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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Quem Eles Dizem Que Eu Sou? Os Historiadores, Jesus e os Evangelhos - Parte 5.1 - Jesus nos Livros de História, segundo Graeme Clarke




A Chamada de São Mateus, Amerighi Caravaggio, 1599-1600,
 Igreja São Luigi de Francesi, Roma, via wikipedia commons  
 
Ao longo dos posts dessa série, apresentamos várias abordagens utilizadas pelos estudiosos na pesquisa do Jesus Histórico, primeiramente observando que, tradicionalmente, o campo esta dividido entre aqueles estudiosos que enfatizam a análise do texto em relação ao contexto histórico e social em que foram produzidos -  principalmente quando refletem detalhes da realidade histórica e geografica especifica da Palestina, no período em que Jesus teria exercido seu ministério (décadas de 20 e 30 DC), não se enquadrando no contexto anos anteriores ou  posteriores,   e informações de dificil obtenção por alguém que vivia distante daquela região e daquele contexto, como os evangelistas - e a partir da analise dos elementos relevantes das fontes, buscam estabelecer - a partir de uma abordagem de plausibilidade - e identificar um conjunto coerente de elementos que permitam estruturar retratos e narrativas verossimilares de Jesus, tendo em vista o contexto em que viveu, e o impacto que causou.

Uma outra corrente de estudiosos tende a enfatizar os critérios de historicidade, como relatamos no terceiro post dessa série, como os de múltipla atestação e constrangimento, que são expressões de principios de análise histórica, com algumas adaptações para a realidade específica do cristianismo primitivo.  Postulam, respectivamente, que os elementos atestados em várias correntes de tradição (Marcos, Q, L, M, e Paulo), e/ou em várias formas literárias (parábolas, histórias de debates, histórias de milagres, aforismos) indicam que são mais antigos que as unidades da tradição em que foram encontrados;  e que elementos no texto, que vão contra a sua tendência global sugerem que alguma informação autêntica sobreviveu ao processo editorial,  ou seja, se elementos que não atendem com interesses e motivos dos cristãos primitivos, (ou mesmo constragem) são mantidos na tradição, podemos inferir que a principal razão e que fossem suficientemente conhecidos para serem negados ou omitidos, sendo utilizados, por exemplo, por adversários dos cristãos, e dessa forma, tinham que ser explicados de alguma forma, mesmo que não fosse convincente. Observamos que, em geral, os estudiosos que tendem a abordagem por critérios tendem a ser mais minimalistas do que aqueles que utilizam a análise de plausibilidade/contexto. 

Por fim, abordamos estudiosos que esboçaram novas metodologias para manejo do problema do Jesus Histórico e das origens do cristianismo como a combinação de critérios (constrangimento e múltipla atestação) e plausibilidade contextual proposta por John Dominic Crossan, a inovadora abordagem,   da atestação recorrente, elaborada a partir dos estudos da memória, proposta por Dale Alisson e a reabilitação do critério de traços de aramaico, em conjunto com o de plausibilidade, por Maurice Casey.

Mas como essas várias abordagens se interligam? A quais conclusões, a partir do uso dessas várias metodologias, podemos chegar a respeito do Jesus Histórico? Afinal, o que se pode se dizer da figura de Jesus, a partir do método historico? 

Para situar os leitores do adcummulus, nesse e nos próximos posts vamos buscar identificar em alguns trabalhos sobre as origens do cristianismo, as metodologias apresentadas ao longo da série, ligando assim história e historiografia. Começamos analisando o trabalho de:

Graeme Clarke    
 
Ceia de Emaus, Caravaggio, National Gallery London, 1601
via Wikipedia Commons 

Graeme W Clarke, é Professor da Faculdade de História da Universidade Nacional da Austrália, e anteriormente, Professor de Estudos Clássicos na Universidade de Melbourne, além de fellow da Academia Australiana de Humanidades, e seu trabalho se concentra nas áreas de arqueologia  e estudos da Antiguidade Clássica.

Professor Graeme esboça uma história das origens e expansão do cristianismo até a Destruição do Templo (70 DC) em um capítulo integrante do volume X da prestigiosa Cambridge Ancient History [1], publicado em 1996. Inicialmente, ele descreve seu método de trabalho, no que se refere as fontes, os criterios para sua avaliação, e identifica os elementos  considerados consensuais entre os estudiosos, de forma a escrever uma biografia de Jesus


 "I have chosen a few generally non-controversial features of the ministry of Jesus for these one is necessarily reliant upon the evidence of the synoptic gospels (composed in their present form near or generally after the destruction of the Temple, the chronological terminus of this study). But for the most part I have prefered to follow as far as possible the contemporary witness of Paul and his associates (supplemented, unavoidably, by the addiyional testimony of Acts). (Tradução"Eu escolhi alguns poucos elementos geralmente não controversos do ministério de Jesus, nos quais somos  necessariamente dependentes da evidência dos evangelhos sinóticos (compostas em sua forma atual, na época ou pouco depois da destruição do Templo, o limite cronológico deste estudo). Mas para a maior parte eu preferi seguir, tanto quanto possível, o testemunho contemporâneo de Paulo e seus companheiros (complementado, inevitavelmente, pelo testemunho addiyional de Atos).[1]

Assim, como fonte principal para o ministério de Jesus, o Professor Clarke utiliza os evangelhos sinóticos, enquanto para a Igreja no periodo apostólico, a base são as cartas de Paulo, complementadas pelos Atos dos Apostolos. Ele emprega especial atenção aos elementos considerados consensuais entre os estudiosos.


That way I hope to eschew as much as I can the anachronic perceptions of the early Christian past (embedded in the canon as it become later formed) as Christianity developed its own self-awareness and its own sense of separate identity and sought legitimation for those developments in its preferred accounts of its past (tradução) Dessa forma, espero evitar, tanto quanto eu puder as percepções anacrônicas do passado cristã primitiva (incorporado no cânon, tal qual ele se formou depois) como o cristianismo desenvolveu a sua própria auto-consciência e seu próprio senso de identidade separada e buscou legitimação para aqueles desenvolvimentos em suas contas preferenciais do  seu passado [1].


Desta forma, Professor Clarke inicia sua abordagem a partir do contexto da Galiléia e Judéia dos anos 30 DC, observando a possível existência nos relatos evangélicos de elementos anacrônicos. Um anacronismo, usando a definição da Wikipedia, "é um erro em cronologia, expressada na falta de alinhamento, consonância ou correspondência com uma época. Ocorre quando pessoas, eventos, palavras, objetos, costumes, sentimentos, pensamentos ou outras coisas que pertencem a uma determinada época são erroneamente retratados em outra época" [2]. Em análise histórica, a identificação de anacronismos é fundamental. Assim, por exemplo, no século XV, o filologista Lorenzo Valla (1407-1457) demonstrou que o documento conhecido como Doação de Constatino - em que aquele Imperador teria transferido territórios e propriedades a Igreja e  reconhecido a primazia do Bispo de Roma - era uma fraude. Fez isso apontando numerosos elementos no documento, supostamente elaborado em 315 DC, que não correspondiam ao contexto histórico do início do século IV, tais como: são mencionados títulos não empregados pelos romanos, como Sátrapa; é feita referência a Sé de Constantinopla (que ainda era Bizâncio, e não tinha um Patriarcado na época); Bizâncio é referida como província, quando era apenas uma cidade; Os membros do clero deveriam ser  chamados de consules e patrícios, mas Roma tinha apenas dois consules e os patrícios constituiam uma classe social, não uma posição. Adicionalmente, o latim não corresponde ao período, e sim a épocas posteriores [2]. Desta forma, hoje se acredita que o documento apresenta características que se adequam melhor ao contexto da ascensão dos Carolingios, sob Pepino, o Breve, no  século VIII, entre os clérigos do Palácio de Latrão, em Roma, ou na própria corte dos reis francos [3]. Ou seja, foi possível identificar a fraude, e apontar o momento histórico mais plausível para sua elaboração, demonstrando que nas condições do século IV, o documento seria anacrônico, ao passo que no contexto da aliança dos Reis  Francos e o Papa Estevão II, e reconhecimento dos carolíngios como sucessores do Império Ocidental em detrimento dos Imperadores Bizantinos, há verossimilhança.             
                                                                                             
Considerando que os evangelhos foram provavelmente escritos pela segunda e/ou terceira geração de cristãos (65-135 DC), com objetivo de edificar os crentes e trazer homens e mulheres a nova Fé. Essas pessoas viviam em um contexto altamente urbanizado, plenamente inseridas numa ordem politica estabelecida por Roma (Pax Romana), e sob tendências culturais, sociais, filosóficas e religiosas helenistas prevalecentes no Mediterrâneo desde as conquistas de Alexandre o Grande e intensificadas mais ainda pelo domínio romano, de caráter sincrético e sempre em mutação, num processo de globalização. Tal realidade é muito diferente, quase antagônica, das áreas periféricas  e rurais da Galiléia onde as narrativas evangélicas são situadas - ressentidas tanto do domínio romano quanto dos deuses e costumes pagãos das  "ilhas"  gentias urbanas, como Séforis e Tiberíades. Assim, é esperado que o núcleo de memórias históricas fosse expandido, reduzido, truncado ou remodelado em termos das expectativas,      necessidades e percepções teológicas de autores e leitores situados em um contexto, um Sitz im Leben, completamente distinto. Assim, identificar e separar o material anacrônico - situando Jesus de Nazaré naquele ambiente, entre os vários líderes carismáticos e seus movimentos, como João Batista - e suas atividades implica que o núcleo restante,  de elementos verossimilares em relação ao contexto   histórico e social da Palestina dos anos 30 DC, esta apto a, pelo menos, reivindicar     historicidade.
            
