segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Paulo presenciou a morte de Estevão?


Gálatas - 1,22 - "De acordo que, pessoalmente, eu era desconhecido às igrejas da Judéia que estão em Cristo"

Atos - 7,58 - "Lançaram Estevão fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas depuseram os seus mantos aos pés de um moço chamado Saulo (Paulo).

Em Gálatas Paulo afirma nunca ter estado em Jerusalém e em Atos, Lucas afirma que ele estava no apedrejamento de Estevão e que devastava a igreja em Jerusalém. Como resolver tal antinomia?

Para que possamos tentar elucidar um pouco deste problema, devemos deixar claro alguns pontos centrais — Lucas não conheceu Jesus. Isso é um fato. Nenhum evangelista o conheceu - outro fato. Todos evangelistas se utilizaram de fontes escritas e orais baseadas nas tradições acerca de Jesus. Da mesma forma, por incrível que isso possa parecer, o autor do evangelho segundo Lucas e dos Atos dos Apóstolos provavelmente não conheceu Paulo. Se o conheceu, seu contato foi insuficiente para dele ter sido um seguidor, companheiro ou discípulo de longa data.

As contradições entre os relatos dos Atos e as Cartas de Paulo, bem como as diferenças entre “teologia paulina” apresentada por Lucas e a teologia das cartas autênticas de Paulo são várias e extrapolam o escopo deste tópico. Neste sentido, como pontua Kümmel, “É fora de dúvida, pois, que nos três pontos básicos supracitados, a respeito da atividade de Paulo, o autor de Atos tem um conhecimento de tal forma deturpado a respeito dos fatos históricos, que dificilmente poderia ter sido companheiro de Paulo nas viagens missionárias deste.” KUMMEL, Introdução ao Novo Testamento, 1982, p.230)

Não só o autor de Lucas possui um conhecimento secundário acerca da trajetória de Paulo, como também toda a obra dos Atos dos Apóstolos de forma alguma pode ser considerada como um texto com pretensões historiográficas. Como pontua Helmut Koester, “É muito difícil encontrar no Livro dos Atos informações históricas úteis. Como o autor não escreve uma história, mas uma epopéia, ele não submeteu nenhum material tradicional ao escrutínio crítico do historiador.” KOESTER, Introdução ao Novo Testamento, vol. 2, 2005, p.339-40)

Neste sentido, o material lucano deve ser encarado prioritariamente a partir de seu propósito apologético, qual seja – o de transmitir a um público gentio a trajetória de uma Igreja unificada, evitando-se e minimizando a idéia de conflitos de tal Igreja para com o Império Romano. É possível encontrar ecos de eventos e tradições antigas ligadas aos autores dos discursos encontrados em Lucas. Por outro lado, tais discursos só podem ser devidamente interpretados a partir da proposta apologética editorial do autor lucano.

Como mencionam Cláudio Moreschini e Enrico Norelli em seu História da Literatura Cristã Antiga grega e Latina: “Os discursos dos Atos são importantes para o estudo do pensamento do autor; as convenções historiográficas antigas permitiam por na boca dos personagens históricos discursos que eles não tinha realmente pronunciado, mas que serviam para iluminar o significado da situação.” [1995, p.98] Koester [p.340] concorda com Moreschini e Norelli quanto à inserção de discursos compostos pelo autor na boca de personagens históricos retratados como sendo uma técnica da historiografia antiga. No entanto, ressalta, que a mesma técnica era usada por autores de romances e epopéias, de tal forma a destacar o significado de eventos importantes.

Com relação à antinomia em questão, pontuamos a seguinte visão dos autores:

“A presença de Paulo na morte de Estevão (At 7,58) é excluída por Gl 1,22. Atos 8,3 não é histórico pela mesma razão, e consequentemente também Atos 26,10-11. É impensável que Paulo, de posse de cartas do sumo sacerdote, pudesse ter levado cristãos de fora da Palestina para Jerusalém para serem punidos. Nem o sumo sacerdote e nem o sinédrio judaico em Jerusalém jamais tiveram esses poderes de jurisdição.” [KOESTER, p.115]


“Por outro lado, é pouco provável que tenha recebido uma formação rabínica em Jerusalém junto ao grande Gamaliel (At 5,34; 22,3) [...] Que, no entanto, o centro de sua atividade de perseguidor fosse Jerusalém (At 9, 1-2), a ponto de assistir ao apedrejamento de Estevão (At 7,58; 8,1; 22,20), parece contradito por Gl 1,22, segundo a qual ele era pessoalmente desconhecido nas igrejas da Judéia.” [MORESCHINI e NORELLI, p.35-6]


Concluindo, então:

1 - Os relatos acerca de Paulo, sob a perspectiva lucana, devem ser avaliados sempre com reservas e cotejados com a informação das epístolas de Paulo, as quais possuem sempre uma primazia enquanto fonte histórica.

2 – O texto de Lucas não se conforma como um trabalho com pretensões historiográficas. O mesmo deve ser visto sob a ótica literária de uma epopéia e a partir do propósito apologético específico do autor.

