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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Quem Eles Dizem Que Eu Sou? Os Historiadores, Jesus e os Evangelhos - Parte 5.1 - Jesus nos Livros de História, segundo Graeme Clarke




A Chamada de São Mateus, Amerighi Caravaggio, 1599-1600,
 Igreja São Luigi de Francesi, Roma, via wikipedia commons  
 
Ao longo dos posts dessa série, apresentamos várias abordagens utilizadas pelos estudiosos na pesquisa do Jesus Histórico, primeiramente observando que, tradicionalmente, o campo esta dividido entre aqueles estudiosos que enfatizam a análise do texto em relação ao contexto histórico e social em que foram produzidos -  principalmente quando refletem detalhes da realidade histórica e geografica especifica da Palestina, no período em que Jesus teria exercido seu ministério (décadas de 20 e 30 DC), não se enquadrando no contexto anos anteriores ou  posteriores,   e informações de dificil obtenção por alguém que vivia distante daquela região e daquele contexto, como os evangelistas - e a partir da analise dos elementos relevantes das fontes, buscam estabelecer - a partir de uma abordagem de plausibilidade - e identificar um conjunto coerente de elementos que permitam estruturar retratos e narrativas verossimilares de Jesus, tendo em vista o contexto em que viveu, e o impacto que causou.

Uma outra corrente de estudiosos tende a enfatizar os critérios de historicidade, como relatamos no terceiro post dessa série, como os de múltipla atestação e constrangimento, que são expressões de principios de análise histórica, com algumas adaptações para a realidade específica do cristianismo primitivo.  Postulam, respectivamente, que os elementos atestados em várias correntes de tradição (Marcos, Q, L, M, e Paulo), e/ou em várias formas literárias (parábolas, histórias de debates, histórias de milagres, aforismos) indicam que são mais antigos que as unidades da tradição em que foram encontrados;  e que elementos no texto, que vão contra a sua tendência global sugerem que alguma informação autêntica sobreviveu ao processo editorial,  ou seja, se elementos que não atendem com interesses e motivos dos cristãos primitivos, (ou mesmo constragem) são mantidos na tradição, podemos inferir que a principal razão e que fossem suficientemente conhecidos para serem negados ou omitidos, sendo utilizados, por exemplo, por adversários dos cristãos, e dessa forma, tinham que ser explicados de alguma forma, mesmo que não fosse convincente. Observamos que, em geral, os estudiosos que tendem a abordagem por critérios tendem a ser mais minimalistas do que aqueles que utilizam a análise de plausibilidade/contexto. 

Por fim, abordamos estudiosos que esboçaram novas metodologias para manejo do problema do Jesus Histórico e das origens do cristianismo como a combinação de critérios (constrangimento e múltipla atestação) e plausibilidade contextual proposta por John Dominic Crossan, a inovadora abordagem,   da atestação recorrente, elaborada a partir dos estudos da memória, proposta por Dale Alisson e a reabilitação do critério de traços de aramaico, em conjunto com o de plausibilidade, por Maurice Casey.

Mas como essas várias abordagens se interligam? A quais conclusões, a partir do uso dessas várias metodologias, podemos chegar a respeito do Jesus Histórico? Afinal, o que se pode se dizer da figura de Jesus, a partir do método historico? 

Para situar os leitores do adcummulus, nesse e nos próximos posts vamos buscar identificar em alguns trabalhos sobre as origens do cristianismo, as metodologias apresentadas ao longo da série, ligando assim história e historiografia. Começamos analisando o trabalho de:

Graeme Clarke    
 
Ceia de Emaus, Caravaggio, National Gallery London, 1601
via Wikipedia Commons 

Graeme W Clarke, é Professor da Faculdade de História da Universidade Nacional da Austrália, e anteriormente, Professor de Estudos Clássicos na Universidade de Melbourne, além de fellow da Academia Australiana de Humanidades, e seu trabalho se concentra nas áreas de arqueologia  e estudos da Antiguidade Clássica.

Professor Graeme esboça uma história das origens e expansão do cristianismo até a Destruição do Templo (70 DC) em um capítulo integrante do volume X da prestigiosa Cambridge Ancient History [1], publicado em 1996. Inicialmente, ele descreve seu método de trabalho, no que se refere as fontes, os criterios para sua avaliação, e identifica os elementos  considerados consensuais entre os estudiosos, de forma a escrever uma biografia de Jesus


 "I have chosen a few generally non-controversial features of the ministry of Jesus for these one is necessarily reliant upon the evidence of the synoptic gospels (composed in their present form near or generally after the destruction of the Temple, the chronological terminus of this study). But for the most part I have prefered to follow as far as possible the contemporary witness of Paul and his associates (supplemented, unavoidably, by the addiyional testimony of Acts). (Tradução"Eu escolhi alguns poucos elementos geralmente não controversos do ministério de Jesus, nos quais somos  necessariamente dependentes da evidência dos evangelhos sinóticos (compostas em sua forma atual, na época ou pouco depois da destruição do Templo, o limite cronológico deste estudo). Mas para a maior parte eu preferi seguir, tanto quanto possível, o testemunho contemporâneo de Paulo e seus companheiros (complementado, inevitavelmente, pelo testemunho addiyional de Atos).[1]

Assim, como fonte principal para o ministério de Jesus, o Professor Clarke utiliza os evangelhos sinóticos, enquanto para a Igreja no periodo apostólico, a base são as cartas de Paulo, complementadas pelos Atos dos Apostolos. Ele emprega especial atenção aos elementos considerados consensuais entre os estudiosos.


That way I hope to eschew as much as I can the anachronic perceptions of the early Christian past (embedded in the canon as it become later formed) as Christianity developed its own self-awareness and its own sense of separate identity and sought legitimation for those developments in its preferred accounts of its past (tradução) Dessa forma, espero evitar, tanto quanto eu puder as percepções anacrônicas do passado cristã primitiva (incorporado no cânon, tal qual ele se formou depois) como o cristianismo desenvolveu a sua própria auto-consciência e seu próprio senso de identidade separada e buscou legitimação para aqueles desenvolvimentos em suas contas preferenciais do  seu passado [1].


Desta forma, Professor Clarke inicia sua abordagem a partir do contexto da Galiléia e Judéia dos anos 30 DC, observando a possível existência nos relatos evangélicos de elementos anacrônicos. Um anacronismo, usando a definição da Wikipedia, "é um erro em cronologia, expressada na falta de alinhamento, consonância ou correspondência com uma época. Ocorre quando pessoas, eventos, palavras, objetos, costumes, sentimentos, pensamentos ou outras coisas que pertencem a uma determinada época são erroneamente retratados em outra época" [2]. Em análise histórica, a identificação de anacronismos é fundamental. Assim, por exemplo, no século XV, o filologista Lorenzo Valla (1407-1457) demonstrou que o documento conhecido como Doação de Constatino - em que aquele Imperador teria transferido territórios e propriedades a Igreja e  reconhecido a primazia do Bispo de Roma - era uma fraude. Fez isso apontando numerosos elementos no documento, supostamente elaborado em 315 DC, que não correspondiam ao contexto histórico do início do século IV, tais como: são mencionados títulos não empregados pelos romanos, como Sátrapa; é feita referência a Sé de Constantinopla (que ainda era Bizâncio, e não tinha um Patriarcado na época); Bizâncio é referida como província, quando era apenas uma cidade; Os membros do clero deveriam ser  chamados de consules e patrícios, mas Roma tinha apenas dois consules e os patrícios constituiam uma classe social, não uma posição. Adicionalmente, o latim não corresponde ao período, e sim a épocas posteriores [2]. Desta forma, hoje se acredita que o documento apresenta características que se adequam melhor ao contexto da ascensão dos Carolingios, sob Pepino, o Breve, no  século VIII, entre os clérigos do Palácio de Latrão, em Roma, ou na própria corte dos reis francos [3]. Ou seja, foi possível identificar a fraude, e apontar o momento histórico mais plausível para sua elaboração, demonstrando que nas condições do século IV, o documento seria anacrônico, ao passo que no contexto da aliança dos Reis  Francos e o Papa Estevão II, e reconhecimento dos carolíngios como sucessores do Império Ocidental em detrimento dos Imperadores Bizantinos, há verossimilhança.             
                                                                                             
Considerando que os evangelhos foram provavelmente escritos pela segunda e/ou terceira geração de cristãos (65-135 DC), com objetivo de edificar os crentes e trazer homens e mulheres a nova Fé. Essas pessoas viviam em um contexto altamente urbanizado, plenamente inseridas numa ordem politica estabelecida por Roma (Pax Romana), e sob tendências culturais, sociais, filosóficas e religiosas helenistas prevalecentes no Mediterrâneo desde as conquistas de Alexandre o Grande e intensificadas mais ainda pelo domínio romano, de caráter sincrético e sempre em mutação, num processo de globalização. Tal realidade é muito diferente, quase antagônica, das áreas periféricas  e rurais da Galiléia onde as narrativas evangélicas são situadas - ressentidas tanto do domínio romano quanto dos deuses e costumes pagãos das  "ilhas"  gentias urbanas, como Séforis e Tiberíades. Assim, é esperado que o núcleo de memórias históricas fosse expandido, reduzido, truncado ou remodelado em termos das expectativas,      necessidades e percepções teológicas de autores e leitores situados em um contexto, um Sitz im Leben, completamente distinto. Assim, identificar e separar o material anacrônico - situando Jesus de Nazaré naquele ambiente, entre os vários líderes carismáticos e seus movimentos, como João Batista - e suas atividades implica que o núcleo restante,  de elementos verossimilares em relação ao contexto   histórico e social da Palestina dos anos 30 DC, esta apto a, pelo menos, reivindicar     historicidade.
            
