Em nossa série sobre a capilaridade e difusão do cristianismo primitivo, discutimos anteriormente a ampla rede de solidariedade e acolhimento, a disposição de, no limite, se sacrificar por sua fé, mas também sua expansão gradual entre as elites romanas, a partir de alguns influentes libertos da casa imperial, da burocracia palaciana em Roma, nas províncias, e no exército. Além disso, discutimos o primeiro caso de possível conversão de governante, o Rei Abgar VIII de Edessa, cerca de 100 anos antes de Constantino, e a influência de seus conselheiros Bardasanes e Julio Africano.
No entanto, o cristianismo não se expandiu apenas dentro do Império Romano. De forma paralela e contemporânea, alguns estados na periferia do Império adotaram o cristianismo como sua religião. A Armênia é, provavelmente, o primeiro estado cristão, seguida da Ibéria (atual Georgia) e o reino de Axum (atual Etiópia). Este último, objeto deste post.
Etiópia (Axum)
| Moeda do Rei Ezana de Axum, meados do IV sec.DC, via wikicommons |
É a Rufino de Aquileia que devemos o relato mais antigo da introdução do cristianismo no reino de Axum (Etiópia), que ele chama de Índia ulterior. No século IV, Axum era um Estado poderoso, cujo rei tinha o título de "negus" e de "rei dos reis"; atestam-no inscrições em língua e escrita etíopes (gueza) e sul-arábicas, e designam um rei Ezana que não parece mais exercer suserania real do outro lado do mar Vermelho, mas que comanda campanhas vitoriosas na África, pelas quais agradece primeiro a vários deuses, e depois a um só, chamado "Senhor do céu". Ora, Rufino, segundo o testemunho de um deles, relata que dois jovens cristão originários de Tiro, feitos prisioneiros durante uma viagem, tinham se posto a serviço do rei do lugar; o mais brilhante, Frumêncio, logo dirige a chancelaria e, quando da morte do rei, exerce o papel de regente junto a rainha e seu jovem filho. [1]
Base do barco de Natakamani e Amanitori, de Wad Ban Nag, Museu Egípcio de Berlim, por Sven-Steffen Arndt, via wikicommons |
No relato de Atos dos Apóstolos 8, Filipe, o evangelista, é orientado por Deus a se dirigir a estrada que ligava Jerusalém a Gaza, onde encontra um eunuco, que era tesoureiro de Candace, Rainha dos Etíopes, e o instrui no evangelho e batiza. Candace ou Kandake, na verdade, não era um nome, mas um título, de várias rainhas governantes de Cuxe ou Kush. O poderoso reino de Cuxe, ou Núbia, que existiu no extremo sul do Egito e o atual Sudão, de Assuã a Cartum, entre a primeira e a sexta catarata do Rio Nilo. Em Números 12, Miriam e Arão entram em conflito com Moisés, por conta da esposa dele, que era Cuxita. Os núbios chegaram a conquistar o Egito, sob o comando de Piiê, tendo os chamados "faráos negros" reinado durante a 25ª dinastia (744 - 656 AC). Assim, quando Jerusalém foi cercada pelos exércitos assírios (701 AC), o Rei Ezequias contava também com o socorro dos seus aliados cuxitas "Senaqueribe fora informado de que Tiraca, rei etíope do Egito, estava vindo lutar contra ele" (II Reis 19:9). No início da era da cristã, Candaces como Shanakdakhete e Amanitore governaram Cuxe a partir da cidade de Meroe. Contudo, o reino de Cuxe, no tempo de Atos dos Apóstolos, era politicamente distinto do Reino de Axum, que ficava mais ao sul. É justamente o Rei Ezana de Axum, por volta do ano 350 DC, que destroi Meroe e subjuga Kush. É a partir da conquista de Kush/Cuxe que o Reino de Axum passa a ser identificado como Etiópia.
O início do cristianismo na Etiópia e a influência de Alexandria
Ele [Frumêncio] dá a negociantes romanos de passagem a possibilidade de construir igrejas e favorece um início de evangelização da população. Quando o príncipe se torna rei, Frumêncio parte para Alexandria, onde é consagrado bispo por Atanásio, em torno de 330. De volta a Axum, prega com sucesso a fé definida no Concílio de Nicéia, como confirma, em 356, uma carta do Imperador Constâncio II aos soberanos de Axum, Ezana e Sazana, o que não implica, é claro, que eles sejam cristãos. (...) Enfim, numa inscrição em grego , de data incerta, um rei Ezana se diz "servidor de Cristo", cuja divindade proclama , e afirma sua fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo. No fim do século V, monges sírios prosseguem a evangelização e desenvolvem o monaquismo, mas a Igreja da Etiópia permanece em comunhão com Alexandria". [1]
Frumêncio, ao ascender na corte do reino de Axum, procura fomentar a expansão do cristianismo naquele país primeiro a partir de comerciantes estrangeiros que passavam e/ou formavam a comunidade de expatriados lá, e segundo obtendo reconhecimento e suporte das autoridades da Igreja em Alexandria (Egito), o patriarcado mais próximo, que era dirigido pelo venerado Atanásio, o que ocorre em 330 DC. Nesse processo, se estabelece uma comunhão milenar entre a igreja etíope e o patriarcado de Alexandria (posteriormente Igreja Copta do Egito), que, em termos gerais, perdura até os dias de hoje.
