Acompanhamos muitas discussões, sobretudo virtuais, a respeito das diferentes histórias de ressurreições nas religiões mundiais. Comumente se apresentam dentro de diversos comentários, peremptórios que, infelizmente, e descuidadamente, se negligencia apresentar os relatos para os participantes poderem ter uma discussão objetiva. Vemos polêmicas sobre os personagens e relatos, mas não os vemos, propriamente, apresentados.
Apresento um trecho de um dos mais comentados e polemizados: o relato da ressurreição de Hórus. O texto é encontrado na Estela de Metternich, linhas 168-249. Estela encontrada em Alexandria, no início do século XIX. É datada do reinado de Nectanebo II, o último dos faraós da 30º dinastia, próximo a 340 a.C.
A Cura de Hórus
Continuando a trama de
Ísis e os sete escorpiões,a referida mãe se encontra nos pântanos de Quêmis fugindo das garras de Set com seu filho recém-nascido Hórus. Anteriormente, após ter tido a acolhida rejeitada por uma velha rica, um dos escorpiões da deusa ferroa e mata o filho da anciã, e Ísis invoca magia para curá-lo.
Neste agora, um escorpião ataca o menino Hórus, que desfalece. Ísis apela aos outros deuses, e Tot, cruzando a barca de Ra, vem para fazer voltar à vida Hórus, por meio de sua mágica.
Postaremos alguns trechos apenas, que focam mais a morte e a ressuscitação.
Eu sou Ísis, fecundada por seu marido [obs. Disso se infere que não nasceu de uma virgem; na verdade, foi um ato de necrofilia com Osíris] e grávida do deus Hórus. Pari Hórus, filho de Osíris, em um ninho de papiro e disso me rejubilo muito, porque vi aquele que vingaria seu pai. Eu o escondi, ocultei-o com medo dele ser reconhecido. Fui à cidade de Buto, a implorar com medo da perseguição [contra Hórus] e ocupei-me de buscar alimento enquanto a criança brincava. Voltei para abraçar Hórus e o encontrei, o belo Hórus de ouro, a criança indefesa e sem pai.Ele molhava a terra com a água de seu olho e a saliva de sua boca, seu corpo estava prostrado, seu coração parado, nenhum músculo de sua carne se movia mais. Dei um grito: “Estou aqui, estou aqui, criança infeliz, pra te ajudar!
Todos [pescadores] se afligiam muito, mas não havia quem conhecesse a arte de fazer reviver. Então veio a mim uma mulher sábia em sua arte, senhora nobre em sua terra. Veio a mim com uma cruz – ãnkh - e seu coração estava confiante em sua arte.
Mulher:
Não temas, não temas, ó pequeno Hórus! Não te desespere, ó mãe do deus! (....)Set não entra nesta terra, não vagueia por Quêmis. Hórus está protegido contra a maldade de seu adversário e nem os que o seguem podem feri-lo. Procura a causa disto ter acontecido e então Hórus viverá para sua mãe. Com certeza um escorpião o picou ou uma cobra o mordeu.
Ísis, pondo o nariz na boca do menino, descobre o veneno, exclamando que a criança fora picada.
TOT:
não temas mais, não temas mais, ó deusa Ísis! Ó, Néftis, não te lamentes mais! Eu vim do céu com o sopro da vida a fim de ressuscitar o menino para sua mãe.
[Após diversas invocações]:
Para trás, veneno! É a boca de Rá que te exorciza, é a língua do grande deus que te repele! A Barca de Rá parou e não conduzirá o disco solar para além de seu lugar de ontem até que Hórus se cure para alegria de sua mãe Ísis!
(....) Eu sou Tot, primogênito de Rá, portador das ordens de Atum, pai dos deuses, para que Hórus seja curado para sua mãe Ísis!
Ó Hórus, Hórus! Teu ka é a tua proteção, teus seguidores velam em tua defesa. O veneno está morto, sua ardência foi expulsa, deixou de queimar o filho da Poderosa. Ide para vossas casas, Hórus reviveu para sua mãe!
Ísis –
Dá ordem sobre isso aos habitantes de Quêmis, às amas que estão em Buto. Ordena-lhes proteger a criança para sua mãe, fazendo-lhes saber minha situação em Quêmis; uma abandonada, fugitiva de sua própria cidade.
Leia mais: Araújo, Emanuel. Escrito Para a Eternidade: A literatura no Egito faraônico. UNB.Brasília, 2000.pgs 141-151.
0 comentários:
Postar um comentário