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sábado, 24 de outubro de 2015

Divisando matérias-primas do ideário cristão nas narrativas da vinda de Jesus ao mundo


Matthias Grünewald: Isenheim Altar - opened, 1
Altar de Isenheim - Matthias Grünewald

As famosas narrativas de episódios que cercam a anunciação e o nascimento de Jesus movimentam o imaginário de gerações até os dias de hoje. Na arte e literatura, na academia, igrejas, mídias, festas populares, se escreveu, tratados, muito se poetizou, cantou, encenou e pesquisou.

Historiadores e outros estudiosos especializados produziram miríades de volumes abrangendo vários aspectos. Dentre estes, algo que sempre gerou profusas controvérsias é a discrepância geral das narrativas produzidas dentro da mesma geração. Nota-se variações desde o começo e a apresentação, passando pelas genealogias, circunstâncias históricas imediatas, e outras de caráter geográfico e político.

Sobretudo, para a possibilidade de um mínimo fio sincronizado, forçoso é considerar que boa parte das cenas do evangelho da tradição de Mateus se passa em cerca de dois anos após o nascimento narrado em Lucas. Muitas outras dificuldades, tanto em particular de cada um, quanto mais ainda tomadas em conjunto, surgem, mesmo considerando variados graus de liberdade para imaginação literária e emprego de simbologia. O que suscitou outro grande debate relacionado às hipóteses de composições dos evangelhos... o escritor do evangelho segundo Mateus conhecia o material de Lucas? O de Lucas conhecia o de Mateus? Se uma resposta é positiva, porque produziu outro relato, e com tantas diferenças? Ou não conheciam um ao outro? Sendo assim, havia várias versões circulando ou se contavam muitos relatos e cada um dos escritores trabalhou com alguns - para uma deliberada ênfase no plano geral de seu propósito para todo o evangelho escrito?

Por outro lado, temos também elementos centrais para a tradição que se dão em comum com as duas narrativas, sugerindo fortemente que compartilhavam de tradições amplas e antigas dentre os cristãos de então.

Como também ponderou John.P. Méier [1]:
(...)Quaisquer concordâncias entre os dois [Mateus e Lucas] nessas narrativas se tornam historicamente significativas, em especial quando o critério da múltipla confirmação é invocado. Essas concordâncias em duas narrativas independentes e profundamente contrastantes representariam, no mínimo, um recurso a uma tradição mais antiga, e não a criação dos evangelistas.

Pelo menos doze pontos nos chamam muito a atenção:

1 – O nascimento de Jesus é contextualizado ainda durante o governo de Herodes Magno (Mt. 2.1; Lc. 1.27-34).
2 – Maria não se relacionara sexualmente com José antes de se engravidar (Mt.1.18; Lc 1.27-34)
3 – José não participa da concepção de Jesus (Mt. 1.18-25; Lc. 1.34)
4 – José é da linhagem de Davi (Mt. 1.16-20; Lc. 1.27; 2.4).
5 – A concepção e nascimento de Jesus é anunciada por um anjo ( Mt. 1.20-21; Lc. 1.28-30)
6 – Mesmo assim põe em relevo que Jesus é descendente de Davi (Mt.1.1; Lc.1.32)
7 – O nome “Jesus” é designado antes do seu nascimento (Mt. 1.21; Lc. 1.31)
8 - Jesus veio ao mundo concebido por ação miraculosa do Espírito Santo (Mt. 1.18- 20; Lc 1.35)
9 – Jesus é vocacionado pelo Deus de Israel como o ‘Salvador’ ( Mt.1.24-25; Lc. 2.11)
10 – José e Maria se casam antes do nascimento de Jesus (Mt. 1.24-25; Lc. 2. 4-7)
11 – O nascimento de Jesus se dá em Belém (Mt. 2.1; Lc. 2.4-7)
12 – Nazaré passa ser a residência da família de Jesus e onde ele cresce (Mt. 2.22-23; Lc. 2.39-51)

Mas o interesse histórico está longe de encerrar em exames quanto a factualidade de eventos particulares, apesar de ser o que mais concentra o interesse dos leigos. Há vários campos que a investigação trabalha. Aqui nos propomos num breve esboço, nos debruçar sobre o que este material nos pode desvelar sobre as matérias-primas e estruturas da formação da fé das primeiras gerações de cristãos.

Um exemplo propício a se começar é com as genealogias; enquanto muito se discutiu acerca de diferenças, particularidades e artifícios simbólicos nas genealogias mateanas e lucanas, muitas vezes se deixou escapar a indagação relativa a terem apresentado a pessoa de Jesus com genealogias. Mas, na Bíblia Hebraica, genealogias costumam funcionar elos de unificação entre figuras principais da história do povo de Israel, como Abraão-Noé-Adão. Logo, ambos evangelistas trabalham por encaixar a figura de Jesus num horizonte histórico maior no qual se opera a ação divina de acordo com seu plano, Jesus fazendo parte do mesmo em um ápice juntamente com figuras especiais para a memória devocional do povo.

Albrecht Dürer: Seven Sorrows: The Flight into Egypt
A Fuga para o Egito - Albrecht Dürer

Em Mateus, o quadro maior da saga da família de Jesus e sua emigração – sim, refugiados políticos – e retorno para a terra é algo muito mais íntimo do que uma mera alusão evocativa à tradição do chamado do povo para fora do Egito, tal como consta em tradições proféticas como em Oseias 11,1.

Os judeus reavivavam estas tradições em formatos devocionais, e um deles que temos registro hoje é o chamado Hagadah da Páscoa, de cerca dos finais do século I a.C. [2].

Jerome Murphy O'Connor [3] nos produziu uma valiosa tabela em que lhes coloca em paralelo:

História da Fuga e Regresso
Agadah da Páscoa
1) Perigo (v. 13d) “Herodes procura a criança para destruí-la
1) Perigo (I,1) “O arameu procurou destruir o meu pai”
2) Mandamento divino (v.13b) “Toma a criança de sua mãe e foge para o Egito”
2) Mandamento divino (II,1) “Desceu ao Egito impelido pela palavra do Senhor”
3) Estadia temporária (v. 13c) “Permanece lá até que eu te avise”
3) Estadia temporária (II,2) “Não desceu ao Egito para lá se instalar, mas apenas para ficar algum tempo
4) Regresso (v.20) “Toma a criança e vá para a terra de Israel”
4) Regresso (VII,1) “O Senhor trouxe-nos do Egito, não por meio de um anjo, nem por meio de um mensageiro, mas pelo próprio Altíssimo, que Ele seja louvado”


Já vimos aí que da parte de um evangelista, a apresentação de Jesus coloca-lhe invocando importantíssimas rememorações e anelos da fé judaica.

No material do evangelista lucano, temos uma fartura tão grande de recortes que aqui poderemos tratar de um dos mais de mais forte apelo: sua coleção de poemas presentes nos dois primeiros capítulos. Estes foram cantados e declamados ao longo dos séculos e são presença altissonante em liturgias de várias igrejas e comunidades religiosas. Podemos somente imaginar a força simbólica e apelativa que teriam ao serem lidas ou entoadas pelos cristãos antigos.

Sugiro aos leitores que, se possível, leiam cada um mas afastando um pouco a ligação com todos os evangelhos, como se fossem salmos independentes dos livros em que foram inseridos.

Com essa sugestão, fica mais fácil compreender aquilo que James D.G.Dunn [4] enunciou algo que foi pontuado com destaque na academia em períodos recentes:
Qualquer que seja a sua origem e derivação final, Lucas possivelmente as extraiu da adoração das congregações primitivas (antes que das memórias retrospectivas de oitenta anos atrás). Em outras palavras, são os salmos das comunidades palestinenses antigas, que atingiram sua forma atual em um período quando não havia quaisquer cristãos, somente judeus que acreditavam que o Messias havia chegado (p. 230).

Teria o célebre pesquisador ido muito longe com esta colocação?

Comecemos com o mais aclamado e presente dos hinos, o amplamente conhecido como “Magnificat” de Maria, devido à tradução latina da abertura do mesmo.

Na Bíblia Hebraica, uma mulher ter um filho anunciado por Deus numa situação inusitada sempre indicava um plano especial para o povo na história, como com Isaque, Sansão e Samuel – Gn 18,11; Jz 13,2-5; ISm 1-2.

Os termos do anúncio do anjo a Maria “grande aos olhos do Senhor”, o reino sobre a casa de Israel, que “não terá fim” faz eco a movimentos nacionalistas contemporâneos que produziram literatura que também expressava estes termos, como os “Salmos de Salomão 1-2”. Novamente, materiais culturais judaicos que aspiravam uma libertação nacional, reconfigurados para se centrarem em Jesus.

