Mostrando postagens com marcador Constantino. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Constantino. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Anotações AdCummulus 013 "Os da Casa de César Te Saudam - Parte 7 - Soldados de Cristo

Em nossa série sobre o processo de expansão do cristianismo no Império Romano, e sua capilaridade nas elites do Império, discutimos de alguns casos precoces de conversão ainda no primeiro século (um deles, possivelmente, o próprio Erasto de Corinto, citado em Romanos 16:23).  Escravizados libertos que se tornaram influentes nos círculos imperiais já no final do século II e início do século III e, no mesmo período, participantes na administração imperial em Roma e nas províncias. A virada para um governo favorável ao cristianismo foi prenunciada 100 anos antes de Constantino na corte do Rei Abgar VIII de Edessa, com seus conselheiros Bardasanes e Julio Africano. Apesar dessa infiltração e progressão nas elites do Império, o cristianismo ainda era um culto não reconhecido pelas autoridades, citado por Tácito, Plínio e Suetônio como uma superstitio (superstição) "nova" e "prada" (perigosa), perigosa justamente por ser nova, o que se evidencia na perseguição intermitente, que surge aqui e ali em locais e períodos específicos, que levaram a prisão, tortura e martírio. Por fim, tratamos das primeiras evidências materiais do cristianismo, na forma de inscrições funerárias de líderes religiosos e de uma das mais antigas igrejas do mundo, justamente em quartel de uma legião romana. E é nas legiões romanas, que emergem alguns dos mais eloquentes registros dos antigos cristãos, como veremos a seguir..

Os cristãos primitivos e o exército romano

Francisco Trevisani (1709), 
Por volta do final do século II, Tertuliano, descreve o caso de um soldado cristão, que tendo sido honrado com os louros da vitória por seus comandantes, teve de recusar as honras pagãs, sendo objeto de zombaria, destituído de seu posto, preso e martirizado:

Enquanto a generosidade de nossos mais excelentes imperadores era distribuída no acampamento, os soldados, coroados de louros, aproximavam-se. Um deles, mais soldado de Deus, mais firme que os demais irmãos, que imaginara poder servir a dois senhores, só com a cabeça descoberta, a coroa inútil na mão - já até por aquela peculiaridade conhecida de todos como cristão - era nobremente visível. Assim, todos começaram a marcá-lo, zombando dele à distância, rangendo-o perto dele. O murmúrio é levado até a tribuna, quando a pessoa acaba de deixar a hierarquia. O tribuno imediatamente lhe pergunta: Por que você está tão diferente em suas roupas? Ele declarou que não tinha liberdade para usar a coroa com os demais. Sendo questionado com urgência sobre suas razões, ele respondeu:   Sou cristão [1]


Tertuliano crítica, portanto, cristãos alistados em legiões, pois, mais cedo ou mais tarde, teriam que participar de cerimonias, juramentos, ou até honrarias, em que haveria rituais pagãos, além do status ilegal da fé cristã.  No entanto, os evangelhos descrevem Jesus curando o servo de um centurião (Mateus 8:5-13 e Lucas 7:1-10, uma perícope possivelmente parte de uma fonte comum, anterior aos dois evangelhos, a fonte Q), bem como Pedro prega ao centurião Cornélio e sua família (Atos 10).  Além disso, em sua Apologia, ele atesta que já no tempo do Imperador Marco Aurélio (161 - 180 DC), muitos cristãos serviam o exército romano.

Longe disso, nós, pelo contrário, trazemos diante de vocês aquele que foi seu protetor, como vocês verão examinando as cartas de Marco Aurélio, o mais grave dos imperadores, nas quais ele presta testemunho de que aquela seca germânica foi removida. pelas chuvas obtidas através das orações dos cristãos que por acaso estavam lutando sob seu comando [2]

O episódio referido por Tertuliano, ocorreu em uma campanha do Imperador nas proximidades do rio Danúbio, provavelmente na atual Eslováquia, contra os QuadiProfessor Ronald Syder, do Palmer Theological Seminary (1939-2022) assim descreve o evento:

"In approximately AD 173, Marcus Aurelius Antoninus, Roman emperor from 161-80, and his troops experienced a "miraculous" victory over a vastly larger army of German invaders near the Danube River. Much about the incident is uncertain. But credible Christian and Roman sources tell of an unexpected rainstorm and thunderstorm that saved the exhausted, third-stricken, vastly outnumbered Roman army. We have even discovered a column erceted in Rome sometime after AD 176 that depicts miraculous weather, must have occured. Whereas the Roman sources attribute the miracle to pagan gods, almost all Christian writers say the miracle was the result of the prayers of Christian soldiers in the emperor's army. (Tradução) Aproximadamente em 173 d.C., Marco Aurélio Antonino, imperador romano de 161-80, e suas tropas experimentaram uma vitória "milagrosa" sobre um exército muito maior de invasores alemães perto do rio Danúbio. Muito sobre o incidente é incerto. Mas cristão confiável e Fontes romanas falam de uma tempestade inesperada e trovoada que salvou o exército romano exausto, sofrendo de sede e em grande desvantagem numérica. Foi descoberta uma coluna erguida em Roma algum tempo depois, em 176 DC, que retrata uma virada de tempo milagrosa, que deve ter ocorrido. Enquanto as fontes romanas atribuem o milagre a deuses pagãos, quase todos os escritores cristãos dizem que o milagre foi o resultado das orações dos soldados cristãos do exército do imperador [3]


O relato cristão mais antigo do evento é o do Bispo Apolinário Cláudio, de Hierapólis (atual Pamukale, Turquia), que no ano 177 DC escreveu uma Apologia (defesa) da fé cristã ao Imperador Marco Aurélio, evocando a experiência daquele  Imperador com suas tropas anos antes, atribuindo a vitória as orações dos soldados cristãos de uma de suas legiões. A Apologia de Apolinário não sobreviveu aos tempos atuais, mas fragmentos contendo a história foram preservados por citações na História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia. O relato de Apolinário é ainda mais relevante pois a legião envolvida, a XII Fulminata, estava estacionada nessa época em Melitene, na Capadócia (atual Turquia), região vizinha da Frígia, onde ficava Hierapólis. De toda forma, Cassio Dio, um dos principais autores da Roma Imperial, escrevendo entre 220-230 DC, atribui o milagre a ação de um mágico egípcio, que acompanhava o exército romano. 

Two of the Christian sources (Tertullian and Apollinarius) are dated within twenty-five years of the event. Both these Christian authors say the Christian soldiers were from the Twelfth Legion (Legio XII Fulminata), normally stationed at Melitene in Armenia (Central Turkey today). We known from epigraphical evidence that parts of this legion were in the Danube region at this time. We also Known that were christians in the area of the legion's home base. Also significant is the fact that Apollinarius was bishop at this time, in a area not too far from the legion's home base. It is highly likely, therefore,  that were Christian soldiers present at this important battle" (Tradução)  Duas das fontes cristãs (Apolinário e Tertuliano) são datadas de até vinte e cinco anos após o evento. Ambos os autores cristãos dizem que os soldados cristãos eram da Décima Segunda Legião (Legio XII Fulminata), normalmente estacionada em Melitene, na Armênia. (Turquia Central hoje). Sabemos por evidências epigráficas que partes desta legião estavam na região do Danúbio nesta época. Também sabíamos que havia cristãos na área da base da legião. Também significativo é o fato de Apolinário ser bispo nesta altura, numa área não muito longe da base da legião. É altamente provável, portanto, que soldados cristãos estivessem presentes nesta importante batalha" [3]

É bastante plausível que uma tropa cercada, sem suprimentos, em território hostil e inferior em número frente ao inimigo, pressentindo uma derrota iminente (e com risco de ser massacrada), apele a intervenção divina. Considerando a composição multiétnica e multireligiosa das legiões, provavelmente varias divindades foram invocadas. Os cristãos presentes certamente buscaram a intervenção divina no evento, e interpretaram os acontecimentos como milagre. Marco Aurélio era um estóicoCerca de 150 anos antes, o Apóstolo Paulo usa em seu sermão no Areópago em Atenas (Atos 17) o conceito de Deus naquele que "vivemos, movemos e existimos, e de que também somos geração", encontrado nos filósofos gregos Epimenides, Arato, e Cleanto. e a visão religiosa do Imperador pode ser aproximada a essa concepção, conforme Professor Peter Kovacs, da Universidade Católica Pázmány Péter de Budapeste "Uma divindade abstrata, que se adequa perfeitamente com as atitudes de Marco Aurélio, como evidenciado, por exemplo, pelo Imperador Filósofo após sua vitória no ano 171" [4].  

Há também evidência arqueológica sólida de que cristãos serviam o exército já no início do século III. Como já mencionamos em um post anterior desta série, cerca de 60 anos depois dos eventos envolvendo a XII Fulminata e o Imperador Marco Aurélio, por volta de 230 DC,  temos evidência clara de soldados cristãos e seus familiares que se reuniam na base da VI Legião, em Megido (Israel), como o centurião Gaiano e Aktepous (possivelmente uma viúva), que dedica um memorial ao "Deus Jesus Cristo", no que é um das mais antigos santuários cristãos conhecidos.