3 – Os relatos sobre a atividade de Paulo na Judéia apresentam antinomias. Neste sentido, tendo, pois a concordar com as supracitadas posições de Koester, Moreschini e Norelli.

24 comentários:

Edilene disse...

Acho que ele não era conhecido pq não era "crente' rsrsrsrs

Acho que foi nesse sentido que ele kis falar

Flávio Souza disse...

Olá Edilene!

Se Paulo estivesse em Jerusalém, devassando as casas à procura de cristãos, tenha certeza que ele seria muito bem conhecido por eles!

Wallygator disse...

O contexto da afirmação de Gálatas nos dá um panorama mais amplo:
em 13, ele mesmo confessa:"com que arrebatamento eu persegui a Igreja de Deus e procurava destruí-la" - atesta a favor da captura de cristãos - não-cidadãos romanos pobres e de uma "seita exótica" que poderiam ser transportados por questões internas dos judeus além das formalidades legais - se hoje a burocracia tem seus furos, imagine antes. Também, "eu progredia no judaísmo, ultrapassando a maioria dos da minha idade e raça por meu zelo transbordante pelas tradições dos meus pais" - atesta a favor da probabilidade de educação rabínica, inclusive por Gamaliel.

A seguir, 3 anos depois (da conversão) subi à Jerusalém para conhecer Cefas e fiquei 15 dias com ele (...). Mas o meu rosto era desconhecido das igrejas de Cristo que ESTÃO NA JUDÉIA; elas tinham simplesmente ouvido dizer: "Aquele que outrora NOS perseguia anuncia agora a fé que então destruía". Ou seja, elas o desconheciam enquanto converso e pregador do Evangelho, sabendo apenas de ouvir que seu antigo perseguidor era evangelizador agora.

A menção de pensadores helênicos é também atestada em outros escritos de Paulo.

As próprias variações nos relatos de Lucas mostram que antes de se ater à apologética e hagiografia de preocupações estéticas primariamente, ele sim, tinha preocupação com a perspectiva da correspondência e fundacional das descrições (incluindo a acuradíssima ambientação geográfico-histórica atestada cada vez mais pela arqueologia - que Koester discute pouco); de outra forma estariam iguais e muito harmonizados - a realidade, em jornalismo e criminalística, e testemunhos nos juris, mostra que sim, estes relatos com comoções possuem nos seus depoimentos variações periféricas em torno de um núcleo estrutural, o normal de se esperar a não ser para quem se esforça em harmonizar.

Não há discrepâncias excludentes entre as apresentações do pensamento de Paulo e suas epístolas. O que pode ter diferença com alguma passagem, encontraria pontos de contato em outras, variando de cartas - o que acontece mesmo tirando de fora Atos. As cartas revelam que Paulo não era alguém de repetir uma coisa só, mas com um pensamento visionário amplo que tinha implicações coerentes para assuntos e questões diferentes com que estava lidando. E Atos registra mais seus discursos de evangelismo, inclusive progressão e mudança de acordo com as experiências vividas, do que catequese e polemizações a já convertidos ( e casa bem com seu relato de mudança no teor da pregação, para o "somente Cristo, e Cristo crucificado", se enxergarmos a fase anterior no discurso do Aerópago e seu pouco sucesso.

Logo, considero que há probabilidades muito consideráveis para se corresponder a um discurso real; mais ainda para o fato de tal ter ocorrido.

Koester é muito culto mas pouco cuidadoso com sua crítica extremamente excessiva, às vezes ele cai em um extremismo - e nã vejo coincidência na proporção em que ele "desautentica" fontes canônicas e "autentica" não-canônicas mais tardias; e não é apenas com Atos.

Um outro ponto: é possível, não confirmado, que João Marcos, e mais ainda o escritor joanino, possam ter conhecido Jesus. Não é fato que não conheceram.

Unknown disse...

Se o livro esta dizendo é pork é verdade!!!

Unknown disse...

Discordei deste koester, só traz confusao parA os cristãos, a história diz que Lucas foi discipulo de paulo e ele diz que Lucas nao o conheceu. Bem como fala que João Evangelista não conheceu Jesus .

Unknown disse...

Perfeito! Perfeito! Muito bom mesmo! Glorias ao Deus Altíssimo que sempre usa um vaso dEle de honra pra confundir os que se acham sabios. São muitos infiltrados querendo deturpar a palavra do Senhor pra destruir a salvação de tantos outros. A paz!

NeoYoda disse...

Crente é assim, a escritura se interpreta por conveniência...

Maurilio Gabriel disse...

Quando paulo da testemunho e diz que nao foi pra judeia, é fato ,mas o detalhe é o testemunho da conversao ,quando consentiu na morte de Estevam e ele assoala a igreja depois da morte de Estevam ele nao era ainda convetido lembra da carte que ele pede aos religiosos par prender a igreja e trazer para jerusalem. testemunho em galatas ja e na conversao e nao a perseguissao.

Maurilio Gabriel disse...

