãos tivessem inventado esses elementos da tradição associada a Jesus, mas altamente improvável. Como observa Paul Winter:
 (...) As palavras da inscrição não fazem qualquer alusão ao Antigo Testamento, e portanto podem não ter sido ditados pelo desejo de regitrar as últimas horas de Jesus conforme a profecia divina. Em certo sentido, as palavras do Titulus de Pilatos eram mesmo ofensvas a apreciação que os cristãos faziam da pessoa de Jesus (...)[8]
e:
(...) os autores dos evangelhos remodelaram e adaptaram as tradições que compilaram de acordo com os pontos de vista de um público habituado a ler grego e impreganado das idéias que circulavam no Mediterrâneo - para eles, a importância de Jesus não estava no fato de ele ter sido βασιλεὺς τῶν Ἰουδαίων (O Rei dos Judeus) mas sim no fato de ele ter sido σωτήρας του κόσμου (O Salvador do Mundo). Portanto as palavras de Mc 15:26 não podem ser entendidas como ditadas pela teologia do segundo evangelista. [8] 
Como já afirmamos aqui, uma vez que  os evangelhos foram escritos entre 65-135 DC entre as duas guerras judaico-romanas. Nesse período, houveram inúmeras revoltas, provocadas por auto-proclamados "Reis dos Judeus" e "Messias", causaram a morte de (dezenas de) milhares de pessoas, dentre os quais milhares de bons soldados e cidadãos de Roma. No mesmo período, a igreja era perseguida e o cristianismo era uma seita ilegal, sendo que alguns oficiais e magistrados suspeitavam que o grupo era formado por agitadores, desleias a César e a Roma. De fato, Aristides, Quadrato, Justino Martir, Melito, Apolinario, e outros, escreveram ao Imperador da época buscando incessantemente provar que os cristãos eram leais, pacíficos e produtivos e perfeitos súditos do Império. Porque, nessas circunstâncias, os cristãos inventariam que seu líder tinha sido um Messias Crucificado, executado como um criminoso político, por magistrados romanos, sob a acusação de Alta Traição? Provavelmente, porque Jesus foi realmente crucificado, por ter sido acusado (justa ou injusta) de se auto-proclamar "Rei dos Judeus, e essas coisas eram fatos bem conhecidos (e problemáticos) que os cristãos tinham que explicar[9].

Bart Erhman, pondera na significância do fato de que tanto o critério da atestação múltipla, quando o de constrangimento apontam Jesus como tendo sido executado como Rei dos Judeus:
"Moreover, it is independent attested that the ground of execution, as found, for example, on the title placed over Jesus cross, was that Jesus called himself King of the Jews (Mark 15:26, John 19:19). Not only is this tradition multiply attested and contextually credible, it also passes the criterion of dissimilarity. For this is not a titlethat Christians themselves used of Jesus, insofar as we can tell from our surviving sources. If they didn't use this title for Jesus, why do the account claim that he was executed for using the title himself? Evidently because that's what come out at the trial.
"(tradução) Além disso, é independentemente atestado como razão da execução, como pode visto, no título colocado sobre a cruz de Jesus, que ele se auto proclamou Rei dos Jesus (Marcos 15:26 e João 19:19). Não somente é uma tradição multiplamente atestada e contextualmente crível, como também satisfaz o critério da dissimilaridade. Pois se este não era um título que os cristãos utilizavam para Jesus, porque os relatos afirmam que ele foi executado por reinvidicar esse título ? Evidentemente, este foi o resultado do julgamento
[10].