    
"Into such religious context with its ferment of debate and diversity fit the movements of John Baptist (urging a renewal of Israel in the wilderness and a new passage through the "sea" of the Jordan) and of Jesus of Nazareth round about AD 30 (christian sources being at pains somewhat apologetically , to subordinate the former to the latter). Jesus central activities of teaching in the synagogues, attending the Temple servicess, keeping the festivals - and disputing with other teachers (especially represented, at least in latter tradition, as sharpenin his views against those Pharisees) - these place him in the mainstream of contemporary religious occupations. (Tradução) Em tal contexto religioso com o seu fermento de debate e diversidade ajustar os movimentos de João Batista (pedindo uma renovação de Israel no deserto e uma nova passagem pelo "aguas" do Jordão) e de Jesus de Nazaré em cerca de 30 DC (fontes cristãs lutam, de forma um  tanto apologeticamente, subordinar o primeiro ao segunda). As atividades centrais de Jesus, como ensinar nas sinagogas, frequentar os serviços do Templo, observar os   festivais - e disputando com outros professores (destacando principalmente, pelo menos na tradição posterior,  suas disputas contra os fariseus) - o colocam no mainstream das questões religiosas de seus contemporâneos [4].


Ou seja, ainda que as narrativas dos evangelhos sinóticos  dos ministérios de João Batista e Jesus de Nazaré possam apresentar muitos, senão a maioria de feitos e ditos potencialmente suspeitos de anacronismo em favor das necessidades teológicas da Igreja Primitiva, eles são apresentados em termos globais, como profetas e mestres carismáticos típicos com o que sabemos de seu tempo  e do contexto que viviam, mas não tanto com o Sitz im Leben em que os evangelhos foram escritos.  Anteriormente observamos aqui no adcummulus, em um post dessa série, que tal fato é bastante relevante. Porque os evangelhos de Marcos, Lucas e Mateus foram escritos e tinham como publico alvo, indivíduos que viviam em um contexto completamente diferente daquele em que Jesus e João viveram - como os destinatários das cartas paulinas e gerais, por exemplo, endereçadas  a comunidades em grandes  cidades como Corinto, Tessalonica, Filipos, Roma, Antioquia, enquanto Jesus é retratado nos evangelhos quase exclusivamente na Chora, istoé, a região rural e as pequenas vilas do interior da Galiléia. Como dissemos ao discutir o trabalho do Professor Geoffrey Maurice de St de Croix, "existe um abismo entre o mundo que os cristãos primitivos viviam (os grandes centros urbanos helenísticos da Siria, Grécia, Asia Menor e Roma) com o mundo em que os evangelhos retratam (as pequenas vilas e areas rurais, e , no máximo, as periferias e arredores das poucas cidades helenisticas da Galiléia e Pereia) [5]. Nas palavras do Professor Ste Croix  os "(...) evangelhos sinóticos são unânimes e consistentes em localizar a missão de Jesus inteiramente no campo , não dentro do polis propriamente dita e, portanto, fora dos limites reais da civilização helenística. Parece-me inconcebível que isso pode ser devido ao Evangelistas, que (como vimos) estavam dispostos a dignificar uma vila obscura como Nazaré, ou Cafarnaum com o título de polis, mas certamente não rebaixariam a condição dos lugares que mencionam, tornando em distrito uma polis que é mencionada em suas fontes. Concluo, portanto, que a este respeito os Evangelistas refletem exatamente a situação que encontraram em suas fontes, e parece-me que essas fontes muito provávelmente apresentam um retrato fiel do locus geral da atividade de Jesus. [6]

 A dissonância se reflete assim não só em termos de contexto mas também em termos de perfis. Como nos ensina o Professor David Flusser "Uma leitura imparcial dos evangelhos sinóticos resulta num quadro que é mais característico de um fazedor de milagres e pregador judeu do que de redentor da humanidade"[7]. O que é repetido com outras palavras pelo  Professor  Geza Vermes "os traços mais notáveis do retrato de Jesus nos Sinópticos, o de um curandeiro e exorcista carismático, mestre e campeão do Reino de Deus, são essencialmente dependentes da figura histórica que outros escritores do Novo Testamento progressivamente mascararam"[8]. Desta forma, como já discutimos aqui no blog, os estudos destes pesquisadores  apontam que  "(...) o contorno, da figura de Jesus nos sinóticos é de um realizador de milagres e pregador, que esta em dissonância, em discontinuidade, com o Cristo das epístolas e da pregação cristã posterior (...), istoé, os evangelhos sinóticos apresentam um contorno geral de Jesus poderoso em palavras e atos, nas pequenas vilas e aldeias da Galíleia, em dissonância com a pregação do Cristo querigmático (...)[9]. Tal fato é ainda mais significativo porque esse perfil é conservado até mesmo por círculos cristãos no qual a relevância  e a encarnação era questionada, e para os quais Jesus apenas parecia ser humano. No inicio do seculo II DC, o herege Basilides pregava que Jesus "apareceu na Terra em forma humana" (Irineu de Lyon, Contra as Heresias, Livro I, capítulo 24, seção 4) - implicando que a humanidade de Cristo era apenas aparente, talvez como os dissidentes de I João que admitiam que Jesus tinha vindo, mas não em carne -, no entanto, o Cristo de Basilides "realizou milagres" e foi até condenado a crucificação,  mas no último minuto "Simão, um homem de Cirene, sendo chamado, levou a cruz em seu lugar; e foi transfigurado para parecer com ele, para que acreditassem que ele era Jesus, e o crucificassem, por ignorância e erro, enquanto Jesus recebeu a forma de Simão, e estando de longe, ria deles" (Contra as Heresias 1:24:4). Outro arquiherege, Apelles, também mantinha que Jesus havia "aparecido" no tempo de Pôncio Pilatos, e que viveu entre nós foi crucificado, e ressuscitou ao 3° dia, aceitando o grosso  da narrativa evangélica [Hipolito de Roma, Refutação de Todas as Heresias, Livro VII, capítulo 26]. Assim, como também concluimos em posts anteriores, "proto-ortodoxos, ebionitas, marcionitas, gnosticos docéticos e separacionistas conservam o esqueleto básico dessa narrativa, quase como um ancestral comum, mesmo que não o enfatizem"[9]. A questão não era sobre os feitos de Jesus, sua pregação e milagres, de que tinha sido enviado por Deus. O ponto era a natureza da sua manifestação. O grosso da tradição evangélica, assim, não opôs doceticos, separacionistas, ebionitas e proto-ortodoxos. 

Salomé com a Cabeça de João Batista, Caravaggio,
1609-1610, National Gallery London, via Wikipedia Commons

 E interessante, nessa linha, que ao resumir o Ministério de Jesus em sua pregação nas ruas de Jerusalém, Atós dos Apóstolos descreve Pedro pregando "(...) Varões Israelitas: escutai estas palavras: Jesus, o nazareno, varão aprovado por Deus entre vós com milagres, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no meio de vós, como vós mesmos bem sabeis; a este, que foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, vós matastes, crucificando-o pelas mãos de iníquos; ao qual Deus ressuscitou, rompendo os grilhões da morte, pois não era possível que fosse retido por ela (Atos 2:22-24)". Tal mensagem, do Jesus poderoso em palavras e atos, é muito enfatizada nos escritos lucanos, tal qual na narrativa dos discipulos em Emaús (Lucas 24:19) e a pregação de Pedro na Casa do Centurião Cornélio (Atos 10:38-40), e encontra ressonância nos demais sinóticos (ex: Mateus 4:23 e 9:35) e apresenta um correspondente menos apaixonado na descrição neutra de Flávio Josefo, na parte geralmente considerada autêntica do Testemunho Flaviano "Jesus, homem sábio e realizador de feitos extraordinários (ou controversos)" cuja popularidade ("atraiu muitos judeus e muitos gregos") levou a sua execução ("Pilatos, por causa de uma acusação feita por nossos homens mais proeminentes, o crucificou"). Da mesma forma, entre os oponentes e adversários posteriores, como Celso e os rabinos dos Talmudes, há uma interpretação diversa de fatos semelhantes, Jesus de Nazaré foi pendurado no madeiro pois praticou feitiçaria (o que explicaria seus feitos miraculosos), e por ter levado Israel a pecar (ou seja, era um mestre carismático capaz de "desencaminhar" multidões), ou seja, um mágico e enganador do povo, que encontrou seu castigo.


"An his central concerns fit comfortably into the continuing debate within the Judaism of the day, often characterized as they are with reformist tendencies: concern for Temple purity and cleasing (Mark 11:15ff, Matt 21:12f, Luke 19:45ff, John 2:14ff), concerns for intentional purity of the person (casting out the demons /curing the sick), concerns for love the neighbour (extend even to loving one's enemies, Matt 5:43 ff), concerns for regulating the sexual code of behaviour (with a restrictive view on divorce, Matt. 5:31f, 19:31ff), concerns for giving primacy to moral (as opossed to ceremonial) law (Mark 3:1 ff (healing on the Sabbath). The carpenter from Nazareth in Lower Galilee, with his chosen inner circle of fishermen (that is to say, draw roughly from the small tradesman class) could certanly bluntly reject Mammon and outsponkenly condemn the snares of riches (e.g Matt 6:24=Luke 16:13), but this not prevent him from fraternizing with wealthy tax-gatherers, wordly sinners, women of ill-repute and Gentile (and other social outcasts). (TraduçãoSuas preocupações centrais se ajustam confortavelmente no debate contínuo dentro do Judaísmo de seu tempo, muitas vezes caracterizado por tendências reformistas: preocupação com a pureza e purificação do Templo (Marcos 11:15 ff , Mateus 21:12 f , Lucas 19:45 ff , João 2:14 ss) , preocupações com a pureza intencional da pessoa ( expulsar demônios / curar doentes ), preocupações para amar o próximo ( englobando até o os inimigos, Mateus 5:43 ss) , preocupação em regular o código sexual de comportamento (com uma visão restritiva sobre o divórcio , Mateus. 05:31 f, 19:31 ss) , a ensinamento de dar primazia à lei moral (em relação a lei cerimonial) (Marcos 3:1 ff ( de cura no sábado ) . o carpinteiro de Nazaré na Baixa Galiléia, com seu círculo escolhido de pescadores (ou seja,  a partir dos pequenos  comerciantes) poderia certamente e sem rodeios rejeitar Mamon e condenar violentamente as armadilhas da riqueza (por exemplo, Mateus 6:24 = Lucas 16:13 ) , mas isso não o impediu de confraternizar com ricos coletores de impostos , pecadores mundanos, mulheres de má reputação e os gentios (e outros párias sociais ).[10]