    
"Into such religious context with its ferment of debate and diversity fit the movements of John Baptist (urging a renewal of Israel in the wilderness and a new passage through the "sea" of the Jordan) and of Jesus of Nazareth round about AD 30 (christian sources being at pains somewhat apologetically , to subordinate the former to the latter). Jesus central activities of teaching in the synagogues, attending the Temple servicess, keeping the festivals - and disputing with other teachers (especially represented, at least in latter tradition, as sharpenin his views against those Pharisees) - these place him in the mainstream of contemporary religious occupations. (Tradução) Em tal contexto religioso com o seu fermento de debate e diversidade ajustar os movimentos de João Batista (pedindo uma renovação de Israel no deserto e uma nova passagem pelo "aguas" do Jordão) e de Jesus de Nazaré em cerca de 30 DC (fontes cristãs lutam, de forma um  tanto apologeticamente, subordinar o primeiro ao segunda). As atividades centrais de Jesus, como ensinar nas sinagogas, frequentar os serviços do Templo, observar os   festivais - e disputando com outros professores (destacando principalmente, pelo menos na tradição posterior,  suas disputas contra os fariseus) - o colocam no mainstream das questões religiosas de seus contemporâneos [4].


Ou seja, ainda que as narrativas dos evangelhos sinóticos  dos ministérios de João Batista e Jesus de Nazaré possam apresentar muitos, senão a maioria de feitos e ditos potencialmente suspeitos de anacronismo em favor das necessidades teológicas da Igreja Primitiva, eles são apresentados em termos globais, como profetas e mestres carismáticos típicos com o que sabemos de seu tempo  e do contexto que viviam, mas não tanto com o Sitz im Leben em que os evangelhos foram escritos.  Anteriormente observamos aqui no adcummulus, em um post dessa série, que tal fato é bastante relevante. Porque os evangelhos de Marcos, Lucas e Mateus foram escritos e tinham como publico alvo, indivíduos que viviam em um contexto completamente diferente daquele em que Jesus e João viveram - como os destinatários das cartas paulinas e gerais, por exemplo, endereçadas  a comunidades em grandes  cidades como Corinto, Tessalonica, Filipos, Roma, Antioquia, enquanto Jesus é retratado nos evangelhos quase exclusivamente na Chora, istoé, a região rural e as pequenas vilas do interior da Galiléia. Como dissemos ao discutir o trabalho do Professor Geoffrey Maurice de St de Croix, "existe um abismo entre o mundo que os cristãos primitivos viviam (os grandes centros urbanos helenísticos da Siria, Grécia, Asia Menor e Roma) com o mundo em que os evangelhos retratam (as pequenas vilas e areas rurais, e , no máximo, as periferias e arredores das poucas cidades helenisticas da Galiléia e Pereia) [5]. Nas palavras do Professor Ste Croix  os "(...) evangelhos sinóticos são unânimes e consistentes em localizar a missão de Jesus inteiramente no campo , não dentro do polis propriamente dita e, portanto, fora dos limites reais da civilização helenística. Parece-me inconcebível que isso pode ser devido ao Evangelistas, que (como vimos) estavam dispostos a dignificar uma vila obscura como Nazaré, ou Cafarnaum com o título de polis, mas certamente não rebaixariam a condição dos lugares que mencionam, tornando em distrito uma polis que é mencionada em suas fontes. Concluo, portanto, que a este respeito os Evangelistas refletem exatamente a situação que encontraram em suas fontes, e parece-me que essas fontes muito provávelmente apresentam um retrato fiel do locus geral da atividade de Jesus. [6]

 A dissonância se reflete assim não só em termos de contexto mas também em termos de perfis. Como nos ensina o Professor David Flusser "Uma leitura imparcial dos evangelhos sinóticos resulta num quadro que é mais característico de um fazedor de milagres e pregador judeu do que de redentor da humanidade"[7]. O que é repetido com outras palavras pelo  Professor  Geza Vermes "os traços mais notáveis do retrato de Jesus nos Sinópticos, o de um curandeiro e exorcista carismático, mestre e campeão do Reino de Deus, são essencialmente dependentes da figura histórica que outros escritores do Novo Testamento progressivamente mascararam"[8]. Desta forma, como já discutimos aqui no blog, os estudos destes pesquisadores  apontam que  "(...) o contorno, da figura de Jesus nos sinóticos é de um realizador de milagres e pregador, que esta em dissonância, em discontinuidade, com o Cristo das epístolas e da pregação cristã posterior (...), istoé, os evangelhos sinóticos apresentam um contorno geral de Jesus poderoso em palavras e atos, nas pequenas vilas e aldeias da Galíleia, em dissonância com a pregação do Cristo querigmático (...)[9]. Tal fato é ainda mais significativo porque esse perfil é conservado até mesmo por círculos cristãos no qual a relevância  e a encarnação era questionada, e para os quais Jesus apenas parecia ser humano. No inicio do seculo II DC, o herege Basilides pregava que Jesus "apareceu na Terra em forma humana" (Irineu de Lyon, Contra as Heresias, Livro I, capítulo 24, seção 4) - implicando que a humanidade de Cristo era apenas aparente, talvez como os dissidentes de I João que admitiam que Jesus tinha vindo, mas não em carne -, no entanto, o Cristo de Basilides "realizou milagres" e foi até condenado a crucificação,  mas no último minuto "Simão, um homem de Cirene, sendo chamado, levou a cruz em seu lugar; e foi transfigurado para parecer com ele, para que acreditassem que ele era Jesus, e o crucificassem, por ignorância e erro, enquanto Jesus recebeu a forma de Simão, e estando de longe, ria deles" (Contra as Heresias 1:24:4). Outro arquiherege, Apelles, também mantinha que Jesus havia "aparecido" no tempo de Pôncio Pilatos, e que viveu entre nós foi crucificado, e ressuscitou ao 3° dia, aceitando o grosso  da narrativa evangélica [Hipolito de Roma, Refutação de Todas as Heresias, Livro VII, capítulo 26]. Assim, como também concluimos em posts anteriores, "proto-ortodoxos, ebionitas, marcionitas, gnosticos docéticos e separacionistas conservam o esqueleto básico dessa narrativa, quase como um ancestral comum, mesmo que não o enfatizem"[9]. A questão não era sobre os feitos de Jesus, sua pregação e milagres, de que tinha sido enviado por Deus. O ponto era a natureza da sua manifestação. O grosso da tradição evangélica, assim, não opôs doceticos, separacionistas, ebionitas e proto-ortodoxos. 

Salomé com a Cabeça de João Batista, Caravaggio,
1609-1610, National Gallery London, via Wikipedia Commons

 E interessante, nessa linha, que ao resumir o Ministério de Jesus em sua pregação nas ruas de Jerusalém, Atós dos Apóstolos descreve Pedro pregando "(...) Varões Israelitas: escutai estas palavras: Jesus, o nazareno, varão aprovado por Deus entre vós com milagres, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no meio de vós, como vós mesmos bem sabeis; a este, que foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, vós matastes, crucificando-o pelas mãos de iníquos; ao qual Deus ressuscitou, rompendo os grilhões da morte, pois não era possível que fosse retido por ela (Atos 2:22-24)". Tal mensagem, do Jesus poderoso em palavras e atos, é muito enfatizada nos escritos lucanos, tal qual na narrativa dos discipulos em Emaús (Lucas 24:19) e a pregação de Pedro na Casa do Centurião Cornélio (Atos 10:38-40), e encontra ressonância nos demais sinóticos (ex: Mateus 4:23 e 9:35) e apresenta um correspondente menos apaixonado na descrição neutra de Flávio Josefo, na parte geralmente considerada autêntica do Testemunho Flaviano "Jesus, homem sábio e realizador de feitos extraordinários (ou controversos)" cuja popularidade ("atraiu muitos judeus e muitos gregos") levou a sua execução ("Pilatos, por causa de uma acusação feita por nossos homens mais proeminentes, o crucificou"). Da mesma forma, entre os oponentes e adversários posteriores, como Celso e os rabinos dos Talmudes, há uma interpretação diversa de fatos semelhantes, Jesus de Nazaré foi pendurado no madeiro pois praticou feitiçaria (o que explicaria seus feitos miraculosos), e por ter levado Israel a pecar (ou seja, era um mestre carismático capaz de "desencaminhar" multidões), ou seja, um mágico e enganador do povo, que encontrou seu castigo.