O Magnificat está estruturado na forma da canção de Ana em I Sm 2,1-10. Alude a diversas passagens da Bíblia Hebraica relacionadas à libertação nacional e figura régia:

Verso 48: I Sm 1,11
Vs 49: Sl 111,9
Vs 50: Sl 103,13-17
Vs51: Sl 89,10; 2Sm 22,28
Vs52: Jó 12,19; 5,11;
Vs 53: I Sm 2,5; Sl 107,9
Vs 54: Is 41,8
Vs55: Mq 7,20;Gn 17,7; 22,17;2Sm 22,51

Dunn assinala ainda que “É notável que não haja nenhuma ideia especificamente cristã nele; é tipicamente hebraico no caráter e no conteúdo. Mas igualmente notável que nos primeiros dias da nova fé, cristãos fossem capazes de tomá-lo como expressão de seu próprio louvor” (p.299)

Assim também se passa com o “Benedictus”, segundo Darrel L. Bock [5], um louvor do sacerdote Zacarias em que profetiza acerca do seu filho João que vai nascer com uma missão especial; segundo o pesquisador mencionado, o hino tem ecos principalmente do agradecimento de Salomão (notar especialmente o vs 69), em 1Reis 8,15, por ter sido agente do cumprimento da promessa de Deus de lhe construir um Templo. Também é articulado numa linguagem que lembra salmos como 89,24; 106,10, 45-46; 105,8-9. A descrição do “Chifre da Salvação” ecoa a descrição de Davi em ICr 17,4.

A sublime menção ao “profeta do Altíssimo” atribuída ao menino no vs. 76 faz lembrar a passagem do livro de Isaías 40,35 ( posteriormente, a menção ao “mensageiro” em Malaquias 3,1) com acentuada conotação de esperança de redenção coletiva; o evangelista vai retomar essa linguagem em 3,4-6. Ainda na bênção de Zacarias, a importante ênfase no termo “redimiu” faz alusão à libertação do cativeiro egípcio, onde se amarra à evocação de Deus visitando seu povo para redenção.

Dunn também ponderou sobre este hino: 
Uma das figuras ou dos títulos da esperança messiânica judaica era 'o profeta' (Dt 18,18s; Is61,1ss; Ml.4,5; Testamento de Levi 8,15;Testamento de Benjamin 9,2 [?]; IQS9,11; 4Qtest. 5-8); e a palavra grega usada no v. 78 para nascente (anatolë) pode ser uma alusão à LXX de Jeremias 23,5; Zacarias 3,8; 6,12) onde ela traduz a metáfora messiânica 'ramo'.

Outra bela peça exposta na narrativa lucana é o hino tradicionalmente conhecido como “Gloria in Excelsius” (Lc.2,14), que já foi matéria-prima para belíssimas composições de Bach e Vivaldi; Dunn ainda foi mais enfático sobre o mesmo: “Não contém nada especificamente cristã em si, isto é, fora de seu contexto”.

O hino conta com uma expressão importante, “povo de quem ele se agrada” que apresenta paralelos de aspirações de libertação nacional em um trecho dos rolos da comunidade de Qumrã, 1QH 4,32-33 e no texto protorrabínico Shemoneh Esrei, benção de gratidão 17, a “Avodah”. 

Ainda outras referências importantes embutidas no segundo capítulo de Lucas são auspiciosas: em 2,13-14 ele joga com uma contraposição entre as anunciações de arautos imperiais sobre a “pax augusta”, a “paz universal” reivindicada pelo imperador romano Augusto. Prepara o terreno para mais à frente (Lc 2,25-26) fazer menção à “Consolação”, expressão da intervenção de Deus a favor de Israel (Is. 49,13; 51,3; 52,9; 66,13).

Há ainda algo notável relacionado ao Magnificat que deixamos para o final destas nossas constações. O cântico anuncia um título real atribuído ao Jesus que estaria para vir ao mundo, o “Filho do Altíssimo” [6]. Coisa de poucas décadas atrás importantes estudiosos consideravam que esta expressão fora tomada de empréstimo do meio cultural helenístico, não fazendo parte dos primórdios da tradição cristã e assim sendo, uma atribuição que fora incorporada mais tarde através de um processo evolutivo gradual.

Mas após um trabalho com um fragmento dos Manuscritos do Mar Morto, constatou-se o uso desta expressão por parte do imaginário messiânico e escatológico. Mais do que isso, este fragmento de Qunram inteiro tem fortes ecos em comum com a linguagem do Magnificat. Na tradução e reconstrução de Hershell Shanks, “[X]será grande sobre a terra. [Oh Rei, todos (povos) haverão de] fazer [paz], e todos haverão de servi-[lo. Ele será chamado o filho] do [G]rande [Deus], e por este nome será aclamado (como) o Filho de Deus, e o chamarão Filho do Altíssimo” [7].


Combinando este mosaico temos uma tela em que se retrata algo que bate de frente com algumas inferências vulgarmente encontradas, que dizem que a fé cristã despontou em uma clivagem aguda com uma expressão do judaísmo com fortes preocupações messiânicas de cunho político e comunal, aspirando a uma subversão das estruturas de poder do Império e uma libertação nacional. Estas falas que lemos ou ouvimos contrapõem com isso uma fé cristã que nasceu com um caráter mais “espiritual” (sic), intimista e individualista, cuja aspiração seria o gozo da libertação da alma para as regiões celestes despregando-se das preocupações com o destino do povo como um todo e do mundo.

O quadro apresentado vai em um sentido em que esta clivagem alegada é significativamente nuançada. A matéria-prima e os materiais que engendravam a fé cristã nascente compartilhavam, mesmo bebiam das fontes de aspirações coletivas judaicas, com acentos de anelos para subversão das estruturas de poder pela ação de Deus na história, partindo desse mesmo Deus das tradições de Israel, reconfiguradas de forma em que a figura do messias Jesus fosse central e o sujeito consumador vital, com as ênfases próprias de seus ethos comunitário e com uma força propulsora centrífuga.

Ficamos aqui por esta vez, brindando com a belíssima abertura da composição do “Magnificat” por Johann Sebastian Bach. 




[ 1] MÉIER, J.P. Um Judeu Marginal. Repensando o Jesus Histórico. Volume Um: As Raízes do Problema e da Pessoa. Rio de Janeiro: Imago, 1993, pp. 213-214.

[ 2 ] FILKENSTEIN, L. The Oldest Midrash, Pré-Rabbinic Ideals and Teaching in the Passover Haggadah. Harvard Theological Review,Vl; 31. 1938, pp 291-317

[ 3 ] MURPHY O'CONNOR, J. Jesus e Paulo: Vidas Paralelas. São Paulo: Paulinas. 2008. pp.22

[ 4 ] DUNN, J. Unidade e Diversidade no Novo Testamento. Santo André: Editora Academia Cristã, 2009.

[ 5 ]. BOCK, D.L. Jesus segundo as escrituras. São Paulo: Shedd Publicações, 2006, pp.56-57.

[ 6 ] FITZMYER, J. A. 4Q246 The "Son of God" Document from Qumran. Biblica: 1993, pp.153-174

[ 7 ] SHANKS, H. (org). Para Compreender os Manuscritos do Mar Morto; uma coletânea de ensaios da Biblical Archaeology Review. Rio de Janeiro: Imago, 1993, pp. 212-214



quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Cristologia e Messianologia Centrífuga e Centrípeta no livro de Hebreus


Em uma postagem, “Transculturalismo e retórica nocristianismo nascente”, fiz umas asserções polêmicas em relação a questão da evolução da cristologia e do ideário em torno da figura de Jesus ao longo do período inicial de desenvolvimento do cristianismo.

Ela bate de frente com a perspectiva da formação paulatina através do sincretismo e assimilação de idéias alheias as quais não encontravam fundamento ou ressonância em períodos anteriores, emergindo assim destas incorporações, uma configuração completamente nova em relação à matiz judaica da igreja nascente.

Nesta postagem, trabalhei primeiramente com pontos de retórica paulina, argumentando que ela adotava estratégias e pontes que consistiam em “em reapresentar e/ou confrontar termos e formulações de doutrinas ou pensamentos alternativos e/ou divergentes de maneira a usa-los como apoio ao seu evangelho, como instrumento de demonstração do papel de Jesus num quadro de pensamento mais amplo numa atividade fagocitária.” E mais adiante afirmei que (...)”O autor de Efésios, na linha do ambiente de Paulo, utiliza a mesma estratégia”.

Para poder ter uma visualização mais próxima, nesta postagem agora debruçaremos especificamente em um documento importante no Novo Testamento, emanado de e para um ambiente judaico helenizado. Já fora mencionada na postagem sobre a qual comentara, que “Perspectivas, crenças e expectativas judaicas que eram polêmicas para com o cristianismo poderiam ser sujeitas do mesmo recurso tal como mencionamos em relação às outras linhas de pensamento ou visões de mundo. O livro de Hebreus ilustraria isso através das diversas drashs - 'interpretação; descobrir o significado através da midrash, por comparação palavras e formas e também por ocorrências semelhantes noutros locais'- desenvolvidas envolvendo a figura de Melquisedeque, Moisés, os serviços rituais do Templo...”

Este livro possui datação controversa, variando entre os especialistas de ser dos meados dos anos 60 a última década do século I. Eu me inclino a considerar ser de pouco após a destruição do Templo de Jerusalém. O autor é ainda mais controverso, para o qual temos menos dados aproximativos ainda e o grau especulativo é bem maior. É notório que se trata de algum judeu helenizado e bastante culto, conhecedor de técnicas rabínicas de exegese e exposição.

foi apresentado aqui no blog um importante autor e pesquisador, David Flusser, com um ímpar conhecimento de fontes judaicas do século I a.C., e dos sécs. I e II. Em um importantíssimo trabalho [1],  ele se debruça sobre a retórica e matiz hermenêutica do autor de Hebreus.