Além disso, a XII Fulminata tinha sua base geográfica no que hoje é a atual Turquia,  numa das áreas de maior concentração de cristãos. Como observamos aqui no adcummulus em um post anterior desta série, sobre o magistrado romano Marcos Demetrianos 

"(...)  A região formada pelas antigas províncias romanas da Ásia Menor, Frigia, Galácia, Bitínia e Ponto, Cilícia e Capadócia, correspondente a atual Turquia, constitui, possivelmente, a mais relevante fronteira de expansão do cristianismo primitivo. Conforme Atos dos Apóstolos, a primeira, segunda e terceira viagem missionária de Paulo atravessaram estes territórios. Paulo estabeleceu residência por alguns anos em Éfeso, e escreveu aos Gálatas. O apocalipse foi dirigido "às sete igrejas da Ásia". Mesmo considerando textos do Novo Testamento cuja autoria seja questionada pela maior parte dos estudiosos, como  a carta de Paulo a Igreja de Colossos (50-80 DC) e 1ª Pedro (80-110 DC), que faz menção aos peregrinos do Ponto, Ásia, Galácia, Capadócia e Bitínia, se infere a presença de congregações estabelecidas e capilarizadas no final do século I DC".

Plínio, o Moço, em sua carta ao Imperador Trajano, ainda no ano 110 DC, alerta em relação ao crescimento da "superstição" cristã na Bitínia, "especialmente devido ao número de pessoas que estão em perigo; pois há muitos de todas as idades, de todas as classes e de ambos os sexos, que agora e no futuro provavelmente serão chamados a prestar contas e estarão em perigo; pois esta superstição se espalha como um contágio, não apenas nas cidades e vilas, mas também nas aldeias rurais, que ainda assim há motivos para esperar que possam ser interrompidas e corrigidas". 

O número de inscrições funerárias com algum indício cristão nessas regiões da atual Turquia era muito elevado já no século III, evidenciando que constituíam parte significativa da população, que torna plausível que uma legião ali estacionada tivesse um número significativo de cristãos alistados.  Frank Tombley (1947-2015), que foi professor da Universidade de Cardiff, observa que a maior parte das inscrições cristãs pré-constantinianas se concentram na cidade de Roma, na Frígia, no Norte da África e nas proximidades de Siracusa (Sicília) [5]. Na cidade de Eumêneia (Frígia), a julgar pela evidência epigráfica das inscrições funerárias, o número de cristãos superava o de pagãos no final do III século, tendo cunhado inclusive uma fórmula particular "ele comparecerá diante do Deus vivo". [5]. Por exemplo, em Eumeneia temos a tumba de Aurélio Manos, soldado que chegou ao posto de draconário ( que carregava o dragão, o estandarte das tropas de cavalaria), datada entre 275-300 DC.

Aurélio Niceros segundo preparou esse santuário para ele, sua esposa e seus filhos, e eu fiz meu próprio santuário. Aqui jaz Aurelius Manos, soldado, cavaleiro, arqueiro e portador do estandarte do dragão no estado-maior do mais destacado general Castorius Constans. E quem cuida deste túmulo, você está sobre os olhos de Deus.[5]

A inscrição acima, e as demais citadas nesse post podem ser consultadas na excelente database no site  Christian soldier – Database of Military Inscriptions and Papyri of Early Roman Palestine, mantida pelo Professor Christopher Zeichmann, da Universidade Metropolitana de Toronto, e sua equipe. As inscrições e outros monumentos antigos são publicadas e atualizados periodicamente no Monumenta Asiae Minores Antiqua(MAMA).

Anteriormente, já haviamos discutido inscrições comuns nas áreas rurais da Frígia, com a fórmula "cristãos para cristãos", bem como trazido o trabalho do Professor Stephen Mitchell,(Universidade de Swansea, 1948-2024), citado por Willian Tabernee, indica que na Galácia, perto das cidades de Lista e Derbe (Atos 14), um grande número de inscrições cristãs, muitas com datação anterior a 260 DC (Mitchell 1993, 2:58-59), foram encontradas nas proximidades do Vale do Rio Çarşamba (MAMA 8.100, 116, 118–20, 131, 158–59, 161–65, 167, 199). Uma análise desta e de outras inscrições da área demonstrou que aproximadamente um terço da população deste região específica era cristã antes de 260, aumentando para 80 porcento durante o quarto século (Mitchell 1993, 2:58). Isto é comparável com as estatísticas do Vale do Tembris Superior na Frigia onde as inscrições "de cristãos para cristãos" foram produzidas e onde 80 por cento das sepulturas datadas entre 280 a 310 indicam explicitamente cristianismo.

Assim, boa parte da evidência referente a soldados cristãos surge justamente nessas mesmas regiões.

Marcus Julius Eugenius - Soldado, magistrado, perseguido, torturado, bispo. 

Professor Frank Tombley, reflete sobre a consolidação dos cristãos nos círculos da elite romana ao longo do século III, particularmente no período da Tetrarquia instituída por Diocleciano (284-305 DC).

"In the waning years of tetharchy, there were christians in every sector of social, economic and cultural life. Christians grammarians, rhetoricians and philosophers - like Arnobius of Sicca, Lactantius and Gregory Thaumaturgus practised their professions at important urban centers. Men of grammatical education served as civil servants (Caesarini) in the offices of the imperial palaces, provincial governments ans imperial estates (tradução) Nos últimos anos da tetrarquia, havia cristãos em todos os setores da vida social, econômica e cultural. Gramáticos, retóricos e filósofos cristãos - como Arnóbio de Sicca, Lactâncio e Gregório Taumaturgo exerceram suas profissões em importantes centros urbanos. Homens de educação gramatical serviram como funcionários públicos (Caesarini) nos escritórios dos palácios imperiais, governos provinciais e propriedades imperiais.[6]

Marcos Júlio Eugênio era um desses homens. Natural de Laodicéia Combusta (atual Turquia), era de uma família de elite provincial, casado com a filha de um senador romano, detentor de carreira irretocável no exército e no staff do governador da província, até que foi atingido pela grande perseguição. Após ser torturado e ter que deixar a carreira militar por sua fé, Eugênio se dedica ao serviço da Igreja. Sabemos disso através de uma inscrição funerária extremamente detalhada.

 Marco Júlio Eugênio, filho de Cirilo Celer de Cuesso, membro do senado de Laodicéia, tendo servido ao governador da Pisídia e tendo se casado com Flávia Júlia Flaviana, filha de Caio Júlio Nestório, um homem de posição senatorial romana; e tendo servido com distinção; e quando, entretanto, foi dada a ordem no tempo de Maximino de que os cristãos deveriam oferecer sacrifícios e não abandonar o serviço, tendo suportado muitas torturas sob Diógenes, governador da Pisídia, e tendo conseguido abandonar o serviço, manter a fé dos cristãos; e tendo passado um curto período na cidade dos laodicenses; e tendo sido feito bispo pela vontade de Deus Todo-Poderoso; e tendo administrado o episcopado por 25 anos completos com grande distinção; e tendo reconstruído desde sua fundação toda a igreja e todos os adornos ao redor dela, consistindo de pórticos, quadripórticos, pinturas, mosaicos, uma fonte e um portão externo; e tendo-o mobiliado com toda a construção em alvenaria e, em uma palavra, com tudo; e estando prestes a deixar a vida deste mundo; fiz para mim um pedestal e um sarcófago nos quais fiz gravar o acima exposto, para distinção da igreja e da minha família. [7 ]

A inscrição funerária é uma biografia de Marcos. E há dois momentos distintos. Primeiro, é narrada sua carreira militar e política, interrompida pela grande perseguição. Após aqueles eventos, Marcos se torna um líder religioso, dedicando 25 anos ao episcopado. Ele descreve ter reconstruído o santuário e feito várias melhorias as suas expensas, indicando sua origem abastada, na elite romana.

Professores Cilliers Breytenbach (Universidade Humboldt, Berlin) e Christiane Zimmermann (Universidade de Kiel), observam alguns dos principais pontos da inscrição, como a origem nobre da família de Marcos, que deve ter ascendido a cidadania romana no século I DC (o nome "Julius" indica que a cidadania da família foi obtida sobre os imperadores Julio-Claudianos, que governaram entre 30 AC e 68 DC), "Eugenio", significa de "nobre descendência" em grego, e seu pai ter sido um "decúrio", um membro do conselho municipal, cargo que demandava uma boa condição financeira, já que frequentemente financiavam obras e serviços públicos para a população local (como já explorado no adcummulus aqui). Marcos se casa com a filha de um senador romano, que é outra evidência de prestígio.   

The inscription is divided in two parts, starting with the political career of Marcus Iulius Eugenius in Pisidia and ending with his career in the congregation of Laodicea. Marcus Iulius Eugenius was probably born into a Christian family of high standing; his family was granted citizenship under the Iulii, but the cognomen Εὐγένιος (of noble descent), tha served to identify him reflects the Greek-speaking environment. The father of Marcus Iulius Eugenius, Cyrillus Celer,  βoνλευτηζ (decurio), most probably in one of the Pisidian cities, must have met the minimum financial requirements for rising to such an office. Probably he was a owner of an estate in the countryside close to Laodicea, enjoying the new lifestyle of the wealthy curiales. from the 3rd century on, many of them left cities, preferring to live on their country estates. The marriage between his son Eugenius and the daughter of a σύγκλητος (senator) would have been attractive for both families of the local ruling class. 

