quinta-feira, 7 de maio de 2009

Como os cristãos arrecadavam recursos?


Uma das coisas mais terríveis que rondam o cristianismo da atualidade pode ser encontrada na chamada Teologia da Prosperidade. De acordo com essa corrente teológica, os fiéis cristãos tementes a Deus devem desfrutar (e muitas vezes requisitar) da riqueza material proveniente de Deus. É deste tipo de mentalidade, por exemplo, que encontramos a aberrante Bíblia de Estudo Batalha Espiritual e Vitória Financeira, elaborada pelo evangelista Morris Cerullo, na qual encontramos o texto bíblico transformado em uma espécie de livro de auto-ajuda financeira, destes que encontramos aos montes pelas livrarias afora.

O mecanismo que está por trás desta teologia é muito simples ---> "fiés mais ricos - dízimo mais elevado - pastores mais ricos". Percebam obviamente que eu não conclui essa rápida equação com o termo "Igreja mais Rica". E por que eu não fiz tal coisa? Porque na verdade a ECCLESIA fica cada vez mais pobre espiritualmente a cada dia em que aumentam essas práticas de extorsão e auto-engano em massa. Cristianismo e riqueza material tipicamente não combinam.

Em uma outra oportunidade, tratarei de mostrar nas escrituras como se dava a relação do protocristianismo com o dinheiro. Neste nosso caso específico, gostaria de postar sobre os registros mais antigos acerca das formas pelas quais os cristãos primitivos arrecadavam. Vou citar textos de dois teólogos cristãos do século II d.C.: Justino e Tertuliano.

Justino, I Apologia, 67

"Depois disso, renovamos sempre entre nós a memória destas coisas, e aqueles dentre nós que possuem bens ajudam a todos os necessitados, e ajudamos sempre uns aos outros. E por tudo o que oferecemos, bendizemos o criador do universo por meio de seu Filho, Jesus Cristo, e do Espírito Santo.

No dia dito do Sol todos se reúnem no mesmo lugar, quer habitem nas cidades, quer nos campos; são lidas as memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas, segundo o tempo disponível. Quando o leitor termina, presidente da assembléia, com um discurso, nos convida e exorta à imitação daqueles belos exemplos. Em seguida, levantamo-nos todos juntos e fazemos preces; e, como já dissemos, terminada a prece, são trazidos pão, vinho e água, e o presidente da assembléia eleva também ao céu preces e ações de graças com todas as suas forças, enquanto o povo responde dizendo amém; e se realiza a distribuição e repartição dos elementos sagrados, que por meio dos diáconos são enviaos também aos que não estão presentes.

As pessoas de posse e bem dispostas oferecem tudo o que desejam; o que foi recolhido é depositado junto ao presidente [da assembléia], que ajuda os órfãos, as viúvas, os doentes, os presos, os estrangeiros que estão de passagem; numa palavra, ele socorre todos os que precisam."



Tertuliano, Apologético, XXXIX, 5-6

“Presidem [nossas reuniões] anciãos de provada virtude, que alcançaram essa honra não por meio de pagamento, mas pelo comum testemunho de seus méritos: de fato, nenhuma coisa divina pode ser avaliada financeiramente. Embora entre nós exista um caixa comum, ele não é constituído por contribuições honorárias [de honoraria summa], como se fosse o preço de uma religião posta à venda. Cada um, segundo sua vontade e possibilidade, traz uma modesta contribuição mensal: e cada um oferece espontaneamente, ninguém é obrigado a contribuir. Esses são como que os depósitos da piedade comum. Daí não se tira dinheiro para banquetes, bebidas ou fúteis comilanças, mas para dar alimento e sepultura aos necessitados, para socorrer crianças sem meios de sustento e sem pais, e também servos anciãos e náufragos, bem como todos os que, em nome da religião professada e só porque pertencem à seita de Deus, são condenados às minas ou deportados para as ilhas ou abandonados nos cárceres.”


Pode-se ver nas passagens supracitadas o enorme abismo entre as práticas da Igreja Primitiva e os novos "vendilhões do Templo" que encontramos hoje em dia. Tertuliano em pleno século II d.C. já alertava seriamente para essa diferença:

"Embora entre nós exista um caixa comum, ele não é constituído por contribuições honorárias de honoraria summa], como se fosse o preço de uma religião posta à venda."


As contribuições eram, pois, voluntárias e nada havia de honorário[contribuição regular fixa tal como o dízimo]. Tertuliano tipicamente diferencia essas práticas, mostrando a liberdade da vida cristã, diferenciando-a de RELIGIÕES QUE ERAM POSTAS À VENDA.

Percebam que já no século II d.C. havia essa preocupação por parte dos cristãos - se diferenciar das "religiões postas à venda". Tanto Tertuliano como Justino são categóricos em dizer que o dinheiro era uzado para socorrer os mais necessitados: as viúvas, anciãos, crianças, encarcerados, etc.

Neste sentido, encontramos uma diferença brutal entre as práticas caridosas dos antigos cristãos para com a farsa herodiana e hipócrita da teologia da prosperidade hodierna. O que estas duas passagens citadas nos mostram se constitui na essência radical do cristianismo de raiz, calcado na sociabilidade do amor [ágape]. Já o que se vê hoje em muitas destas "igrejas" onde se cobra dízimo obrigatório se chama, em termos bem diretos, estelionato!

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