Ele nao vai a Jerusalem ja convertido quando nao convertido ele ainda estava em jerusalem

Unknown disse...

Também acredito que ele tenha ido a Jerusalém não convertido, "então após nascer o novo homem, ele fala de não ainda ter ido lá"

Irene disse...

Paulo afirma que nunca esteve na Judeia não em Jerusalém

Irene disse...

Por que a morte de Estêvão foi em Jerusalém k

Unknown disse...

Em galatas 2 v 1 paulo fala sim que subiu outra vez depois de 14 anos ,isto quer dizer que ele assume ter ido sim a 14 anos atraz ,no capítulo 1 e versiculo 22 paulo fala que nao era conhecido e nao que nunca tinha ido em jerusalem

Unknown disse...

Atos 7:54-8:8 Nova Versão Internacional (NVI-PT)
O Apedrejamento de Estêvão
54 Ouvindo isso, ficaram furiosos e rangeram os dentes contra ele. 55 Mas Estêvão, cheio do Espírito Santo, levantou os olhos para o céu e viu a glória de Deus, e Jesus em pé, à direita de Deus, 56 e disse: “Vejo os céus abertos e o Filho do homem em pé, à direita de Deus”.

57 Mas eles taparam os ouvidos e, dando fortes gritos, lançaram-se todos juntos contra ele, 58 arrastaram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas deixaram seus mantos aos pés de um jovem chamado Saulo.

59 Enquanto apedrejavam Estêvão, este orava: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”. 60 Então caiu de joelhos e bradou: “Senhor, não os consideres culpados deste pecado”. E, tendo dito isso, adormeceu.

8 E Saulo estava ali, consentindo na morte de Estêvão.

A Perseguição e a Dispersão da Igreja
Naquela ocasião desencadeou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém. Todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e de Samaria. 2 Alguns homens piedosos sepultaram Estêvão e fizeram por ele grande lamentação. 3 Saulo, por sua vez, devastava a igreja. Indo de casa em casa, arrastava homens e mulheres e os lançava na prisão.

Filipe em Samaria
4 Os que haviam sido dispersos pregavam a palavra por onde quer que fossem. 5 Indo Filipe para uma cidade de Samaria, ali lhes anunciava o Cristo. 6 Quando a multidão ouviu Filipe e viu os sinais miraculosos que ele realizava, deu unânime atenção ao que ele dizia. 7 Os espíritos imundos[a] saíam de muitos, dando gritos, e muitos paralíticos e mancos foram curados. 8 Assim, houve grande alegria naquela cidade.

Unknown disse...

Em galatas 2 v 1 paulo fala sim que subiu outra vez depois de 14 anos ,isto quer dizer que ele assume ter ido sim a 14 anos atraz ,no capítulo 1 e versiculo 22 paulo fala que nao era conhecido e nao que nunca tinha ido em jerusalem

Unknown disse...

Esse texto ficou muito confuso não dá pra entender nada

Unknown disse...

Na minha opinião Edilene está correta; corroborando, um único versículo não inviabiliza outros versículos. Está equivocado a interpretação acima mencionado.

Unknown disse...

Se olhar-mos no versículo 23 de galatas ,ele vai dizer somente tinha ouvido dizer.aquele que antes nos persiguia, agora anuncia a fé que autrora procurava destruir.

Unknown disse...

Vs:1 cp2. Depois passado 14 anos subi outra vez a Jerusalém.... Quer dizer q ele já esteve lá como assassino mais agora ele foi como servo de Cristo

Unknown disse...

Lucas nao conheceu Paulo ? E lógico q conheceu foi ate companheiro de viagem dele ! E se converte em Troades quando eunuco caiu do telhado.

Anônimo disse...

Na verdade queremos compreender algo na Bíblia por força das nossas vontades nunca poderemos entender por mais que estudamos profundamente a palavra de Deus por mais que queremos entender jamais entenderemos porque na verdade a Bíblia ela é uma profecia e o senhor fala através dela da maneira que ele quiser muitos entende de uma maneira e entende de outra mas na verdade só o espírito santo que pode definir no coração de cada um a sua vontade

Anônimo disse...

Que possamos buscar de Deus o dom do espírito santo . Porque só ele pode traduzir em nossas corações o verdadeira profecia que está em nossas mãos que a bíblia amém

Anônimo disse...

Em galatas ele não está dizendo que nunca tinha ido a Jerusalén, essa ida dele aí, é depois da conversão, antes ele estudou em Jerusalen, com o maior mestre da lei, Gamaliel, ele estava sim na morte de estevao, Ele fazia parte do Sinédrio, que era uma suprema corte dos Judeus!

Anônimo disse...

Coloque virgulas, para entendermos melhor, o que você quer dizer meu querido.

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    Este blog tem como objetivo central a postagem de reflexões críticas e pesquisas sobre religiões em geral, enfocando, no entanto, o cristianismo e o judaísmo. A preocupação central das postagens é a de elaborar uma reflexão maior sobre temas bíblicos a partir do uso dos recursos proporcionados pela sociologia das idéias, da história e da arqueologia.
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