Podemos observar, então, que essa descrição torna Jesus parecido, e muito mais do que o desejado pelos primeiros cristãos, com vários outros pretendentes messiânicos que surgiram na Palestina do século I. Os Atos dos Apóstolos relata como Gamaliel teria convencido os outros líderes judeus a libertar os apóstolos, apontando as semelhanças de Jesus com tantos outros pretendentes messiânicos que já haviam aparecido, como Teudas e Judas Galileu, que também haviam reunido multidões anteriormente. Assim, fica evidente a diferença entre o Jesus encontrado nos evangelhos sinóticos e Atos dos Apostolos, cuja narrativa básica é encontrada nas crenças dos vários grupos cristãos ortodoxos ou não, com o Cristo exaltado das epístolas e da pregação e teologia cristã posterior. Ou seja, os evangelhos sinóticos não enfatizam as reinvidicações teológicas mais ousadas encontradas na literatura cristã do período em que os evagelhos foram escritos.

Assim, além do comportamento de Jesus ser semelhante a de líderes carismáticos judeus do século I, como João Batista, o contexto em que os evangelhos o colocam se ajustam "confortavelmente no debate contínuo dentro do Judaísmo de seu tempo" e  perfeitamente ao que sabemos da Galiléia e Judéia do início do século I DC, pois como já refletimos aqui, a partir do trabalho de vários estudiosos, o fato dos evangelhos se adequarem ao contexto da palestina do século I, e forte evidência de uma tradição oral vibrante que remonta ao ministério de Jesus, e que foi utilizada pelos evangelistas, como observou o Professor L Michael White [11]. Da mesma forma, nos ensina o  Professor GEM de Ste Croix, o mundo retratado nos evangelhos sinóticos, das pequenas vilas e lugarejos rurais da Galiléia, esta em discontinuidade com os grandes centros helenísticos em que os primeiros cristãos viviam,  ainda que fosse interessante para esse cristãos, dado sua realidade de  ver Jesus discutindo filosofia com os filósofos em Séforis ou Tiberiades, indicando fortemente que nesse aspecto os evangelistas reproduziram o que encontraram em suas fontes  Também vale a pena recordar os apontamentos do Professor Fergus Millar [11], de que os evangelhos refletem um mundo que se foi com a primeira guerra judaica, ou seja, embora escritos para uma outra audiência, em outra lingua, décadas depois, realmente refletem realidades e memórias históricas de um "mundo" galileu e rural dos anos 20 e 30 DC. Nesse aspecto eles são complementares a Josefo como fonte para a vida judaica do século I DC.  Por fim, o Professor Gerd Theissen [11] ilustrou algumas situações em que os evangelhos demostram contér tanto "colorido local" e tantos "indicios de familiaridade" que devem ter surgido na Palestina, no periodo em que Jesus exerceu seu ministério.
For what he fervently preached was the urgent need for repentance before the impending eschaton and the people whom he spoke his message were not just the Torah observants: sinners, the unrighteous, had even greater need of his call. There is an increasingly catholic sense of definition of the children of Abraham , the true Israel who might enter upon the kingdom, and a continuos debate with contemorary judaisms about the sufficient and necessary conditions for entering upon that kingdom (now envisaged as so nigh). But what Jesus demanded of his chosen disciples was a renunciation of family and wordly goods, a single minded dedication and a proselytizing zeal to spread the word (e.g Mark 10:28 ff) which ensured that his movement did not remain confined just to sympathetic families and pious followers within Lower Galilee and Jerusalem even after his ignominious death (AD 30); their conviction of his ressurection became the decisive cionfirmation of his messianship. The movement from these local Palestinian origins began to spread. (TraduçãoPois o que ele pregava fervorosamente era a necessidade urgente de arrependimento diante do eschaton iminente e as pessoas com quem ele compartilhou sua mensagem não eram apenas os observavam a Torá : pecadores, injustos, tinha necessidade ainda maior de seu chamado. Há um sentido cada vez mais universal na definição dos filhos de Abraão , o verdadeiro Israel, que poderiam entrar em reino, e um debate contínuo com judaísmos contemporâneas sobre as condições suficientes e necessárias para a entrada nesse reino ( agora percebido como já presente). Mas o que Jesus exigiu de seus discípulos escolhidos foi uma renúncia à família e bens mundanos, um único espírito e dedicação, e  zelo proselitista para espalhar a palavra (por exemplo, Marcos 10:28 ss) que garantiu que o seu movimento não ficou restrito apenas às famílias simpáticas e seguidores devotos dentro Baixa Galiléia e de Jerusalém , mesmo depois de sua morte ignominiosa (30 DC) , a sua convicção de sua ressurreição tornou-se o confirmação decisivo de sua messianidade. O movimento a partir destas origens palestinas locais começarou a se espalhar [12]

A chegada iminente do Reino de Deus, e como as pessoas deveriam se preparar para o Eschaton, segundo o Professor Clarke, era a linha mestra da pregação de Jesus. E se o Reino estava próximo, e a ordem atual com dias contados, fazia sentido ao discípulo deixar tudo para se preparar para o fim, inclusive família e propriedades. Antropólogos e sociologos, há muito tempo observam que esse padrão de comportamento é típico tanto de profetas apocalipticos como de seguidores de profetas apocalípticos ao longo da história [13]. Professor David Aune, da Universidade de Notre Dame, cita a definição utilizada no clássico estudo de Joseph Zigmont, da Universidade de Connecticut, "When Prophecy Fail",   "Ainda que muito diferentes em suas ideologias e estruturas particulares, grupo milenaristas compartilham de uma característica psicológica comum: uma esperança coletiva de que uma transformação radical da ordem existente ocorrerá no futuro imediato através de uma intervenção sobrenatural". Tais movimentos se formam em torno de profecias escatológicas especifícas, de transformação iminente, muitas vezes com data e hora marcada, quando as profecias não se concretizam, o grupo, ou parte dele, ao invés de se dissolver, racionaliza sua frustação e reestrutura suas crenças [14]    Como observa Aune, o trabalho de Johannes Weiss e Albert Schweitzer, no início do século XX, demonstrou que toda carreira de Jesus foi moldada por expectativas escatológicas de intervenção iminente do Senhor na história, e tais conclusões são amplamente aceitas pelos estudiosos desde então (com excessão de um grupo minoritário, mas relevante, de estudiosos norte americanos ligados ao Jesus Seminar). Aune observa que a reação dos cristãos aos eventos imediatos a morte de Jesus são compatíveis com um processo de dissonância cognitiva - em que seus seguidores, confrontados com os eventos traumáticos da horrorosa e vergonhosa morte por crucificação de seu líder e o não estabelecimento imediato do Reino de Deus, reestruturam suas crenças a partir de uma releitura do Antigo Testamento e das aparições do Cristo Ressureto [15]. Ou seja, que o Jesus Histórico era um profeta carismático e apocaliptico, que pregava a vinda imediata do Reino de Deus, poderoso em palavras e atos, é confirmado não só pelo fato de que tal perfil é extremamente compatível com a Galiléia rural dos anos 30 DC - e nem tanto com as necessidades, experiência e preocupações teológicas da segunda e terceira geração de cristãs vivendo em metrópoles como Roma, Corinto, Efeso e Antioquia - mas também pelo fato de que o movimento cristão nascente seguiu um padrão  de desenvolvimento compatível com os de outros grupos apocalipticos seguidores de profetas carismáticos [16].

Referências Bibliograficas
[1] Graeme W Clarke "Origins and Spread of Christianity" In Alan K      Bowman, Eduard Champlin & Andrew Lintott (1996) The Cambridge Ancient History, Volume X, The Augustan Empire, 43 BC - 69 AD)., fls. 849-851
[2] Roger Pearse (2001) The Donation of Constantine and the critique of Lorenzo Valla, http://www.tertullian.org/rpearse/donation/donation_of_constantine.htm, acessado em 18.02.2014           
[3] Jan Nelis (2008) (review) Bryn Mawr Classical Review 2008.02.21 Johannes Fried, "Donation of Constantine" and "Constitutum Constantini". Berlin-New York:  de Gruyter, 2007.
[4] Graeme W Clarke "Origins and Spread of Christianity" In Alan K Bowman, Eduard Champlin & Andrew Lintott (1996) The Cambridge Ancient History, Volume X, The Augustan Empire, 43 BC - 69 AD), fl. 849
[5] "Quem Eles Dizem Que Eu Sou?"- Os Historiadores e Jesus, Parte I: Texto e Contexto (L Michael White, Fergus Millar, Gerd Theissen, GEM Ste Croix), post de 11.10.2011 http://adcummulus.blogspot.com.br/2011/10/quem-eles-dizem-que-eu-sou-os.html,
[6] Geoffrey Ernest Maurice de Ste Croix (1983), The Class Struggle in the Ancient Greek World: From the Arcaic Period to the Arab Conquest, fl. 427. 
[7] David Flusser (1998), Jesus, Editora Perspectiva, fl. 2
[8] Geza Vermes (1998) As Varias Faces de Jesus, Editora Record, fl. 263
[9]  Quem Eles Dizem Que Eu Sou? Os Historiadores e Jesus, Parte II: Tradição, Narrativa e História (David Flusser, Geza Vermes e John M Roberts), post de 28.12.2011, http://adcummulus.blogspot.com.br/2011/12/quem-eles-dizem-que-eu-sou-os.html
[10]  Graeme W Clarke "Origins and Spread of Christianity" In Alan K      Bowman, Eduard Champlin & Andrew Lintott (1996) The Cambridge Ancient History, Volume X, The Augustan Empire, 43 BC - 69 AD), fl. 851
[11]  Quem Eles Dizem Que Eu Sou?"- Os Historiadores e Jesus, Parte I: Texto e Contexto (L Michael White, Fergus Millar, Gerd Theissen, GEM Ste Croix), post de 11.10.2011 http://adcummulus.blogspot.com.br/2011/10/quem-eles-dizem-que-eu-sou-os.html
[12] Graeme W Clarke "Origins and Spread of Christianity" In Alan K Bowman, Eduard Champlin & Andrew Lintott (1996) The Cambridge Ancient History, Volume X, The Augustan Empire, 43 BC - 69 AD), fl. 851
[13] David Aune (2013) Jesus, Gospel Tradition and Paul in the Context of Jewish and Greco Roman Antiquity, fl. 159
[14] Dale Allison (2012) Constructing Jesus, History, Memory and Imagination, fl.148
[15] David Aune (2013) Jesus, Gospel Tradition and Paul in the Context of Jewish and Greco Roman Antiquity, fls. 159-162
[16] Dale Allison (2012) Constructing Jesus, History, Memory and Imagination, fl.148