Assim, a Igreja Etíope seguiu Alexandria e os ensinos de Atanásio, na defesa do Credo de Niceia contra o arianismo. Os arianos concordavam com o restante da Igreja que Cristo, o Verbo, "estava no princípio com Deus, que tudo foi feito por meio dele, e sem ele , nada do que existe teria sido feito" (Evangelho de João 1:2-3), mas sustentavam, que o Verbo foi criado por Deus antes do tempo, não sendo, portanto, eterno ou de mesma substância, enquanto que no Concílio de Niceia (325 DC) o Verbo foi definido como "gerado pelo Pai antes de todos os séculos (...) e consubstancial com o Pai". O arianismo se provou extremamente influente e persistente, e a controvérsia por ele gerada perdurou até o século VII, inicialmente restrita ao oriente, e posteriormente sentida no ocidente do Império, em face da conversão de alguns povos bárbaros, como os visigodos, a essa forma de cristianismo. Nesse contexto, o Imperador Constâncio II (353-361) era ariano convicto e tenta pressionar os cristãos etíopes em sua carta aos reis de Axum, sustentando que o Bispo Frumêncio foi ordenado por Atanásio, a quem ele acusa de ser culpado de 10 mil crimes, e portanto sua permanência na função deveria ser avaliada por George da Capadócia, a qual o Imperador havia instalado como Patriarca no lugar de Atanásio. Constâncio parece já antecipar que sua solicitação dificilmente seria atendida pois diz ao Rei que os crimes eram conhecido "a menos que você, somente, finja ignorar o que todos já sabem". Ezana parece ter mesmo ignorado o Imperador Romano pois Frumêncio continuou em seu posto.
O fato da nascente igreja etíope ter ficado do lado de Atanásio naqueles tempos difíceis é significativo pois ele era naquele momento um fugitivo, os arianos tinham completo suporte imperial, e, nas palavras de Jerônimo "o mundo inteiro foi tomado de assombro, ao se descobrir ariano". Atanásio e seus seguidores, com a ajuda dos axumitas, eventualmente triunfaram e, com pequenas variações, a formulação do concílio de Niceia foi referendada pelos bispos reunidos no I Concílio de Constantinopla (381 DC), no que ficaria conhecido como Credo Niceno-Constantinopolitano. Cem anos depois, porém, a Igreja Etíope (assim como a Igreja Armênia) também seguiria o Patriarcado Copta de Alexandria na defesa do Miafisismo, que ensina que Jesus Cristo é plenamente humano e plenamente divino com uma única natureza, não aceitando o credo definido no Concílio de Calcedônia (451 DC), adotado pela Igrejas Ortodoxa Grega, Católica Romana e Evangélicas, que defende que Jesus possui as natureza humana e divinas unidas numa única pessoa. [2]
O Rei Ezana e o avanço do cristianismo na antiga Etiópia - Inscrições, moedas e outros artefatos
O avanço da cristianização da Etiópia é evidenciada não só pelas fontes literárias contemporâneas acima, todas externas ao Reino de Aksum, mas também (e principalmente) por inscrições, moedas e monumentos (quase todos de natureza pública). Entre esses artefatos, se destacam as inscrições em pedra encontradas na antiga capital Axum, no Porto de Adulis (atual Eritreia) e na conquistada Meroe, em grego, ge'ez (ou etíope clássico), e sabeu (língua falada em Sabá, no sul da Península Arábica, no atual Iêmen). Em alguns casos, como na famosa "Pedra de Ezana", há versões nessas línguas em paralelo, como na Pedra de Roseta egípcia. O Professor Graham Connah (1934-2023), do Departamento de Estudos Clássicos e História Antiga da Universidade da Nova Inglaterra (Austrália) escreve:
"Aksum is also notable for the discovery of several Greek, South Arabian and Ge'ez stone-cut inscriptions of the fourth-century King Ezana, in whose reign Christianity appears to have been adopted (Pankhurst 1961:28-30; Munro-Hay 1991: 224-9). These inscriptios, already referred to several times, are of very great historical significance. It is rare indeed that African archaeological evidence can speak to us so directly: 'I Will rule the people", claims Ezana, 'with righteousness and justice, and will not oppress them, and may they preserve this Throne which I have set up for the Lord of Heaven' (Pankhurst 1961:30) (tradução) Aksum também é notável pela descoberta de diversas inscrições em pedra gregas, sul-arábicas e ge'ez do rei Ezana, do século IV, em cujo reinado o cristianismo parece ter sido adotado (Pankhurst 1961:28-30; Munro-Hay 1991:224-229). Essas inscrições, já mencionadas diversas vezes, são de grande importância histórica. É raro, de fato, que evidências arqueológicas africanas possam nos falar tão diretamente: "Governarei o povo", afirma Ezana, "com retidão e justiça, e não os oprimirei, e que eles preservem este Trono que erigi para o Senhor do Céu" (Pankhurst 1961:30). [3]
Stuart Munro-Hay (1947-2004), que foi professor nas universidades de Cartum, Nairobi, Edinburgo e Cambridge, e um dos principais especialistas na história do Império Axumita, compilou algumas das mais relevantes inscrições daquele período [4]. A principal, para os nossos propósitos, é um inscrição grega (DAE 11), em que Ezana declara de forma clara e inequívoca sua fé cristã (o termo DAE, seguido numeração, se refere a Deutsche Aksum-Expedition, liderada por Enno Littmann, que publicou as inscrições em 1913):
| Pedra de Ezana, via wikicommons |
Na fé em Deus e no poder do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que me salvaram o reino, pela fé em seu filho Jesus Cristo, que me ajudou e sempre me ajudará. Eu, Azanas, rei dos axumitas, dos himiaritas, dos reidanos, dos sabeus, de Sileel, de Khaso, dos bejas e de Tiamo, Bisi Alene, filho de Ella Amida, servo de Cristo, agradeço ao Senhor meu Deus, e não posso declarar plenamente seus favores porque minha boca e minha mente não podem (abraçar) todos os favores que ele me deu, pois ele me deu força e poder e me favoreceu com um grande nome por meio de seu filho em quem eu cri. E ele me fez o guia de todo o meu reino por causa da minha fé em Cristo, por sua vontade e no poder de Cristo, pois ele me guiou. E eu creio nele e ele se tornou um guia. Saí para lutar contra os Noba porque os Mangartho, Khasa, Atiaditai e Bareotai clamavam contra eles, dizendo: "Os Noba nos oprimiram; ajudem-nos, pois nos perturbaram com a matança". E parti pelo poder de Cristo, o Deus em quem eu acreditava e que me guiou. Parti de Aksum no oitavo dia, um sábado, do mês aksumita de Magabit, com fé em Deus, e cheguei a Mambarya, onde alimentei meu exército [4].