"An his central concerns fit comfortably into the continuing debate within the Judaism of the day, often characterized as they are with reformist tendencies: concern for Temple purity and cleasing (Mark 11:15ff, Matt 21:12f, Luke 19:45ff, John 2:14ff), concerns for intentional purity of the person (casting out the demons /curing the sick), concerns for love the neighbour (extend even to loving one's enemies, Matt 5:43 ff), concerns for regulating the sexual code of behaviour (with a restrictive view on divorce, Matt. 5:31f, 19:31ff), concerns for giving primacy to moral (as opossed to ceremonial) law (Mark 3:1 ff (healing on the Sabbath). The carpenter from Nazareth in Lower Galilee, with his chosen inner circle of fishermen (that is to say, draw roughly from the small tradesman class) could certanly bluntly reject Mammon and outsponkenly condemn the snares of riches (e.g Matt 6:24=Luke 16:13), but this not prevent him from fraternizing with wealthy tax-gatherers, wordly sinners, women of ill-repute and Gentile (and other social outcasts). (TraduçãoSuas preocupações centrais se ajustam confortavelmente no debate contínuo dentro do Judaísmo de seu tempo, muitas vezes caracterizado por tendências reformistas: preocupação com a pureza e purificação do Templo (Marcos 11:15 ff , Mateus 21:12 f , Lucas 19:45 ff , João 2:14 ss) , preocupações com a pureza intencional da pessoa ( expulsar demônios / curar doentes ), preocupações para amar o próximo ( englobando até o os inimigos, Mateus 5:43 ss) , preocupação em regular o código sexual de comportamento (com uma visão restritiva sobre o divórcio , Mateus. 05:31 f, 19:31 ss) , a ensinamento de dar primazia à lei moral (em relação a lei cerimonial) (Marcos 3:1 ff ( de cura no sábado ) . o carpinteiro de Nazaré na Baixa Galiléia, com seu círculo escolhido de pescadores (ou seja,  a partir dos pequenos  comerciantes) poderia certamente e sem rodeios rejeitar Mamon e condenar violentamente as armadilhas da riqueza (por exemplo, Mateus 6:24 = Lucas 16:13 ) , mas isso não o impediu de confraternizar com ricos coletores de impostos , pecadores mundanos, mulheres de má reputação e os gentios (e outros párias sociais ).[10]


Podemos observar, então, que essa descrição torna Jesus parecido, e muito mais do que o desejado pelos primeiros cristãos, com vários outros pretendentes messiânicos que surgiram na Palestina do século I. Os Atos dos Apóstolos relata como Gamaliel teria convencido os outros líderes judeus a libertar os apóstolos, apontando as semelhanças de Jesus com tantos outros pretendentes messiânicos que já haviam aparecido, como Teudas e Judas Galileu, que também haviam reunido multidões anteriormente. Assim, fica evidente a diferença entre o Jesus encontrado nos evangelhos sinóticos e Atos dos Apostolos, cuja narrativa básica é encontrada nas crenças dos vários grupos cristãos ortodoxos ou não, com o Cristo exaltado das epístolas e da pregação e teologia cristã posterior. Ou seja, os evangelhos sinóticos não enfatizam as reinvidicações teológicas mais ousadas encontradas na literatura cristã do período em que os evagelhos foram escritos.

Assim, além do comportamento de Jesus ser semelhante a de líderes carismáticos judeus do século I, como João Batista, o contexto em que os evangelhos o colocam se ajustam "confortavelmente no debate contínuo dentro do Judaísmo de seu tempo" e  perfeitamente ao que sabemos da Galiléia e Judéia do início do século I DC, pois como já refletimos aqui, a partir do trabalho de vários estudiosos, o fato dos evangelhos se adequarem ao contexto da palestina do século I, e forte evidência de uma tradição oral vibrante que remonta ao ministério de Jesus, e que foi utilizada pelos evangelistas, como observou o Professor L Michael White [11]. Da mesma forma, nos ensina o  Professor GEM de Ste Croix, o mundo retratado nos evangelhos sinóticos, das pequenas vilas e lugarejos rurais da Galiléia, esta em discontinuidade com os grandes centros helenísticos em que os primeiros cristãos viviam,  ainda que fosse interessante para esse cristãos, dado sua realidade de  ver Jesus discutindo filosofia com os filósofos em Séforis ou Tiberiades, indicando fortemente que nesse aspecto os evangelistas reproduziram o que encontraram em suas fontes  Também vale a pena recordar os apontamentos do Professor Fergus Millar [11], de que os evangelhos refletem um mundo que se foi com a primeira guerra judaica, ou seja, embora escritos para uma outra audiência, em outra lingua, décadas depois, realmente refletem realidades e memórias históricas de um "mundo" galileu e rural dos anos 20 e 30 DC. Nesse aspecto eles são complementares a Josefo como fonte para a vida judaica do século I DC.  Por fim, o Professor Gerd Theissen [11] ilustrou algumas situações em que os evangelhos demostram contér tanto "colorido local" e tantos "indicios de familiaridade" que devem ter surgido na Palestina, no periodo em que Jesus exerceu seu ministério.
For what he fervently preached was the urgent need for repentance before the impending eschaton and the people whom he spoke his message were not just the Torah observants: sinners, the unrighteous, had even greater need of his call. There is an increasingly catholic sense of definition of the children of Abraham , the true Israel who might enter upon the kingdom, and a continuos debate with contemorary judaisms about the sufficient and necessary conditions for entering upon that kingdom (now envisaged as so nigh). But what Jesus demanded of his chosen disciples was a renunciation of family and wordly goods, a single minded dedication and a proselytizing zeal to spread the word (e.g Mark 10:28 ff) which ensured that his movement did not remain confined just to sympathetic families and pious followers within Lower Galilee and Jerusalem even after his ignominious death (AD 30); their conviction of his ressurection became the decisive cionfirmation of his messianship. The movement from these local Palestinian origins began to spread. (TraduçãoPois o que ele pregava fervorosamente era a necessidade urgente de arrependimento diante do eschaton iminente e as pessoas com quem ele compartilhou sua mensagem não eram apenas os observavam a Torá : pecadores, injustos, tinha necessidade ainda maior de seu chamado. Há um sentido cada vez mais universal na definição dos filhos de Abraão , o verdadeiro Israel, que poderiam entrar em reino, e um debate contínuo com judaísmos contemporâneas sobre as condições suficientes e necessárias para a entrada nesse reino ( agora percebido como já presente). Mas o que Jesus exigiu de seus discípulos escolhidos foi uma renúncia à família e bens mundanos, um único espírito e dedicação, e  zelo proselitista para espalhar a palavra (por exemplo, Marcos 10:28 ss) que garantiu que o seu movimento não ficou restrito apenas às famílias simpáticas e seguidores devotos dentro Baixa Galiléia e de Jerusalém , mesmo depois de sua morte ignominiosa (30 DC) , a sua convicção de sua ressurreição tornou-se o confirmação decisivo de sua messianidade. O movimento a partir destas origens palestinas locais começarou a se espalhar [12]

A chegada iminente do Reino de Deus, e como as pessoas deveriam se preparar para o Eschaton, segundo o Professor Clarke, era a linha mestra da pregação de Jesus. E se o Reino estava próximo, e a ordem atual com dias contados, fazia sentido ao discípulo deixar tudo para se preparar para o fim, inclusive família e propriedades. Antropólogos e sociologos, há muito tempo observam que esse padrão de comportamento é típico tanto de profetas apocalipticos como de seguidores de profetas apocalípticos ao longo da história [13]. Professor David Aune, da Universidade de Notre Dame, cita a definição utilizada no clássico estudo de Joseph Zigmont, da Universidade de Connecticut, "When Prophecy Fail",   "Ainda que muito diferentes em suas ideologias e estruturas particulares, grupo milenaristas compartilham de uma característica psicológica comum: uma esperança coletiva de que uma transformação radical da ordem existente ocorrerá no futuro imediato através de uma intervenção sobrenatural". Tais movimentos se formam em torno de profecias escatológicas especifícas, de transformação iminente, muitas vezes com data e hora marcada, quando as profecias não se concretizam, o grupo, ou parte dele, ao invés de se dissolver, racionaliza sua frustação e reestrutura suas crenças [14]    Como observa Aune, o trabalho de Johannes Weiss e Albert Schweitzer, no início do século XX, demonstrou que toda carreira de Jesus foi moldada por expectativas escatológicas de intervenção iminente do Senhor na história, e tais conclusões são amplamente aceitas pelos estudiosos desde então (com excessão de um grupo minoritário, mas relevante, de estudiosos norte americanos ligados ao Jesus Seminar). Aune observa que a reação dos cristãos aos eventos imediatos a morte de Jesus são compatíveis com um processo de dissonância cognitiva - em que seus seguidores, confrontados com os eventos traumáticos da horrorosa e vergonhosa morte por crucificação de seu líder e o não estabelecimento imediato do Reino de Deus, reestruturam suas crenças a partir de uma releitura do Antigo Testamento e das aparições do Cristo Ressureto [15]. Ou seja, que o Jesus Histórico era um profeta carismático e apocaliptico, que pregava a vinda imediata do Reino de Deus, poderoso em palavras e atos, é confirmado não só pelo fato de que tal perfil é extremamente compatível com a Galiléia rural dos anos 30 DC - e nem tanto com as necessidades, experiência e preocupações teológicas da segunda e terceira geração de cristãs vivendo em metrópoles como Roma, Corinto, Efeso e Antioquia - mas também pelo fato de que o movimento cristão nascente seguiu um padrão  de desenvolvimento compatível com os de outros grupos apocalipticos seguidores de profetas carismáticos [16].