Flusser apresenta uma série de discussões presentes em Midrashs (sobretudo de Salmos como o 8, 22, 68, 84, 110), targuns aramaicos (sobretudo do livro de Isaías e Zacarias), comentários presentes nos manuscritos do Mar Morto, Documento de Damasco, Pergaminho de Ação de Graças, debates entre rabinos e escolas rabínicas, em que se debate o papel e o grau do status do Messias; em que são justapostas as figuras do Messias Sacerdotal, de descendência levita e referenciando-se a Aarão, com o Messias de Realeza, referenciando-se em Davi, com escolas diferentes exaltando um a mais do que outro. Discussões envolvendo traduções e interpretações bíblicas, incluindo a versão da Septuaginta, sobre interpretações diferentes dos status dos anjos, ante à figuras importantes no imaginário judaico, como Moisés, Abraão, Davi, Zorobabel, e o Messias, com diversas apontando o status superior deste. Também com Melkizedeque, que é visto como uma figura de expressão de Deus, até mesmo com um ser arquetípico da realeza davídica (Malkhi-Zedek = Rei de Justiça). Essas figuras apareciam em diversas expressões, como mais exaltadas ontologicamente do que qualquer outro ser humano, a nível acima do humano.

O autor de Hebreus teria se engajado então em toda essa matiz, em que haviam debates contemporâneos a ele, que permaneceram por tempos, mas também diversos textos atestando controvérsias anteriores, como os Salmos de Salomão, que permaneciam fortes em seu tempo. Ele teria usado um método de argumentação semelhante às discussões rabínicas, pegando o gancho para trazer para discussões internas nas igrejas cristãs judaico-helênicas, com uma noção nova, em que imagens e artes retóricas são tomadas de empréstimo de forma útil para apresentar a superioridade de Jesus Cristo e seu papel elevado exaltado ao lado de Deus. Combinaria já na glorificação de sua missão terrena o papel presente do Mais Alto Sacerdote, junto com Deus, com sua obra presente, ainda a ser consumada, de Grande Juiz e Rei sobre o cosmo. Sua eternidade com a ressurreição, sua preexistência na hipóstase da “Sabedoria” de Deus, seu papel de Filho ante aos ministradores e servos, o testemunho direto de Deus, são motivos invocados ligados com passagens-chave dos debates.

Segundo Flusser (pg 38, 39), 

Por um lado, o tema principal de Hebreus é a tentativa de provar, a partir das Escrituras, que a nova dispensação é superior à antiga e que, para esse propósito, o autor tenta persuadir seus leitores da vantagem de Cristo como Filho de Deus sobre várias personalidades, instituições e criaturas celestiais do Velho Testamento. Por outro lado, a justaposição não se origina de uma luta espiritual entre a nova comunidade cristã e a velha comunidade de Israel, ou um de seus grupos. Pelo contrário, o autor cristão toma, para sua polêmica, material literário do judaísmo de seu tempo. Os próprios judeus, em debates internos ou num esforço comum, estavam então discutindo o grau mais alto ou mais baixo de personalidades bíblicas e criaturas celestiais.(...)
A fusão de idéias e motivos judaicos com a nova perspectiva cristã é típica não apenas da Epístola aos Hebreus, mas também de todos os escritos do segundo estrato do cristianismo.
(...)Temos de lembrar que nem todos os motivos usados no cristianismo do Novo Testamento a fim de descrever o caráter divino de Cristo e sua tarefa cósmica são especificamente cristãos. Muitos deles se originaram de especulações judaicas sobre a pessoa e grau do Messias e figuras bíblicas, bem como de outros theologoumena judaicos.

Outros pesquisadores de formação diversa detêm-se em pontos específicos que ampliam nossa percepção a respeito deste trabalho no livro.

Christopher Richardson [2], PhD pelo Covenant Theological Seminary, argúi a respeito da discussão do autor de Hebreus circundando a figura enigmática de Melquisedeque, que sua discussão visa ao ponto de que “(...)Como Melquisedeque , a quem 'não tem fim de dias' mas 'para sempre permanece sacerdote',  o sacerdócio de Jesus também 'é dependente da....qualidade de vida' que ele possui (78). No caso de Jesus , é vida ressurreta que é decisiva , já que ele se 'tornou-se um sacerdote ... através do poder de uma vida indestrutível' (7:16 , ver também 7:24-25)" .


Tratando da arte argumentativa do autor, Herbert W. Bateman, professor de Novo Testamento no Southwestern Baptist Theological Seminary em Fort Worth, Texas, faz [3] uma contribuição colocando as abordagens das Escrituras pelo autor de Hebreus em paralelo com documentos de Qumrã e as sete regrasexegéticas atribuídas a Hillel, no que frisa a questão messiânica da realeza davídica.

Pamela Eisebaum [4] professora Associada de Estudos Bíblicos e Origens Cristãs,no Center for Judaic Studies da Universidade de Denver, escreveu uma importantíssima dissertação em que ela expõe sobre Hebreus 11, traçando paralelos com listas de heróis da Bíblia Hebraica, da literatura judaica do século I e listas greco-romanas de heróis. Ela entrevê alusões com retóricas em Aristóteles, Quitiliano, Isócrates e Cícero, deixando evidente, contudo, a proximidade bem maior com as listas judaicas, ainda que em sua complexidade, não fica nada a perder com a retórica helênica, que oferece uma caracterização considerável, em sua multidimensionalidade, para o estudo do capítulo, na estratégia de legitimação da comunidade cristã à qual o livro é endereçado.

Análises de pequenas partes-chave do livro servem para assentar de maneira mais opaca este vislumbre.  Craig Keener, Ph.D. na Universidade de Duke, professor de Novo Testamento no  Asbury Theological Seminary, discorre sobre 2.10 [4]:
O termo archçgos, traduzido “autor”, ou “príncipe”, significa “pioneiro”, “líder” ou “campeão”. O termo era usado para heróis humanos e divinos, fundadores de escolas ou aqueles que cortavam um caminho adiante para os seus seguidores.

Sobre 1.5, uma passagem-chave, Keener explica:
O autor cita o Salmo 2.7 e 2 Samuel 7.14, textos que já haviam sido ligados a especulações sobre a vinda do Messias (nos Manuscritos do Mar Morto). Os intérpretes judeus frequentemente ligavam os textos por meio de uma palavra-chave comum; a palavra aqui é “Filho”. Como muitos outros textos messiânicos, o Salmo 2 originalmente celebrava a promessa para a linha davídica em 2 Samuel 7; a “geração” se refere à coração real – no caso de Jesus, sua exaltação (cf. similarmente a At. 13,33).

Como ressaltado na postagem “Transculturalismo e retórica”, esta estratégia abre campos de pesquisa ampliados sobre a retórica e apologética no cristianismo nascente, com imensa demanda de pesquisadores e trabalhos.

Há um amplo campo sob o escopo do que se mostra como um espectro de tentativas de pensar o divino e sua relação com o mundo à medida que se busca comunicar as convicções do cristianismo nascente acerca do papel de Jesus para com o a história e com o culto e seu papel redentor, de acordo com as matizes culturais do ambiente de vida da igreja nascente. Um marco em amplitude de abordagem e que abre diversos caminhos a serem explorados, dentro do que trabalhamos nesta postagem espeficicamente, relacionando com um ângulo alternativo, o impacto e reação dos rabinos e os reflexos e reações nos movimentos gnósticos,  é a obra de Alan F. Segal, "Two Powers in Heaven: Early Rabbinic Reports about Christianity and Gnosticism".


[1] Flusser, David. “Messianologia e Cristologia na Epístola dos Hebreus”, captulo II de “O Judaísmo e as Origens do Cristianismo”, volume 2. Rio de Janeiro, Imago, 2001. 

[2] Richardson, Christopher; “The Passion: Reconsidering Hebrews 5.7–8” , em Bauckham, Richard; Hart, Trevor; MacDonald, Nathan; Driver, Daniel. eds. “A Cloud of Witnesses: The Theology of Hebrews in its AncientContexts". Library of New Testament. Studies 387

[3] Bateman, Herbert W. “Early Jewish Hermeneutics andHebrews 1:5-13: The Impact of Early Jewish Exegesis on the Interpretation of aSignificant New Testament Passage”.  American University Studies, Series 7: Theology and Religion 193. New York: Peter Lang, 1997.

 [4] Eisenbaum, Pamela Michelle. “The Jewish Heroes ofChristian History: Hebrews 11 in Literary Context”. SBL Dissertation Series 156. Atlanta: Scholars Press, 1997.

 [5] Keener, Craig S. “Comentário Bíblico Atos – NovoTestamento”. Belo Horizonte. Ed. Atos, 2004. “Hebreus” PPS 669-707.


sábado, 14 de agosto de 2010

A imagem do parto na literatura joanina: dialogando com o ideário judaico

João
Os últimos 30 anos experimentaram uma verdadeira revolução paradigmática acerca dos estudos do evangelho joanino [1]. Dentre algumas anomalias que engendraram tal revolução, trataremos brevemente de algumas para fins de nossa apresentação aqui. Digno de nota é ressaltar que, relacionado à mesma questão paradigmática, ainda prosseguem debates em relação ao grau de unidade interna e amplitude da audiência visada nele.