E a versão do mesmo monumento em ge'ez (ou geza), língua corrente na população de Axum naquele período, descreve a mesma incursão de Ezana contra os Noba (os já mencionados núbios, de Meroe), mas não nos mesmos termos. Por exemplo, as repetidas menções a Jesus Cristo e a Trindade são substituídas por um mais genérico "Senhor do Céu":
Pelo poder do Senhor do Céu, que no céu e na terra detém poder sobre todos os seres, Ezana, filho de Ella Amida, Bisi Halen, rei de Aksum, Himyar, Raydan, Saba, Salhin, Tsiyamo, Beja e de Kasu, rei dos reis, filho de Ella Amida, nunca derrotado pelo inimigo. Que o poder do Senhor do Céu, que me fez rei, que reina por toda a eternidade, invencível, faça com que nenhum inimigo possa resistir a mim, que nenhum inimigo possa me seguir! Pelo poder do Senhor de Tudo, fiz campanha contra os Noba quando os povos Noba se revoltaram e se gabaram. "Eles não ousarão cruzar o Takaze", disse o povo Noba. Quando eles oprimiram os povos Mangurto, Hasa e Barya, e quando os negros lutaram contra os vermelhos e eles quebraram sua palavra pela segunda e terceira vez e mataram seus vizinhos sem piedade, e saquearam nossos mensageiros e os emissários que enviei a eles para admoestá-los, e eles os saquearam de tudo o que tinham, incluindo suas lanças; quando finalmente, tendo enviado novos mensageiros aos quais eles não quiseram ouvir, mas responderam com recusas, desprezo e atos malignos; então entrei em campo. Parti pelo poder do Senhor da Terra e lutei no Takaze e no vau Kemalke. Ali os coloquei em fuga e, sem descansar, segui os que fugiam por vinte e três dias, durante os quais matei alguns em todos os lugares onde paravam. Fiz prisioneiros outros e os saqueei. Ao mesmo tempo, os do meu povo que estavam no campo trouxeram cativos e saquearam [4].
RIE190 and RIE271 are both interesting and problematic. The relationship between the Ge'ez (190) and Greek (271) versions is discussed in Chapter 6 - as is important internal evidence for thier date. In the Greek, Ezana refers to his faith in God and to the power of the Father, Son and Holy Spirit who saved for me the kingdom by the faith of his Son, Jesus Christ, who helped me and will always help me; he descibes himself as servant of Christ and makes repeted references to the guidance and power of Christ, in one instance designating Christ as the god in whom I have believed. This is the only one of teh Ezana inscription which makes specific reference to the Trinity. The Ge'ez text, by contrast, does not specify Ezana's name and is less specifically religious , containing no named reference to Christ or any other divinity. In the initial publication of these inscriptions, this distinction between the apparently contemporaneous Greek and Ge'ez text was noted and attributed to different intended readerships. (tradução) RIE190 e RIE271 são interessantes e problemáticos. A relação entre as versões ge'ez (190) e grega (271) é discutida no Capítulo 6 – assim como evidências internas importantes para sua data. Em grego, Ezana se refere à sua fé em Deus e ao poder do Pai, Filho e Espírito Santo, que me salvaram o reino pela fé em seu Filho, Jesus Cristo, que me ajudou e sempre me ajudará; ele se descreve como servo de Cristo e faz repetidas referências à orientação e ao poder de Cristo, em um caso designando Cristo como "o Deus em quem eu cri". Esta é a única inscrição de Ezana que faz referência específica à Trindade. O texto ge'ez, por outro lado, não especifica o nome de Ezana e é menos especificamente religioso, não contendo nenhuma referência a Cristo ou a qualquer outra divindade. Na publicação inicial dessas inscrições, essa distinção entre o texto grego e o ge'ez, aparentemente contemporâneos, foi notada e atribuída a diferentes públicos-alvo.[5]
Professor Niall Finneran, da Universidade de Winchester (Reino Unido), analisa o processo de cristianização de Axum em comparação, por exemplo, com a conversão de Constantino no Império Romano [6]. Cita algumas inscrições anteriores do próprio Ezana que mencionam divindades gregas e seus equivalentes locais. Nessa linha, a inscrição DAE 4, descreve a campanha contra os Beja, em que Ezana "(...) em sinal de reconhecimento àquele que nos gerou, o invicto Ares, erguemos estátuas para ele, uma de ouro, uma de prata e três outras de bronze, para sua glória (...)". Ares (grego) ou Marte (romano) era identificado com Mahrem, o deus da guerra dos Axumitas. Da mesma forma, DAE 6 e 7 que são as versões em sabeu e ge'ez da inscrição, louvam além de Mahrem, a "Astarte e Beher" e "Astarte e Meder", esses equivalentes a Vênus e Netuno, respectivamente. Finneran pontua que as novas formulas epigráficas refletem uma mudança da sacralidade real (ainda que alguns aspectos tenham sido absorvidos na chegada do cristianismo), enfatizado pela ligação com Mahrem, para a ideia de servo de Cristo (Gebra Krestos), e reposicionam Axum em um contexto internacional mais amplo [6]. Além disso, com Constantino e seus sucessores cada vez mais favorecendo o cristianismo no vizinho Império Romano (até interferindo em divergências teológicas, como Constâncio II acima), fazer parte de uma comunidade de governantes cristãos certamente trazia benefícios.