Referências Bibliograficas
[1] Graeme W Clarke "Origins and Spread of Christianity" In Alan K      Bowman, Eduard Champlin & Andrew Lintott (1996) The Cambridge Ancient History, Volume X, The Augustan Empire, 43 BC - 69 AD)., fls. 849-851
[2] Roger Pearse (2001) The Donation of Constantine and the critique of Lorenzo Valla, http://www.tertullian.org/rpearse/donation/donation_of_constantine.htm, acessado em 18.02.2014           
[3] Jan Nelis (2008) (review) Bryn Mawr Classical Review 2008.02.21 Johannes Fried, "Donation of Constantine" and "Constitutum Constantini". Berlin-New York:  de Gruyter, 2007.
[4] Graeme W Clarke "Origins and Spread of Christianity" In Alan K Bowman, Eduard Champlin & Andrew Lintott (1996) The Cambridge Ancient History, Volume X, The Augustan Empire, 43 BC - 69 AD), fl. 849
[5] "Quem Eles Dizem Que Eu Sou?"- Os Historiadores e Jesus, Parte I: Texto e Contexto (L Michael White, Fergus Millar, Gerd Theissen, GEM Ste Croix), post de 11.10.2011 http://adcummulus.blogspot.com.br/2011/10/quem-eles-dizem-que-eu-sou-os.html,
[6] Geoffrey Ernest Maurice de Ste Croix (1983), The Class Struggle in the Ancient Greek World: From the Arcaic Period to the Arab Conquest, fl. 427. 
[7] David Flusser (1998), Jesus, Editora Perspectiva, fl. 2
[8] Geza Vermes (1998) As Varias Faces de Jesus, Editora Record, fl. 263
[9]  Quem Eles Dizem Que Eu Sou? Os Historiadores e Jesus, Parte II: Tradição, Narrativa e História (David Flusser, Geza Vermes e John M Roberts), post de 28.12.2011, http://adcummulus.blogspot.com.br/2011/12/quem-eles-dizem-que-eu-sou-os.html
[10]  Graeme W Clarke "Origins and Spread of Christianity" In Alan K      Bowman, Eduard Champlin & Andrew Lintott (1996) The Cambridge Ancient History, Volume X, The Augustan Empire, 43 BC - 69 AD), fl. 851
[11]  Quem Eles Dizem Que Eu Sou?"- Os Historiadores e Jesus, Parte I: Texto e Contexto (L Michael White, Fergus Millar, Gerd Theissen, GEM Ste Croix), post de 11.10.2011 http://adcummulus.blogspot.com.br/2011/10/quem-eles-dizem-que-eu-sou-os.html
[12] Graeme W Clarke "Origins and Spread of Christianity" In Alan K Bowman, Eduard Champlin & Andrew Lintott (1996) The Cambridge Ancient History, Volume X, The Augustan Empire, 43 BC - 69 AD), fl. 851
[13] David Aune (2013) Jesus, Gospel Tradition and Paul in the Context of Jewish and Greco Roman Antiquity, fl. 159
[14] Dale Allison (2012) Constructing Jesus, History, Memory and Imagination, fl.148
[15] David Aune (2013) Jesus, Gospel Tradition and Paul in the Context of Jewish and Greco Roman Antiquity, fls. 159-162
[16] Dale Allison (2012) Constructing Jesus, History, Memory and Imagination, fl.148


quarta-feira, 11 de abril de 2012

Geza Vermes "Jesus in the the eyes of Josephus" - homem sábio e realizador de feitos controversos

Faz alguns anos, eu escrevi uma série de posts sobre a imagem de Jesus como Mestre e Sábio, em alguns dos primeiros testemunhos não cristãos do século I e II. Na introdução, escrevemos:


"Jesus como homem sábio e mestre é uma das imagens mais presentes nos evangelhos. Ao fim do sermão do monte as "multidões maravilhavam-se de seu ensino porque as ensinava como tendo autoridade, e não como os escribas" (Mateus 7:27). Também na sinagoga de Cafarnaum (Marcos 1:22). Em uma das mais antigas confissões credais da Igreja Primitiva, Jesus é chamado de profeta poderoso em palavras e atos (Lucas 24:19; Atos 2:22 e 10:38). A fonte Q, assim chamada por conter material comum a Mateus e Lucas, não encontrado em Marcos, é formada basicamente por ditos e ensinos. Na literatura apócrifa temos também importantes testemunhos dessa imagem. (http://adcummulus.blogspot.com.br/2009/05/jesus-como-mestre-e-sabio-na-visao-das.html)



Naquela ocasião, nós abordamos Josefo, Mara Bar Serapion, Luciano de Samosata e Galeno.

Esses foram os meus primeiros posts aqui no Adcummulus. E ficamos muito felizes com a oportunidade de interagir com essas fontes, e quando os posts foram publicados na seção de Novo Testamento do Biblical Studies Carnival XLII (maio de 2009).

Desde então, revisitamos a referência em Josefo algumas vezes, principalmente ao discutirmos o Testemunho Flaviano.

Por isso é importante apresentar a opinião de um estudioso do porte de Geza Vermes. Há algum tempo, ele escreveu sua peça anual para a revista Slate, onde ele analisa as referências de Josefo a Tiago, Irmão de Jesus, João Batista e o Testemunho Flaviano.

Jesus, in the Eyes of Josephus (Geza Vermes)

Ele conclui pela autenticidade das duas primeiras referências, e de um núcleo autêntico no Testemunho Flaviano, que descreveria a crucificação de Jesus, e sua atuação como "Homem Sábio" e 'Realizador de Feitos Controversos", e ressalta a significância dessa menção para os estudos de Jesus Histórico.


(Geza Vermes) Both "wise man" and "performer of paradoxical deeds" take us to plain Josephus territory. Great biblical and post-biblical characters like the priest Ezra, the miracle-worker Honi-Onias (Hame'agel, the circle-maker), and the Pharisaic leader Samaias are regularly portrayed as "just men" and John is called a "good man". More specifically, the legendary King Solomon and the Prophet Daniel carry the title of "wise man", and the miracle-working prophet Elisha is said to have performed "paradoxical deeds". The notion of a paradox is commonly used by Josephus in relation to extraordinary events caused by God (the manna or the burning bush) and to miracles performed by Moses (Ant. 3:37-38) and by the prophet Elisha (Ant. 9:182).
In contrast, the phrase "wise man" has no New Testament parallels in reference to Jesus and falls far short of an honorific title that a Christian forger would choose to describe the divine Christ. Note that in Paul "wise man" has a pejorative onnotation (1 Cor 1:18-31) and in a saying of Jesus "the wise" are unfavourably compared to "babes" (Mt 11:25; Lk 10:21). Furthermore, a Christian interpolator would be presumed to use phrases borrowed
from the New Testament such as "mighty deeds" or "signs" instead of the neutral "paradoxical deeds". The term "paradoxical" is found only once in the New Testament on the lips of uncommitted witnesses of a Gospel miracle (Lk 5:26).
e
So by portraying Jesus not unsympathetically, yet without fully embracing his cause, he achieved what none of his ancient Jewish successors managed to do: he sketched a non-partisan picture of Jesus. The Testimonium lies half way between the reverential portrait of the early church and the caricatures of the Talmud and of the early medieval Jewish lives of Jesus (Toldot Yeshu). In conclusion, what seems to be Josephus's authentic portrait of Jesus depicts him as a wise teacher and miracle worker, with an enthusiastic following of Jewish disciples who, despite the crucifixion of their master by order of Pontius Pilate in collusion with the Jerusalem high priests, remained faithful to him up to Josephus's days.


segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Observando Jesus pelas lentes de seus adversários: Parte 2b, feitos e ditos de Jesus no Talmude


Continuando, além da passagem em Sanhedin 43a, Professor Geza Vermes cita algumas outras que provavelmente aludem aos ensinos de Jesus, indiretamente, bem como em curas efetuadas em seu nome por um díscipulo Jacó (Tiago) de Kfar Secaniah:

"Uma máxima do Rabi Abbahu de Cesaréia, contemporâneo do século III de Orígenes, refere-se quase com certeza a Jesus: - Se um homem lhe diz "Eu sou Deus, ele esta mentindo. Eu sou o filho do Homem [um ser humanõ] , no final ele vai lamentar [pois como todo ser humano, vai morrer] . Eu vou subir aos céus, terá, mas não vai cumprir (yTaan 65 b). A segunda citação de Jesus aparece no Talmude Babilônico (b Abodah zara 16b-17a) atribuídas a rabis ou Taanaim da passagem do primeiro ao segundo século. O famoso R. Eliezer ben Hircano recorda que um cristão judeu, chamado Jacó de Kfar Seranaya, interpretou "Não trarás a casa de (...) teu Deus o salário de uma prostituta, no sentido de que tal dinheiro só seria adequado à construção de uma latrina para o Sumo-Sacerdote. Quando Eliezer confessou que era incapaz de compreender a explicação Jacó apresentou-lhe uma exegese atribuida a Jesus que aparentemente vinculou Miquéias 1:7 (já que elas [ todas as suas estátuas] foram ajuntadas com o salário da prostituição, tornar-se-ão de novo salário de prostituição", a Deuterônomio 23:19 para chegar a explicação: "De um lugar de corrupção elas vieram, e ao lugar de corrupção elas retornarão". Eliezer ficou impressionado com o talento interpretativo de Jesus, e, por causa disso, foi acusado de heresia e excomungado pelos outros rabis." [1]

Jacó de Quefar Secania (ou Quefar Sama) foi um carismático curandeiro judeu-cristão citado diversas vezes na literatura rabínica. As personalidades os quais ligado sugere que esse Jacó atuou na virada do século I para o século II DC. Jacó prometia realizar curas em nome de Jesus de Nazaré e transmitia seus ensinamentos. Uma história o liga ao Rabino Eleazar Ben Dama e seu tio Ismael ben Elisha. Jacó, em nome de Jesus, quis curar Eleazar, que tinha sido picado por uma cobra venenosa. O Rabi Ismael vetou a oferta. Eleazar, desejando ser curado, tentou argumentar com seu tio, mas morreu antes de conseguir faze-lo [2]

Além dessas prováveis referências a Jesus, existem algumas outras, mais incertas, citadas pelo Professor Craig Evans, Acadia University (Canadá) [3]:

"Rabi Meir costumava ensinar 'Qual o significado (do verso), "Aquele que for pendurado no madeiro é maldito de Deus" (Dt 21:23)? Havia dois irmaos gêmeos que eram parecidos. Um reinava sobre o mundo todo e outro se tornou um ladrão. Após um tempo, o que era bandido foi pego e então crucificado em um madeiro. Todos que passavam e viam, diziam "parece que o Rei foi crucificado" (bTalmude, Sinédrio 9:7).

Evans acredita, contra a opinião do célebre talmudista Morris Goldstein, que o texto acima possivelmente alude a Jesus, a cena da crucificação e o "Titulus Crucis" ("Jesus Nazareno Rei dos Judeus"). Evans cita Marcos 14:48 ("Disse-lhes Jesus: Saístes com espadas e varapaus para me prender, como a um salteador?), o termo utilizado para ladrão ou salteador nesta passagem do Talmude teria uma conotação de agitação politica e revolucionária ou rebeldia, semelhante a encontrada na descrição de Flavio Josefo "A Judéia estava infestada de salteadores ... qualquer um podia se proclamar Rei" (Antiquidades 17:285). Essa passagem, juntamente a referência de Jesus como próximo ao governo (ou realeza) em Sinédrio 43a, sugere Evans, seriam uma resposta sarcástica a alegada descendência davídica de Jesus [4]

Prof. Mahlon H Smith [5], da Universidade Rutgers (New Jersey State University), apresenta uma possível alusão a Jesus, encontrada no Talmude Babilônico, Tratado Sinédrio, 106 b. Aqui um minim (ou herege, termo frequentemente usado para designar os cristãos) pergunta ao Rabi Hanina Bar Hama (220-260 DC) qual era a idade de Balaão quando ele foi morto. Hanina diz que os registros não mencionavam essa informação, mas que, no entanto, ele achava que ele teria morrido com 33 ou 34 anos de idade pois "homens de sangue e de traição não viverão metade dos seus dias" (Salmos 55:23). O Minin responde que Hanina devia estar certo, pois no relato sobre Balaão estava escrito que "Balaão, o coxo, tinha 33 anos de idade quando foi morto por Finéias, o ladrão" (bTalmude, Sinédrio, 106b). O Professor Smith observa que Balaão, o falso profeta citado no livro de Números que levou Israel a pecar, seria um codinome utilizado por alguns rabis para se referir a Jesus (em virtude da censura exercida pela Igreja). Da mesma forma 33 anos, seria a idade de Jesus, somando os 30 anos que ele tinha quando iniciou seu ministério (Lc 3:23), com as três páscoas mencionadas no evangelho de João. Ainda segundo Smith, Finéias, o Ladrão, seria também o codinome para Pôncio Pilatos, porque ele se apropriou dos fundos do Templo, incidente mencionado por Josefo (Antiguidades 18:60-62).

Um pouco mais hesitante que Mahlon D Smith, Travis Herford acredita que o codinome Balaão se aplicava a Jesus. Evans é cético quando a essa identificação, assim como Bruce Chilton, Morris Goldstein e Joseph Klausner. Chilton observa que dificilmente os rabinos dariam um nome tão respeitável a alguém como Pôncio Pilatos [6] Entretanto, poderíamos objetar que independente da identificação com Pilatos, o Talmude já usa o termo Finéias, o Ladrão, que é no mínimo estranho se o objetivo era se referir ao venerável sacerdote Finéias, neto de Arão.

Por fim, Jonh.P. Meier cita Klausner, e o julgamento deste quanto as tradições encontradas no Talmude:

Klausner (Jesus of Nazareth, 46) faz o seguinte resumo das afirmações confiáveis na tradição rabínica (1) Yeshu de Nazaré praticava a feitiçaria, istoé, fazia milagres e desencaminhava Israel; (2) Ele zombou das palavras dos sábios (istoé, dos mestres reverenciados de Israel). (3) Interpretava as escrituras da mesma forma que os fariseus (4) Tinha cinco discípulos (5) Dizia que não viera para tirar nada da Lei ou acrescentar algo (6) Foi enforcado (ou seja, crucificado) como falso mestre. Como é facil de ver temos aqui apenas uma imagem invertida e polêmica de várias afirmações dos quatro evangelhos [7]

Assim, o Talmude conteria tradições que compartilhariam a perspectivas básicas das atividades de Jesus, milagres, crítica a religião tradicional, o compartilhamento das crenças básicas dos fariseus, como anjos e ressureição dos mortos, seu relacionamento com Lei, ter discípulos e sua morte violenta. Geza Vermes [8] observa que, provavelmente, os rabinos reinterpretaram antigas tradições populares de Jesus como homem sábio e realizador de milagres, correntes na Palestina, atribuindo esses feitos a prática de feitiçaria. Assim, a imagem popular de Jesus retratada nos evangelhos e reavaliada sob um prisma negativo.

"Quando essas duas acusações são examinadas, elas se tornam uma representação pejorativa do retrato Josefano de Jesus. Pois desencaminhador/falso profeta e "feitiçeiro" são equivalentes deturpados de "homem sábio" e "milagreiro" [8]

O ponto levantado por Vermes, da reinterpretação de antigas tradições sobre Jesus é relevante, principalmente quando comparamos a parte reputada autêntica do polêmico "Testimonium Flavianum", escrita por Flavio Josefo no século I. Josefo diz que Jesus fazia feitos paradoxais ou incríveis, sendo a palavra paradoxa ambigua, isto pode significar tanto maravilhoso quanto controverso. O Talmude (e Celso) diz que Yeshu praticava feitiçaria (o que torna implícito que praticava feitos "controversos", explicados pela suposta prática de magia). Josefo diz que Jesus "era mestre de homens que recebem a verdade com prazer. Ele atraiu muitos judeus e muitos gentios". Os rabis dizem que Yeshu era uma ameaça, pois "levou Israel a pecar" e "o fez apóstata", dando a entender uma popularidade razoável , aliciando e desencaminhando um grande número de díscipulos. Dizem também que um processo foi iniciado, e um arauto saiu a covocar as testemunhas de defesa. Josefo afirma que "os principais homens entre nós o denunciaram". Por fim, no Talmude Jesus é executado e "levantado" (no madeiro), talvez por ordem de "Fineias, o Ladrão" (codinome para Pôncio Pilatos), enquanto Josefo diz que Pilatos o crucificou. É ainda possível que haja uma recordação dos motivos que levaram a execução (algo que Josefo não declara abertamente), de que Jesus foi acusado de ser um insurgente que ameaçava a ordem estabelecida, "O Rei dos Judeus".

Graham Stanton também compatilha da percepção de Geza Vermes ao observar que as acusações imputadas a Jesus nessa passagem do Talmude - que ele praticou feitiçaria e levou Israel a pecar - também são encontradas em Dialogo com Trifo, de Justino, já mencionado.Para Stanton essa tradição rabínica é de dificil interpretação, e mais complicado ainda é data-la com segurança. No entanto, acrescenta que não fora a grande correspondência com a acusação que circulava em circulos judaicos, na metade do século II, de que "Jesus era um mágico e enganador do povo" (Dialogo com Trifo 69:7), seria tentador descartar essa passagem do Talmude como resultado de polêmicas do terceiro século, ou mesmo posteriores, entre judeus e cristãos.Entranto, a terminologia semi-técnica encontrada no grego de Dialogo com Trifo é muito próxima do hebreu das tradições rabínicas. Assim, conclui Stanton, essas tradições teriam raízes profundas.[9]

Em resumo, quais são as informações que podemos obter do Talmude (se é que alguma informação pode ser obtida)?