Rubio lança mão então do critério de plausibilidade histórica e adequação contextual, os elementos apontados acima correspondem a situação histórica existente na Palestina sob o domínio romano no 1° Século, principalmente naquilo que se refere ao surgimento da chamada quarta filosofia [11]. Aqui podemos utilizar a análise do Professor Steven H Rutledge, da Universidade de Maryland, que análise os relatos de prisão e crucificação de Jesus sob o ponto de vista de sua plausibilidade e verossimilha~ça em relação ao processo judicial romano do período. Routledge, inicialmente, considera tanto a possibilidade de que as narrativas podem ser resultado do que realmente ocorreu com Jesus no tempo de Pilatos ou, por outro lado, terem incorporado anacronismos resultantes do período de sua copmposição e edição das narrativas evangélicas, no período ou posteriormente a destruição de Jerusalém em 70 DC. Rutledge identifica vários elementos verossimilares encontrados nos evangelhos, capazes de perturbar Pôncio Pilatos e levar a prisão e execução de Jesus:
"There was considerable more to the charges than Jesus' followers who wrote de gospels  were inclined to report: from the Roman (as well as jewish) perspective there was real reason for Pilate to arrest and execute Jesus. If the gospel account is credible. Among other offenses were Jesus' receipt of the title of King, his blatant identification , in various ways, with the messianic movement. Moreover Herod Antipas attempt to destroy Jesus and his followers, even before he left Galilee, apperas to indicate that there was surely a movement , early on, which the authorities perceived as subversive in its intent. In addition, Mark's (2:13-17) and Luke (23:2-5, 23:14) gospels indicate Jesus' stand against payment of Roman Tribute" (traduçãoHavia bem mais no que se refere as acusações contra Jesus que seus seguidores que escreveram de evangelhos estavam inclinados a relatar: na perspectiva romana (e também como judia) havia razão real para Pilatos para prender e executar Jesus. Se os relatos evangelicos  são críveis, entre outros crimes, o fato de Jesus ter recebido o título Rei, e sua identificação flagrante, de váriadas maneiras, com o movimento messiânico. Além disso, a tentativa de Herodes Antipas  de destruir Jesus e seus seguidores, mesmo antes deles deixarem a Galiléia, indicar que houve certamente um movimento, que desde seu início, as autoridades perceberam como tendo intenções subversivas. Além disso, os evangelhos de Marcos (2:13-17) e Lucas (23:2-5, 23:14)  indicam a posição de Jesus contra o pagamento do tributo romano [12].
Além dos elementos de natureza eminentemente política, Routledge aponta outros detalhes, a príncipio associados com a atuação de jesus como líder religioso, que poderiam ter contado para sustentar uma condenação:
It is also tempting to append to these charges those of magic pratices, a serious offense always, but in particular if such practices were perceived as employed for seditious purposes (...) One more item that will have weighed in balance against Jesus was his role as prophet, something which, as Potter has noted (1994, 171-182), the roman authorities did not dismissed lightly (...) it worth remember, moreover, that Jesus had acted in a manner with potentially explosive implications  for both local jewish and the roman civil authorities - entering the city in a manner to assert his identity as the messiah, overtunning the tables of the money changers in the temple duting passover (possibly)threatening the destruction of the Temple, and arming his followers the night before the arrest (tradução) Também é tentador somar a essas acusações  a de prática de magia, sempre um crime grave, mas especialmente se tais práticas eram vistos como empregadas para fins sediciosos (...) Outro item a pesar na balança contra Jesus era seu papel como profeta, algo que, como observou Potter (1994, 171-182), as autoridades romanas não menosprezavam (...) Adicionalmente, não podemos esquecer algumas atividades de Jesus com implicações potencialmente explosivas, tanto para autoridades civis romanas e judaicas locais - entrando na cidade de uma forma de afirmar a sua identidade como o Messias, derrubando as mesas dos cambistas no templo durante a páscoa (e possivelmente) a ameaça de destruição do Templo, e armar seus seguidores a noite antes da prisão. [12]
A captura de Cristo e o Episódio de Malco, Gerard Douffet
1620, Museum of Fine Arts, Boston, via wikipedia. 