domingo, 29 de setembro de 2013

Anotações AD CUMMULUS 04 - A escatologia no programa do evangelho joanino e no ideário de seu ambiente - revisado em 30/09

Em uma postagem no AD CUMMULUS, comento brevemente sobre alguns desdobramentos na caracterização das matrizes do evangelho de João. O fio condutor é a crescente “judaização” na concepção do ambientar dos ideários e expressões do documento.

Atravessara um processo interpretativo em que era concebido como um cristianismo já rompido com seu cerne judaico e de configuração helenizada, para um exemplo de expressões cristãs de segmentos marcados pelas religiões esotéricas e de mistério, mesmo já adiantadamente sincrético, passando por uma expressão de uma comunidade fortemente arcana, nos moldes da comunidade de Qumrã, tributária e devedora, ou mesmo emanada de segmentos desta; desembocando hoje para um panorama geral de um cristianismo alicerçado em formas judaicas com fortes marcas hierosolimitas tanto quanto de judaísmos da diáspora em forte polêmica com expressões religiosas mais ligadas ao Templo, no relativamente recente assentar na pesquisa, do polimorfismo que caracterizava a fé judaica daquele período em especial [ Eu particularmente não descarto a influência mesma de grupos samaritanos que ingressaram no cristianismo nos primeiros anos].

Essa conclusão se chega com a análise de correspondência de interpretações e elaborações teológicas do evangelho com documentos inter-testamentários e mesmo a partir de ambientações veterotestamentárias, inclusive de termos empregados que se consideravam antes essencialmente “pagãos”. E como se desdobram na teologia do evangelho em comum com temas característicos de expressões, expectativas, motivos, devoções do judaísmo contemporâneo a ele.

Apresentamos antes no AD CUMMULUS uma análise da linguagem do ”parto” e funções que adquirem nestas tônicas. Mencionaremos aqui mais brevemente [visto ser um tópico que rende extensos volumes no acúmulo da pesquisa], como ilustração de nossos pontos, o tema do “Logos” na introdução do livro.

Este termo recapitula a história da caracterização do evangelho como um todo mencionada. De um exemplo crasso dos motivos helênicos, a apelos de orientações de correntes cristãs esotéricas dissidentes e afeitas às religiões de mistério, à comunidades isolacionistas referenciadas nas comunidades do Mar Morto, para uma ênfase própria da comunidade arrabalde em motivos que, ainda com realces particulares da comunidade cristã, estão imersos no judaísmo de forma mais ampla e permeiam temas indistintos nele.

A princípio, se mostra a ligação com o estoicismo, que era, dentre as filosofias helênicas clássicas, talvez a de maior projeção na segunda metade do século I no império romano, período de transição entre as fases do estoicismo médio e o estoicismo romano mais desenvolvido [ vide: CHAUÍ,Marilena. Introdução à História da Filosofia. Companhia das Letras, 2002. Vl II As escolhas helenistas, pg. 289-90]

O estoicismo promovera uma adaptação ontológica do Logos tal como aparecera antes na filosofia dinâmica de Heráclito de Éfeso (530-470 a.C.), onde no pensamento deste aparece realçada tal como:  “[...] todas as coisas estavam em um determinado curso, e [...] nada permanece da mesma maneira. Entretanto, a ordem e o padrão podem ser percebidos em meio ao fluxo e ao refluxo eternos e incessantes das coisas no Logos – o princípio eterno de ordem no universo.” O Logos é o amálgama que confere unidade a tudo o que existe, que na representação da natureza por Heráclito em que a essência é a própria variação, o Logos é o Uno.  A filosofia do pensador então encara a pluralidade no Ser como constituída em essência segundo uma concepção monista; Heráclito: "homens são deuses e deuses são homens, porque o Logos é um só"[Hipólito, Refutações, IX, 10,6)].

No estoicismo também o Logos é a integração da totalidade das coisas, racionalidade que impede sua dissipação, embora no modelo estoico o Universo seja menos dinâmico, com o Logos interpenetrando nos seres ao invés de impulsionando a dinamicidade do devir.

Esta concepção em si, de um princípio abstrato impessoal e imanente não seria a apropriada para caracterizar o Logos tal como no prólogo Joanino, que o representa como transcendente mas volitivamente interatuante com o mundo, passivo de encarnação.

Criaram-se dificuldades para apresentar modelos explicativos sobre como se daria o processo de apropriação e ressignificação de fontes por parte de quem produzira o evangelho joanino. Cullmann aponta (pg. 331) que não se encontrara material, do século I, de suporte para a tese de Bultmann sobre o mito do Redentor Celestial gnóstico que baixou à terra análogo à concepção cristã; os indícios é que o gnosticismo partilhara de muitas fontes em comum com a igreja nascente. Contudo,em religiões antigas vê-se divindades portadoras da revelação as quais eram referidas como Logos, tal qual Hermes e o deus egípcio Thot. Nos textos mandeos, o Logos é associado à uma figura prototípica do “homem”.

Situação que perdurou até que convencionou-se propor como resposta, que tal se dera de forma mediada pelos escritos do erudito judeu-helenizado Fílon de Alexandria. Ele trabalhara com categorias medioplatônicas e estóicas no seu pensamento promovendo aportes para uma apresentação sistemática filosófica do judaísmo ante audiências helenizadas cultas ou de alto escalão social e político, moldando-as conforme o que julgava adequado para para apologia de sua fé.

Em Fílon, o Logos que toma de empréstimo na filosofia helênica é remodelado para tratar de como se dá a interação da divindade judaica com a criação, e não a criação com sua racionalidade organizadora inerente. Deus é o regente do mundo e o Logos é a razão que Deus imprime ao mundo, a racionalidade em como Deus o rege. É diferenciado de Deus, não uma “hipóstase” sua; é sua Palavra, instrumento prima facie de sua ação criadora, primordial assim a todas as outras coisas: “O que dizemos aproxima-se de um outro texto: 'o Logos divino se constitui como uma fronteira, voz por assim dizer em meio a elementos sem voz, a fim de que todo o Universo faça ouvir uma harmonia como que sob o comando da musa que compõe', pois ele [o Logos] intercede em meio às ameaças dos adversários pela mediação da persuasão, e restitui sua arbitragem.

Não é compartilha status pleno de Deus, mas é a sua imagem em termos da manifestação no mundo criado do cumprimento de sua vontade. Assim ele o identifica com a Torah dada a Moisés (Dufour, 1996, v. I, pg. 31)

 É a expressão da ação de Deus proveniente de seu intelecto. “Separa”, Fílon assinala, “tudo o que é criado, mortal, mutável, profano, de tua concepção de Deus, o incriado, o imutável, o imortal, o sagrado e unicamente santo". Não é Deus mas é distinto do mundo.

Obs. Todas as citações de Fílon extraídas de: REALE, GIOVANNI. “Filo de Alexandria e a 'filosofia mosaica'” - em “A redescoberta do incorpóreo e da transcendência – seção I”, de “História da Filosofia Antiga, vl.IV - As escolas da Era Imperial”. Edições Loyola, pgs. 215- 267.

Em João o Logos é representado em um papel ainda maior do que o de um intermediário: tal como antes da existência de qualquer algo mais que não Deus, remetendo ao prólogo do primeiro livro da Torah, o Logos estava com Deus e era Deus. No começar do livro do Gênesis, à referência “no princípio” - o primeiro termo das escrituras hebraicas - segue-se a ação de Deus, e em João, verbo de ligação, condição de ser. Desde essa singularidade inicial, “havia” ou “existia” o Logos; desde antes do começo do mundo o Logos estava lá. Diferentemente da Sabedoria, ele não é o começo do que apareceu no mundo, como um primeiro elo entre Deus e o mundo ou o primeiro de uma série temporal: ele existe no princípio, de forma absoluta. Ele não pode ser colocado pareado entre as criaturas (Dufour, p. 59). Concomitante, um passo além do que qualquer coisa passiva de ser figurada na filosofia religiosa de Fílon consta na teologia joanina: Que este Logos se fez “carne” no tempo (sarx egeneto) para trazer a revelação.

A construção joanina reporta-se a cenas de materiais escriturísticos judaicos que alimentavam e animavam a fé na amplitude das comunidades cristãs dos primórdios, com destaque a versão da Septuaginta, em que o Logos encontra-se congruente ao hebraico dabar,  como “Palavra” (Dufour, ibid). 