Roger Schneider (1976c) points out that the Greek and South Arabian versions of the Aksumite texts contain more explicit Christian terminology than the Aksumite version; it is possible that the Christian "message" was being watered down for local consumption, for Christianity had not truly permeated all levels of society and in some places was meeting active resistance in the countryside (...) This is also indicated by changes in coinage mottoes; an issue of MHDYS, for instance, bears a direct Ge'ez translation of the Motto of Constantine at the Battle of the Milvian Bridge: 'by this sign (the cross) you will conquer'. As the coinage was intended for use internationally it made sense to stress very heavily a Christian identity for Aksum and its king. Being Christian conferred benefits beyond rewards in the afterlife; it made sense within the wider framework of eastern Mediterranean trading links. (tradução) Roger Schneider (1976c) aponta que as versões grega e sul-arábica dos textos axumitas contêm terminologia cristã mais explícita do que a versão axumita; é possível que a "mensagem" cristã estivesse sendo diluída para consumo local, pois o cristianismo não havia realmente permeado todos os níveis da sociedade e, em alguns lugares, encontrava resistência ativa no campo (...) Isso também é indicado por mudanças nos lemas das moedas; uma edição da MHDYS, por exemplo, traz uma tradução direta em ge'ez do lema de Constantino na Batalha da Ponte Mílvia: "por este sinal (a cruz) vencerás". Como a moeda era destinada ao uso internacional, fazia sentido enfatizar fortemente uma identidade cristã para Axum e seu rei. Ser cristão conferia benefícios além das recompensas na vida após a morte; fazia sentido dentro da estrutura mais ampla dos laços comerciais do Mediterrâneo Oriental. [6]
O Rei Ezana parece ter adotado uma postura cautelosa ao professar o cristianismo, apresentando de forma mais clara e explícita sua fé em monumentos e propaganda direcionada a corte, as elites do reino, e aos estrangeiros, bem como gradualmente retirando as menções a religião tradicional axumita, substituindo por expressões e termos neutros, e por fim por símbolos cristãos mais claros, mas ainda não explícitos. Por exemplo, passou a substituir a crescente e disco em suas moedas, que passaram a ser cunhadas com a cruz ou com inscrição MHDYS, que em ge'ez é o acrônimo para "pela Cruz vencerás" (muito semelhante ao "com esse sinal vencerás", utilizado por Constantino). Assim, o Professor David Phillipson observa como as moedas que Ezana emitiu ao longo do seu reinado passaram a refletir sua fé.
"Study of Aksumite coinage yields fully compatible evidence. The coins of the pre-Christian kings of Aksum bore the crescent-and-disc symbol above the royal portrait (e.g Fig. 69), and this practice was initially followed by Ezana, presumably before his conversion; on later coins, from Ezana onwards, this symbol was replaced by the Christian cross (Fig. 71). Those coins of Ezana and his immediate predecessor which have no religious symbol (Fig. 28) may be interpreted as reflecting uncertaninty as the popular acceptability of the new religion that was subsequently embraced by the king. " (tradução) "O estudo da cunhagem axumita fornece evidências totalmente compatíveis. As moedas dos reis pré-cristãos de Axum ostentavam o símbolo do crescente e do disco acima do retrato real (por exemplo, Fig. 69), e essa prática foi inicialmente seguida por Ezana, presumivelmente antes de sua conversão; em moedas posteriores, a partir de Ezana, esse símbolo foi substituído pela cruz cristã (Fig. 71). As moedas de Ezana e de seu predecessor imediato que não apresentam símbolo religioso (Fig. 28) podem ser interpretadas como reflexo da incerteza quanto à aceitabilidade popular da nova religião que foi posteriormente adotada pelo rei."[7]
Nessa linha, Phillipson conclui que a evidência arqueológica e numismática, converge com a literária, atestando a conversão de Ezana de Axum e sua corte, entre 330 e 340 DC [7].