Além de Johannes Maier, Edgard Leite é bastante cético em relação ao Talmude, "que não parece conter referências claras ao Jesus histórico" [10]

Por outro lado, Professor R. T. France, de Oxford, conclui que, pelo menos a partir do início do segundo século, Jesus era conhecido e abominado como alguém que realizava feitos incríveis e que tinha conquistado tão grande número de seguidores que foi devidamente executado como "aquele que levou Israel a pecar". Embora depreciativo, pelo menos é, de uma maneira distorcida, evidência para o impacto razoável dos milagres de Jesus e de seus ensinos. A conclusão de que isto é inteiramente dependente da pregação cristã, e que "judeus do segundo século adotaram de forma acrítica o pressuposto de que ele realmente existiu " é certamente resultado do ceticismo dogmático. Tal polêmica, frequentemente utilizando "fatos" completamente distintos do que os cristãos acreditavam, muito dificilmente teria surgido em menos de um século em torno de uma figura inexistente." [11]

Também Geza Vermes, observa que histórias como a de Jacó de Kfar Secaniah "indicam que um judeu cristão palestino no final do século I DC estava se dedicando, como os apóstolos e seus seguidores imediatos nos Atos dos Apostolos, a curar e pregar em nome de Jesus. Ainda, os textos rabínicos mostram que o mundo oficial rejeitava essas práticas, mas que judeus e até mesmo rabinos não necessariamente se opunham a elas na sociedade judaica palestina do fim do século I" [12]

Da mesma forma, Max Wilcox, Professor da Universidade de North Wales, avalia que o Talmude e outros escritos da literatura rabínica embora mencionem Jesus de forma muito esporádica, e devam ser utilizados pelo historiador de forma muito cautelosa e criteriosa, acabam por endossar as afirmações evangélicas de que Jesus curava e operava milagres, ainda que atribuindo esses feitos a feitiçaria. Além disso, preservam uma memória de que ele era um mestre, tinha discipulos, e de que pelo menos no início do período rabínico nem todos os rabinos tinham se convencido totalmente de que ele era um herege e enganador. [13]

Assim, em vista do exposto, podemos dizer que passagens sobre Jesus no Talmude devem ser avaliadas com cautela, reconhecendo que mais provavelmente trazem um "eco" de informações e tradições antigas, frequentemente de forma âmbigua, não devendo ser tomadas ao "pé-da-letra". Analisando em conjunto com o Dialogo com Trifo (69:7), e Celso, podemos dizer que o Talmude reforça a percepção de alguns fatos da vida de Jesus, encontrados nessas e em outras fontes, sua execução violenta em conflito com as autoridades, sua fama de realizador de milagres e feitos extraordinários (atribuidos por alguns rabinos a atos de feitiçaria), de que ele conseguiu alcançar um grupo razoavel de discipulos ("pois levou Israel a pecar e fez apóstata"), ainda que, por vezes, apareçam alguns sinais de que a hostilidade não é completa, de que, como já disse Geza Vermes, judeus e até mesmo rabinos não necessariamente se opunham a elas na sociedade judaica palestina do fim do século I .

Desta Forma, em vista das observações de Klausner, Vermes e Wilcox, acima, concluimos que as tradições populares sobre Jesus na Palestina, (provavelmente) teriam sido conservadas pelos rabinos por várias gerações, e não eram necessariamente hostis. Com o tempo, a medida que os caminhos de cristãos e judeus foram se afastando, essa memória foi sendo reinterpretada de forma cada vez mais polêmica e hostil.

Referências bibliograficas:

[1] Geza Vermes, O Autêntico Evangelho de Jesus , fl.19, nota 33
[2] Geza Vermes, Quem é quem na época de Jesus, fls. 152-153
[3] Craig Evans; Jesus in Non Christians Sources in Bruce Chilton & Craig Evans; Studying the Historical Jesus, fl. 447
[4]Craig Evans; Jesus in Non Christians Sources in Bruce Chilton & Craig Evans; Studying the Historical Jesus, fl. 449
[5] Mahlon H. Smith, Into His Own, Jesus and Christians in non Christians sources, 191
http://virtualreligion.net/iho/jesus.html, acessado em 23.12.2009
[6] Craig Evans; Jesus in Non Christians Sources in Bruce Chilton & Craig Evans; Studying the Historical Jesus, fl. 449, nota 16
[7] John P. Meier, Um Judeu Marginal, Vol. I fl. 115, nota 62
[8] Geza Vermes, Jesus in His Jewish Context fl. 98
[9] Graham Stanton, Gospel Thuth?New Light on Jesus and the Gospels, fl. 157
[10] Edgard Leite, Yeshu Ha Notzri e sua viagem ao Egito: Uma Parábola Talmudica in Chevitarese, Corneli & Selvatici; Jesus de Nazaré, Uma outra História, fl. 291.
[11] R T France The Evidence for Jesus, fl. 39
[12] Geza Vermes, Quem é quem na época de Jesus, fls. 154
[13] Edwin Yamaguchi, Jesus Outside the New Testament: What is the Evidence, in Wilkins & Moreland; Jesus Under Fire, fls. 214)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Observando Jesus Pelas Lentes De Seus Adversários - Parte I: A Polêmica Judaica no sec II e a Imagem Popular de Jesus entre seus conterrâneos



Este post, ou melhor, esta série de posts, tem como objetivo desenvolver uma questão que sempre me intrigou. Gerd Thiessen e Annete Merz, em seu monumental "O Jesus Histórico, Um Manual", fazem a seguinte observação:

"Segundo G. Vermes, a descrição de Jesus como "homem sábio" e "realizador de feitos maravilhosos (milagrosos) (...) espelha a imagem de Jesus que circulava na Palestina como uma tradição popular.O fariseu Josefo recebeu-a sem uma apreciação, enquanto os rabinos interpretam a mesma tradição como testemunho sobre um mago e enaganador" [1].

Thiessen se refere aqui, em especial, ao importante trabalho do Prof. Geza Vermes, de Oxford, em em seu artigo "The Jesus Notice of Josephus Re-Examined" (1987).

Fatos e Versões: A proposta do Prof. Vermes abre uma "avenida", uma verdadeira auto-pista para os estudos do cristianismo primitivo.

Teriamos alguns fatos: O povo comum, contemporâneo de Jesus, tinha dele uma memória e lembrança como alguém capaz de realizar sinais e prodígios, feitos tidos como milagrosos e espetaculares. Um mestre cujos ensinos atrairam multidões. Sua atuação, porém, gerava controvérsia, que logo se transformou em conflito com as autoridades judaicas e romanas, levando a crucificação.

Para estes fatos teríamos uma interpretação dada por aqueles que, dentre o povo, seguiam a Jesus de Nazaré (os cristãos). O sinais e prodígios realizados por Jesus e seus ensinos provam que ele é "profeta poderoso em Palavras e Atos, diante de Deus e de todo o povo" (Lc. 24:24; Atos 2:22), que estas e outras coisas, bem como sua morte, aparentemente desonrosa, aconteceram para que se cumprisse a escritura (At. 2:23). "Ele nos apareceu vivo, pois Deus o ressuscitou dos mortos, em cumprimento da Escritura" (At. 2:24-32), testemunhavam os apóstolos. Tais fatos, interpretados a luz da escritura comprovariam uma reinvidicação ambiciosa: Jesus é o Cristo, em cumprimento das escrituras.

Outros, porém davam aos referidos fatos, interpretação diversa. Jesus foi preso e crucificado pelos próprios opressores do povo de Deus, a qual, supostamente, o Cristo deveria derrotar. Portanto, seu fracasso em impor seu reino e sua morte desonrosa, reservada a salteadores e agitafores, provariam que ele não podia ser quem dizia ser. Era então um falso profeta, magico e charlatão, e maldito, pois foi pendurado no madeiro. A medida que o cristianismo como movimento se tornou uma religião em separada, predominantemente gentia, essa visão se torna mais comum. Embora, possivelmente, alguns contemporâneos de Jesus pensassem assim, a predominância de tal visão seria resultado de uma reinterpretação tardia e deturpada da memória popular, que se intensifica com o passar do tempo, a medida que cristãos e judeus se distanciam.

No entanto, na visão de Geza Vermes, muitos dos contemporâneos de Jesus, provavelmente a maioria, interpretavam os fatos de uma maneira menos categórica. Acreditavam que Jesus tinha sido um homem santo, um hasside galileu, assim como Onias e Hanina Ben Dosa. Um sábio, realizador de feitos extraordinários, com muitos seguidores (como, parece, escreveu Josefo). Contudo, não o tinham como Messias. Outros ainda tinham dificuldade de distinguir Jesus de outros líderes carismáticos como Teudas ou Judas Galileu e pensavam que, se fosse de Deus, o legado de Jesus perduraria, ao contrário do que acontecera com Teudas ou Judas. O parecer atribuido a Gamaliel (Atos 5:33-42) pode ter sido uma opinião bem comum.