Assim nos equipamos para ver também tal associação com a tradição judaica da Sabedoria: A “Sabedoria” como reflexo da luz eterna - Livro da Sabedoria: 7,26 - e superior à toda luz criada - 7,29. Confira-se também em Sirácida, capítulo 24, e também Provérbios 8,22-31. Em I Henoque 42,12, a Sabedoria "tomou seu assento entre os anjos".

 “Sabedoria de Salomão (submetida já à influência alexandrina), onde lemos no capítulo 18:15: ‘Tua Palavra onipotente sai do trono real como um guerreiro implacável'...” (em Cullmann, p. 335). 

Em targuns aramaicos contemporâneos também vemos tal desenvolvimento: Menra (Palavra) – usada para nomear a presença de Deus, como Targum Onqelos sobre Ex. 3,12; e 19,17

Sem embargo, sugiro que, partilhando de nascentes em comum, das fontes de Fílon e as joaninas jorram córregos diferentes na formação do fluxo de emprego da imagem do Logos. Enquanto em Fílon os motivos eram de ordem ontológica para expressar uma cosmovisão do funcionamento do mundo e a relação de Deus com isto, em João os motivos eram eminentemente escatológicos: o destino do mundo, a partir de sua criação até o momento em que julgava fulcral nesta narrativa com o advento do Messias e o desembocar da história numa nova criação. Isto pode parecer em um momento algo muito estranho, dado que convencionalmente pensamos no evangelho como advogando uma escatologia realizada em um momento em que já se desvanecia o fervor escatológico.

Em consonância com o apresentado no estudo de caso sobre a imagem do parto na literatura joanina, neste comentário informal vou pontuar que podemos não só relativizar esta convenção colocando-a sob um prisma maior, como também pretendo assinalar que, compartilhando com atmosfera mais ampla da constelação de comunidades cristãs no século I este tema, podemos conceber que, concordando que nesta altura já não se tinha mais a mesma frenesi escatológica dos meados da década de 30 às iniciais da década de 50, significa que esta temática da nova criação é um aspecto crucial da fé do cristianismo nascente. Minha pretensão aqui neste texto é apenas lançar uma provocação para algo que pode ser melhor desenvolvido, um ponto de partida dentro de uma concepção de uma das funções na biblioblogosfera como sendo também de  instigar discussões concisas e fecundas.

Considero que o Prólogo não é carregado prima facie enquanto função poética, mas função apelativa; mais do que apenas uma abertura solene para suscitar espírito de devoção ao ler a narrativa, está ali para dar uma ideia do programa compreensivo e significado da mensagem que se pretende passar com o evangelho. Desta forma, possui uma estrutura de código que inclui uma retórica com enunciação e conclusão. O emprego de “no princípio” vem carregado com a elaboração de ideias sobre um novo gênesis da parte do poder redentor.

Ele proporciona uma ponte em que se liga a missão do Messias fundamentando-a numa teologia da criação. Em controvérsias quanto as questões religiosas, os evangelhos apresentam – apresentando assim o entendimento do ambiente de vida nos quais foram produzidos – Jesus referenciando-se numa teologia da criação, enquanto reforço da autoridade de sua interpretação ante a outras metodologias de outros mestres religiosos judaicos.
  • Então, lhe perguntaram: Quem és tu? Respondeu-lhes Jesus: Que é que desde o princípio (archēn) vos tenho dito? (Jo 8.25).
  • Respondeu-lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossa mulher; entretanto, não foi assim desde o principio (archēs) (Mt 19.8).

E na ética do novo modo de vida apregoado, os evangelhos mostram Jesus fundando-se em imagens que representariam o relacionamento provedor de Deus com a criação – Mt 6,25-34; Lc. 12,22-31.

Também círculos cristãos da Ásia Menor (confira nota [11] do texto do AD CUMMULUS linkado aqui no começo [a imagem do parto...]) vemos a associação do Cristo Exaltado com:
  • Ele é o cabeça do corpo, da Igreja. Ele é o princípio (archē), o primogênito de entre os mortos, para em todas as coisas ter a primazia (Cl. 1.18).
  • ... Estas coisas diz o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio (archē) da criação de Deus...(Ap. 3.14).
  • ... ele veste um manto embebido de sangue, e o nome com que e chamado é 'Logos' de Deus. (Ap. 19,13)
  • ... Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio (archē) e o Fim. Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida (Ap. 21.6; 22.13).

*Arche: começo, ponto de partida, princípio, suprema substância subjacente, princípio supremo indemonstrável.

Já nos remetemos à referência do Logos com seu papel na criação, feita à maneira de Fílon contudo aparentemente dotado de um status ainda maior. Se vê neste prólogo também o Logos atuando na redenção do mundo.

Nos detendo ainda na fértil construção joanina do atributo do Logos na criação, visualizamos a ligação com a redenção e o messias redentor. Se retomarmos nosso ponto assinalado em que enfatizamos o quanto o evangelho se remete e buscar sorver primariamente sua teologia no Antigo Testamento, esta ligação íntima entre o processo Criador com o Redentor encontra fundamento nele? Vemos que em textos proféticos especialmente considerados nas expectativas judaicas de redenção, esta se fundava também, para com YWHW enquanto:
YWHW - Criador dos Confins da Terra: Is.40,28
             Criador de Israel Is.43,18
             Criador da Salvação e Justiça Is.45,8

As proezas de salvação e atos de criação intimamente relacionados 41, 17-20; 45,1-8; 47; 48,6. Em Isaías 41,17-20- o retorno dos exilados é proclamado como novo ato recriador. Culmina na proclamação dos Novos Céus e Nova Terra no livro isaiânico posterior, em 65,17.

Ainda em segmentos judaicos variados contemporâneos, dotados de forte ênfase escatológica, vemos esta comparticipação, como em I Henoque, 91,15-16, com o vaticínio da purificação da terra e o conseguinte resplandecer dos “novos Céus e da nova Terra’, 
...chegará o tempo fixado do grande juízo, durante o qual passará o primeiro céu e um novo céu aparecerá e todos os poderes celestes estarão brilhando pelos séculos dos séculos.
  • 4 Esdras 6,25: E acontecerá que qualquer que sobreviver a todas as coisas que eu te predisse será salvo e verá minha salvação e o fim do mundo.
  • Assunção de Moisés 10,1: E então seu reino se manifestará em toda a criação; Satanás já não existirá, e a tristeza irá embora com ele.
  • 4Q52,1: Os céus e a terra escutarão o seu Messias, e ninguém se desviará dos mandamentos dos santo

E é digno de atenção que este ideário encontra-se vinculado a conjuntos cristãos da Ásia Menor, com abordagens teológicas diversas da joanina, contemporaneamente ao Evangelho, como visto em Colossenses: Cristo na Criação 1,15-17; na reconciliação 18-20, 28 e 3,13; Efésios 1,10. E em outro segmento judaico-cristão da diáspora judaica, Hebreus 1,3.

Em outra oportunidade poderemos continuar dando um tratamento mais detalhado e amplo para as asseverações feitas acerca desta questão do evangelho joanino, que exigem um tratamento de tamanho muito mais condizente do que este esboço apresentado. Contudo, espero que este comentário tenha servido para chamar a atenção sobre uma das facetas que considero mais estimulantes nos estudos das origens cristãs, sobretudo na interface dos estudos sobre história, literatura, cultura e imaginários: é como na astronomia, em que algum detalhe acerca de uma luz que chega em um ângulo ao qual ainda não foi reparada, pode fazer raiar aos nossos olhos novas constelações; talvez, não só abre uma nova galáxia a ser explorada como joga novos lampejos sobre o entendimento do cosmo.

Aqui eu tento apresentar novas cores ao evangelho joanino que podem causar estranhamento: muito comum e frequentemente bem estabelecido que é um evangelho numa situação em que buscava-se saber como manter o fervor devocional diante do desvanecer do ardor escatológico, professando uma escatologia realizada [confira observação e nota [13] no texto do AD CUMMULUS linkado aqui no começo (A imagem do parto....)]  ao mesmo tempo que supramundana, somo aqui, ao tratamento dado à imagem do parto, esta abordagem do programa delineado a partir do prólogo: Criação - Redenção - Consumação no renovar do mundo, compartilhando concepções/expectativas de escopos mais amplos do cristianismo nascente. E que isto não vem à tona se esperarmos contar com declarações diretas ou quadros narrativos explícitos, mas com análises da simbologia dentro do mosaico da matriz judaica, onde podemos ver interconexões na literatura veterotestamentária, inter-testamentária e a partir daí, buscarmos ver paralelos em concepções nos legadas em outros documentos cristãos (aqui não abordamos por questão de espaço, materiais na literatura cristã não canônica dos finais do século I e começo do II). 

Advogo que o evangelho está embebido e reelabora a partir da crença de que o Messias já viera na pessoa de Jesus de Nazaré e o enxergar da sua pessoa e obra no quadro mais amplo da ação do Deus de Israel. Do que era concebido um evangelho helênico, à proto-gnóstico ou ocultista, fortalece-se seus alicerces em ideários judaicos amplamente partilhados, ainda que com sua peculiaridade sociológica e deixando entrever o quanto é multifacetado quanto a grupos de seu ambiente (hierosolimitas, judaico-helenistas e samaritanos). 