(Tradução): A inscrição é dividida em duas partes, começando com a carreira política de Marco Júlio Eugênio na Pisídia e terminando com sua carreira na congregação dhe Laodicéia. Marco Júlio Eugênio provavelmente nasceu em uma família cristã de alta posição; sua família recebeu cidadania sob os Iulii, mas o cognome Εὐγένιος (de ascendência nobre), que serviu para identificá-lo, reflete o ambiente de língua grega. O pai de Marco Júlio Eugênio, Cirilo Celer, βoνλευτηζ (decurio), muito provavelmente em uma das cidades da Pisídia, deve ter cumprido os requisitos financeiros mínimos para ascender a tal cargo. Provavelmente ele era dono de uma propriedade no campo perto de Laodicéia, aproveitando o novo estilo de vida dos ricos curiales. A partir do século III, muitos deles deixaram as cidades, preferindo viver em suas propriedades rurais. O casamento entre seu filho Eugênio e a filha de um σύγκλητος (senador) teria sido atraente para ambas as famílias da classe dominante local. [8]

Nós abordamos aqui no adcummulus aqui e aqui, referente as perseguições aos primeiros cristãos entre o incêndio de Roma em 64 DC e o início do século III. O cenário posterior foi de bastante tranquilidade para os cristãos nas primeiras décadas do século III, até a ascensão de Décio (249-251 DC). Conforme descreve o Professor Pierre Cabanes (1930-2023), da Universidade Paris X Nanterre, "é o Imperador Décio que retoma com toda força a perseguição em meados do século III, ordenando a todos os cristãos que sacrifiquem aos deuses de Roma. Depois de uma interrupção de 251 a 257, a perseguição é retomada. O Imperador Galieno instaura uma era de tolerância, reconhecendo a propriedade eclesiástica, e esta calma se prolonga por quarenta anos, até 303" [9]. Assim, os cristãos tinham se beneficiado de quase um século de relativa tranquilidade, subitamente interrompida com a grande perseguição de Diocleciano. Cabe observar que a perseguição se iniciou cerca de 20 anos após Diocleciano ascender ao trono,  período em que o cristianismo se expandiu e se consolidou na sociedade romana. Ainda segundo Cabanes, "Diocleciano publicou então quatro editos de perseguição que proíbem o culto cristão, ordena a destruição das igrejas, a prisão dos membros do clero, a libertação daqueles que abjuraram e a condenação à morte dos outros. O último impunha um sacrifício geral aos deuses pagãos. As vítimas contam-se aos milhares; a perseguição era mais ou menos violenta segundo as regiões, prolongando-se no Oriente até 312" [9].  

Os quatro tetrarcas. Escultura em Pórfiro,
Basílica de São Marcos,Veneza, Itália
via wikicommons 


 Diocleciano havia estabilizado o Império após décadas de crise política, administrativa e militar, instituindo um regime chamado Tetrarquia. Diocleciano era o líder último do Império, mas, em 286 DC, transferiu, com sucesso, as responsabilidades da parte ocidental para Maximiano. Diocleciano era um exímio soldado. Maximiano um bom político. Em 293 DC, eles acordaram em indicar um alterno, uma espécie de "imperador auxiliar" para cada metade do Império, tendo Maximiano escolhido Constâncio Cloro (pai de Constantino),  e Diocleciano optado por Galério. Diocleciano e Maximiano tomaram o título de "Augusto", e seus auxiliares Constâncio e Galério seriam "césares". Tentavam resolver dois problemas, primeiro facilitar a administração de um Império sujeito a ameaças militares em várias partes de suas fronteiras simultaneamente, e extremamente vasto em sua extensão e burocracia. Nesse sentido, os tetrarcas estabeleceram capitais em lugares próximos a fronteira, como Constâncio Cloro que ficava em Augusta Treverorum (Trier, atual Alemanha), nas proximidades do Reno, e Galério que foi para Sirmium (atual Sremska Mitrovica, Sérvia), na fronteira do Danúbio. Segundo, esperavam tornar a transição de poder mais suave, tendo os imperadores o controle de sua própria sucessão. Em 305 DC, Diocleciano e Maximiano se aposentaram,  e Galério e Constâncio Cloro se tornaram co-imperadores, que por sua vez indicaram Maximino Daia e Severo II. Contudo, com a morte de Constâncio Cloro em 306, todo o arranjo colapsou, já que as legiões da Gália e da Britânia (atuais França e Inglaterra) aclamaram Constantino (filho de Constâncio) como Imperador, e vários outros, geralmente filhos de "augustos" ou "césares" anteriores fariam movimentos semelhantes nos anos seguintes.

Nesse sentido, é relevante que Marcos Eugenio relate que seus problemas começaram com Maximino Daia, que se tornou Augusto sobre o Leste do Império apenas em 310,  e não com a grande perseguição sobre Diocleciano (303-305 DC).  Os cristãos do início do século terceiro, perceberam rapidamente que os governantes conduziram os editos de perseguição de forma diferente em seus territórios. Em áreas como a Gália (França) e Britânia (Inglaterra), sob Constâncio Cloro e seu filho Constantino, houve algumas igrejas derrubadas e livros queimados, mas com pouquíssimos casos de prisão ou martírio, enquanto no Egito e Siria a perseguição foi intensa e durou quase 10 anos, no resto do Império a situação foi mais fluída. Assim adotaram estratégias para sobreviver durante esse tempo, embora alguns tenham se apresentado as autoridades espontaneamente, a maioria frequentemente fugia de uma parte para outra do Império nos momentos de maior intensidade, lançava mão de conexões ou laços familiares, além de evitar uma postura de confronto. Alguns até subornaram autoridades (ou foram extorquidos). Não resta claro como Eugênio conseguiu evitar a perseguição por alguns anos, até porque estava "no olho do furacão), servindo diretamente ao governador da província como oficial militar.  De qualquer forma, quando se tornou inevitável a perseguição e ao ser obrigado a sacrificar, Eugênio desobedeceu a ordem imperial, e foi duramente punido por isso. Diante, porém da iminência da prisão, tortura e morte, havia a opção de sacrificar aos deuses ou sofrer as consequências.  Pouco tempo depois, em 313 DC, Maximino Daia faleceu, e os Editos de Serdica (311) e Milão (313), passaram a vigorar em seus territórios, cessando completamente a perseguição, com o restabelecimento dos direitos dos cristãos. 

Professora Claudia Rapp, da Universidade Viena, pontua que Eugênio "explorou todas as oportunidades de ascensão disponíveis para alguém de  sua condição social", com um cargo respeitado na burocracia provincial, além de um casamento prestigioso com a filha de um senador, que "deve ter sido um motivo de especial orgulho, pois Júlio Eugênio se dá o trabalho de mencionar seu sogro nominalmente, o que pouco usual nesse tipo de inscrição". Rapp pondera que Eugênio teria preferido evitar conflito renunciando a seu posto, mas isso não lhe foi permitido, e que sua elevada condição social pode ter lhe protegido de algum sofrimento físico (em nossa percepção, pode ter sido o motivo dele não mencionar os primeiros anos da perseguição, por ter conseguido se manter relativamente ileso durante algum tempo).  Ao fim da perseguição, porém, Júlio retorna a sua cidade, e pouco depois é ordenado ao episcopado, pois deve ter sido o candidato perfeito "um nativo que tinha progredido no mundo, um ex servidor público com conexões nas altas esferas, um cristão dedicado e confessor na perseguição, além de ser um homem rico com recursos suficientes para construir um luxuoso complexo eclesiástico para sua cidade". Rapp conclui "as últimas linhas da inscrição testemunham a fusão de orgulho pessoal de sua família, orgulho cívico de sua cidade, e de ter sido benfeitor de sua igreja". [10]

Professor William Tabernee, da Universidade de Oklahoma, contextualiza a tensão e posterior rompimento de Eugênio com sua carreira militar:

Marcus Julius Eugenius' attempt to leave military service, following Maximin Daia's order, that all Christians in the army were to sacrifice to the gods (Imont 69, line 5-9), may have drawn attention to himself. The very fact that there was such an order reveals that the presence of Christian soldiers in the military was well known. Eugenius' Christians faith, therefore, may also have been known by his fellow soldiers even before the order was promulgated. As Eugenius did not become involved with the Christian community of laodicea Combusta until after he had left the army (IMont 69, lines 10-17) and as the merging of Montanist and Novatian ist Christian communities appears to have occurred well into the post-Constantinian era. it is anachronistic to consider Eugenius a "Montanist" at the time of his suffering for the faith under Maximin Daia. In any case, even if any action on his part contributed to his repeated tortures in 311 or 312 such action would have been deemedas a legitimate exception to "voluntary martyrdom" by soldiers. Because Eugenius did not die from his tortures , he, of course, technically was not a "martyr" but a "confessor"

(Tradução): A tentativa de Marcos Julio Eugenio de deixar o serviço militar, após a ordem de Maximiano Daia, de que todos os cristãos no exército deveriam sacrificar aos deuses (Imont 69, linha 5-9), pode ter chamado a atenção para si mesmo. O próprio fato de haver tal ordem revela que a presença de soldados cristãos no exército era bem conhecida. A fé cristã de Eugenio, portanto, também pode ter sido conhecida por seus companheiros soldados antes mesmo da ordem ser promulgada. Como Eugenio não se envolveu com a comunidade cristã de Laodicéia Combusta até depois de ter deixado o exército (IMont 69, linhas 10-17) e como a fusão das comunidades cristãs montanistas e novacianas parece ter ocorrido bem na era pós-constantiniana, é anacrônico considerar Eugenio um "montanista" na época de seu sofrimento pela fé sob Maximiano Daia. Em qualquer caso, mesmo que qualquer ação de sua parte tenha contribuído para suas repetidas torturas em 311 ou 312, tal ação teria sido considerada uma exceção legítima ao "martírio voluntário" por soldados. Como Eugênio não morreu de suas torturas, ele, é claro, tecnicamente não era um "mártir", mas um "confessor"  [11

Tabernee observa que Eugênio estava ligado a uma congregação resultante da fusão de cristãos novacianos e montanistas, os primeiros tendiam a recusar o retorno a comunhão daqueles cristãos que tinham renegado sua fé durante a perseguição, ou utilizado de artifícios como comprar certificados, enquanto os últimos eram conhecidos por serem rigorosos. Tabernee pontua, contudo, que a inscrição não indica que Eugênio tenha atuado como líder eclesiástico até a sua expulsão do exército, sendo anacrônico considera-lo um montanista por ocasião de seu sofrimento. Por ter sofrido por sua fé em Cristo, Marcos era um "confessor", alguém que, diante do sofrimento e ameaça de morte declara sua fé diante de seus algozes, o que evoca o texto bíblico "Nada temas das coisas que hás de padecer. Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão para que sejais tentados; e tereis tribulação de dez dias. Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida" (Apocalipse 2:10). Considerando a data em que Marcos Júlio Eugênio sofreu os efeitos da perseguição e deixou o exército, mais seus 25 anos de episcopado, deve ter falecido por volta do ano 340 DC.