Na maior parte do século XX predominou, nos âmbitos de estudo estritamente técnico-acadêmico, a ênfase de que fora um documento compilado tardiamente, no século II, muitos defendendo que seria da segunda metade do século. Entendia-o como um escrito marcado por reflexos de uma matriz predominantemente helenista, mais possivelmente um platonismo tardio, caracterizado pelo dualismo, bem como refletindo crenças gnósticas; um documento “proto-gnóstico”[2 ]. De fato, podemos ver reflexos na literatura helênica dos temas “luz e trevas” relacionados a uma experiência de conversão espiritual ou que perpassa por conflitos cósmicos entre o caminho do bem e o caminho do mal. Por exemplo, escrevendo na metade do século II, Luciano de Samósata fala da passagem da “luz para as trevas” ao encontrar-se com o platonista Nigrinus[3] .

Contudo, anomalias foram se acumulando de tal forma que o paradigma antigo não conseguia lidar com ela, por mais elasticidade que pudera ter. Em uma delas, os trabalhos com os Manuscritos do Mar Morto, apresentaram que a comunidade de Qunram, provavelmente compartilhando com outros segmentos judaicos mais esotéricos, apresentavam muitos elementos de dualidade “luz/trevas”. Isso provocou muita especulação. Hoje alguns estudos avançaram ao ponto de apresentar que, por elementos sociológicos comuns, comunidades mais marginais no judaísmo compartilharam, independentemente, de tais pontos, que estimularam tal abordagem, com seu fundamento na Bíblia Hebraica [4].

Tanque de Siloé
Outras anomalias, especialmente advindas da arqueologia, se acumularam para apresentar a ambientação básica da narrativa do evangelho na Palestina antes de 70 d.C. Um grau considerável do que se tinha como anacronismos nele tiveram de ser revistos, com achados que descortinaram não apenas elementos de cenários ( Caná da Galiéia, tanques de Betesda e Siloé, o Gábata, o poço de Jacó, tanques de purificação em toda Jerusalém, etc.), bem como a geografia humana que corroboraram o fio geral da situação no tempo e espaço do narrado [5] .

Desta forma, o evangelho passa a ser julgado - longe de “tecnicamente exato” ou desprovido de qualquer mínimo anacronismo [6], e longe de minimizar o caráter midráshico e sapiencial da apresentação dos sermões de Jesus no evangelho [7]- de relevância para descortinar historicamente o cenário do ministério de Jesus e seu ambiente, na Palestina, especialmente Jerusalém, do século I, e no ideário judaico polissêmico e polimorfo de seus dias [8]. Quanto ao estudo técnico focado no próprio evangelho joanino, hoje a preocupação tem dado mais lugar ao debruçar sobre o produto final e sua fixação [9].

Outras questões também se avolumam, de nível textual [10], etc., mas que viriam ao caso em um empreendimento de maior escopo do que o presente texto.

Algo que tomaremos aqui se refere a um tema joanino importantíssimo. Vamos apresentá-lo por uma passagem emblemática:

Quando a mulher dá a luz, ela sente tristeza, porque a sua hora chegou; mas quando ela deu à luz à criança, não se lembra mais da sua aflição, mas enche-se toda de alegria por ter nascido um homem para o mundo.                                                                                     João 16.21
Versão “Tradução Ecumênica da Bíbla”, Paulinas e Edições Loyola.


O contexto remete a Jesus consolando seus discípulos diante de um panorama que parece assolador, de perseguição e tristeza, os animando a manterem-se perseverantes. E a imagem do parto é evocada.

Em quê, e em onde, podemos reportá-la?

Vamos viajar para uma famosa passagem de outro livro do Novo Testamento. Concedendo que o “Apocalipse” situa-se no mesmo ambiente dos demais escritos joaninos, em comunidades afins e provavelmente da mesma região [11] [quanto a compartilhar autoria ou pelo menos à mesma pessoa que de que o(s) autor(es) se serviu (ram), não vem ao caso e deixo em aberto], podemos retomar uma outra passagem que versa sobre parto/nascimento, de forma igualmente dramática.

Apareceu no céu um sinal extraordinário: uma mulher vestida do sol, com a lua debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça. Ela estava grávida e gritava de dor, pois estava para dar à luz. Então apareceu no céu outro sinal: um enorme dragão vermelho com sete cabeças e dez chifres, tendo sobre as cabeças sete coroas. Sua cauda arrastou consigo um terço das estrelas do céu, lançando-as na terra. O dragão colocou-se diante da mulher que estava para dar à luz, para devorar o seu filho no momento em que nascesse. Ela deu à luz um filho, um homem, que governará todas as nações com cetro de ferro. Seu filho foi arrebatado para junto de Deus e de seu trono.                                                       Apocalipse 12:1-5
Nova Versão Internacional.

Um breve comentário sobre essa passagem pode nos ajudar a iluminar a ambiência em João.

Vemos a figura do sol, a lua e doze estrelas. Retoma o sonho de José em Gênesis 37.9. No apócrifo “Testamento de Abraão” Abraão e Sara são apresentados como o sol e lua para Isaque.

Agora, confiramos estas passagens:

Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem [ estou consciente de que o termpo diretamente empregado para 'virgem' no hebraico é b’tullah, e não almah, mas por argumentos que não vêm ao caso aprofundar aqui compreendo que a tradução por 'virgem' não é inapropriada, em todo caso, não interfere em nosso raciocínio apresentado no tópicoconceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel. Is. 7:14

Canta alegremente, ó estéril, que não deste à luz; rompe em cântico, e exclama com alegria, tu que não tiveste dores de parto; porque mais são os filhos da mulher solitária, do que os filhos da casada, diz o SENHOR. Is. 54:1

Antes que estivesse de parto, deu à luz; antes que lhe viessem as dores, deu à luz um menino. Quem jamais ouviu tal coisa? Quem viu coisas semelhantes? Poder-se-ia fazer nascer uma terra num só dia? Nasceria uma nação de uma só vez? Mas Sião esteve de parto e já deu à luz seus filhos. Abriria eu a madre, e não geraria? diz o SENHOR; geraria eu, e fecharia a madre? diz o teu Deus. Regozijai-vos com Jerusalém, e alegrai-vos por ela, vós todos os que a amais; enchei-vos por ela de alegria, todos os que por ela pranteastes; Is.66:7-10

Portanto os entregará até ao tempo em que a que está de parto tiver dado à luz; então o restante de seus irmãos voltará aos filhos de Israel. Miquéias 5:3

Proclamarei o decreto: o SENHOR me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. Salmo 2:7

Na versão Almeida Corrigida e Revisada Fiel.

Temos aí então a referência à tradição profética do “remanescente justo e piedoso de Israel”, com a esperança messiânica brotando de seu purgar. Temos nos Manuscritos do Mar Morto, especialmente no rolo 1QIsª, a evocação também do justo fiel de Israel em trabalhos de parto.

Dragões e monstros marinhos costumavam serem usados pelos israelitas para se referirem às grandes divindades dos povos “pagãos” e assim, simbolizar o poder deles, em um enfrentamento com Deus; mais além também remetia à conflitos cósmicos nos primórdios da criação, com uma revolta contra Deus por parte das forças do caos.

Entre os que me reconhecem incluirei Raabe e Babilônia, além da Filístia, de Tiro, e também da Etiópia, como se tivessem nascido em Sião.  Salmo 87:4

Fizeste em pedaços as cabeças do Leviatã, e o deste por mantimento aos habitantes do deserto. Salmo 74:14

Tu dominas o ímpeto do mar; quando as suas ondas se levantam, tu as fazes aquietar. Tu quebraste a Raabe como se fora ferida de morte; espalhaste os teus inimigos com o teu braço forte. Salmo 89:9

Naquele dia o SENHOR castigará com a sua dura espada, grande e forte, o Leviatã, serpente veloz, e o leviatã, a serpente tortuosa, e matará o dragão, que está no mar. Is.27:1

Poderás tirar com anzol o Leviatã, ou ligarás a sua língua com uma corda? Jó 41:2

Versões Almeida Corrigida, Revisada e Fiel.

Deus não refreia a sua ira; até o séquito de Raabe encolheu-se diante dos seus pés. Jó 9.13

Com seu poder agitou violentamente o mar; com sua sabedoria despedaçou Raabe. E isso tudo é apenas a borda das suas obras! Um suave sussurro é o que ouvimos dele. Mas quem poderá compreender o trovão do seu poder?    Jó 26.12
Nova Versão Internacional


Fala, e dize: Assim diz o Senhor DEUS: Eis-me contra ti, ó Faraó, rei do Egito, grande dragão, que pousas no meio dos teus rios, e que dizes: O meu rio é meu, e eu o fiz para mim. Ezequiel 29:3
Leviatã
Almeida Corrigida, Revisada e Fiel


Em textos como 2Baruque, Leviatã é morto e servido no banquete messiânico para os justos.