Coloco que mais além do que os apontamentos particulares, ressoa que a exegese e estudo histórico das ideias contidas no círculo joanino devem assim buscar criteriosa e cuidadosamente tratamentos análogos a midráshicos em pontos que anteriormente não se buscava tal, para desvendar melhor a cultura e visão de mundo que eles reverberam.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Mito como Historia, História como Mito - Parte I -Escavando o Gilgamesh Histórico

MITO COMO HISTÓRIA

Seria interessante refletir sobre alguns pressuspostos, que nos parecem equivocados, que encontramos com frequência, (mas, felizmente não na grande maioria das análises acadêmicas) de que os textos cristãos primitivos são imprestáveis para a análise histórica, que por representarem narrativas religiosas, devem ser "jogados para escanteio". Toda fonte histórica, seja na forma de texto ou artefato, foi produzida por alguém ou por um grupo, com um determinado propósito. Ou seja, possui um viés, em maior ou menor grau. Logo, uma vez que todas as fontes são enviezadas, parciais, não se pode "confiar" totalmente, para efeito de análise histórica, em nenhuma delas. Mas, pela mesma razão, não se pode desprezar nenhuma fonte existente, todas têm, a príncipio, pelo menos o potencial contribuir com algo.

Assim, uma proposta interessante é analisar Jesus e os evangelhos a luz de outras narrativas e figuras da antiguidade, no que se refere a objeção muito comum de que folclore e mito, excluem fato histórico. Como veremos mais adiante, muitas vezes é o contrário, quanto mais "histórico" é o individuo mais elementos "míticos" sua biografia atrairá.

Gilgamesh subjuga um Leão. Alto Relevo Assírio do sec VIII AC (Sargão II) no  Museu do Louvre, Paris
Como um exercício, vamos analisar, nesse e em um próximo post, os evangelhos a luz de duas narrativas que estão indissociávelmente associadas a mitologia, a dos semideuses Gilgamesh, Rei de Uruk e Hércules. Embora nossa opinião seja de que os evangelhos NÃO pertencem a este gênero literário, entendemos que a comparação é instrutiva. (A partir do 3° post, vamos comparar com escritos claramente históricos ou biograficos)

Um caso bastante interessante em que uma narrativa essencialmente mítica se desenvolve em torno de um figura provavelmente histórica.  no Épico de Gilgamesh. Gilgamesh (em acadiano), ou Bilgames (em sumério), é mencionado na lista dos Reis Sumérios, do final do III milênio AC, como tendo sido o quinto Rei da primeira dinastia da cidade de Uruk (a bíblica Ereque, e a moderna Warak, no atual Iraque), por volta 2500-2700 AC [1].  Bilgames é o personagem principal de cinco textos sumerianos, que teriam surgido a partir do final do III milênio AC, de forma independente. Posteriormente, no Primeiro (ou Antigo) Império Babilônico  (2000 a 1600 AC), os textos sumerianos foram compiladas e expandidas, em lingua acadiana, originando a primeira versão dos épicos feitos do Rei de Uruk, agora com o nome acadiano de  Gilgamesh . O desenvolvendo da obra continuou por mais um milênio, chegando a versão "padrão", ou tardia, do Épico, elaborada entre 1300-1100 AC [1]

O épico relata como Gilgamesh, filho de Lugalbanda (ou de um fantasma ou demônio, na lista dos Reis Sumérios), e da deusa Ninsun, duas partes divino e uma parte humano, era Rei de Uruk e oprimia seus súditos. O povo de Uruk pediu o auxílio dos deuses, que atenderam criando Enkidu, o homem selvagem, cuja missão era acabar com a arrogância de Gilgamesh. Através de sonhos, e depois por um aviso de um caçador, Gilgamesh é informado da vinda de Enkidu. Engenhosamente, o Rei de Uruk envia a cortesã Shamhat para atrair o homem selvagem e traze-lo a civilização. Shamhat se relaciona fisicamente com Enkidu, por seis dias e sete noites, e o persuade a acompanha-la a Uruk.[2][3]

Os planos do Rei de Uruk, contudo, não conseguem impedir o que fora estabelecido pelos deuses. Gilgamesh e Enkidu se confrontam tão logo se encontram, mas Gilgamesh é vitorioso. No entanto, surpreendentemente, eles se tornam amigos inseparáveis.[2][3] Acompanhado de Eikidu, Gilgamesh deixa o seu reino e parte para grandes aventuras, encontrando ogros, semi deuses e outros monstros mitologicos como o demônio Humbaba na floresta dos cedros. A deusa Inana tenta seduzir Gilgamesh, e como suas investidas são rejeitadas, ela envia Gugalana, o Touro Celeste, marido da deusa Ereshkigal, contra Gilgamesh, mas ele, com ajuda de Eikidu, derrota e mata o Grande Touro. Por ter interferido, Enkidu é amaldiçoado pelos deuses e morre. Gilgamesh cai em profunda tristeza e chora sobre o corpo de seu amigo dias e dias. Gilgamesh perde a alegria de viver. Os feitos heróicos não o motivam mais.[2][3]


descrevendo o Díluvio, em Acadiano.
(Wikipedia)
Ele então resolve buscar o segredo da imortalidade, que seria conhecido pelo sobrevivente do Dilúvio Utnapishtim. Para chegar até lá, Gilgamesh vai até as montanhas Mâshu para passar pela porta do Sol. A porta é guardada por dois homens-escorpião, "cuja visão é suficiente para causar a morte". O Rei de Uruk fica paralisado de medo e se prostra. No entanto, as feras reconhecem a condição divina de Gilgamesh, e o deixam passar. Gilgamesh cruza então as àguas da morte, com auxílio de Urshanabi, barqueiro de Utnapisthtim. Ao encontrar Utnapishtim, ele conta ao Rei de Uruk tudo o que passou no díluvio e como os deuses lhe deram a imortalidade. Utnapishtim propõe uma prova a Gilgamesh, que deve ficar seis dias e sete noites sem dormir. O herói fracassa retumbantemente, e adormece por seis dias e sete noites. Ao ver a tristeza e arrependimento de Gilgamesh por ter fracassado, Utnapishtim se compadece, e lhe diz aonde encontrar a planta da imortalidade. Gilgamesh vai até o fundo do mar, e obtêm a planta. Logo depois, porém, ele se descuida, e uma serpente, sorrateiramente, rouba a planta. Todo esforço de Gilgamesh para obter a vida eterna havia fracassado. Sua busca  se mostrou infrutífera.[2][3]

No entanto, caros leitores do adcummulus, apesar do Épico ser basicamente um mito, a historicidade de Gilgamesh é geralmente aceita pelos estudiosos.
Como observa Maureen Kovacs [4]:

"There is no doubt that Gilgamesh was a real historical figure who ruled the city of Uruk at the end of the Early Dinastyc II Period (ca 2500-2700 BC). Through no royal inscription are known that would directly estabilish his existence, one person he is associated with in epic is actually attested by contemporary inscription. The Sumerian Epic "Gilgamesh and Agga"mentioned earlier, refer to a war fought between Gilgamesh of Uruk e Agga of the city of Kish, son of Enmebaragessi. This Enmebaragessi is a historically authenticated figure, with two contemporary inscriptions."[5]
(tradução) "Não há dúvida que Gilgamesh foi uma figura histórica que reinou sobre a cidade de Uruk no final do Segundo Período Dinastico Primitivo (2500-2700 AC). Embora não haja nenhuma inscrição real conhecida que estabeleça de forma direta sua historicidade, uma pessoa a qual ele está associado no Épico tem sua existência atestada por uma inscrição contemporânea. O Épico sumeriano "Gilgamesh e Agga" mencionado anteriormente, faz referência a uma guerra entre Gilgamesh de Uruk e Agga da cidade de Kish, filho de Enmebaragessi. Este Enmebaragessi é uma figura histórica atestada em duas inscrições contemporâneas"[4]
Assim não há um texto ou artefato contemporâneo ou semi-contemporâneo que mencione Gilgamesh. No entanto, a historicidade do Rei de Uruk, é geralmente aceita com base em um conjunto de elementos um tanto circunstâncias, o mais importante é fato de que  um dos cinco textos sumerianos anteriores ao épico,  "Gilgamesh e Aga",  relata a guerra entre Gilgamesh de Uruk  e o Rei Aga, filho de Enmebaragesi, de Kish. Tanto Aga, quanto Enmebaragesi, são mencionados  no Épico de Gilgamesh.   O Rei Enmebaragesi é mencionado em duas inscrições contemporâneas.

A Professora Susan Ackerman, do Darthmouth College, nos apresenta alguns detalhes adicionais: 

"Gilgamesh's rule sometime during the second phase of the Early Dinastic Era (ED II) of Sumerian history, which lasted from ca 2700-2500 BCE. . Unfortunately, there are no historical texts confirming the existence of a King Gilgamesh of Uruk that date from this ED II period. although we do have an Early Dinastic votive inscription that bears the name of a King Enmebaragesi of the city state of Kish. This same King Enmebaragesi is also refered to in the later sumerian texts in conjuction with Gilgamesh: in late third-millenium BCE hymn composed in praise of Gilgamesh, for example, and in the epic text, probably of same date, that tells the story a battle between Gilgamesh and Enmebaragesi's son and sucessor Agga (ou Akka). Most scholars suppose that since the King Enmebaragesi of these late third millenium BCE hymns and epics is a known historical figure, so too must be his hymnic and epic counterpart Gilgamesh" [5]
(tradução) "Gilgamesh reinou em algum ponto durante a segunda fase do início da era Dinastica (ED II) da história suméria, entre 2700-2500 AC. Infelizmente, não há textos históricos que confirmam a existência do rei Gilgamesh de Uruk, datando deste período (ED II), embora nós temos uma inscrição votiva dinastica que leva o nome de um certo Enmebaragesi, Rei da cidade-estado de Kish. Este mesmo rei Enmebaragesi também é referido nos textos sumerianos posteriores juntamente com Gilgamesh: no final do terceiro milênio AC, em um hino composto em louvor de Gilgamesh, por exemplo, e no texto épico, provavelmente, de mesma data, que conta a história de uma batalha entre Gilgamesh e o filho e sucessor de Enmebaragesi Agga (OU Akka). A maioria dos estudiosos acreditam que, uma vez que o Rei Enmebaragesi desses hinos e epicos do final do terceiro milênio AC é uma figura de historicidade comprovada, assim também sua contraparte Gilgamesh "[5]

