domingo, 2 de novembro de 2008

O Paulo de Lucas no Areópago


Uma passagem interessante do texto dos Atos dos Apóstolos é quando Paulo [de acordo com Lucas] pronuncia um discurso aos gregos no Areópago (Atos 17,22-34). A este respeito, devemos fazer algumas breves considerações. O discurso colocado na boca de Paulo por Lucas é muito mais um discurso lucano do que um real discurso paulino. A concepção da criatura humana vista nas cartas autênticas de Paulo é a condição do decaimento e da depravação humana. Poderíamos sintetizar tal teologia a partir da emblemática passagem em Romanos 3,23: "...sendo que todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus." Por outro lado, a concepção da criatura humana em Paulo [segundo Lucas] é de um ser voltado para a busca da divindade. Além disso, o próprio ser humano, como um todo, partilha da essência divina. Obviamente, as duas concepções antropológicas são irreconciliáveis.

O material lucano deve ser encarado prioritariamente a partir de seu propósito apologético, qual seja – o de transmitir a um público gentio a trajetória de uma Igreja unificada, evitando-se e minimizando a idéia de conflitos de tal Igreja para com o Império Romano. É possível encontrar ecos de eventos e tradições antigas ligadas aos autores dos discursos encontrados em Lucas. Por outro lado, tais discursos só podem ser devidamente interpretados a partir da proposta apologética editorial do autor lucano. Como mencionam Cláudio Moreschini e Enrico Norelli em seu História da Literatura Cristã Antiga grega e Latina:

“Os discursos dos Atos são importantes para o estudo do pensamento do autor; [b]as convenções historiográficas antigas permitiam por na boca dos personagens históricos discursos que eles não tinha realmente pronunciado, mas que serviam para iluminar o significado da situação.”


[1995, p.98] Helmut Koester em seu Introdução ao Novo Testamento (vol. 2, 2005, p.340) concorda com Moreschini e Norelli quanto à inserção de discursos compostos pelo autor na boca de personagens históricos retratados como sendo uma técnica da historiografia antiga. No entanto, ressalta, que a mesma técnica era usada por autores de romances e epopéias, de tal forma a destacar o significado de eventos importantes.

De qualquer forma, o objetivo principal deste post é o de mostrar algumas fontes literárias utilizadas por Lucas para elaborar o discurso no Aerópago. Um item marcante é o versículo 28 que assim diz:

"Por que somos também da sua raça"


Tal passagem é tirada da obra Fenômenos de Arato.

From Zeus let us begin; him do we mortals never leave unnamed; full of Zeus are all the streets and all the market-places of men; full is the sea and the havens thereof; always we all have need of Zeus. For we are also his offspring; and he in his kindness unto men giveth favourable signs and wakeneth the people to work, reminding them of livelihood.



Uma passagem de conteúdo similar pode ser também encontrada n o textoHino a Zeus, escrito pelo estóico grego Cleanto.

Assim temos:

On earth's broad ways that wander to and fro,
Bearing your image wheresoever we go.


De fato, se observarmos estas duas obras, encontraremos os elementos principais que foram incorporados por Lucas para elaborar o discurso de Paulo aos gregos.

1 comentários:

Informadordeopiniao disse...

Olá, Flávio.

Tinha um e-book disponível na internete interessante, eu o li quase todo, e não sei pq suiram com ele.
Fora talvez a análise que mais cortinas abriu pra mim sobre o livro de Atos.

Se achar na rede aí,fica a dica da referência:


Hemer, Collin J. "The book of Acts in the setting of hellenistic history". Winona Lake: Eisenbrauns, 1990.

abçs

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