Importante então notarmos como tal passagem reverbera o conflito terreno dos justos do povo de Deus contra as forças opressoras dos grandes poderes geopolíticos, ligado ao conflito cósmico das forças do caos contra o plano de YWHW para a redenção do seu povo e da criação.

Agora, então, temos uma paisagem mais ampla para contemplarmos o tema no evangelho joanino. Diante do quadro de que o mal está vencendo, os fiéis devem lembrar que haverá um julgamento que subverterá a lógica e o poder dos opressores. Esse juizo provocará temor em todos, será assombroso mesmo para os justos que o testemunharão, e terrível para os infiéis dentre o povo. Remetendo o sermão à linguagem profética:

Ali mesmo o pavor os dominou; contorceram-se como a mulher no parto. Salmo 48:6

Ficarão apavorados, dores e aflições os dominarão; eles se contorcerão como a mulher em trabalho de parto. Olharão chocados uns para os outros, com os rostos em fogo. Is 13:8

Diante disso fiquei tomado de angústia, Tive dores como as de uma mulher em trabalho de parto; estou tão transtornado que não posso ouvir, tão atônito que não posso ver. Is. 21:3

Como a mulher grávida prestes a dar à luz se contorce e grita de dor, assim estamos nós na tua presença, ó Senhor. Is. 26:17

Fiquei muito tempo em silêncio, e me contive, calado. Mas agora, como mulher em trabalho de parto, eu grito, gemo e respiro ofegante. Is. 42:14

Ouvi um grito, como de mulher em trabalho de parto, como a agonia de uma mulher ao dar à luz o primeiro filho. É o grito da cidade de Sião, que está ofegante e estende as mãos, dizendo: "Ai de mim! Estou desfalecendo. Minha vida está nas mãos de assassinos! Jeremias 4.:1

O que você dirá quando sobre você dominarem aqueles que você sempre teve como aliados? Você não irá sentir dores como as de uma mulher em trabalho de parto? Jr. 13:21

Você que está entronizada no Líbano, que está aninhada em prédios de cedro, como você gemerá quando lhe vierem as dores de parto, dores como as de uma mulher que está para dar à luz!  Jr. 22:23

Pergunte e veja: Pode um homem dar à luz? Por que vejo, então, todos os homens com as mãos no estômago, como uma mulher em trabalho de parto? Por que estão pálidos todos os rostos? Jr. 30:6

Vejam! Uma águia, subindo e planando, estende as asas sobre Bozra. Naquele dia, a coragem dos guerreiros de Edom será como a de uma mulher dando à luz. Jr.49:22-24

Quando o rei da Babilônia ouviu relatos sobre eles, as suas mãos amoleceram. A angústia tomou conta dele, dores como as de uma mulher dando à luz. Jr. 50:43

Agora, por que gritar tão alto? Você não tem rei? Seu conselheiro morreu, para que a dor seja tão forte como a de uma mulher em trabalho de parto? Contorça-se em agonia, ó cidade de Sião, como a mulher em trabalho de parto, porque agora terá que deixar os seus muros para habitar em campo aberto. Você irá para a Babilônia, e lá você será libertada. Lá o Senhor a resgatará da mão dos seus inimigos. Miquéias 4:9-10
N.V.I.

Compartilhando a perspectiva mais ampliada em que esta ideia vem inserida, advém então a redenção messiânica, e a paz advinda do partilhar da vindicação final do Messias e comungar com ele então, que é o ápice da ideia desenvolvida neste capítulo 16.

Assim também agora vós tendes tristeza; mas outra vez vos verei; o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém poderá tirar.                                                       v s.22
Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passas por aflições, mas tenham bom ânimo; eu venci o mundo. vs 33
T.E.B.

Senhor, no meio de aflição te buscaram; quando os disciplinaste sussurraram uma oração. Como a mulher grávida prestes a dar à luz se contorce e grita de dor, assim estamos nós na tua presença, ó Senhor.Nós engravidamos e nos contorcemos de dor, mas demos à luz o vento. Não trouxemos salvação à terra; não demos à luz os habitantes do mundo. Mas os teus mortos viverão; seus corpos ressuscitarão. Vocês, que voltaram ao pó, acordem e cantem de alegria. O teu orvalho é orvalho de luz; a terra dará à luz os seus mortos. Vá, meu povo, entre em seus quartos e tranque as portas; esconda-se por um momento, até que tenha passado a ira dele. Vejam! O Senhor está saindo da sua habitação para castigar os moradores da terra por suas iniqüidades. A terra mostrará o sangue derramado sobre ela; não mais encobrirá os seus mortos. Is.26:16-21

Cante, ó estéril, você que nunca teve um filho; irrompa em canto, grite de alegria, você que nunca esteve em trabalho de parto; porque mais são os filhos da mulher abandonada do que os daquela que tem marido", diz o Senhor. "Alargue o lugar de sua tenda, estenda bem as cortinas de sua tenda, não o impeça; estique suas cordas, firme suas estacas. Pois você se estenderá para a direita e para a esquerda; seus descendentes desapossarão nações e se instalarão em suas cidades abandonadas. " "Não tenha medo; você não sofrerá vergonha. Não tema o constrangimento; você não será humilhada. Você esquecerá a vergonha de sua juventude e não se lembrará mais da humilhação de sua viuvez. Is 54:1-4

Antes de entrar em trabalho de parto, ela dá à luz; antes de lhe sobrevirem as dores, ela ganha um menino. Quem já ouviu uma coisa dessas? Quem já viu tais coisas? Pode uma nação nascer num só dia, ou, pode-se dar à luz um povo num instante? Pois Sião ainda estava em trabalho de parto, e deu à luz seus filhos. Acaso faço chegar a hora do parto e não faço nascer? ", diz o Senhor. "Acaso fecho o ventre, sendo que eu faço dar à luz? ", pergunta o seu Deus. "Regozijem-se com Jerusalém e alegrem-se por ela, todos vocês que a amam; regozijem-se muito com ela, todos vocês que por ela pranteiam. Pois vocês irão mamar e saciar-se em seus seios reconfortantes, e beberão à vontade e se deleitarão em sua fartura.” Pois assim diz o Senhor: "Estenderei para ela a paz como um rio e a riqueza das nações como uma corrente avassaladora; vocês serão amamentados nos braços dela e acalentados em seus joelhos. Assim como uma mãe consola seu filho, também eu os consolarei; em Jerusalém vocês serão consolados". Quando vocês virem isso, o seu coração se regozijará, e vocês florescerão como a relva; a mão do Senhor estará com os seus servos, mas a sua ira será contra os seus adversários. Is. 66:7-14

Por isso os israelitas serão abandonados até que dê à luz a que está em trabalho de parto. Então o restante dos irmãos do governante voltarão para unir-se aos israelitas. Ele se estabelecerá e os pastoreará na força do Senhor, na majestade do nome do Senhor, o seu Deus. E eles viverão em segurança, pois a grandeza dele alcançará os confins da Terra. Mq 5:3-4

Chegam-lhe dores como as da mulher em trabalho de parto, mas ele não é uma criança inteligente; quando chega a hora, não sai do ventre que abrigou. "Eu os redimirei do poder da sepultura; eu os resgatarei da morte. Onde estão, ó morte, as suas pragas? Onde está, ó sepultura, a sua destruição? Oséias 13:13-14
N.V.I.

Tem-se aonde tanto o evangelho de João quanto o Apocalipse combinam com textos da literatura apocalíptica judaica que viam o estabelecimento do advento messiânico e o governo de Deus consumando um período de intensa tribulação, como os “Oráculos Sibilinos” 3.796-808; 2Baruque 70.2-8; 4 Esdras 6.24; 9.1-12; 13.29-31; IQM 12.9; 19.1,2. [12]

Está consoante com Marcos 13 e paralelos, abordando também o remanescente fiel dos dias que precedem o juizo divino e plenificação messiânica; também I Co 15:24,25, com Paulo. Vide também I Pedro 4:12-19. Assim, podemos ver neste ponto uma magnífica orquestra de diferentes e independentes tradições cristãs contemporâneas participando da mesma música escatológica, do mesmo tema e expectativa. Algo que aponta fortemente para sua origem comum, seu epicentro fundamental.

Ainda que em João prevaleça o tratamento da escatologia realizada [13], a tensão /ainda não é fortemente afirmada, em que a era redimida está em gestação mas ainda não fora consumada, e ainda se esperavam as “últimas coisas”, e, embora a “vida eterna” - Jo.3.16 - esteja disponível, ela ainda aguarda se estabelecer – o próprio termo ζωή αἰώνιος literalmente significa “vida do mundo porvir”.


Bibliografia
[1] Um livro seminal da época, que sistematiza essa Nova Perspectiva em sua emergência, é de Stephen S. Smalley, “John: Evangelist and Interpreter”.

[2] De forma emblemática, tal perspectiva é bem expressa por Rudolff Bulltman em Teologia do Novo Testamento, volume 2, pg. 437-438.

[3] Luciano de Samósata. "Wisdow of Nigrinus", Lucian, v.I

[4] Richard Bauckham. Testimony of the Beloved Disciple, The: Narrative, History, and Theology in the Gospel of John ; no capítulo "The Qunram Community and the Gospel of John" – p.125-135

[5] Para um tratamento da contextualidade cronológica, geográfica e histórica, e o pano de fundo arqueológico, ver os dois volumes de Craig S. Keener, "The Gospel of John: a commentary".