Assim como o Professor Jeffrey Tigay, da Universidade da Pensilvânia
"Although Gilgamesh existence is not confirmed directly by any contemporary inscription of his own which mention him, the likehood that there was a King of this name has been enhanced by the discovery of inscriptions of contemporaneus rulers of Kish and Ur with whom Gilgamesh is associated in epic and historical tradition (...) this is the extent of the historical and biographical information about Gilgamesh available outside the epic and its sumerian forerunners. It tend to support his existence, his date, and therefore his association with certain historical figures, his reconstruction of a shine, and the epic's statement that he built the wall of Uruk (GE I,i, 9-10). It may be that other details in the sumerian and akkadian narratives have a historical basis, but on these we can only speculate [6]
(Tradução) Embora a existência de Gilgamesh não seja confirmada diretamente por nenhuma inscrição contemporâmea de sua autoria que o mencione, a probabilidade que tenha havido um rei como esse nome foi aumentada pela descoberta de inscrições de governantes contemporâneos de Ur e Kish a quem Gilgamesh foi associado no épico e na tradição histórica (...) assim, os elementos históricos e biográficos disponíveis fora do Épico de Gilgamesh e seus antecessores  tendem a dar suporte  a sua existência, periodo em que viveu, , em consequência de sua associação com certas figuras históricas, que reconstruiu um santuário, e a afirmação contida no épico de que ele construiu os muros de Uruk (Épico de Gilgamesh I, i, 9-10). Pode ser que outros detalhes nas narrativas sumeriana e acadiana tenham base histórica, mas sobre eles podemos apenas especular.[6]

Busto em Calcário, possivelmente Lugalkisalsi, Rei de Uruk
Museu do Louvre, via Wikipedia
Recentemente, um outro texto, reforçou a associação de Gilgamesh com outros governantes das cidades estado da Mesotopâmia, cuja a existência é atestada em inscrições contemporâneas. A Inscrição de Tummal, datada do reino de Ishbi Erra (1953-1921 AC), ou cerca de 600 anos após Gilgamesh, é uma crônica do santuário homônimo situado na cidade de Nippur, onde a deusa Ninlil, e seu divino esposo Enlil, eram adorados. A inscrição associa o épico Rei de Uruk com outros governantes contemporâneos, que também teriam contribuido para edificação e restauração do santuário.  Nippur tinha o status de cidade santa na tradição mesotopâmica antiga. Os reis das cidades estados mais poderosas, como Kish, Uruk e Ur, buscavam controlar Nippur (e edifica-la) como forma de demonstrar sua condição politica hegemônica sobre os outros.  Assim o santuário teria recebido benfeitorias por vários governantes, conforme as várias cidades estados se sucediam no domínio da Mesotopâmia. 
Enmebaragesi, o Rei desta cidade (que é Nippur), edificou a Casa de Enlil. Agga, o filho de Enmebaragesi, fez o Tummal proeminente.
Pela primeira vez o Tummal caiu em ruina.
Mesanepada, o Rei, construiu o 'Bursusua' do Templo de Enlil

Meskiagnuma, o Filho de Mesanepada, fez o Tummal esplêndido e introduziu Ninlin lá.
Pela Segunda vez, o Tummal caiu em ruína.
Gilgamesh construiu o Dunumunbura, nos dias de Enlil,
Ur-lugal, o filho de Gilgamesh, fez o Tummal esplndido e introduziu Ninlil lá. [7]

Como observa o Professor Andrew R George, da Universidade de Londres, embora distante do tempo de Gilgamesh em vários séculos, a inscrição de Tummal, em conjunto com as outras inscrições contemporâneas de pessoas mencionadas no ciclo narrativo de Gilgamesh, ainda que evidências indireta, constituem, em conjunto, forte indicativo da historicidade do Rei de Uruk.

"The tummal text is important, neverthelles, because it places Gilgamesh in the company of Enmebaragesi, Mesannepadda, Meskognunna e, talvez, Aannepadda, men who are attested as historical figures by their own inscriptions  (...) On the evidence presented above it seems likely that there was once a King Bilgames in Uruk, just as there may have been in Britain a real King Arthur. But the Gilgamesh of the epic traditions is a literary character, to whom any number of originally disparate traditions have accrued. Its a vain hope to find in history such a hero of legend [7]
(Tradução): A inscrição de Tummal é importante, no entanto, pois coloca Gilgamesh em companhia de Enmebaragesi, Mesannepadda, Meskognunna e, talvez, Aannepadda, homens que são atestados como figuras históricas por suas próprias inscrições (...) A partir da evidência apresentada acima, parece provável que existiu um dia um Rei Bilgames em Uruk, assim como deve ter havido na Inglaterra um Rei Arthur histórico. Mas o Gilgamesh das tradições épicas é um personagem literário, a qual um grande número de tradições disparatadas se acumularam. É uma esperança vã tentar encontrar a história do herói lendário.[7]
Alguns leitores podem ter ficado surpresos, perguntando " Ora, tudo o que sabemos sobre Gilgamesh vem de um relato mitológico, o peíodo que viveu é incerto (2700-2500 AC), os únicos registros externos de sua existência são inscrições do pai de um Rei contra o qual ele teria lutado, inscrições em que Gilgamesh não é sequer mencionado, ou então um texto escrito séculos depois em que Gilgamesh é citado junto com outros reis que teriam existido, então como a sua historicidade pode ser aceita?

Tais questionamentos também são levantados por estudiosos. Por exemplo, Eleanor Robson, Professora do Departamento de Historia e Filosofia da Ciência da Universidade de Cambridge, em uma resenha do livro do Professor Andrew R George, publicada no Bryn Mawr Classical Review (BMCR):




 On the other hand, he is curiously willing to accept the historicity of an original Gilgamesh, king of Uruk some time in the early to mid-third millennium BCE. In fact, the only relevant pieces of evidence are two brief royal inscriptions of (En)-mebarage-si, king of Kish, who according to one Sumerian poem was the father of Gilgamesh's adversary Akka or Aga. This convinces me of nothing historical but suggests instead that a well-known king (En-mebarage-si) was adduced to add pseudo-historicity to this one Sumerian composition
(Tradução) Por outro lado, ele curiosamente tende a aceitar a historicidade de Gilgamesh, Rei de Uruk, em algum momento entre o ínicio e meados do terceiro milênio antes de Cristo. Na verdade, as únicas peças de evidência relevantes são duas breves inscrições reais de (En)-mebarage-si, Rei de Kish, que de acordo com um poema sumeriano foi pai de Akka ou Aga, adversário  de Gilgamesh. Isso não me convence da historicidade de nada, mas apenas sugere que um Rei conhecido foi inserido para conferir pseudo historicidade a aquela composição Suméria. [8]

Ainda assim, como já apontado acima, a posição dominante entre os estudiosos ainda é que o Rei Gilgamesh de Uruk provavelmente existiu.  Tal conclusão se baseia no balanço da evidência disponível, que ainda que não seja suficiente para, conclusivamente, estabelecer a historicidade de  Gilgamesh,  apresenta elementos que, mesmo que insuficientes isoladamente, tomados em conjunto apresentam força consideravel. 
A Lista dos Reis Sumérios, já mencionada, é estruturada de forma a identificar as dinastias das cidades-estados dominantes na antiga Sumer. Assim, a lista, relata que, após o dilúvio, o reinado cabia a dinastia de Kish. Aga, filho de Enmebaragesi, é o último rei listado, pois em seus dias, a hegemonia teria passado para Uruk, posteriormente para Ur. Como adverte o Professor Nicholas Postgate, de Cambridge, o ínicio da lista narra as fantásticas cidades de Eridu, Batbira, Sippar, Larak e Surupak, com seus governantes legendários, que reinaram por milhares de anos [9]. Mesmo para o periodo pós-diluviano, há omissões e vieses extremamente significativos, parte pela limitações das fontes disponíveis ao criadores da lista, em parte pelas motivações políticas que levaram sua elaboração [9]. No entanto, apesar de todas estas dificuldades, Postgate adverte que os estudiosos resistem em abandonar a Lista dos Reis Sumérios como fonte histórica, em parte, por que artefatos contemporâneos corroboram seu conteúdo em alguns pontos, demonstrando que tradições historicas genuínas foram incorporadas (e em parte porque os historiadores, conscientemente ou não, ainda são influenciados por uma peça de propagando de 4000 anos atrás!!!!)  [9].  Assim, Postgate, observa que quando a Lista fala que nações estrangeiras como Mari, Awan e Hamazi exerceram hegemonia, por exemplo, não se pode descartar isso como meras lendas, mas conceder, a princípio, o benefício da dúvida, mesmo quando não há registros contemporâneos de tal domínio [9]. A menção a Gilgamesh na lista, em face do período em que é mencionado, é uma evidência de historicidade, embora pouco significativa.


Mesopotâmia Segundo Milênio AC (via wikipedia)
O texto Gilgamesh e Aga, narra como o Rei de Kish cercou Uruk pois percebeu sua hegemonia sendo contestada por Gilgamesh, e acabou sendo derrotado,  capturado, ainda que poupado. O poema, que, salvo em alguns elementos específicos (como a menção do confronto entre Aga e Gilgamesh) não foi incorporado ao Épico, apresenta estrutura diferenciada dos demais textos relativos ao Rei de Uruk. Einkidu, por exemplo, é agora apenas um valente servo do Rei. A narrativa é centrada em torno de questões internas e externas de cidades-estados da antiga Mesotopâmia, e utiliza, como observa Dina Katz [10], "material tomado da realidade histórica e cria uma impressão de autenticidade pela figura de Gilgamesh apresentada" e tem levado os estudiosos  a utilzarem a narrativa como fonte histórica para alguns aspectos, ainda que haja dúvidas quanto se esse procedimento é recomendável [10].    A inscrição de Tummal também apresenta a posse do santuário de Nippur, que variava conforme a cidade-estado hegêmonicas, e passou entre vários reis sabidamente históricos, e menciona também Gilgamesh.