A hipótese é atrente, mas deve ser testada com as fontes disponíveis. Nossa análise será das fontes do II século e o Talmude.

Polêmica do II Século: O Professor Maurice Goguel (1880-1955), da Sorbonne (Universidade de Paris) observou certa vez que desde seus primórdios o cristianismo foi objeto de oposição tanto gentia quanto judaica, em Jerusalém, Judéia e todo o mundo romano. Por meio de Luciano, Celso, das várias apologias do século II (Justino, Taciano, Aristides) e pelo Dialogo entre Justino e o judeu Trifo, diz Goguel, podemos ter uma visão bem detalhada dos críticos do cristianismo no Segundo Século. Da mesma forma que há uma tradição apologética existe um outra polêmica, a qual a primeira tentava refutar [2]

Os mais importantes exemplos entre a polêmica a respeito de Jesus de Nazaré, no século II, são encontrados na obra do autor pagão Celso, e nos escritos dos apologistas Justino Martir e Tertuliano.

Sobre Celso, John Dominic Crossan escreve:

Em algum momento entre 177 e 180 E.C, com o Imperador Marco Aurélio já perseguindo os cristãos, o filósofo pagão Celso escreveu sua doutrina verdadeira, um ataque intelectual a religião dos cristãos [3]

A obra de Celso não sobreviveu. Mas várias partes de a Doutrina Verdadeira são conservadas na resposta de Origenes, "Contra Celso", escrita por volta de 230 a 240 DC. O mais interessante é que Celso afirma que sua fonte de detalhes supostamente biograficos de Jesus seriam relatos que circulavam entre os judeus. O que é relevante pois suas afirmações podem ser comparado com as apologias de São Justino Martir (140-160 DC), notadamente seu livro "Dialogo com Trifo" (150 DC), e com os escritos de Tertuliano de Cartago, por volta do ano 200, que também buscaram responder acusações feitas a Jesus por seus conterrâneos.

Entre as informações que Celso, Justino e Tertuliano apresentam estão:

1) Jesus é acusado de ter nascido de uma união ilegítima, da noiva de um carpinteiro e um soldado romano (Celso).

2) Os feitos extraordinários atribuidos a Jesus seriam resultado de seu conhecimento de magia (Celso, Justino e Tertuliano).

3) Os cristãos seguiam a Jesus, auto-proclamado Filho de Deus, por conta de seus feitos incríveis (Justino, Tertuliano e especificamente em Celso, resultado de seu aprendizado de magia no Egito), mas ele seria na verdade um aliciador e mago.

4) Se Jesus era o Messias e o Filho de Deus, não poderia ter sido crucificado, morte vergonhosa reservada aos mais baixos criminosos (Justino e Celso).

I) Origens e Acusação de Ilegitimidade:

"[Jesus] nasceu em uma certa vila judia, filho de uma pobre mulher do campo, que ganhava sua subsistência como fiandeira, e que foi expulsa de casa por seu marido, que exercia o ofício de carpinteiro, porque foi acusada de adultério; após ter sido abandonada por seu marido, e vagando por algum tempo, ela desgraçadamente deu a luz a Jesus, seu filho ilegitimo. Porque [Jesus] era pobre, empregou-se como operário no Egito e lá testou habilidades em certos poderes mágicos dos quais os egípcios se vangloriam, ele voltou cheio de presunção por causa desses poderes e por conta deles, deu a si mesmo o título de Filho de Deus."
Durante a sua gravidez foi expulsa de casa de casa pelo carpinteiro a qual estava prometida, como sendo culpada de adultério, e deu a luz a uma filho de um soldado chamado Pantera
[4]

No que se refere a questão de Ben Pandera e a suposta ilegitimidade de Jesus, Geza Vermes observa:

"Curiosamente, o nome Pantera/Pandera encontra confirmação no período, como nome de soldados romanos, e provas epígraficas, datando do ano 9, falam de um certo Tiberius Julius Abdes Pantera, um arqueiro sidoniano de uma legião estacionada na distante Germânia (...) A possibilidade de Pantera ser o Pai de Jesus foi retomada por James Tabor, em The Jesus Dynasty" [5]

Vermes acredita que a associação a Pandera surgiu de uma corruptela do grego "partenos" ou virgem, seria uma reação portanto as narrativas do evangelho de Mateus. J.P Meier, Notre Dame University, concorda, e aponta as dificuldades com essa tese:

"Como Celso relata o que um judeu lhe havia contado um pouco antes de 178, é de presumir que essa história já vinha circulando entre alguns judeus helenistas na Diaspora, em meados do século II. Com muita probabilidade, ela não data de época anterior, pois Justino, o Martir, trava um debate bastante detalhado co m Trifo, o judeu, sobre a concepção virginal, sem que este último seja apresentado como tendo respondido a acusação de ilegitimidade. Contudo, o fato da história ser primeiro atestada entre os judeus da diaspora, e não na Palestina, e só em meados do século II, evoca a apossibilidade de ela ser uma polêmica parodia judaica do relato cristão de concepção virginal, especialmente como apresentada no Evangelho de Mateus. (...) A origem da paródia na Diaspora e não na Palestina , torna improvável que tenhamos nessa passagem um fragmento de informação histórica preservado intacto "secretamente" pelos judeus ao longo de um século e meio [6].

O Novo Testamento registra pelo menos uma insinuaçãodos adversários de Jesus, de que ele teria sido concebido em uma relação ilícita, em João 8:40-41. Então a acusação aberta de ilegitimidade pode remontar aos contemporâneos de Jesus, o mesmo, no entanto, é duvidoso em relação a Pantera. Professor André Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro , apresenta outra motivos para uma dependência entre a tradição de Pantera relatada pela fonte de Celso e o evangelho de Mateus [7], além das trazidas por Vermes e Meier:

i) uma ênfase na concepção virginal;
ii) uma possivel insinuação à consternação de José, quando ele descobre que Maria está gravida, e seu plano para divorciar-se dela (Mateus 1:18-20),
iii) a fuga para o Egito (Mateus 2:13-15)
iv) a referência a José como carpinteiro, que só ocorre no Novo Testamento em Mateus 13:55

b) Feitos milagrosos e magia:

A respeito do extenso debate entre Justino Martir e Trifo (140-150 DC), já referido por Meier, o Prof. Graham Stanton, de Cambridge [8], observa que o primeiro afirma que as curas milagrosas de Jesus foram o cumprimento das profecias messiânicas de Isaias 35:1-7. Os milagres de Jesus seriam então um reconhecimento de sua condição de Messias, entretanto, muitos que os viram chegaram a conclusão oposta:

"Eles atribuiram [os milagres] a utilização de poderes mágicos, porque eles se atreveram a dizer que Jesus era um mágico e enganador do povo" [9].

Ainda segundo Stanton, do contexto, não há dúvida que o termo "enganador" esta sendo usado em comparação com Deuterônomio 13:5, com enfase no falso profeta que leva o povo de Deus a pecar.

Acusação semelhante é registrada e respondida por volta de 200 DC - uma geração após Celso e duas de Justino e Trifo - por Tertuliano, em seu livro Apologeticum:

"Assim, então, sob a força de sua rejeição convenceram a si próprios desse seu baixo procedimento: que Cristo não foi mais do que um homem, seguindo-se, como conseqüência necessária, que tivessem Cristo na conta de mágico, devido aos poderes que demonstrou"[10].
A acusação de Celso de que os judeus diziam que Jesus era na verdade um mágico e enganador do povo, foi também registrada e respondida, 30 anos antes, por Justino, em Diálogo com Trifo, e cerca de 20 anos depois na apologia de Tertuliano. Da mesma forma, é encontrada em passagens do Talmude, que será discutida em seguida, de um certo Yeshu que foi pendurado no madeiro (crucificado) na vespera da Páscoa, por praticar mágica e desencaminhar Israel.

A respeito, Geza Vermes observa:

"A familiaridade de Jesus com as ciências da magia, a representação negativa de sua atividade como realizador de milagres são atribuidos a seu contato com feiticeiros egípcios. O Celso de Origenes faz essas acusações no fim do século II." [11]

Orígenes (...) cita Celso, o crítico pagão de Jesus no século II, dizendo que ele afirmou que Jesus fazia seus "paradoxa" por mágica (Contra Celsum 1:6.17-18). A mesma acusação é levantada contra ele por detratores judeus posteriores (BSahedrin 43b) [12]

Nessa linha, Stanton afirma [13] que a acusação encontrada em Trifo (Jesus era um mágico enganador do povo) é uma tradição com raízes profundas. Durante seu ministério, diz Stanton, foi acusado de ser um mágico possuido pelo demônio. É provavel, ainda que não totalmente certo, que tenha acusado também de ser um falso profeta possuído pelo demônio. As alegações dos oponentes contemporâneos de Jesus confirmam que ele foi visto pior muitos como uma ameaça a ordem social e religiosa. A afirmar que agia e falava com base de um relacionamento especial com Deus foram corretamente percebidas como radicais. Para alguns eram tão radicais que tiveram que ser atacadas com base de uma explicação alternativa de sua fonte: Jesus era um mágico possuido pelo demônio e falso profeta. Avaliação semelhante pode ser feita em relação aos ataques respondidos por Tertuliano.