É bastante provável que também sobre o Rei Ezana começaram a ser construídas grandes igrejas, uma vez que escavações recentes no sítio de Beta Samati (no norte da Etiópia entre a capital Axum e Adulis), conduzidas pelo Professor Michael J Harrower (Universidade John Hopkins) e colaboradores, indica a existência de uma antiga basílica, que teria sido utilizada entre os séculos IV e VII DC, considerando datação por carbono 14 e cerâmica: "sementes domesticadas sobrepostas, obtidas por meio de datação espacial, indicam que o uso mais antigo da basílica de Beta Samati data do século IV d.C. (Tabela 2: 3–4). Duas datações por radiocarbono em carvão vegetal datam os estágios finais de habitação em Beta Samati em meados do século VII d.C., e "cerâmica do período médio ao tardio de Axum, recuperada das camadas superiores da área B, e a cerâmica do período clássico de Axum, recuperada das camadas inferiores, são consistentes com as análises de radiocarbono"[8]. Além dessa basílica, a Catedral de Santa Maria de Sião, até hoje na antiga capital Axum, pode ter sido construída nessa época.
Mercadores e estrangeiros - Os missionários na Etiópia
| Os nove santos, Igreja Abuna Yemata Guh, via Wikicommons |
The period between the mid-fourth and the early-seventh centuries saw Aksum's florescence under the Christian rule. In the considering the archeological evidence, the first point to emphasise is that, if we omit the coins and the stone inscriptions, archeological excavation has yielded remarkably little indication of the initial adoption of Christianity. Around the middle of the fourth century, as discussed in Chapter 12, there seems to have been a significant change in outwards trappings of the royal burial traditions at Aksum. However, explicit evidence for Aksumite Christianity was largely restricted to areas under direct royal control for 100-150 years after the king's conversion; only slowly and hesitantly was the new religion accepted by the populace at large and spread into rural areas distant from the capital. Even among the élite inhabitants of outlying urban sites, it seems that the old religion was openly followed until at least the fifth century" (tradução) "O período entre meados do século IV e o início do século VII testemunhou o florescimento de Aksum sob o domínio cristão. Considerando as evidências arqueológicas, o primeiro ponto a enfatizar é que, se omitirmos as moedas e as inscrições em pedra, as escavações arqueológicas produziram pouquíssimas indicações da adoção inicial do cristianismo. Por volta de meados do século IV, como discutido no Capítulo 12, parece ter havido uma mudança significativa nos adereços externos das tradições funerárias reais em Aksum. No entanto, evidências explícitas do cristianismo axumita foram amplamente restritas a áreas sob controle real direto por 100 a 150 anos após a conversão do rei; apenas lenta e hesitantemente a nova religião foi aceita pela população em geral e se espalhou para áreas rurais distantes da capital. Mesmo entre os habitantes de elite de sítios urbanos periféricos, parece que a antiga religião foi seguida abertamente até pelo menos o século V"[7]
Phillipson aponta que há evidência arqueológica de coexistência de elementos pagãos e cristãos em artefatos e monumentos de Axum. Por exemplo, na Tumba de Arco de Tijolos, em Axum, datada do final do IV século, havia algumas cerâmicas com o símbolo da cruz e outras com crescente e disco. Finneran, por sua vez, pondera que a Etiópia pode reinvindicar o título de estado cristão mais antigo do mundo (depois da Armênia), e vivenciou um modelo de conversão "de cima para baixo" semelhante ao que também se observaria no século VI nos estados núbios de Makuria e Nobatia (remanescentes da queda do Império Cuxe), e de forma mais ampla, nos estados do Cáucaso e entre os anglos saxões na Inglaterra. É provável que houvesse comunidades cristãs no Império Axumita, principalmente entre a comunidade mercantil em Adulis, uma vez que seria inconcebível que o cristianismo não existisse em Axum antes de meados do IV século, face as rotas comerciais via Mar Vermelho, Rio Nilo e Arábia [6]. Assumindo uma difusão da nova fé principalmente através dessas rotas mercantis, é plausível considerar que os primeiros conversos e responsáveis por essa difusão fossem membros dessas comunidades e de estrangeiros residentes associados a ela [6]. Phillipson, por sua vez, pondera que até mesmo a localização dos monumentos reais associados ao cristianismo parece ter sido escolhida naqueles pontos onde a visualização por mercadores e estrangeiros era mais provável, nas duas principais estradas que levavam a capital e no Porto de Adulis, (na atual Eritréia) e distante dos olhos da maior parte da população comum
it seems that Christianity was initially centred on a Greek-speaking local elite and on expatrietes; this may have resulted in resentment and opposition to the new religion by those sectors of the indigenous population who did not know this language, as discussed in Chapter 9. The presence of distinct readership is further indicated by the erection of trilingual stone inscriptions beside the two principal roads leading into Aksum. It may not be irrelevant to note that a comparable - but probably earlier inscription (Chapter 6) erected in this position on the outskirts of Adulis seems to have been written only in Greek. (tradução) Parece que o cristianismo se concentrou inicialmente em uma elite local de língua grega e em expatriados; isso pode ter resultado em ressentimento e oposição à nova religião por parte dos setores da população indígena que desconheciam essa língua, como discutido no Capítulo 9. A presença de leitores distintos é ainda indicada pela construção de inscrições em pedra trilíngues ao lado das duas estradas principais que levam a Aksum. Pode não ser irrelevante notar que uma inscrição comparável – mas provavelmente anterior (Capítulo 6) – erguida neste local nos arredores de Adulis parece ter sido escrita apenas em grego[9]