Assim, temos a menção na Lista dos Reis Sumérios, em um período em que existe comprovação contemporânea da historicidade de outros governantes contemporâneos, como Enmebaragesi, da vizinha Kish. Enmebaragesi, e seu filho Aga são mencionados no Épico. Além disso, o texto Aga e Gilgamesh relata um conflito entre as cidades de Kish e Uruk, de forma plausivel em relação ao que se esperaria naquele contexto e  período. Adicionalmente, Gilgamesh é citado na inscrição de Tummal, que mesmo que escrita séculos depois, o coloca em um contexto claramente histórico, em companhia de governantes atestados por fontes contemporâneas junto com outros reis cuja existência é atestada. Isoladamente, nenhuma dessas evidências é significicativa, e são de natureza circunstâncial, tomadas em conjunto, porém, tem levado a maioria dos estudiosos a concluir que  a menção incidental do Rei Enmebaragesi, e de seu sucessor Aga, é melhor explicada por uma memória histórica de interações deles com Gilgamesh de Uruk.. Assim, por meios indiretos, entendem que é mais provável que Gilgamesh tenha existido, mesmo que não se possa dizer quase nada sobre ele além de que tenha reinado sob Uruk em meados do terceiro milênio antes de Cristo.

Ou seja, leitores do adcummulus, o fato de podermos associar (parte) da narrativa de Gilgamesh, mesmo que de foram mínima, a um contexto histórico específico, é forte elemento na aceitação de sua historicidadea mesma forma, utilizando critérios semelhantes, uma das razões pelo qual a maioria esmagadora dos historiadores especializados no período considera que Jesus muito provavelmente existiu, e que os evangelhos contém um núcleo de informação histórica, é que se contextualizam claramente no período do Segundo Templo do Judaísmo, em uma Judéia e Galiléia cuja a estrutura e organização social é consistente com o que sabemos de outras fontes, que interage com figuras de historicidade bem determinada como Pilatos, Caifas, Anás, Herodes Antipas, e João Batista. Ou seja, os evangelhos contém um número significativo de elementos e detalhes plausíveis e no contexto e verossimilares. Além disso, no caso de Gilgamesh as primeiras fontes e informações biográficas datam de alguns séculos após sua suposta existência, enquanto que para Jesus temos menos de duas décadas para as cartas de Paulo e cerca de 50 anos para os evangelhos, além dos testemunhos, ainda que breves, de Josefo (provavelmente), Tacito, Luciano, Celso, entre outros. Assim a evidência relativa a historicidade de Jesus é muitas mais próxima a sua existência, do que de Gilgamesh. Finalmente, pelo menos parte de seus discipulos é atestada em documentos contemporâneos (Pedro, João e Tiago, irmão de Jesus, em Galátas, por exemplo).
Obviamente, uma melhor comparação poderia ser feita entre Jesus e figuras mais ou menos contemporâneas cujas primeiras fontes remontam de cerca de 50-100 anos após sua existência, tais como lideres religiosos como o Mestre de Justiça (de Quram); Honi, o fazedor de Chuva; Hanina Ben Dosa, ou revolucionários como Simão de Peréia e Judas Galileu, ou filósofos como Apolônio de Tiana. Todos esses são considerados históricos. É por isso que geralmente se aceita a historicidade de Jesus e até mesmo de Gilgamesh.

Detalhe da Porta de Ishtar, Museu Pergamo, Berlin
via Wikipedia.
Outro elemento importante, é que o Épico de Gilgamesh é uma narrativa contínua e complexa, elaborada a partir de vários textos anteriores, por sua vez (em parte) derivados da tradição oral. Existiram então textos de natureza distinta, que sofreram profundo processo de adaptação e transformação literária. Como os textos são distintos, cada um deve ser analisado historicamente de forma independente. Pelo menos uma das narrativas, Gilgamesh e Aga, apresenta características plausíveis em relação ao contexto histórico, sendo possivel que tenha sido baseada em alguns fatos reais. Da mesma forma,  quando falamos em "Novo Testamento", estamos nos referindo a um conjunto de textos, inicialmente independentes, que foram agrupados para uso das comunidades cristãs, começando com o herege Marcion (em 130-140DC) e São Irineu (180 DC). Então, cada texto deve ser avaliado independentemente e nas suas interações com os outros e com o contexto. E mesmo os textos atuais foram, provavelmente, elaborados a partir de outros mais antigos, como os Evangelhos de Mateus e Lucas, que são derivados de Marcos e Q. Assim, um estudioso pode considerar Marcos (e portanto, partes de Lucas e Mateus) pouco confiáveis historicamente, e ao mesmo tempo entender que Q nos remete em substância ao Jesus Histórico. 
Como já dissemos aqui no adcummulus, discutindo sobre o trabalho do Professor John Roberts, apontando muitos "elementos dos evangelhos "inerentemente plausíveis com o que se esperaria de um líder religioso judeu da período", ou seja, são altamente plausíveis no contexto. Podemos acrescentar como já visto naquele post, que há muitas evidências de uma tradição oral vibrante anterior aos evangelhos (L Michael White), que tem seu valor reconhecido como fonte histórica, junto com Josefo, para o mundo judaico do periodo anterior a destruição de Jerusalém (Fergus Millar), que várias tradições individuais (e complexos de tradição) contém tanto "colorido local" e tantos "indicios de familiaridade" que devem ter surgido na Palestina, no periodo em que Jesus exerceu seu ministério (Gerd Thiessen), os evangelistas apresentam Jesus consistentemente pregando nas pequenas vilas e aldeias da Galiléia, um mundo distinto dos cristãos primitivos nos grandes centros urbanos da civilização greco-romana, ainda que fosse interessante para esse cristãos ver Jesus discutindo filosofia com os filósofos em Séforis ou Tiberiades, indicando fortemente que nesse aspecto os evangelistas reproduziram o que encontraram em suas fontes (Geofrey M de Ste Croix). (...) já refletimos sobre como os evangelhos sinóticos apresentam um contorno geral de Jesus poderoso em palavras e atos, nas pequenas vilas e aldeias da Galíleia, em dissonância com a pregação do Cristo querigmático posterior; proto-ortodoxos, ebionitas, marcionitas, gnosticos docéticos e separacionistas conservam o esqueleto básico dessa narrativa, quase como um ancestral comum, mesmo que não o enfatizem (David Flusser e Geza Vermes).

A identificação de elementos que plausivelmente podem ser organizados em uma narrativa comum coerente com o contexto histórico em que teriam se originado, e que são mantidos em várias tradições cristãs concorrentes e rivais, em alguns casos indo contra as tendências de desenvolvimento dessas tradições, formam a base do critério de plausibilidade histórica. Como observa um colega e contemporâneo de John M Roberts, Louis Gottschalk, que foi Professor da Universidade de Chicago, em seu Manual, "Understanding History", na análise de um documento, o historiador deve se ater mais a cada parte relevante do documento, do que ao documento como um todo. Em relação a cada um desses elementos relevantes e particulares, ele deve se perguntar: "Isso é crível ? Por crível não se entende "o que realmente ocorreu", mas sim o "que é mais proximo do que realmente pode ter acontecido com base no exame crítico das melhores fontes disponíveis"[16]. Ou seja, os elementos com alto grau de verossemelhança, o que, enfatiza Gottschalk, é bem mais do que não ser falso, e ainda acima do que meramente plausível[16]. Em outras palavras, o historiador tem condições de estabelecer verossemelhança, ao invés de verdade objetiva[16]. Foi justamente isso que os estudiosos já citados fizeram com os evagelhos. A partir da analise dos elementos relevantes das fontes, estabeleceram a partir de vários elementos plausíveis, um retrato verossimilar de Jesus, tendo em vista o contexto em que viveu, e o impacto que causou. É semelhante a montagem de um quebra-cabeça, onde as peças são arranjadas de forma a formarem um figura, reconhecendo que muitas peças podem estar faltando, e as vezes seja possivel apenas esboçar, ou nem isso, a figura original".

Referências Bibliográficas
[1] Susan Ackerman (2005), When heroes love: the ambiguity of eros in the stories of Gilgamesh and David, fls. 33-36, Columbia University Press
[2] Mircea Eliade (1976) História das Crenças e das Idéias Religiosas, Volume I (Da Idade da Pedra aos Mistérios de Eleusís), fls. 83/86 , Jorge Zahar Editora.
[3] JR Porter (1993) O Oriente Médio In Roy Willis: "Mitologias: deuses, heróis, e xamãs nos tradições e lendas de todo o mundo", fls. 61, Publifolha.
[4]  Maureen G Kovacs (1989), The Epic of Gilgamesh, fl. xxvii, Stanford University Press  
[5] Susan Ackerman (2005), When heroes love: the ambiguity of eros in the stories of Gilgamesh and David, fls. 36-38, Columbia University Press.
[6] Jeffrey Tigay (1982), Evolution of the Gilgamesh Epic, fls. 14-15, Bolchazy-Carducci Publishers
[7]  Andrew R George (2003) The Babylonian Gilgamesh Epic: Introduction, Critical Edition and Commentary, vol I, fls. 105-106, Oxford University Press
[8] Eleanor Robson (2004) (review) 2004.04.21Bryn Mahr Calssical Reviews (BMCR): A.R. George, The Babylonian Gilgamesh Epic: Introduction, Critical Edition and Cuneiform Texts, 2 vols. Oxford: 2003. Pp. xxxvi, 986; 
[9] J. Nicholas Postgate (1994) Early Mesopotamia: Society and Economy at the Dawn of History, fl. 27-30, Routledge.
[10] Dina Katz (1993) Gilgamesh and Akka, fl. 11, Styx (Brill)



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