Aurélio Gaio - legionário itinerante que esperava a chegada da ressureição

Na cidade de Cotiaeum, na antigo Frígia (atual Kutahya, Turquia), no ano de 303 DC, após uma carreira nas legiões romanas, Aurélio Gaio erigiu um jazigo familiar.
Aurélio Gaio segundo, que se alistou na Legião I Itálica estacionada na Moésia, foi selecionado para servir na Legião VIII Augusta estacionada na Germânia, depois na Legião I Iovia Scythica nas províncias de Cítia e Panônia; serviu como novato, aprendiz de cavaleiro, depois optio, optio triarius, optio ordinatus, optio princeps, depois optio nas forças móveis do imperador com a Legião I Iovia Scythica; percorreu as províncias da Ásia, Cária, […], Lídia, Licaónia, Cílicia, […], Fenícia, Síria, Arábia, Palestina, Egito, Alexandria, Índia, […], Mesopotâmia, Capadócia, […], Galácia, Bitínia, Trácia, Moésia, Carpia, […], Sarmácia quatro vezes, Viminacium, Godos duas vezes, Germânia, […], Dardânia, Dalmácia, Panônia, […], Gália, Hispânia, Mauritânia; em seguida, foi promovido e, depois de ter sofrido muitas dificuldades, voltou para sua terra natal, Pessino, fixando residência na aldeia de Kotiaion. Juntamente com sua filha Macedônia, ele ergueu esta estela no túmulo de Júlio, seu filho, e de Areskusa, sua dulcíssima esposa, às suas próprias custas, por causa da memória, até a ressurreição. Adeus a todos. [12]
A inscrição descreve as unidades em Aurélio serviu, e os lugares em que foi designado, da Germânia (Alemanha), até a Mesopotâmia (atual Iraque), passando pelo Egito, Turquia, Espanha até a Índia. O grande número de deslocamentos, boa parte nas fronteiras do Império, indica a enorme pressão militar sobre Roma naquele período. Conforme Richard Talbert e Lindsay Holman, da Universidade da Carolina do Norte, e Benet Salway, da University College de Londres, interpretam a inscrição [13] no sentido que ele serviu inicialmente na fronteira do Danúbio, entre 285 e 294 DC, sob o comando de Diocleciano, onde ocorreram 3 das 4 incursões na Sarmatia. Em 294 DC, a unidade de Gaio, já sob o comando de Galério, inicia uma missão além da primeira catarata do Nilo (sul do Egito), e depois até a Mesopotâmia (Iraque), retornando a Europa para lutar contra os Carpi (que residiam na atual Romênia). Gaio retorna ao comando de Diocleciano, e no final de 295 e início de 296 DC, para uma missão a oeste, na Panônia (parte das atuais Hungria, Áustria e Eslováquia), onde provavelmente ocorreram os combates com os Godos (duas vezes) e na Germânia (atual Alemanha). Em 296 DC, ele foi então transferido para o exército de Maximiano, que se move de Nórica (parte da atual Áustria) em direção ao sudoeste, até a Mauritânia, no norte da Africa (norte dos atuais Marrocos e Argélia) e de lá para leste até a província da África Proconsular (atuais Tunísia e Líbia). Por fim, é provável que ele tenha acompanhado Maximiano a Itália em 299 DC, e de lá participado na quarta incursão na Sarmátia no final daquele ano [13].  

 Aurélio iniciou como novato, chegou a cavaleiro e depois foi promovido a Optio, (oficial assistente do centurião e tinha a responsabilidade de se postar atrás da tropa orientando a formação e transmitindo as ordens dos comandantes). Como optio, em várias capacidades, Gaio serviu por muitos anos, e ascendeu socialmente (como o próprio comissionamento da inscrição indica), já que essas funções representavam soldos muito mais elevados. Após uma promoção, e "muitas dificuldades" voltou para sua terra natal, Pessino, fixando residência na vila próxima de Kotiaion, na Frígia. Aurelio recorda a mortes de seu filho, Júlio, e de sua esposa Areskusa. O caráter cristão da inscrição é expresso por uma abrupta menção a ressurreição.

O Professor Brian Campbell,  da Queen's University Belfast, traz mais alguns detalhes em relação aos postos em que Aurélio serviu e nas tropas em que esteve alistado.
Aurelius had served as a cavalyman in the lanciarii, who had probably been organized by Diocletian as part of the comitatus. In his long military carreer, in the record of which there are several gaps because of the damaged state of the inscription, he had visited at least twenty-three provinces or dioceses, four towns, and five regions situated outside Roman territory. He served in Legion I Jovia Scythica, which was recruited by Diocletian and based at Noviodunum; moreover the campaigns in which he participated against the Sarmatians, Goths. Germans, and in Mesopotamia. India, and Egypt, suggest a date in the reign of Diocletian, probably around AD 300. Aurelius was apparently a Christian serving in the army, before Christianity had been officially adopted. (Tradução) Aurélio serviu como cavaleiro nos lanciarii, que provavelmente foram organizados por Diocleciano como parte do comitatus. Na sua longa carreira militar, em cujo registo existem várias lacunas devido ao estado danificado da inscrição, visitou pelo menos vinte e três províncias ou dioceses, quatro cidades e cinco regiões situadas fora do território romano. Serviu na Legião I Jovia Scythica, recrutada por Diocleciano e baseada em Noviodunum; além das campanhas em que participou contra os sármatas, godos, germânicos e na Mesopotâmia,  Índia e Egito sugerem uma data no reinado de Diocleciano, provavelmente por volta de 300 DC. Aurélio era aparentemente um cristão servindo no exército, antes de o Cristianismo ser oficialmente adotado. [14]

 

Mapa do Império Romano, sob a Tetrarquia, indicando as 
respectivas dioceses, e os territórios administrados por
cada Tetrarca, via wikicommons
 
Professor Timothy Barnes, da Universidade de Edimburgo, faz considerações adicionais em termos do serviço das legiões citadas por Gaio no contexto mais amplo da tetrarquia e do contexto do decreto conjunto de Diocleciano e Galério (entre 299-300 DC) contra os cristãos no exército, descrito por Lactâncio,  que foram obrigados a sacrificar aos deuses ou serem dispensados com desonra. Ainda que o expurgo tenha sido imposto com muito mais efetividade nas províncias do Leste (e o último posto de Aurélio foi no oeste), este pode ter percebido para onde "o vento estava virando", com "muitas dificuldades" referidas na inscrição e decidido se aposentar antes que a situação deteriorasse ainda mais. 

"Gaius served in many areas of the Roman Empire, which the inscription names in geographical order. Although some names are lost, those that survive indicate that Gaius' military service included periods not only on the Danube frontier before 293 and in southern Egypt under Galerius in 293-294, but also under Maximian in Gaul, Spain and Mauretania during his expedition to Africa in 296-298 (...) Since Gaius probably left the army shortly after 298, it seems natural to infer that he was a Christian who either resigned or was cashiered because of the purge (...) But if Gaius latest datable service was in the West in 298, he may have retired before Galerius' purge, which affected only the eastern armies. (Tradução) Gaius serviu em muitas áreas do Império Romano, que a inscrição nomeia em ordem geográfica. Embora alguns nomes tenham sido perdidos, aqueles que sobreviveram indicam que o serviço militar de Gaius incluiu períodos não apenas na fronteira do Danúbio antes de 293 e no sul do Egito sob Galério em 293-294, mas também sob Maximiano na Gália, Espanha e Mauritânia durante a sua expedição à África em 296-298 (...) Como Gaio provavelmente deixou o exército pouco depois de 298, parece natural inferir que ele era um cristão que renunciou ou foi demitido por causa do expurgo (...) Mas se o último serviço datável de Caio foi no Ocidente em 298, ele pode ter se aposentado antes do expurgo de Galério, que afetou apenas os exércitos orientais. [15].