É relevante, porém, observar que, embora pequena em relação a população em geral, a comunidade de comerciantes e mercadores em torno do Porto de Adulis deveria ser significativa, pois era um dos maiores portos do período, e na região do Mar Vermelho certamente o mais relevante, "hub" portuário para o comércio marítimo com a Arábia, Pérsia e Índia. As rotas comerciais já haviam desempenhado um papel relevante na expansão da fé cristã no Império Romano. Paulo, o apóstolo dos gentios, pioneiro na fundação de igrejas, escreve a Igreja de Roma, "assim, desde Jerusalém e arredores, até o Ilírico, proclamei plenamente o evangelho de Cristo" (Romanos 15:19). Ou seja, até aquele momento, o ministério de Paulo havia se concentrado no leste do Império, de Jerusalém até a atual Croácia (Ilíria), onde Atos dos Apóstolos descreve suas viagens missionárias, mas a Igreja de Roma estava a muito estabelecida (É por isso que muitas vezes fui impedido de chegar até vocês. Mas agora, não havendo nestas regiões nenhum lugar em que precise trabalhar, e visto que há muitos anos anseio vê-los (Romanos 15:22-23). Nesse sentido, Paulo encontra Priscila e Aquíla, cristãos provenientes de Roma, que fabricavam tendas (como o próprio Paulo), que ele encontra em Corinto (Atos 18:2), o acompanham a Síria (Atos 18:18), e Éfeso (18:26). Adiante, não mais em companhia de Paulo, Priscila e Aquíla são saudados, agora já tendo retornado a Roma (Romanos 16:3). Da mesma forma, Lídia "vendedora de tecido de púrpura, da cidade de Tiatira", é a primeira convertida na cidade de Filipos (Macedônia), a cerca de 500 km de sua cidade de origem, e na sua casa reúne os novos convertidos. Desta forma, mercadores que se deslocavam de cidade em cidade profissionalmente já desempenham um papel estratégico no período apostólico. Assim, Professor Munro Hay, pontua a relevância dessas conexões na difusão do cristianismo no Reino de Axum/Etiópia:
Aksum at this period, the second quarter of the fourth century, was powerful enough to have commercial and perhaps even some political influence across the Red Sea. The country centainly had trading links with the Roman east, perhaps involving some sort of treaty´relantionship. Adulis, for example, was according to the Periplus a 'port established by law' (or 'costumary mart') , implying some sort of international recognition of this status. Some Christian Romans probably resided at Adulis or even at Aksum, and Rufinus alludes to Frumentius alludes to Frumentius' contact with these, who would probably have been the basis of congregations in the towns on the trade routes across Ethiopia. (tradução) Axum, nesse período, o segundo quarto do século IV, era suficientemente poderosa para exercer influência comercial e talvez até política do outro lado do Mar Vermelho. O país certamente mantinha relações comerciais com o Oriente Romano, possivelmente envolvendo algum tipo de tratado ou relação comercial. Adulis, por exemplo, era, segundo o Periplo, um "porto estabelecido por lei" (ou "mercado costeiro"), o que implica algum tipo de reconhecimento internacional desse status. Alguns romanos cristãos provavelmente residiam em Adulis ou mesmo em Axum, e Rufino alude ao contato de Frumentius com esses indivíduos, que provavelmente constituíam a base das congregações nas cidades ao longo das rotas comerciais que atravessavam a Etiópia [10].
De qualquer forma, no século IV, os canais de transmissão disponíveis para o cristianismo não pareciam efetivos para atingir a população como um todo. As áreas rurais permaneciam fechadas a nova religião. Além disso, havia o risco de uma recepção popular que não fosse apenas indiferente, mas abertamente hostil, como aponta Phillipson:
Ezana's Christianity seems to have been more openly publicised to a Greek reading public - resident foreigners and/or users of internationally circulating currency - than to his local subjects, among whom scepticism or opposition may initially have prevailed. Only gradually did Christianity gain acceptance through the Aksumite population beyond the capital's royal, elite e foreign communities (tradução) O cristianismo de Ezana parece ter sido mais abertamente divulgado ao público leitor grego – estrangeiros residentes e/ou usuários de moeda em circulação internacional – do que aos seus súditos locais, entre os quais o ceticismo ou a oposição podem ter prevalecido inicialmente. Só gradualmente o cristianismo ganhou aceitação entre a população axumita, além da realeza, da elite e das comunidades estrangeiras da capital.[7]
Século VI, o cristianismo atinge o povo. Os nove santos e o Rei Calebe
Se a conversão da casa real e da corte axumita ocorreu no pano de fundo da controvérsia ariana, foi uma outra crise teológica global que permitiu, de forma um tanto insólita, o enraizamento do cristianismo entre o povo etíope. Como indicam os professores Eric Cline e Mark W Graham, a adoção, pelo império romano, dos cânones do concílio de Calcedônia, em 451 DC, levaram alguns dissidentes a buscarem refúgio fora das fronteiras do Império Bizantino, entre os quais um grupo de monges conhecido como "Nove Santos". Nos anos seguintes, o miafisismo foi um dos elementos pelos quais se diferenciou e se desenvolveu uma identidade religiosa própria da igreja na Etiópia.