[6] Bauckham, op. Cit., Historiographical Characteristics of the Gospel of John – 93-113

[7] Ben Witherington, “John's Wisdom” p. 18-21

[8] Confira, na obra editada por Richard Bauckham e Carl Mosser, The Gospel of John and Christian Theology, o capítulo “The Historical Reability of John's Gospel: From What Perspective Should It be Asseded?” de Craig S. Evans, p.92-118

[9] Paul N. Anderson, "The Fourth Gospel and the Quest for Jesus: Modern Foundations Reconsidered”, p.43-44.

[ 10] Para uma polêmica perspicaz sobre questões de nível de unidade estilística e narrativa, confira especialmente Alan Culpepper, "Anatomy of the Fourth Gospel: a study in literary design", que apresenta uma ênfase maior na unidade. Discussões complementares sobre passagens-chave para a questão, sugere-se Ernst Haenchen, "The Gospel of John - vl. 2", especialmente páginas 126-28.

[11] Ótimas discussões a respeito: quanto a possível alcance do evangelho em seu contexto, Richard Bauckham, no já citado “Testimony of the Beloved Disciple, The: Narrative, History, and Theology in the Gospel of John”, cap. "The Audience of the Gospel of John", p.113-125.
Quanto  a especificamente o entremear do ambiente comunitário da composição, e a audiência do livro do Apocalipse em interface com o evangelho joanino, “The Book of Revelation and the Johannine Apocalyptic Tradition”, por John M. Court p.8-14; pelo mesmo estudioso, na obra “The Johannine Literature”, editada por Barnabas Lindars, R. Alan Culpepper, Ruth B. Edwards, John M. Court, capítulo "Comentaries on and Studies of the Book Of Revelation”  p.283-296

[12] Michael Lattke, “On the Jewish Background of the Synoptic Concept 'The Kingdow of God”, em The Kingdom of God in the teaching of Jesus, editado por Bruce Chilton, p. 72-91

[13] C. H. Dodd, The Interpretation of the Fourth Gospel, p.144-149. Contrabalançado por John T. Carroll, "Present and Future in Fourth Gospel Eschatology", p. 63-69.

domingo, 1 de agosto de 2010

Documentário traz nova abordagem sobre a autoria dos Manuscritos do Mar Morto



Foi ao ar neste último dia 27 de julho um documentário do canal NatGeo (National Geographic). Aparentemente o arqueólogo Robert Cargill, após penetrar o subterrâneo do Santuário do Livro em Jerusalém, conseguiu descobrir alguma nova e talvez descisiva pista sobre a história daqueles que produziram os manuscritos de Qumran. De acordo com a nova proposição, a ortodoxa hipótese de que os textos foram produto da comunidade dos essênios irá cair definitivamente por terra. Mais informações podem ser vistas na matéria do UCLA Today. Podemos encontrar também uma breve descrição do documentário no próprio blog do Dr. Cargill. Mais informações podem ser vistas também no artigo "Biblical Mystery of Dead Sea Scrolls Solved?", publicado pela Fox News. A próxima apresentação do NatGeo será neste dia 3 de agosto. Infelizmente ainda não descobri uma forma de acompanhar tal transmissão online em tempo real. De qualquer forma, vale a pena conferir o que virá pela frente.

Ps. O documentário pode ser encontrado através do sistema torrent. É só procurar por "National Geographic Writing the Dead Sea Scrolls torrent" no google.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Messianismos no contexto da emergência do movimento cristão


O cenário está efervescente como nunca no campo dos estudos do messianismo judaico do século I em interface com o movimento de Jesus de Nazaré. Neste cenário, o aforisma de Nietzsche que dizia “os positivistas dizem: fatos é o que há; eu porém vos digo: fatos é o que não há, o que á são interpretações” se mostra sobremaneira aplicável.

Por exemplo, a grande controvérsia no momento é sobre a tábua descoberta com inscrições que podem significar uma imagem de um messias que morreria e ressuscitaria em três dias. Essa é a inscrição em Inglês : http://www.bib-arch.org/news/dssinstone_english.pdf
Temos aqui as linhas que estão no centro do debate, e as lacunas:




80. In three days […], I, Gabri’el …[??..],
81. the Prince of Princes,[…], narrow holes[??..] …[…]…

O estudo sobre o tablete foi publicado primeiramente na Biblical Archeological Rewiew por Ada Yardeni.

As possíveis fontes interpretativas mais envolvidas na perspectiva do “Apocalipse de Gabriel” são muito bem delineadas por Edward Cook, sobretudo como um “mix” de Zc. 11.8, Ageu 2.6 e Dn. 8.26, e possivelmente pelo que delinea, através de uma hermenêutica na perspectiva tipológica da Sod, usada por intérpretes judaicos das escrituras para descobrir um significado místico profundo em passagens.

Polêmicas quanto a leitura da inscrição em si , se puder realmente ser tomado como autêntica a leitura quanto à perspectiva da ressurreição no terceiro dia, diversas correntes já se formaram.

http://www.bpnews.net/BPFirstPerson.asp?ID=28435
http://www.reuters.com/article/newsOne/idUSL088075320080708
http://www.catholicnewsagency.com/new.php?n=13168
http://www.nysun.com/opinion/blurry-vision-of-gabriel/81384/
http://www.garyhabermas.com/articles/gabrielsvision1/gabrielsvision.htm
http://bibliahebraica.blogspot.com/2008/08/knohl-suffering-messiah.html
http://michaelsheiser.com/PaleoBabble/2009/11/more-media-paleobabble-on-the-gabriel-stone/

Para algumas mais extremistas, comprovaria, de forma relativamente similar como antes se polemizava por uma cristologia tomada diretamente de mitos pagãos, que a perspectiva messiânica dos primeiros cristãos foi criada folcloricamente através dessa visão do messias sofredor pré-cristã em Israel.

Outra, como a do Professor Israel Knohl, mais moderada, defende que disso se depreende com certeza a auto-consciência messiânica de Jesus, e sua missão direcionada para um empreendimento revolucionário voltado à libertação de Israel.

Ainda outras apontam para que isso solidifica ainda mais o enraizamento e contextualização do cristianismo nascente com o ambiente judaico de sua época, ainda que não se possa dizer nunca de um ambiente judaico “puro”, livre de qualquer helenismo; e que tal como outras perspectivas messiânicas, Jesus teria compartilhado pontos importantes e rejeitado outros igualmente importantes, seja na do messias davídico, o sacerdotal, o da figura escatológica, e a do messias catastrófico.

Ainda fica a pergunta, que por enquanto não se tem como extrapolar a simples conjectura, se esse entendimento tinha a ver com uma ressurreição antecipando e inaugurando a ressurreição escatológica, tal como os cristãos interpretavam.

De qualquer forma, algo que ficou bem estabelecido, é o apelo à modéstia e cautela ao trabalhar com a construção da figura histórica de Jesus. Muitos, inclusive uma boa parcela dos que aderem à primeira posição, tinham por si que seria impossível serem históricass as passagens em que Jesus falava sobre sua morte e ressurreição; seria uma projeção do Querigma, por parte dos evangelistas, em formato de narrativa histórica vívida. Por que não viam como ele poderia tecer essa consideração sobre seu destino; não concordavam com ele estabelecer uma cobrança dos discípulos para com esse entendimento profético, devendo ser uma fábula ajustada para um programa teológico. Isso dito com o ar de cientificidade de quem está examinando num microscópio eletrônico os cloroplastos de uma célula vegetal. Contudo, não corresponde às mesmas exigências de corroboração que esta atende, nem se infere de uma necessidade lógica. Apesar de ser uma hipótese que pode ser válida, foi tratada por alguns bons nomes como muito mais do que isso.

Como em qualquer abordagem, as teorias e modelos conceituais sempre viciam as apreensões dos dados. Contudo, como testes de verificação, instrumentos de aferição (não há microscópios eletrônicos que levem alguém a voltar ao passado e filmar o que acontecia) e análises estatísticas aqui são severamente limitados, sem contar as concorrências dentre paradigmas abrangentes, a margem para esse preenchimento aqui é maior do que em em ciências naturais.

De qualquer forma, não seria inusitado uma perspectiva, fora do cristianismo, do Messias como Servo Sofredor.