 Ainda conforme Barnes [15], após seu início em 303 DC, o primeiro a fazer cessar a perseguição foi Constantino, que imediatamente a sua proclamação como "augusto" pela legiões do oeste em 26 de julho de 306 DC, decretou plena liberdade religiosa nas províncias da Espanha, Gália e Grã Bretanha. Constantino também devolveu os bens e propriedades confiscadas. Ainda no inverno de 306 DC, Maxêncio, que em outubro havia usurpado os territórios da Itália e Norte da África de Severo II, decretou o fim das perseguições, sem porém devolver as propriedades. Nos Balcãs e Asia Menor, Galério não só manteve a perseguição até 311 DC, como a intensificou, até que, perto da morte, decretou seu edito de plena tolerância aos cristãos (Edito de Sérdica) nos territórios em que era Augusto, ou seja, nas províncias ao leste da Itália. Entretanto, seu subordinado, Maximiano Daia, rapidamente agiu para anular o Edito de Sérdica, reforçando a perseguição em seus territórios, no Egito e Síria, bem como na Asia Menor, que ele invadiu. Somente em 313 DC, quando Maximiano foi fragorosamente derrotado por Lícinio em Tzirallum, ele decretou o fim da perseguição. Poucos meses depois, ficou doente e morreu (ou se suicidou) em Tarso.

Nesse contexto, Aurélio viveu. Não resta claro se chegou a sofrer os efeitos da perseguição, pois ele preferiu descrever sua vida como soldado, na suas andanças por todo o Império, como progrediu no seu trabalho, e nos seus familiares. Não deixa de mencionar a fé na ressureição. Possivelmente, viveu e morreu antes da oportunidade de viver livremente sua fé.   

 Referências Bibliográficas

[1] Tertuliano, De Corona Militis, 1
[2] TertulianoApologia, 5
[3] Ronald J Syder (2012), The Early Church in Killing, fl. 203
[4] Péter Kovács(2017) Marcus Aurelius’ rain miracle when and whereštu dijné zvesti archeologického ústav u AV 62, 2017, 101 –111
[5]  §356 Aurelius Niceros – Database of Military Inscriptions and Papyri of Early Roman Palestine
[6] Frank Tombley (2008), Overview: Geographic Spread of Christianity, In Margareth Mitchell e Frank Young (editores) - The Cambridge History of Christianity, Volume 1, 310-312
[7] §357 Marcus Julius Eugenius – Database of Military Inscriptions and Papyri of Early Roman Palestine (armyofromanpalestine.com)
[8] Cilliers Breytenbach, Christiane Zimmermann (2018) Early Christianity in Lycaonia and Adjacent Areas: From Paul to Amphilochius, fl. 576
[9] Pierre Cabanes (2004), Introdução à História da Antiguidade, fl 224
[10] Claudia Rapp (2005), Holy Bishops in Late Antiquity: The Nature of Christian Leadership ion an Age of Transition, fl. 203-204 
[11] William Tabernee (2007) Fake Prophecy and Polluted Sacraments: Ecclesiastical and Imperial Reactions, fl. 235-236
[12] §362 Aurelius Gaius – Database of Military Inscriptions and Papyri of Early Roman Palestine,
[13] Richard Talbert, Lindsay Holman, Benet Salway (2023), Atlas of Classical History, fl. 185, segunda edição;
[14] Brian Campbell (1994) The Roman Army, 31 BC - AD 337: A Sourcebook, fl. 240;
[15] Timothy D Barnes (2010) Early Christian Hagiography and Roman History, fl. 107, nota 19;




domingo, 17 de novembro de 2019

Anotações Adcummulus 011 - "Os da Casa de César te Saudam" - Como o Cristianismo chegou na High Society - Parte 5 - Julio Africano e o Rei Abgar de Edessa

Cristo Pantocrator, Igreja do Santo Sepulcro, Jerusalém,
via wikicommons
Anteriormente nossa série sobre o avanço do cristianismo na elite do Império Romano, falamos de casos de cristãos que foram auxiliares de imperadores e líderes provinciais, sobre outros, de comportamento um tanto heterodoxo, e daqueles cuja a identidade é incerta, mas que podem ter sido os primeiros casos atestados entre as elites romanas, já no primeiro século. Também mencionamos aqueles que, para preservarem sua identidade como cristãos, não hesitaram em confrontar o Império, a família e a sociedade, pagando com a própria vida. Ao longo da série, porém, foi possível perceber alguns padrões. O cristianismo é praticamente imperceptível socialmente em seu primeiro século de existência, primeiramente pelo pequeno número de seguidores, segundo por estar, em geral, nas margens da sociedade. 

Sendo assim, as primeiras menções que temos em Josefo, Tácito, Suetônio, Plínio invariavelmente envolvem tumultos, perturbações e confrontos em que os cristãos ora são apontados como a causa, ou mesmo quando eram as vítimas, a opinião geral era que não eram tão inocentes assim (nas palavras de Tácito: "(Tudo isso fez com que despertasse a misericórdia do povo, mesmo contra essas pessoas que mereciam castigo exemplar") [1]. Nas notícias dessa primeira época, os cristãos apareciam quase que exclusivamente na página policial. Não ajudava o fato de seguirem Jesus, um homem crucificado por Pôncio Pilatos na sempre rebelde Judeia, acusado de ser o autoproclamado "Rei dos Judeus". 

A medida que o tempo passa, o número de cristãos cresce, na cidade de Roma, nas províncias do  norte da África e no leste do Império, principalmente. Escravos libertos da casa imperial, convertidos ou simpatizantes do cristianismo, já representam uma influência palpável na corte, pelo menos desde o final do século II. Relatos aqui e ali, dão conta de mulheres de alta posição que se convertiam. Por está época, o filósofo pagão Celso, incomodado, escreve um ataque contra o cristianismo, em que afirma que:

Vemos, de fato, em nossas casas, trabalhadores em lã e curtidores, e pessoas de caráter rústico e pouco instruído, que não se atrevem a proferir palavra na presença de seus senhores, mais velhos e doutos; mas quando tem a oportunidade de estar com crianças em privado, ou com mulheres tão ignorantes quanto eles, propagam seus maravilhosos ensinos, de forma que não devem obedecer seus pais e mestres; e que os primeiros são tolos e estúpidos, e nem sabem nem podem realizar algo realmente bom, preocupados com ninharias vazias; que somente eles sabem como os homens devem viver e que, se os filhos os obedecerem, também serão felizes e também farão seu lar feliz. E enquanto falam assim, se notam os mestres destes jovens se aproximando, ou alguém das classes mais instruídas, ou mesmo o próprio pai, os mais tímidos entre eles ficam com medo, enquanto os mais ousados incitam as crianças a se rebelarem.[2]
 
No entanto, a partir da segunda metade do II século, o cristianismo passa a dispor de mestres preparados para discutir em termos retóricos e filosóficos.  Neste post, vamos discutir duas figuras, o (provavel) primeiro Rei cristão e seu conselheiro. O Rei Abgar VIII e o enciclopédico Sexto Júlio Africano.

Júlio Africano na Corte de Abgar VIII de Edessa


Rei Abgar V recebe de Tadeu o Mandílio.
Pintura encaústica, Monastério de Santa Catarina
sec. X, via wikicommons
Por volta do ano 200 DC, Tertuliano diria que o nome de Cristo se estendia a todos os lugares, era crido em todo lugar, honrado e adorado entre todos os povos,  Além de forte apelo popular, entre as elites o  "time" de Cristo, contava com defensores (apologistas) como Tertuliano e Minúcio Félix, "homens de criação" como os teólogos Hipólito e Irineu, e um poderoso ataque com Clemente e Origenes de Alexandria e Julio Africano, homens de vanguarda do pensamento intelectual da época. 

Sexto Júlio Africano, talvez seja a mais intrigante e complexa destas figuras. Ele se destacou tanto por seu conhecimento teológico e exegético - estabelecendo a data tradicional do nascimento de Jesus, harmonizando as genealogias de Mateus e Lucas, demonstrando que a história de Suzana não fazia parte do livro de Daniel - como atuar como conselheiro do Rei Abgar VIII de Edessa (nosso outro personagem), e montar uma biblioteca a pedido do Imperador Severo Alexandre. Serviu o exército, exerceu a medicina, além de ter escrito uma enciclopédia do conhecimento antigo, que versava sobre pontos como magia e antigas armas biológicas. 

As obras de Julio Africano não sobreviveram ao nosso tempo. Seus escritos são conhecidos a partir de citações de outros autores. Contudo, como observa a Professora Hagith Sivan, da Universidade do Kansas, 

"(...)  Of Africanus' not insignificant output, consisting of the Cesti (originally in 14 volumes), two letters (one addressed to Origen, the other to an Aristides) and the Chronographiae (originally in 5), we now have the most complete collection of 100 fragments from the last work and, equally useful, of 99 testimonia.(...)" (traduçãoDa produção não insignificante de Africano, composta pelos Cesti (originalmente em 14 volumes), duas cartas (uma dirigida a Orígenes, a outra a Aristides) e a Cronografia (originalmente em 5), agora temos a coleção mais completa de 100 fragmentos do último trabalho e, igualmente úteis, de 99 testemunhos. [3]

As citações por autores antigos posteriores, permitem inferir alguns fatos de sua vida. O professor Henry Chadwick (1920-2008), de Cambridge, apresenta uma biografia resumida de Júlio Africano:


A comparable contemporary of Clement was another learned Christian, Sextus Julius Africanus, whose surviving writings show him to have been a rare polymath. He was capable of writing on military matters (of which he had some firsy-hand knowledge), on history, magic, Christianity, and architecture. He had a striklingly varied carrier in the army, medicine, and law. His birthplace seems to have been Hadrian's replacement of Jerusalem, Aelia Capitolina (P.Oxy. III 412). He came to know relatives of Jesus from the Nazareth region, and knew at least some hebrew.(Tradução) Um contemporâneo comparável de Clemente foi outro cristão erudito, Sexto Julio Africano, cujos escritos sobreviventes mostram que ele era um polímato raro. Ele era capaz de escrever sobre assuntos militares (dos quais possuía algum conhecimento prático), história, magia, cristianismo e arquitetura. Ele teve uma carreira diversificada no exército, na medicina e no direito. Seu local de nascimento parece ter sido a cidade construída por Adriano quando destruiu Jerusalém, Aelia Capitolina (P.Oxy. III 412). Ele se encontrou com parentes de Jesus da região de Nazaré e conhecia pelo menos um pouco de hebreus. [4] 
Júlio Africano foi um homem "viajado", e possuía excelentes conexões sociais. Particularmente relevante para efeitos do nosso post, foi quando foi admitido em Edessa, na corte do Rei Abgar VIII de Osroene, estado vassalo de Roma, na alta Mesopotâmia, norte do atual Iraque. O Reino de Osroene, governado pelos antepassados de Abgar a mais de 300 anos, ficava na fronteira entre o Imperio Romano e o Império Parto (que englobava o Irã, parte do atual Iraque, Paquistão e Afeganistão). Edessa oscilou em suas lealdades várias vezes, entre a batalha de Carrae (53 AC) e o tempo de Trajano (98-117 DC), estiveram sobre influência dos partos. A partir de Trajano, e mais ainda a partir de 165 DC - quando o co-imperador Lucio Vero (161-169 DC) em sua campanha no leste, colocou a região sob o firme comando de Roma - o Reino de Edessa não teve outra opção senão a lealdade.