Mas e se parte, ou muitos, ou quase todos, ou mesmo todos os elementos apontados não poderiam ser resultado do processo de composição dos evangelhos, não tendo correspondência real com a execução de Jesus no ano 30? Rutledge responde a essa pergunta utilizando as implicações do critério de plausibilidade histórica:
"Yet, what if we choose to see most of the charges as anachronistic and to read them in light of all that had passed between the time of Jesus and the composition of the gospels? That may matter but little: even if we allow that just one of the charges against him was accepted, there will be a strong case. And dismissing the charges wholesale as anachronistic may be wrongheaded, considering that in a number of details of Jesus life the gospels are in general agreement (such as magic pratices, which need not to be anachronistic - there were plenty of magicians running about the empire and they were viewing with suspicion by the authorities). In a somewhat peculiar twist, hovewer, the very anachronisms that may have found their way into the gospels appear in legal (and roman) terms to construct an overwheelming case against Jesus" (tradução) Mas, e se optarmos por considerar a maior parte dessas acusações como anacrônicas e lê-las à luz de tudo o que se passou entre o tempo de Jesus e da composição dos evangelhos? Isto pode até ser relavante, mas pouco: se admitirmos que apenas um das acusações contra ele seja verdadeira, já seria suficiente para um caso consistente. E rejeitar inteiramente esses elementos acusatórios como anacrônicos é possivelmente equivocado, considerando que uma série de detalhes da vida de Jesus nos evangelhos estão em concordância entre si  (tais como práticas de magia, que não precisam ser anacrônicas- havia muitos mágicos que exerciam seu ofício no império, e que estavam sujeitos a desconfiança das autoridades). Em uma desdobramento um tanto peculiar, entretanto, os mesmos anacronismos que supostamente teriam sido incorporados aos evangelhos constituiriam em termos legais (e romanos) acusação arrasadora contra Jesus[12] 
Assim, foram apontados acima por Rubio e Rutledge uma série de detalhes nas narrativas evangélicas que indicariam atividades consideradas pelos romanos como subversivas ou, no mínimo, fonte de preocupação. É possível que parte tenha origem no ministério de Jesus, e é possivel que parte tenha se originado do desenvolvimento das narrativas evangélicas nas décadas seguintes, sendo extremamente complicado decidir entre as duas alternativas. No entanto, muitos desses elementos são recorrentemente e multiplamente atestados, ou seja, existem em várias correntes de tradição e devem ser anteriores a ela. Além disso, são plausíveis no contexto, ou seja, fazem sentido na Galiléia e Judéia dos anos 30 DC, sob domínio romano em uma atmosfera de tensão messiânica e apocaliptica, mais do que fariam em grandes centros urbanos, cosmopolitas e plenamente integrados ao Império, como Roma, Éfeso, Antioquia ou Alexandria. Por fim, existe um movimento claro nos Evangelhos em particular e no Novo Testamento em geral de evitar problemas como Roma, então porque inventar detalhes comprometedores sobre Jesus, que levariam a suspeita das autoridades?
Nesse sentido, é nítido nas narrativas evangélicas a tendência de "absolver" Pilatos e o poder romano "não acho culpa alguma nesse homem (Lucas 23:4)" e "(...) Pilatos respondeu: Levem-no vocês e crucifiquem-no. Quanto a mim, não encontro base para acusá-lo" (João 19:6) e culpar os líderes judeus: "Finalmente Pilatos o entregou a eles para ser crucificado" (João 19:16), e "Então Pilatos decidiu fazer a vontade deles. Libertou o homem que havia sido lançado na prisão por insurreição e assassinato, aquele que eles haviam pedido, e entregou Jesus à vontade deles" (Lucas 23:23), cujas razões seriam inteiramente religiosas. Paulo exorta os crentes de Roma (Romanos 13) a respeitarem e se submeterem aos magistrados e autoridades, ordenados por Deus, apesar deles saberem que os magistrados haviam crucificado Jesus (I Cor. 2:8) e prendido o próprio Paulo (Filipenses 1:7-13), explicando prontamente que essas coisas aconteceram porque as autoridades eram ignorantes dos propósitos de Deus em Jesus, pois se os tivessem conhecido jamais o teriam executado; assim como a prisão do apóstolo, em Cristo, tinha um propósito divino de contribuir para o progresso do evangelho, e permitindo-lhe testemunhar junto a guarda pretoriana.