"Pouco tempo depois do Concílio de Calcedônia [451], missionários miofisitas do Egito e da Síria, sendo os mais famosos conhecidos como os "Nove Santos", fugiram do império bizantino, levando com eles o Cristianismo dos miafisitas (...) O miafisismo ajudou a Etiópia a articular uma identidade cristã autoconfiante que não estava sujeita ao patronato bizantino (ortodoxo). O épico nacional etíope, o Kebra Nagast, que tem sua forma original relacionada ao século VI, mostra como uma forma alternativa de Cristianismo se juntou à política na Antiguidade Tardia. Negus (rei) Kaleb (r. c. 520) é um rei cristão justo que divide o mundo habitado entre ele mesmo e os bizantinos. Seu reinado é eterno, pois seu miafisismo é, na realidade, a forma correta e a ortodoxia bizantina a heterodoxa. A ligação da religião e da política era vital para os etíopes, sendo que o Kebra Nagast geralmente constava de fato nos manuscritos bíblicos etíopes [11].
Aos nove santos é creditada a tradução dos textos bíblicos para ge'ez, a introdução de monastérios, o desenvolvimento de práticas litúrgicas contextualizadas a realidade axumita. Em suma, teriam sido os artífices da identidade religiosa da Igreja Etíope, e da segunda, e definita, onda de evangelização. Ocorre que as fontes que detalham a atuação desses missionários são muito posteriores, como as gadlat (vida dos santos), datadas do século XIII ou XIV (embora, concebivelmente, possam ter conservado tradições orais muito antigas). Sendo assim, o Professor Gabrielle Castiglia, do Instituto Pontifício de Arqueologia Cristã (Roma), detalha as grandes dificuldades de inferir historicamente qualquer detalhe especifico sobre a atuação dos nove santos, dissecando os vários estudos anteriores sobre a questão. Pontua, porém, a recente análise de carbono 14 dos chamados Evangelhos de Garima, que são três manuscritos que contém a tradução para o ge'ez dos evangelhos canônicos. Essa tradução é tradicionalmente associada a Abba Garima, um dos nove santos, e que teria chegado a Etiópia no ano 494 [12]. Pois bem, a datação de um desses manuscritos indica uma data compatível (390-570 DC). Sendo assim, apesar das limitações de nosso conhecimento histórico em relação aos nove santos, fato é que o período em que atuaram (o final do V e início do VI século) corresponde a consolidação e popularização do cristianismo no cenário etíope. Professor Castiglia, aponta a construção de forma quase simultânea de (grandes) igrejas no período, com padrão arquitetônico similar, nas principais cidades do reino.
"The 6th century undoubtely represented the heyday of Christianity in the horn of Africa, characterized by a uniche architectural style that evolved from the typical Mediterranean basilica model (phillipson 2009, Di Salvo 2017). This architectural style also incorporated elements reminiscent of teh palaces of secular power in Aksum. Churches were constructed atop high podia made of basalt blocks and schist slabs. Their plans were remarkably similar, almost as if they were built in series, featuring external rectangular profiles, semicircular apses flanked by two lateral rooms, three naves, and endonarthex (tradução) O século VI representou, sem dúvida, o auge do cristianismo no Chifre da África, caracterizado por um estilo arquitetônico único que evoluiu a partir do modelo típico de basílica mediterrânea (Phillipson 2009, Di Salvo 2017). Esse estilo arquitetônico também incorporou elementos que lembravam os palácios do poder secular em Axum. As igrejas foram construídas sobre altos pódios feitos de blocos de basalto e lajes de xisto. Seus projetos eram notavelmente semelhantes, quase como se tivessem sido construídos em série, apresentando perfis retangulares externos, absides semicirculares ladeadas por duas salas laterais, três naves e endonartex [12].
Calebe (Elesbão) de Axum, Igreja da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Salvador (BA), foto de Paul R Burkley, via wikicommons |
"O Senhor forte e corajoso, o Senhor poderoso na batalha. Pelo poder do Senhor e pela graça de Jesus Cristo, o Filho do Senhor, o Vitorioso, em quem creio, que me deu um reino forte pelo qual domino meus inimigos e esmago a cabeça dos meus adversários, que me guardou desde a infância e me estabeleceu no trono de meus pais... Confio em Cristo para que todos os meus empreendimentos sejam bem-sucedidos e para que eu seja salvo por aquele que agrada à minha alma. Com a ajuda da Trindade, o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Caleb, Ella Atsbeha, filho de Tazena, Be'ese LZN, rei de Aksum, Himyar, Raydan, Saba, Salhen, e das Terras Altas e Yamanat, e da Planície Costeira e Hadramawt e de todos os seus árabes, e os Beja, Noba, Kasu, Siyamo e DRBT... da terra ATFY(?), servo de Cristo, que não é derrotado pelo inimigo.