O Reino de Edessa, sob o comando de Abgar, seguia uma política extremamente tolerante com o cristianismo, sendo bastante possível, ainda que não completamente certo, como veremos a seguir, que o próprio Rei, ou seu filho Abgar IX, tenham se convertido [5]Segundo a Crônica de Edessa, do século VI, um concilio foi realizado na cidade em 197 DC, e uma Igreja cristã é listada entre os edíficios destruídos em uma enchente em 201 DC. A partir de Edessa, as regiões do extremo leste do Império Romano, a Pérsia e até a India, foram evangelizadas. Como observa o Professor Warmick Ball, da Escola Britânica de Arqueologia no Iraque, "(...) Abgar teve a sabedoria de reconhecer a estabilidade e ordem inerente do Cristianismo, um século antes de Constantino (...) Assim Abgar, o grande, pode reinvindicar ser o primeiro monarca cristão do mundo, e Edessa o primeiro estado cristão. Mais do que qualquer coisa, um enorme precedente foi estabelecido para a conversão da própria Roma (...)[6]. 

Cerca de um século depois da morte de Abgar VIII, Eusébio de Cesaréia (História Eclesiástica 1:13) registra a tradição de que o Rei  Abgar V (4 AC - 40 DC) trocou cartas com o próprio Jesus (!!!). Abgar estava doente e pediu que Jesus viesse até Edessa cura-lo. Jesus promete que após cumprir sua missão, ele enviaria alguém para cura-lo. Após a ressureição, o Apóstolo Tomé enviou Tadeu, que curou o Rei. Em um estágio posterior da lenda, o texto apócrifo a doutrina de Addai, escrito por volta do ano 400, afirma que o mensageiro do Rei, chamado Ananias, era também um pintor, e fez um retrato de Jesus (a imagem de Edessa, ou Mandílio), que foi guardado no Palácio Real de Edessa. As cartas são consideradas como apócrifas pelos estudiosos, mas são entendidas como uma tentativa do cristianismo edessano de reivindicar origem apostólica, uma vez que era um dos mais importantes centros da cristandade. 

Na corte de Abgar, também tinha assento o teólogo Bardasanes (154-222 DC), muito próximo ao Rei, a qual Júlio Africano admira como grande pensador e exímio arqueiro.  Bardasanes, provavelmente de origem persa, se converteu pela influência do Bispo Histapes de Edessa, e logo se destacou polemizando com os marcionitas, sendo ordenado diácono, formando uma escola de discipulos  e compondo hinos, com objetivo de atingir os jovens.[7]

Bardasanes também é o principal testemunho da conversão do Rei Abgar de Edessa, visto que ele menciona que:


 "(...) Na Síria e em Edessa havia um costume de castração em honra de Tar'atha (Atagartis), mas quando o Rei Abgar se converteu, ele ordenou que qualquer homem que se emascula-se em devoção de Tar'ata, deveria ter sua mão cortada (...)".[8]

Não resta claro, porém, se o Abgar em questão é o pai ou o filho. Júlio Africano, em um fragmento preservado em George Sincelo, diz que Abgar era um "santo homem", sem dar maiores detalhes. A despeito de sua contribuição para o avanço do cristianismo em Edessa, e, possivelmente, trazendo a fé para a família real, Bardasanes foi mais lembrado por ter sido, em algum momento, atraído por idéias gnósticas.  Contudo, se é evidente que os ensinos dos discípulos de Bardasanes foram considerados heréticos (influenciando grupos como os Elkasaitas e Maniqueistas) nos séculos seguintes,  o mesmo não pode ser dito com certeza em relação ao próprio Bardasanes. De fato, muito pouco do que Bardasanes escreveu foi conservado, e um de seus principais escritos, que mais nos aproxima de suas ideias, "O livro da Lei dos Países" foi compilado por um de seus díscipulos, Felipe. Pouco mais de 100 anos após a morte de Bardasanes, ele foi objeto de dura refutação pelo Bispo Efrem, o Sírio (306-373 DC) , mas podemos questionar até que ponto estava criticando os ensinos do próprio Bardasanes ou o rumo que seus díscipulos lhe deram [9]. Eusébio de Cesaréia (História Eclesiastica 4:30), por exemplo, relata que Bardasanes "(...) foi a princípio um seguidor de Valentino, mas depois, tendo rejeitado seus ensinamentos e refutado a maioria de suas ficções, imaginou ter chegado à opinião mais correta. No entanto, ele não lavou completamente a sujeira da antiga heresia (...).   

Sobre a estada de Júlio Africano em Edessa, Professor Martin Wallhaff, da Universidade de Munique escreve [10]:


The life story of Africanus was centainly both interesting and eventful, although we are only able to glean snippets of it from his own writings. We first find him in Edessa at the court of King Abgar VIII of Oshoene, for whom he apparently had much admiration (F96) and whose son he helped to educate. It was here that he came in contact with the fascinating intellectual Bardasanes (cest 1,20) in whom he may found a congenial thinker and source of inspiration. All this must have occured some time before 216. It was here also that he might have seen what was alleged to have been the tent of Jacob, venerated in Edessa and later destroyed (F29). On his travels he saw Mount Ararat in Armenia (F23) and also visited Apameia in Southern Phrygia, formerly Celacnae (F23). (...). (tradução) A história de vida de Africano é, ao mesmo tempo, interessante e cheia de acontecimentos, embora só possamos coletar trechos dela de seus próprios escritos. Nós o encontramos pela primeira vez em Edessa, na corte do rei Abgar VIII de Oshoene, por quem ele aparentemente tinha muita admiração (F96) e cujo filho ele ajudou a educar. Foi aqui que ele entrou em contato com o fascinante intelectual Bardasanes (cest 1,20), em quem pode encontrar um pensador agradável e fonte de inspiração. Tudo isso deve ter ocorrido algum tempo antes de 216. Foi aqui também que ele poderia ter visto o que supostamente era a tenda de Jacó, venerada em Edessa e mais tarde destruída (F29). Em suas viagens, ele viu o Monte Ararat na Armênia (F23) e também visitou Apameia no sul da Frígia, anteriormente Celacnae (F23). (...)[10]
 A dinastia de Abgar, contudo, estava com seus dias contados. Abgar, no ano dos cinco imperadores (193 DC), apoiou Pescênio Niger, que foi derrotado por Sétimo Severo, que assumiu o trono, e despojou Abgar da maior parte de seu território, que ficou reduzido, praticamente, a cidade de Edessa. Abgar, habilmente, conseguiria restabelecer seu Reino e favor com o Imperador Severo, e até adotou o sobrenome Severo para si e seu filho. Contudo, após sua morte, seu filho Abgar IX foi convocado a Roma por Caracala (211-217 DC), sucessor de Sétimo Severo,  que mandou prender e executar o Rei de Edessa. Os romanos ainda consentiram que dois integrantes da Casa de Abgar utilizassem o título real, até o ano 242 DC, mas sem exercer poder efetivo.

Júlio Africano, porém, teve melhor sorte. Logo cairia nas graças da corte imperial. Professor Wallraff continua:
It would appear that the re-foundation of Emmaus in Palestine as a polis with the name "Neapolis" was achieved thanks to an initiative at the court of Roman emperor in the early 220's presided over by Africanus himself (T2) This may or may not mean that Africanus was a resident of Nicopolis(or Palestine in general) at that time. Nevertheless, his links to the town were certanly profound and went well beyond that any normal sightseer, A little later, we find him in Rome at court of Alexander Severus, where he was  entrusted with the task of instituting the library of Pantheon. Whatever that might mean, it must have been quite prestigious post in the society of the capital. (tradução)  Parece que a reconstrução de Emaús na Palestina como uma polis com o nome "Neápolis" foi alcançada graças a uma iniciativa na corte do imperador romano no início dos anos 220, presidida pelo próprio Africanus (T2). Isso pode ou não significa que Africano era um residente de Nicópolis (ou Palestina em geral) na época. No entanto, seus vínculos com a cidade eram comprovadamente profundos e iam muito além do um visitante comum. Um pouco mais tarde, o encontramos em Roma na corte de Alexandre Severo, onde ele foi encarregado de instituir a biblioteca do Panteão. O que quer que isso possa significar, deve ter sido um posto de prestígio na sociedade da capital.[10]
Júlio Africano, teólogo, historiador e intelectual.