Então porque inventar elementos que apontariam para um juízo político? Provavelmente, porque, em sua maioria, detalhes como os apontados por Rubio e Rutledge acima, referem-se aos fatos do julgamento de Jesus, que eram conhecidos e deveriam ser explicados. É sempre possível imaginar elementos da narrativa inventados com o objetivo de dissipar suspeitas de subversão, mas que tenham tido o efeito contrário, em que a "emenda tenha saído pior que o soneto", mas é muito improvável que isso seja aplicável para todos os casos, e mesmo para a maioria desses elementos.  Ou seja, tais elementos vão na contramão das tendências editoriais, e são em muito casos perigosos para os primeiros cristãos, que volta e meia tinham de se explicar perante as autoridades (É verdade que o líder de vocês foi executado por alta traição por um governador romano, por ter se proclamado Rei? E lá na Judéia, aquele lugar que vive se revoltando? Sabe, meu irmão morreu lá lutando contra um tal de "Messias". E o que é esse Reino que vocês tanto falam?). Assim, tal padrão é talvez o caso mais cristalino de aplicação do critério do constrangimento.    
Os outros dois pilares da tese de Rubio são o poder explanatório da hipótese e a falta de alternativas concorrentes [13]. O segundo ponto é basicamente uma expansão dos argumentos utilizados no primeiro pilar, uma vez que os elementos de tensão com Roma não teriam sido inventados, e são tão recorrentemente atestados, e dada sua plausibilidade e adequação ao contexto, ele se tornam a melhor explicação para a crucificação de Jesus como Rei dos Judeus, o fato mais sólido de sua vida. Em consequência, se Jesus foi executado como um rebelde político, e a análise histórica demonstra feitos e palavras que se encaixam no padrão de ação de um rebelde político, a melhor explicação para os fatos é de Jesus foi um rebelde político. O terceiro ponto de Rubio é de que nenhum outro perfil de Jesus explica tanto os fatos como o de um rebelde contra Roma [13].
Subversivos ontem e hoje: Será que existem paralelos no tempo de Jesus e do passado recente pode nos auxiliar a entender sua execução por motivos políticos? O que os messianistas e apocalipticos judeus do século I, e os comunistas brasileiros do século XX tem a ver com isso? Veremos isso no próximo post.
Referências Bibliograficas:

[1] Fernando Bermejo Rubio (2013): Why is the Hypothesis that Jesus was an Anti-Roman Rebel Alive and Well? Theological Apologetics versus Historical Plausibility, em Bible and Interpretation (http://www.bibleinterp.com/articles/2013/ber378008.shtml), abril de 2013, acessado em 13.04.2013.
[2]  Bart Erhman (2001), Jesus Apocalyptic Prophet of the New Millenium, fl. 208
[3]  Paula Frederiksen (2000), Jesus the King of the Jews, A Jewish Life in the Emergenge of Christianity, fl. 8.
[4] John P Meier (1991), Um Judeu Marginal, Repensando o Jesus Histórico. Volume 1 , fl. 177
[5] maiores detalhes no post "A Significância de Jesus e a Escala Richter de Impacto Histórico: O Rei dos Judeus entre os Revolucionários".  http://adcummulus.blogspot.com.br/2011/06/significancia-de-jesus-e-escala-richter.html
[6] Justino Martir (150-160 DC), 1ª Apologia, capítulo 11 (parafráse própria da tradução em inglês de Robert-Doneldson), disponivel em http://www.earlychristianwritings.com/justin.html, acessado em 24.04.2013
[7] Fernando Bermejo Rubio (2013): Why is the Hypothesis that Jesus was an Anti-Roman Rebel Alive and Well? ..., Bible and Interpretation
[8] Paul Winter (1974)Sobre o Processo de Jesus, fl. 217-219
[9] maiores detalhes no post "Jesus e os Fariseus, Inimigos Mortais? Você Precisa Rever os seus Conceitos", nota 3, http://adcummulus.blogspot.com.br/2009/07/jesus-e-os-fariseus-inimigos-mortais.html
[10] Bart Ehrman (2001), Jesus Apocalyptic Prophet of the New Millenium, fl. 222-223
[11] Fernando Bermejo Rubio (2013): Why is the Hypothesis that Jesus was an Anti-Roman Rebel Alive and Well? ..., Bible and Interpretation
[12]  Steven Rutledge (2001), Imperial Inquisitions Prosecutors and Informants from Tiberius to Domitian, fl. 74-75
[13] Fernando Bermejo Rubio (2013): Why is the Hypothesis that Jesus was an Anti-Roman Rebel Alive and Well? ..., Bible and Interpretation.
  


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