Dentre alguns exemplos, pode-se citar, na Pesikta Rabbati, uma coleção midráshica medieval compilada de tradições judaicas palestinas dos IV-V séculos, onde encontramos um comentário rabínico, com referências especialmente ao Salmo 22, sobre uma figura sofredora-redentora do Messias, que pode indicar uma dívida a uma tradição muito mais precoce, seguida pelo comentarista:





…in the year when the Messiah appears, the Patriarchs will ask him whether he is displeased with Israel because of the affliction he endured on their account…The Patriarchs will arise and say…thou didst suffer for the iniquities of our children, and terrible ordeals befell thee, such ordeal as did not befall earlier generations or later ones; for the sake of Israel thou didst become a laughingstock and a derision among the nations of the earth; and didst sit in darkness, in thick darkness, and thine eyes saw no light, and thy skin cleaved to thy bones, and thy body was as dry as a piece of wood; and thine eyes grew dim from fasting, and thy strength was dried up like a potsherd—all these afflictions on account of the iniquities of our children, all these because of thy desire to have our children benefit by that goodness which the Holy One, blessed be He, will bestow in abundance upon Israel…our true Messiah…will be shut up in prison, a time when the nations of the world will gnash their teeth at him every day, wink their eyes at one another in derision of him, nod their heads at him in contempt, open wide their lips to guffaw - loud course burst of laughter -, as is said All they that see me laugh me to scorn; they shoot out the lip, they shake the head ; My strength is dried up like a potsherd; and my tongue cleaveth to my throat; and thou layest me in the dust of death Moreover, they will roar over him like lions, as is said They open wide their mouth against me, as a ravening and roaring lion. I am poured out like water, and all my bones are out of joint; my heart is become like wax; it is melted in mine inmost parts.


Em 36.2, encontramos:




In the seven days prior to the coming of the Son of David, they'll iron beams and put on his neck until his body's and bend it and yell wail. Then your voice will sound in the highest heavens, and he says to God: 'Lord of the universe, as you can still support my strength? As my spirit, my soul, the members of my body will be support? I'm not flesh and blood?' It was because of the suffering of the Son of David that David expressed regret, saying, 'My strength is dried as a bit'. During this suffering, the One God, blessed be, will say "the Son of David 'Ephraim, my true Messiah, you took this suffering on himself long ago, during the six days of creation. And now, your pain is my pain'. The answer that the Messiah: 'Now I'm glad. It is enough to be a servant as his Lord'.

Também há uma obra judaica do século XIII, Zohar, na passagem 2:21 2a, em que ocorre uma ligação mística do sofrimento do Messias a Israel (algo bem próximo da perspectiva de Knohl). O livro The Messiah Texts de Raphael Patai apresenta uma história de Nachman de Bratslav, rabino do séc. XVIII, representando uma alegoria em que um vice-rei representaria Israel e o Messias identificados no sofrimento vicário.

Além dessa controvérsia, o importante é o grande panorama descortinado sobre o messianismo e a esperança judaica que foi marcante para a formação do cristianismo; cada vez mais, qualquer reducionismo ao tentar delimitar os traços para a formação do pensamento de Jesus defronta-se com algo que se apresenta como um caleidoscópio, e não uma lente monocular. Deixo um texto de Craig A. Evans que, embora não trate da polêmica da descoberta da inscrição mencionada aqui, é um explêndido subsídio para uma janela com visão ampla e geral sobre este assunto, que pode dar uma orientação consistente para reflexões concisas, considerando as questões-limites colocadas no horizonte da época: Messianic Hopes and Messianic Figures in Late Antiquity..

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Os Essênios, Qumran e o Movimento de Jesus


A despeito de algumas contradições nos Manuscritos de Qumran, sobre a seita das cavernas e algumas descrições dos essênios nas fontes clássicas – Philo de Alexandria, Josefo e Plínio, o Velho [há que levar-se em consideração que, especialmente Philo e Plínio, eles obtiveram suas fontes sobre os essênios longe de ser em primeira mão] – Geza Vermes apontou três considerações principais que associam-nos:

1 – Não existe outro local, a não ser Qumran, que corresponda ao assentamento essênio descrito por Plínio entre Jericó e Engendi.
2 – Cronologicamente falando, as atividades essênias descritas por Josefo como tendo lugar no período de Jônatas Macabeus (c.150 a.C.) e a primeira guerra dos judeus (66-70 d.C.) coincidem perfeitamente com a ocupação sectária em Qumran.
3 – As semelhanças da vida em comunidade, a organização e os costumes são fundamentais para confirmar a identificação das duas entidades como algo extremamente provável, na medida em que algumas óbvias diferenças entre elas possam ser explicadas [como, p.ex., no movimento essênio nas cidades, não havia a distribuição comunal-igualitária dos bens obrigatória; a que se considerar o isolamento no deserto, e o convívio público e institucional no meio urbano; no isolamento, as exigências para com pureza e total e integral dedicação de bens, tempo, comportamento, era mais rígida].

Considera também que na seita de Qumram, dois movimentos distintos estavam incorporados, contemplando dois séculos de desenvolvimento, havendo também certa maleabilidade na compilação e transmissão literária. Particularmente, considero apenas que se deve ter a ressalva de não os considerar como representativo geral dos essênios.


Sabemos que com os manuscritos do Mar Morto, desabaram algumas vinculações mais estreitas dentre Jesus e os apóstolos com os essênios, que se especulavam antes desde Renan, p.ex., a partir dos estudos dos textos de Josefo.Tal é muito bem apontado por Joseph Fitzmyer. Mas ainda assim, há muitos paralelos e questões importantes para compreendermos o surgimento, do movimento de João Batista, e do movimento de Jesus, e do próprio cristianismo.

Com as cartas Pseudo-Clementinas, tornou-se evidente que à época de Jesus haviam segmentos de gnosticismo judaico; ou seja, precedendo em muito o gnosticismo dissidente do cristianismo.

Vindo à tona os textos mandeos, na década de 20 do século passado, conheceu-se um movimento batista judaico, pré-cristão. Espalhado na Palestina e Síria.

Também temos conhecimentos de mestres itinerantes que se atribuíam poderes excepcionais, tal como nos informa Atos 5 e Josefo; nomes como Judas e Teudas.

A seita dos se auto-atribuía o nome de Nova Aliança, similar à Kainê Diathekê – Novo Testamento. Veneravam o Mestre da Justiça. James Vanderkam apresenta que eles possuiam um banquete comunitário, e há fragmentos aludindo à presença do Messias durante tal, embora em Qumran menciona-se, no Preceito do Messianismo, que tal refeição era presidida por dois Messias.

Se identificavam como a voz que proclamava no deserto para o arrependimento de Israel e a vinda do Messias e a vitória sobre as forças pagãs e vindicação de Israel [4QpSalmo 3.1; 1QSamuel 8.1216; 11.16-12.24]. Lembra-se que em Ezequiel – 47.1,2,12- e Zacarias – 14.8 haviam profecias que associavam os sinais escatológicos emanando através do último Templo para o Deserto e ao Mar Morto, tornando as águas deste potáveis.

Havia um banho batismal para admissão, contudo, eram repetidos, e não uma única vez. Havia a repartição do bem comum, contudo esta era obrigatória, e administrada, havendo um ofício de administrador para tal. Na comunidade cristã primitiva era livre e espontânea, considerada fruto do impulso do Espírito. No episódio de Ananias e Safira, registra-se que não eram obrigados a levar, podiam guardá-los, embora não tentar ludibriar afirmando terem levado tudo, retendo partes secretamente, para angariar prestígio.

O Evangelho de João é o que apresenta mais paralelos. Há uma passagem da Regra que remonta à inteligência divina como mediadora da criação, embora o que se tem é que ambos remetam à reflexões sapienciais, como registrado em alguns Salmos, Provérbios, Sirácida e Sabedoria.

No Evangelho também, parece haver uma dupla sugestividade, entre a Palavra de Deus no judaísmo, com o conceito helênico do Logos, que adentrara no judaísmo helenizado.

Algumas questões chamam a atenção, seriam atitudes de Jesus que provocariam repúdio na seita. Quando ele comentando da Lei, acrescentando eu porém vos digo, isto seria inadmissível para os essênios e sua concepção legalista. Tais antíteses destoam do mestre da justiça, e a questão do sábado oferece uma clivagem bem pronunciada, vide as regras sabáticas dos manuscritos de Damasco. Eles eram especialmente legalistas em relação ao Sabbath, muito rigorosos a este respeito.

O texto joanino apresenta uma polêmica aberta contra o Templo, sendo um de seus motivos. Josefo declara que os essênios enviavam ofertas ao Templo, sem participar do culto nele. Nos manuscritos não se tem nada claro quanto ao relacionamento deles com o Templo. Pode-se indicar que suas preocupações, antes do que com o Templo, eram de não se misturar às outras formas de judaísmo no culto.

O ascetismo deles também não admitiria a postura de Jesus, que era chamado de comilão e beberrão. Nem com sua postura de mandar os discípulos proclamarem sua missão até sobre os telhados.

Um ponto de contato.

Um ponto de contato que poderia ter se dado, seria através do movimento de João Batista.

Houveram primeiros discípulos de Jesus que antes foram de João Batista. Em boa parte da literatura cristã primitiva, como nas Pseudo-Clementinas, podemos ver que nos primórdios da constituição das igrejas cristãs, o grupo de João Batista foi rival da igreja. O Evangelho de João ressalta que João não era o Messias, nem se assumia ou reinvidicava como tal, antes, aguardava a vinda e a vitória definitiva do Messias.*

André – João 1.40, e o discípulo anônimo a quem o evangelho constantemente remete, adviera do círculo de João Batista. Em Mateus 11.10, Eis aí eu envio diante da tua face o meu mensageiro, o qual preparará o teu caminho diante de ti, pode sugerir que Jesus iniciou seu ministério depois de ter se iniciado no círculo de João. Oscar Cullmann, deveras, escreve que Mateus 11.11 é frequentemente traduzido de maneira equivocada, em que corrigindo seria assim Jesus declara: _Aquele que é o menor (isto é, Jesus enquanto discípulo) é maior do que ele (João Batista), no reino dos Céus.