Além de conselheiro de Reis, e indicado pelo Imperador para montar uma biblioteca, Africano faria uma contribuição relevante na exegética bíblica. Por exemplo, ele abordou as diferenças entre o livro de Daniel no texto hebraico ou massorético e a Septuaginta. O capítulo 13 do livro de Daniel existe nas bíblicas católicas romanas e ortodoxas, mas não das bíblias protestantes e hebraicas, e conta a história de Susana.


Susana e os Anciãos. Pinturucchio, 1492,
Apartamento Borgia, Palácio Apostólico,
Vaticano, via wikicommons

Susana era uma mulher casada, rica, atraente, e muito temente a Deus. Certo dia, ela se banhava sozinha em seu jardim, não percebendo estar sendo observada por dois anciãos. Ao retornar para casa, os anciãos, que serviam como juízes, a assediam e chantageam, dizendo que a acusariam de ter sido infiel a seu marido, a menos que ela concordasse em deitar-se com eles. Susana recusa a chantagem e é falsamente acusada de adultério. Durante o julgamento Susana é condenada com base no testemunho dos  dois anciãos, clama ao Senhor por justiça, e é socorrida pelo jovem e sábio Daniel, que  desafia o testemunho dos anciãos, que afirmaram que Susana havia encontrado seu amante sob uma árvore, a testemunharem em separado. Um dos anciãos afirma que a árvore era um carvalho, e o outro uma aroeira. Apontando as contradições das falsas testemunhas, Daniel prova a inocência de Susana.



Africano crítica Origenes por aceitar a autenticidade da história, e os argumentos de um lado e outro, podem ser encontrados na "Carta a Africano", de Origenes.

Entre os argumentos apresentados por Africano estão a ausência da narrativa na texto hebraico, o fato do texto grego conter jogos de palavras que não faziam sentido em hebraico, além de inconsistências e implausibilidades no comportamento dos personagens na estória. Orígenes, ainda que reconhecendo a ausência do texto na versão hebraica de Daniel, sustenta que a narrativa era comumente lida e reconhecida nas igrejas. [11]

Outra contribuição de Julio Africano é sua harmonização das genealogias de Jesus encontradas nos evangelhos de Lucas e Mateus. Em uma carta a um certo Aristides, transcrita por Eusébio de Cesaréia, Africano rejeita aquelas interpretações que consideram que uma genealogia de Lucas era sacerdotal e da Mateus real. Ele apresenta sua própria tese, que se baseia em tradições que lhe teriam sido confiadas pelos Desposyni , os descendentes do clã de Jesus, que viviam nas cidades vizinhas de Nazaré e Cochaba. Africano utiliza o conceito do casamento por Levirato. Descrito em Deuteronômio 25:5-6, caso um homem morresse sem deixar filhos, cabia a seu irmão casar com a viúva, e tendo gerado descendência, essa passaria a ser considerada como de seu irmão falecido. Desta forma, Africano afirma que:


Matã, descendente de Salomão, gerou Jacó. E tendo morrido Matã, Melqui, que era descendente de Natã, gerou Eli pela mesma mulher. Eli e Jacó eram, portanto, irmãos uterinos. Eli tendo morrido sem filhos, Jacó levantou sua semente, gerando José, seu próprio filho, pela natureza, mas por lei o filho de Eli. Assim, José era filho de ambos.
No entanto, a mais  relevante contribuição de Africano a literatura, e cultura cristã foi a sua adaptação do gênero grego da "crônica universal", influenciando Eusébio de Cesaréia, Jerônimo, George Sincelo, entre outros.  


Professor Richard Burgess, da Universidade de Otawa, esclarece a significância do trabalho de Júlio Africano:


"The achievement of Julius Africanus can only be properly evaluated if it is considered within the appropriate context. His Xpovoypawiai is best if it is analysed and interpreted not as the earliest surviving work of Byzantine chronography or as an early Christian chronicle (or rather proto-chronicle, since it is not actually a chronicle), but as a work that stands at the end of a very long line of Hellenistic chronological apologetic that ranges from contemporary Christian writers to secular historians of the late fourth century BC. (tradução)   O feito de Julio Africano só pode ser avaliada adequadamente se for considerada dentro do contexto apropriado. Seu Xpovoypawiai é melhor analisado e interpretado não como o trabalho sobrevivente mais antigo da cronografia bizantina ou como uma crônica cristã primitiva (ou melhor, proto-crônica, já que na verdade não é uma crônica), mas como um trabalho que culmina uma longa linha de crônica apologética helenística que vai de escritores cristãos contemporâneos a historiadores seculares do final do século IV aC [12]

Professor Burgess continua seu raciocínio, apontando o fato de que "(...)o mundo antigo, de forma quase universal, percebia o desenvolvimento da cultura e civilização de forma completamente oposta a nós. Nós olhamos para o futuro e vemos o progresso, que fará o porvir melhor que o passado, acreditando que a civilização e cultura estão avançando e progredindo. O mundo antigo, por outro lado, olhava pro passado e acreditava que quanto mais antigo, melhor. O presente era percebido como uma era de decadência, e o modo de vida ancestral eram naturalmente melhores porque estavam mais próximos da era dourada, o começo de todas as coisas, e dos deuses. Para os antigos, nada podia ser novo e verdadeiro (...)"[12].

Sendo assim, para se provar verdadeiro  (e não uma superstição "nova" e '"perigosa", ou "nova e mortal", principalmente por ser nova), o cristianismo tinha que se associar ao que era antigo. Uma ênfase muito grande foi colocada sobre as escrituras do antigo testamento, por todos reconhecidas como muito antigas. Burgess cita Teófilo de Antioquia, que no final do século II DC, escreveu "(...) Agora pretendo... demontrar a cronologia para você mais detalhadamente, para que possa reconhecer que nossa doutrina não é nem moderna, nem mítica, mas mais antiga e verdadeira que a de todos os poetas e historiadores (...)" .

A cronografia de Africano foi escrita em 5 volumes. E cobre desde a criação do mundo, que ele fixa no ano 5500 AC, até o ano 221 DC. A obra completa se perdeu, mas cerca de 10% de seu conteúdo é conhecido através de citações de autores posteriores. 

Professor Walhaff esclarece que o trabalho de Africano tem finalidade apologética em certa medida, mas vai muito além disso:

The apologetic tradition in general, and Theophilus and Clement in particular, represent the most important Christian antecedents to the Chronographiae of Africanus. That being said, his work is much more than just a simple continuation of this tradition (...) and it is clear that a work of such dimensions could only have been written by someone with a genuine scholarly interest in historiography. In this sense the approach of Africanus might best be termed as scientific, the implication being that his interest in precise historical knowledge was mainly for the sake of knowledge (...) A tradição apologética em geral, e Teófilo e Clemente em particular, representam os antecedentes cristãos mais importantes para a cronografia de Africano. Dito isto, seu trabalho é muito mais do que apenas uma simples continuação dessa tradição (...) e é claro que um trabalho de tais dimensões só poderia ter sido escrito por alguém com um genuíno interesse acadêmico pela historiografia. Nesse sentido, a abordagem de Africano poderia ser melhor denominada como científica, a implicação é que seu interesse pelo conhecimento histórico preciso era principalmente em prol do conhecimento [13]
 Bem como o caráter eminente cristão de sua obra, mas que dialogava com os padrões seculares greco-romanos..
The Christian character of his work is clear, especially given the importance attributed to the date of the Incarnation in AM 5500 and the detailed discussion concerning the date of the Crucifixion and Resurrection of Christ (F93) Nevertheless, it would be a mistake to try and reduce the Chronographiae to a purely apologetic work. (tradução)  (...) O caráter cristão de sua obra é claro, especialmente dada a importância atribuída à data da Encarnação, em AM 5500 e a discussão detalhada sobre a data da crucificação e Ressurreição de Cristo (F93) no entanto, seria um erro para tentar reduzir a Cronografia a um trabalho puramente apologético.´[13]
E oferecia a literatura cristã um padrão mais elevado, capaz de interagir com os escritos seculares de seu tempo, e que influenciaria gerações
He was forcing Christian chronography to adopt the secular structures and methods that he found in Chronicles and Universal history, and therefore stands at the point at which apologetics became truly Christian history for the first time (tradução) Ele estava forçando a cronografia cristã a adotar as estruturas e métodos seculares que encontrou em Crônicas e na história universal, e, portanto, está no ponto em que a apologética se tornou verdadeiramente a história cristã pela primeira vez [14]
Júlio Africano se dedicou a outro projeto monumental. Cesti é uma verdadeira enciclopédia do conhecimento antigo, com 24 volumes!!!! A obra descorria sobre praticamente todos os campos de conhecimento da Antiguidade. Da mesma forma como em Cronografia, Cesti não chegou até nós, mas fragmentos são citados em autores posteriores. Africano discorre sobre pesos e medidas, corantes, inseticidas, antídotos para vítimas de picadas de cobra ou escorpiões, purificação de água, e o cerco de Bizâncio pelo Imperador Sétimo Severo [15]. O conhecimento técnico e pratico, se intercala com as experiências pessoais de Africano.

Walraff faz menção a George Sincelo (século IX), que afirma que Cesti foi dedicada ao Imperador Alexandre Severo (222-235 DC). Wallraff aponta a menção aos banhos de Alexandre, concluidos em 227 DC, e o fato de Africano mencionar que os "persas nunca foram derrotados pelos Romanos", o que ocorreria em 231 DC, na campanha de Alexandre Severo contra os Sassânidas [15]. Ou seja, a obra deve ser datada entre 228-231DC. 