Na mesma linha, Celso centra seu linha de ataque na comparação entre os feitos de Jesus com os "realizados pelos mágicos egípcios que no meio das praças e feiras, por alguns trocados, demonstram conhecimento nas mais venerandas artes, expulsam demônios, curam enfermidades, e invocam a almas de heróis", e pergunta, "Visto, então, que essas pessoas podem realizar tais feitos, teremos que concluir que são "filhos de Deus" ou que procedem de homens iníquos sob a influência de espiritos malignos?[14]".

Em outras palavras, Celso esta ridicularizando os cristãos, dizendo, em outras palavras, : "vcs falam que esses milagres cumprem as profecias e demostram que Jesus é o Messias; Mas no Egito, os mágicos fazem feitos semelhantes, sem que possam ser chamados Filhos de Deus; Então, Jesus também deve ter sido um mágico possuido pelo demônio" É inevitavel a lembrança das acusações dos escribas no evangelho,
"Ele está possesso de Belzebu; e: É pelo príncipe dos demônios que expulsa os demônios" (Mc 3:22).

Morte:

Celso também ridiculariza a crença dos cristãos em um homem que foi crucificado como criminoso:

"Se, após inventar defesas que são absurdas, e pelas quais vocês são ridiculamente enganados, ainda que imaginando que vocês realmente fizeram uma boa defesa, porque vocês não consideram aqueles outros individuos que também foram condenados, e sofreram uma morte miserável, como maiores e mais divinos mensageiros dos céus (que Jesus) ?"
"e da mesma forma outros de seus companheiros seria capaz de afirmar, até mesmo de um assaltante e assassino cujo o castigo tenha sido aplicado, que tal não era um bandido, mas um deus, porque previu para seus companheiros de roubo que ele seria punido, como realmente foi" [15] .

No Dialogo entre Justino e Trifo, também encontramos uma amostra de como a idéia de um Cristo Crucificado soava escandalosa para seus contêmporâneos. Justino alude as profecias de Daniel 7:9-27, e Trifo prontamente responde:

"Estas mesmas escrituras, meu caro, nos ordenam esperar aquele que, como Filho do Homem, receberá do Ancião de Dias o Reino Eterno. Mas este que vocês chamam de Cristo não teve honra ou glória, tanto assim que a maldição contida na Lei de Deus caiu sobre ele, porque foi crucificado " [16]

É um eco perfeito, ainda que mais polido, as críticas de Celso. Jesus não pode ser o Messias, pois Messias não são crucificados como bandidos e salteadores comuns.

Conclusão:

É interessante que Celso, ou as fontes judaicas utilizadas por ele, ao invés de negar os milagres de Jesus, opta, primeiro, por desacreditar a fonte de seus poderes, atribuindo a magia e o conluio com forças demoniacas, e em seguida, sua significância, ao dizer que qualquer mágico de esquina poderia realiza-los. É sugestivo também o fato de que as acusações levantadas pelo filósofo judeu anônimo citado por Celso, apresentarem certa similaridade com as encontradas em Dialogo com Trifo, das críticas registradas em Tertuliano, e o Talmude.

Da mesma forma, Josefo fala de Jesus como "realizador de feitos incríveis/controversos". Isso tudo indica que Jesus tinha fama de "milagreiro" (ou feiticeiro) em circulos judaicos. Essa crença é atestada também em circulos pagãos. Ao responder Celso, Orígenes cita Flegon de Trales, cujos escritos datam entre 120-150 DC "Flegon, no décimo terceiro ou décimo quarto livro, se não me engano, de suas cronicas, não apenas atribui a Cristo o conhecimento de eventos futuros, ainda que confundindo alguns coisas referentes a Pedro como se refererissem a Jesus, também afirma que o resultado correspondia as suas previsões [17]". Tudo isso atesta que em meados do século II, Jesus era conhecido como alguém com poderes premonitórios e miraculosos.

E como observa o [18] Professor Robert Van Voorst, Western Theological Seminary, além das acusações de nascimento ilegítimo e prática de feitiçaria, Celso lança um violento ataque sobre vários outros aspectos da vida terrena de Jesus - ancestralidade, concepção, nascimento, infância, ministério, morte, ressureição e influência posterior. Van Voorst escreve

"De acordo com Celso, os pais de Jesus eram de uma aldeia judia (Contra Celso 1.28), e sua mãe era uma pobre mulher que obtinha seu sustento como fiandeira (1.28). Ele realizou seus milagres através de feitiçaria (1.28; 2.32; 2.49; 8.41). Sua aparência física era de um homem feio e pequeno (6.75). Para seu descrédito, Jesus manteve todos os costumes judaicos, inclusive o sacrifício no Templo (2.6). Ele reuniu apenas dez seguidores e ensinou a eles seus piores hábitos, como mendigar e furtar (1.62; 2.44). Seus discipulos, que contavam só "dez marinheiros e coletores de impostos" foram os únicos a qual ele convenceu de sua divindade, mas agora seus seguidores convertem multidões (2.46). Os relatos de sua ressureição vieram de uma mulher histérica, e a crença na ressureição foi o resultado da mágica de Jesus, os desejos de seus seguidores, ou alucinação coletiva, tudo com o propósito de impressionar outros e aumentar as chances de outros tornaram-se mendigos (2.55).” [18]

A críticas acimas são tardias, escrita 100 a 150 anos depois da morte de Jesus. Contudo, Celso é a única fonte não-cristã até então que escreve especificamente sobre o movimento de Jesus. Josefo, Tácito, Plínio, Suetônio, Luciano, Mara, fazem menções incidentais em relação a Jesus. E Justino e Tertuliano se esforçam para defender o cristianismo de acusações semelhantes, que circulavam entre alguns círculos judaícos hostis ao cristianismo.

Tácito e Suetônio estavam interessados nos reinados de Claúdio e Nero; Josefo no governo de Pilatos e na destituição do Sumo-Sacerdote Ananias, nas duas menções que faz a Jesus; Luciano escrevia sobre o Filósofo Proteus, e Mara instruia seu filho nas virtudes da sabedoria apesar do ataque dos poderosos, citando Jesus como exemplo. Mas Celso critica sistemática e detalhadamente os cristãos. Apresenta argumentos filosóficos, aponta supostas inconsistências nas narrativas evangélicas, faz comparações com outros cultos e seitas existentes à época, apresenta alguma familiaridade com os vários grupos cristãos existentes. No que se refere a vida de Jesus, apresenta "fatos" não existentes em qualquer escrito cristão, e derivados de tradições que circulavam entre os judeus em meados, talvez no início do II século. Tais tradições são atestadas também, no mesmo período, pelas defesas de Justino e Tertuliano.

É razoavel inferir que critícos como Celso utilizaram o que havia de melhor à época para atacar o cristianismo. O mesmo pode ser dito dos oponentes de Tertuliano e Justino, que se esforçam por rebater críticas incisivas contra seu Mestre. O que indica fortemente mesmo os mais ferrenhos inimigos do cristianismo, não tinham motivo para questionar a historicidade de Jesus, seus ensinamentos como centrais no cristianismo, e que ele realizou pelos menos alguns feitos considerados milagrosos.

CONTINUA
Referências:
[1] Gerd Thiessen & Annete Merz (1996), "O Jesus Histórico, Um Manual, fl 94
[2] Maurice Goguel, Jesus the Nazarene, Myth or History? fls. 69-71
[3] John Dominic Crossan, Jesus, uma biografia revolucionária, fl. 43
[4] Origenes, Contra Celso Livro 1, Capítulos 28 e 32
[5] Geza Vermes, Natividade, fl. 178, nota 16
[6] John P. Meier, Um Judeu Marginal, Vol. I, fls. 223-224
[7] André Chevitarese, Menino Jesus e a Ilegitimidade Física do Fiho de Deus. O Uso do Modelo Iconográfico de Tipo Universal (Mãe/Filho) pelos cristãos, In Chevitarese, Corneli & Selvatici, Jesus de Nazaré, Uma Outra História, fl. 51
[8] Graham Stanton, Gospel Thuth?New Light on Jesus and the Gospels, fl. 156
[9] Justino, Dialogo com Trifo, Capítulo 69, verso 5
[10] Tertuliano, Apologetica 21:17
[11] Geza Vermes, Natividade, fl. 134
[12] Geza Vermes, As Varias Faces de Jesus, fl. 306, nota
[13] Graham Stanton, Gospel Thuth?New Light on Jesus and the Gospels, fl. 163
[14] Orígenes, Contra Celso, Livro 1, Capitulo 68
[15] Orígenes, Contra Celso, Livro 2, Capítulo 44
[16] Justino Martir, Dialogo com Trifo, Capítulo 32
[17] Orígenes, Contra Celso, Livro 2, Capítulo 14
[18] Robert Van Voorst, Jesus Outside of New Testament, fl. 66
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