Pelo evangelho de Lucas, somos informados que João, antes de começar também seu ministério e vivera nos desertos de Judá, local onde se encontrava cavernas e o convento dos essênios. Destarte, é plausível constatar seus contatos, de fato quase impossível negar; sendo precipitado afirmar que ele chegara a ser essênio, todavia retiraria dali influências, reflexões, que ele levara para seu movimento e pregação.

O movimento de Jesus, tendo guardado elementos do movimento de João Batista, contudo reelaborou-os e de certa forma, promoveu assim contrastes e até oposições mais nítidas para com a linha essênica. O mestre da justiça era um sacerdote legalista, tendo morrido e depois venerado como profeta. Foi considerado um mártir de sua mensagem. Jesus, entretanto, assumia na sua morte um papel de acordo com os planos de Deus; dizia que dava sua vida voluntariamente para o papel que assumia . O profeta não assumira um papel de redenção. O evangelho de João não só assume uma postura crítica ao Templo, como expõe Jesus assumindo o papel que o Templo deveria assumir, de encontro do Céu com a Terra, da presença de Deus com os homens. Assim, como Oscar Cullmann pondera, não é improvável que homens como o mestre da justiça sejam os que o evangelho tem presente no capítulo 10 [de João] _Todos os que vieram antes de mim são salteadores....

Um importante ponto a notar a respeito, se dá atentando a resposta que Jesus dera aos discípulos de João quando indagado se era quem estavam aguardando, apresentando os sinais do Reino dos Céus:

Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres são proclamadas as boas novas. Lucas 7.22.

Geza Vermes aponta que no fragmento da Ressurreição dos manuscritos do Mar Morto, esses eram apresentados como sinais do advento do cumprimento escatológico. As curas também eram proclamadas assim no Preceito da Comunidade 4:6.

Uma outra questão, é que o movimento essênio não é intrinsecamente indissociável do mestre da justiça. Josefo, Filo de Alexandria, e Plínio, esmiuçando a seita, não comentaram sobre ele. Antes dos Rolos do Mar Morto, mal se tinha o que dizer a respeito de tal personagem. Diametralmente oposto o que ocorre na igreja cristã.

Há um outro importante ponto de contato: o círculo que se integrou ao movimento de Jesus, conhecido como os judeus helenistas, que contava com personagens importantíssimos como Estevão. Posteriormente, comentaremos a respeito.


*Nesse ponto, me afasto de uma opinião de Dominic Crossan, que sustenta que João aguardava a intervenção direta de Deus para consumar a história e inaugurar seu Reino em imediato. Para mim fica claro, até mesmo pelas próprias passagens que Crossan expõe para sustentar sua posição, que João, sim, esperava a iminência escatológica, mas vinda de Deus por parte do Messias. A esse cabia instaurar de vez o Reino de Deus. Quando ele dizia Eu batizo com água; mas, no meio de vós, está quem vós não conheceis, o qual vem após mim, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias – João 1.26 - ele contrapunha à sua pessoa; ele – quem vinha após ele, ou seja, punha no mesmo plano. Não se imagina que se referiria a Deus nesses termos, antes usaria algumas das alusões convencionais referentes. Por mais que pensemos no antropomorfismo comum para com YHWH, é muito forçado que João remeteria a Deus em termos de desatar as sandálias, antes do que alguém como o Messias, que embora no mesmo plano, fosse de categoria superior. Assim também quando ele envia discípulos a perguntar a Jesus És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?, em Lucas 7.19, se deixa claro que não esperava YHWH vindo de imediato, mas antes seu Messias.

Crossan, Jean Dominic. O Jesus Histórico. Imago Editora, Rio de Janeiro, 1994.

Cullman, Oscar. A significação dos textos de Qumran para o estudo das origens cristãs, in : Das Origens do Evangelho à Formação da Teologia Cristã Ed. Novo Século. São Paulo, 2000.

Fitzmyer, Joseph A. 101 Perguntas Sobre os Manuscritos do Mar Morto. Ed. Loyola, São Paulo, 1997.

Josefo, Flávio. História dos Hebreus: Antiguidades Judaicas, XVIII, 1,5. CPAD. São Paulo, 2006.

Vanderkam, James C. Os manuscritos do Mar Morto hoje. Ed. Objetiva. Rio de Janeiro, 1995.

Vermes, Geza. Os Manuscritos do Mar Morto. Ed.Mercuryo. São Paulo. 2ªed.,2004.

Wright, Nichollas Thomas. Jesus and the Victory of God, Christian Origins and the Question of God, Vl. 2. Augsburg Fortress, 1996.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O Hino posterior à Ceia

Mateus 26, 30 - "Depois de terem cantado o hino, saíram para o monte das Oliveiras."


Encontrei no apócrifo Atos de João uma referência à continuação possível deste versículo, contendo o Hino anterior à paixão, realizado após a última ceia.

"Antes que fosse preso pelo julgamento dos Judeus, O Mestre nos reuniu a todos e disse:
"Antes que eu seja entregues a eles, cantaremos um hino ao Pai e, em seguida, iremos ao encontro daquilo que nos espera."
Ele pediu que nos déssemos as mãos em roda e colocando-se no meio, disse:"Respondei-me Amém."
Começou , então a cantar um hino que dizia: "Gloria ao Pai". E nós ao redor lhe respondíamos:"Amém".
"Glória á Graça; glória ao Espírito; glória ao Santo; glória a sua glória." - Amém.
"Nós o louvamos, ó Pai; nós lhe damos graças, ó Luz em que não habita as trevas." - Amém.
"Agora direi porque damos graças:"
"Devo ser salvo e salvarei." - Amém.
"Devo ser liberto e libertarei."-Amém.[...]


Segundo as notas da Bíblia de Jerusalém e da Bíblia do Peregrino, o hino cantado se refere aos chamados Salmos do Hallel, sl 113-118, cuja recitação encerravam a ceia pascal.De qualquer forma, trata-se de um momento que deve ter sido de rara beleza, um último canto fraternal entre Jesus e seus discípulos, naquele momento de sabida despedida.Segundo o texto Salmos de Aleluia :"A tradição judaica sugere que os Salmos 113-118 eram cantados na Páscoa. Os Salmos 113 e 114 eram cantados antes da refeição da Páscoa; os Salmos 115-118, depois. O Salmo 136, o Grande Hallel, era cantado no ponto mais alto da festa."Sobre a palavra Hallel, encontramos aqui uma boa explanação.

Elaine Pagels, no livro Além de toda Crença (2004:132), postula que o autor desconhecido dos atos de João tenha incorporado a doutrina joanina (do evangelho de João) para postular conceitos gnósticos normalmente associados ao Evangelho de Tomé:

"É evidente que quem compôs este hino encontrou no Evangelho de João inspiração para o tipo de ensinamento que com mais frequência associamos a Tomé, pois aqui Jesus convida os discípulos a se se verem nele:

'O que estou prestes a sofrer te pertence. Pois de maneira alguma poderias compreender o que sofres se eu não tivesse sido enviado a ti como verbo [logos] pelo Pai [...] se soubesses como sofrer, serias capaz de não sofrer´


Então, na Dança da Cruz, Jesus diz que sofre a fim de revelar a natureza do sofrimento humano e ensinar o paradoxo que o Buda também ensinou: quem ganha consciência do sofrimento simultaneamente se liberta dele."


A passagem é extremamente interessante, pois nos mostra indícios típicos de práticas de ascese mística impulsionadas por canto e dança em comunhão. Tais práticas podiam ser vistas já em textos encontrados em Qumran tais como o Canto dos Sacrifícios do Sabbath no qual os praticantes possivelmente ascendiam a uma dimensão superior povoada por anjos. Tais viagens místicas faziam parte de uma tradição judaica que estava se desenvolvendo ali logo nos primórdios do cristianismo (e muito bem estudada por Gershon Scholen em seu famoso livro A mística judaica, Ed. Perspectiva, São Paulo. 1972.) - os viajantes da Merkabah (ou o carro divino)! Nos é bem factível a visão de uma reunião de um grupo cristão gnóstico, baseando-se neste texto dos Atos de João, realizando a cerimônia da eucaristía e uma dança mística posterior. Eles provavelmente entravam em uma faixa psíquica diferenciada, através do ritmo e repetição musicais, embalados ainda por movimentos da dança. De certa forma, tal especulação me lembrou dos praticantes sufi do Dervish, dançando em círculos (como neste video do youtube).

Aparentemente, nos parece estranha esta associação entre cristianismo e dança, logo ali nos seus primórdios. No entanto, se observarmos, por exemplo, várias das práticas dos movimentos pentecostais hoje em dia, tal estranhamento desaparecerá no mesmo instante.

Ps. Sobre as diferenças e ligações entre as práticas e concepções teológicas dos sufistas e o cristianismo, sugiro este bem detalhado texto escrito por John Gilchrist, como tópico de uma obra maior chamada Muhammad and the Religion of Islam.
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