Com a ajuda do Senhor, lutei contra os Agwezat e o HST. Lutei contra eles, tendo dividido minhas tropas. (...) Himyar... Enviei HYN SLBN ZSMR com minhas tropas e fundei uma maqdas (igreja) em Himyar... o nome do Filho de Deus em quem deposito minha confiança.... Construí seu GBZ e o consagrei pelo poder do Senhor... e o Senhor me revelou sua santidade? e permanecerei neste trono... e o coloquei sob a tutela do Senhor, criador do céu e da terra, contra aquele que o destruir, arrancar ou quebrar. E aquele que quiser rasgá-lo ou destruí-lo, que o Senhor o rasgue (...)"[4]
A campanha vitoriosa de Calebe foi, possivelmente, o auge do poder e prestígio do reino de Axum. Professor Munro Hay chama a atenção a um relato contemporâneo do embaixador bizantino que descreve o esplendor da corte do rei axumita que se apresentou:
"em um carro alto, enfeitado com grinaldas de ouro, e apoiado em uma plataforma de quatro rodas puxada por quatro elefantes. Seus nobres aglomeravam-se ao redor, todos armados, enquanto flautas soavam e coristas cantavam (....) anéis de ouro e um colar de ouro compunham suas joias, e sua cabeça estava envolta em um lenço de linho e ouro, com fitas penduradas em ambos os lados. Ele empunhava um escudo dourado e carregava pequenas lanças douradas (...) [13].
O embaixador bizantino Nonossus, descreve a capital Axum como uma importante metrópole. O autor contemporâneo Cosmas Indicopleustes, um mercador que percorreu varias rotas comerciais do Mar Vermelho a Índia, escrevendo um verdadeiro guia ilustrado para viajantes, a Topografia Cristã, e coincidentemente estava em Axum quando Calebe organizava sua expedição ao Iêmen, e descreve inscrições de reis anteriores como o monumentum adulitanum. Seus feitos ganharam proeminência na igreja bizantina, e, posteriormente no ocidente cristão. Durante a Idade Média, relatos chegavam a Europa de um grande e poderoso rei cristão, que vivia entre pagãos e muçulmanos no leste, o Preste João, e que logo foi identificado com a Etiópia/Axum, e cuja lenda pode ter sido inspirada, em parte, na impressão deixada por Calebe séculos antes.
Na inscrição, Calebe é chamado de Ella Atseba. Tanto ortodoxos como católicos romanos o canonizaram como Santo Elesbão. No Brasil, a igreja católica utilizou a devoção a Santo Elesbão na cristianização de escravizados negros. A figura do rei negro, guerreiro e altivo foi muito popular, com irmandades dedicadas a ele já no período colonial. Uma delas, a Irmandade de Santo Elesbão e Santa Efigênia, fundada em 1740 por escravos e libertos africanos provenientes de Cabo Verde, Costa da Mina e Angola, dedicou uma igreja em 1754, hoje localizada no centro do Rio de Janeiro.
Referências Bibliográficas
[2] Constantino, pouco antes de morrer (ano 337), passou a ser mais simpático ao arianismo, sendo batizado por um bispo pró-ariano, Eusébio de Nicomédia (não confundir com Eusébio de Cesareia). Constantino foi sucedido por seus filhos Constante (337-350 DC), Constantino II (337-340) e o próprio Constâncio II (337-361 DC), que fizeram uma partilha administrativa do Império. Constante reinava sobre a Itália, o Norte da África e a Ilíria; Constantino II governava a península ibérica e as atuais França, Inglaterra, Bélgica e Holanda; e Constâncio II tinha sobre seu controle a Grécia, Egito e as outras províncias do leste do Império. Constante e Constantino II eram defensores do concílio de Nicéia, e Constâncio II era ariano. No entanto, Constantino II tentou invadir os territórios de Constante e foi derrotado e morto na batalha de Aquileia (Itália), no ano 340. Constante, por sua vez, foi deposto e assassinado pelo usurpador Magnencio, em 350 DC, que por sua vez foi derrotado por Constâncio II no ano 353, que assim reinou até sua morte em 361 DC, atuando fortemente em favor do arianismo. Constâncio foi sucedido por seu primo Juliano, o Apóstata, que tentou restaurar o paganismo, mas morreu em decorrência de ferimentos sofridos na batalha de Samarra (ano 363) ao fracassar em sua invasão a Pérsia. Sem o suporte imperial, o arianismo perdeu tração naquele momento, mas Atanásio (que faleceu em 373) não veria o resultado de seus trabalhos, no Concílio de Constantinopla (381 DC). A citação de Jerônimo é encontrada na Dialogo contra os Luciferianos, 19 CHURCH FATHERS: Dialogue Against the Luciferians (Jerome). A Carta de Constâncio II aos Reis de Axum foi transcrita por Atanásio em sua Apologia ao próprio Imperador (§29 e 31).
[3] Graham Connah (2001) African Civilizations: An Archaelogical Perspective, fl. 83;
[4] Stuart Munro-Hay The Inscriptions - Addis Herald, 1/12/2018, webarchive 29/10/2020
[5] D W Phillipson (2014) Foundations of an African Civilisation: Aksum and the Northern Horn, 1000 BC-1300AD, fl. 95;
[6] Niall Finneran (2007) The Archaeology of Ethiopia, fls. 181-182;
[7] D W Phillipson (2014) Foundations of an African Civilisation: Aksum and the Northern Horn, 1000 BC-1300AD, fl. 97-99;
[10] Stuart Munro-Hay (1988) The Dating of Ezana e Frumentius, In Alessandro Bossi (2012) Languages and Cultures of Eastern Christianity: Ethiopian (The Worlds of Eastern Christianity, 300-1500), fl. 58. Originalmente publicado em Rassegna di studi etiopici, 32

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