Embora reverenciado pelos escritores cristão posteriores por sua erudição. Cesti foi criticada por parte de seu conteúdo. Por exemplo, um manual  militar bizantino do século X, o Sylloge Tacticorum, descreve as armas químicas e biológicas propostas por Africano como instrumento de Guerra Total, como "indignas do modo de vida cristão".[15].

A natureza secular de Cesti levou a alguns estudiosos a questionar se realmente Júlio Africano, de Cesti, era o mesmo autor de Cronografia, contado entre os pais da Igreja. Começando por Joseph Scaliger no século XVII:

Scaliger noted that the name of Africanus in the tenth century Suda lexicon was idiosyncratic, not the commonly used "Iulius Africanus", but rather "Africanus, the one called Sectus (sic). From this, Scaliger concluded that Eusebius and his sucessors had collectively confused the Christian "Iulius Africanus" eith the "Sextus (Iulius) Africanus of the Cesti.(Tradução) Scaliger observou que o nome de Africanus no léxico Suda do século X era idiossincrático, não o "Iulius Africanus" comumente usado, mas sim "Africanus, chamado Sectus (sic). A partir disso, Scaliger concluiu que Eusébio e seus sucessores tinham coletivamente confundido o cristão "Iulius Africanus" com "Sextus (Iulius) Africanus dos Cesti.[16]
 Ocorre que a prosposta não prosperou, Professor Wallraf explica o porque:


Dissociating the two figures was an elegant, but ultimately unpersuasive, way to resolve what some scholars have called the "Africanus Problem". The final blow to the theory of mistaken identity came from the Cesti itself. A fragment from the end of the 18th book of the Cesti discovered at Oxyrhynchus named the author of the work as "Iulius Africanus", not the Sextus Iulius Africanus"required by Scaliger's hypothesis. (tradução) A dissociação das duas figuras foi uma maneira elegante, mas, em última análise, não persuasiva, de resolver o que alguns estudiosos chamam de "Problema Africanus". O golpe final na teoria da identidade equivocada veio do próprio Cesti. Um fragmento do final do 18º livro dos Cesti descoberto em Oxyrhynchus nomeou o autor da obra como "Iulius Africanus", não o Sextus Iulius Africanus "exigido pela hipótese de Scaliger.[16]
O papiro Oxirrinco III 412, datado de 230-260 DC, é um fragmento de Cesti, quase contemporâneo da obra original, encontrado no Egito. E prova que o autor da monumental obra secular, era o mesmo que tentou harmonizar a genealogias de Jesus de Nazaré e que elaborou um história universal em que a morte e ressurreição de Jesus constituia o evento principal. Parece contraditório, mas cremos que é simplesmente humano.

Catafractário (cavalaria pesada) persa ataca um Leão,
Museu Britânico, via wikicommons 
Por exemplo, um aspecto perturbador de Cesti, já percebido pelo manual militar bizantino acima, são as estratégias militares de guerra total propostas por Julio Africano ao exército romano contra o Império Parta, contendo até versões da antiguidade de armas químicas e biológicas (mesmo que tais artíficios também tenham sido usados pelos Partos).

Ocorre que, como observa Christopher Jones, doutorando na Universidade de Columbia, em seu excelente blog Gates  of Nineveh Julio Africano vivia em um mundo em que os romanos combatiam o império parto a quase 300 anos no leste, com pouco sucesso duradouro [17]. Marco Licínio Crasso foi morto e seu grande exército completamente destruído na batalha de Carras, em 53 AC, e as vitórias romanas, quando ocorriam, eram rapidamente revertidas. A estratégia romana foi conter os partos nas proximidades do Eufrates. Africano entendia que o problema não era o moral dos soldados ou a capacidade dos comandantes, mas a forma de lutar. Pior, havia sinais de que os inimigos do leste se tornariam ainda mais poderosos, pois a emergência da dinastia Sassânida, suplantando os arsacidas, centralizaria o Império Persa e o tornaria mais efetivo militarmente. Assim, entendia Africano, para enfrentar os arqueiros a cavalo iranianos, em seu território, o exército deveria adaptar suas táticas, tecnologias e treinamento, tomando como modelo as tropas de Alexandre, o Grande, que conquistou o Império Persa, e aumentar seus efetivos de cavalaria.  Séculos antes, na Europa, as legiões romanas se mostraram superiores as falanges gregas, mas o estilo de luta das falanges era mais adaptado ao terreno do Irã e Iraque [17]Neste contexto, Africano teme os persas e reconhece a desvantagem romana refletindo a ansiedade das provincias do leste e reinos clientes (em Apocalipse 16:12, como resultado de uma das sete taças da ira de Deus, o Eufrates seca, "para que se preparasse o caminho do reis do Oriente"), entendendo que Roma deve usar todos os meios que dispõe, sem limites, para proteger seu território e cidadãos. 

Uma analogia pode ser feita com a doutrina militar de retaliação massiva da OTAN frente ao Pacto de Varsóvia, nos anos 1950 e 1960, que preconizava a utilização pronta de armas nucleares para contenção de qualquer tentativa de invasão ao países membros, mesmo que utilizando apenas forças militares convencionais, frente a desvantagem das tropas da aliança em comparação a antiga União Soviética e seus aliados na Europa Central e Ocidental. 

Além disso, a visão militar agressiva de Júlio Africano não pode ser considerada algo raro entre cristãos (por exemplo, podemos citar a própria idéia de Cruzada). Os governos de países de forte herança cristã, democracias tradicionais, utilizaram armas nucleares e napalm (EUA) e armas químicas (França e Reino Unido), e pior, muitas vezes contra civis, tendo ou não os inimigos utilizado tais recursos. Inúmeros exemplos de posicionamentos cristãos belicosos estão disponíveis. O que talvez seja chocante é um exemplo não pacifista na igreja cristã pré Constantiniana.

Cesti concentra os elementos cristãos não convencionais na vida Africano. Mas em nossa série, já encontramos uma concubina de um Imperador e um banqueiro falido que se tornou Papa, um oficial romano cuja identidade cristã é assumida de forma discreta e líder provincial orgulhoso de seu cristianismo, mas engajado em jogos considerados contrários a sua fé. Tais contradições tem feito parte da vida de centenas de milhões de fieis, em todos os lugares e tempos.

Referência Bibliográficas.

[1] Tácito, Anais 15:44 
[2] Origenes, Contra Celso, Livro 3, capítulo 55
[3] Hagith Sivan (2008): Martin Wallraff (ed.), Iulius Africanus: Chronographiae. The Extant Fragments. In collaboration with Umberto Roberto and Karl Pinggéra, William Adler. Die griechischen christlichen Schriftsteller der ersten Jahrhunderte, NF 15
Bryn Mawr Classical Review 2008.04.43 http://bmcr.brynmawr.edu/2008/2008-04-43.html
[4] Henry Chadwick (2001) The Church in the Ancient Society, fl. 130
[5] Jona Lendering (2003 e 2019) Edessa (Sanli Urfa) Livius, acessado em 16/11/2019
[6] Warmick Ball (2001),Rome in the East: The Transformation of an Empire, fl. 95
[7] P. O. Skjærvø (1988) Bardesanes Encyclopaedia Iranica, acessado em 16.11.2019 http://www.iranicaonline.org/articles/bardesanes-syr
[8] Bardaisan, Livro da Lei dos Países
[9] P. O. Skjærvø (1988) Bardesanes Encyclopaedia Iranica,  acessado em 16.11.2019 http://www.iranicaonline.org/articles/bardesanes-syr
[10] Martin Wallhaff (2007) Iulius Africanus Chronographiae: The Extant Fragments, fl. xiv
[11] Dulce Maria Gonzalez Doreste e Francisca del Mar Plaza Picon (2016), susana, objeto de deseo y modelo de castidad, acessado em 16.11.2019, 
[12] Richard Burgess (2011), Apologetic and Chronography, in Martin Walhaff (ed), Julius Africanus and die christiliche weltchronik, fl. 17:
[13] Martin Wallraff (2007) Iulius Africanus Chronographiae: The Extant Fragments, fl. xxii
[14] Richard Burgess (2011), Apologetic and Chronography, in Martin Walhaff, Julius Africanus and die christiliche weltchronik, fl. 38
[15] Martin Wallraff (2012) Introduction in Martin Wallraff, Carlo Scardino, Laura Mecella e Christophe Guignard (ed.) Iulius Africanus: Cesti The Extant Fragments, fl. XVII a XIX
[16] Martin Wallraff (2012) Introduction in Martin Wallraff, Carlo Scardino, Laura Mecella e Christophe Guignard (ed.) Iulius Africanus: Cesti The Extant Fragments, fls. XI e XII
[17] Christopher Jones (2014) The Life of Julius Africanus, Part II, The General, post de 30/01/2014 https://gatesofnineveh.wordpress.com/2014/01/30/the-life-of-sextus-julius-africanus-part-2-the-general/, acessado em 15/11/2019.

  • Recent Posts

  • Text Widget

    Este blog tem como objetivo central a postagem de reflexões críticas e pesquisas sobre religiões em geral, enfocando, no entanto, o cristianismo e o judaísmo. A preocupação central das postagens é a de elaborar uma reflexão maior sobre temas bíblicos a partir do uso dos recursos proporcionados pela sociologia das idéias, da história e da arqueologia.
  • Blogger Templates