quarta-feira, 27 de maio de 2009

Jesus como Mestre e Sábio: Na visão das fontes não cristãs do século I e II - Parte 4 - Galeno

Com este post chegamos ao final de nossa série sobre Jesus, como mestre e sábio. Após Josefo, Mara Bar-Serapion e Luciano, é a vez de Galeno, o filósofo, médico da corte imperial e eminente figura, que viveu na segunda metade do século II DC.

Galeno

Claudio Galeno ou Galeno de Pergamo (129-199 DC), iniciou-se na filosofia no ano 143. Quatro anos depois, ele passou a se interessar pela anatonia, e após a morte de seu pai, foi estudar medicina em Esmirna, Corinto e Alexandria. Em 157 DC ele se tornou médico da Escola de Gladiadores em Pergamo. Já no ano 161, ele deixou Pergamo e foi para Roma, onde trabalhou por cerca de 40 anos como Médico da Corte Imperial, nos reinados de Marco Aurélio, Cômodo e Sétimo Severo. Neste período, ele escreveu numerosos tratados, sobre vários assuntos, como anatomia, medicina e filosofia. [28]

Galeno fez quatro breves referências aos cristãos em seus escritos [28]:

"Pode-se ensinar coisas novas com mais facilidade aos seguidores de Moisés ou Cristo do que aos médicos e filósofos que se apegam a suas escolas" (De pulsuum differentiis, iii.3)

"Melhor seria apresentar alguma demonstração, boa ou má, mas uma razão suficiente, a fim de que logo e desde o início não se ouça falar - como quem se põe na Escola de Moisés ou de Cristo - de leis não demonstraveis e justamente na área em que são menos apropriadas" (De pulsuun differentiis, ii. 4) "

O parágrafo abaixo é encontrado apenas em citações em arábico:
"Se eu tivesse em mente aqueles que ensinam a seus pupilos da mesma forma que os discípulos de Moisés e Cristo ensinam os deles - pois eles os ordenam a aceitar tudo pela Fé-- Eu não teria dado uma definição."

Assim como esta referência, do Sumário elaborado por Galeno da República de Platão, (uma obra perdida), que é encontrado apenas em citações em textos em árabe.

"A maioria das pessoas não é capaz de acompanhar qualquer demonstração racional contínua; Assim, eles precisam de parábolas, para seu próprio benefício (...) Da mesma forma, nos vemos hoje essas pessoas chamadas de cristãos, que extraem sua fé de parábolas e milagres, ainda que algumas vezes agindo da mesma maneira (daqueles que filosofam). Pois seu desprezo da morte (e suas consequências) nos é manifesto todos os dias, assim como sua continência em coabitar. Por que eles incluem não só homens, mas também mulheres que se dedicam ao celibato, assim como numerosos indivíduos que, em auto-disciplina e auto controle em questões de bebida e comida, e por sua sedenta busca pela justiça, que atingiram uma condição não inferior a dos verdadeiros filósofos"[28]

Galeno foi contemporâneo de Luciano de Samosata e Celso. Assim como estes, foi crítico do que ele considerava a falta de bases racionais da fé dos cristãos. Contudo, ele também reconheceu alguns méritos da nova religião.

Prof. Margareth Y. MacDonald, da St. Francis University (Canadá), observa que o último texto de Galeno, (o mais longo, e mais relevante) se baseia em uma fonte arábica traduzida e publicada por Richard Walzer em "Galen on Jews and Christians" (Londres, Oxford University, 1949). Ainda que exista o risco teórico do texto se tratar ou conter interpolações cristãs, os estudiosos, como Stephen Benko e Robert L. Wilken, tem tratado o texto, consistentemente, como genuíno [29]. Em vista da autenticidade do texto não ser contestada seriamente, passamos agora a análise de seu conteúdo.

Margareth Mac Donald:
"Ainda que Galeno tenha sido crítico da falta de uma base racional para as crenças cristãs, sua rigorosa devoção a abstnência o levou a descrever seu modo de vida como característico daqueles que eram filósofos. O fato que Galeno se referia ao cristianismo como escola filosófica e não superstição, como outros critícos haviam feito, nos lembra a aceitação que os primeiros cristãos podem ter recebido no mundo greco-romano, mesmo nos círculos elitizados" [30]

Professor Stephen Benko, Universidade do Estado da California
"Poderíamos listar ainda mais apologistas, mas o ponto central já esta claro: estes cristãos queriam que a igreja fosse respeitada como um dos muitos movimento filosóficos existentes.
Galeno realmente considerava a igreja dessa forma, marcando assim uma mudança substancial da visão dos pagãos relativa ao cristianismo. Para Galeno, os cristãos não eram conspiradores perigosos ou canibais abomináveis, mas seguidores de uma escola filosófica. Dessa forma, Galeno (embora não o público em geral) conferiu ao cristianismo uma certa respeitabilidade, e os cristãos tornaram-se socialmente aceitáveis. Entretanto, Galeno não estava satisfeito com a filosofia cristã. Ela lhe parecia sem uma base racional, ainda que os cristãos se apegassem a um modo de vida peculiar. Para o cientista e estudioso, acostumado a demonstrar a verdade e rejeitar evidências "de ouvir falar", esta aceitação de tudo pela fé parecia infantil e primitiva.
(...) Ainda assim, Galeno foi um observador simpático ao cristianismo. Ainda que ele criticasse a falta de treinamento filosófico dos cristãos, ele apreciava suas virtudes morais. Ele louva a coragem deles diante da morte, sua aceitação da privação física, e sua continua busca pela justiça. Segundo Galeno, a despeito de suas limitações, os cristãos agiam como verdadeiros filósofos"
[31]

Prof. Robert M. Grant, da Universidade de Chicago, também observa a insatisfação de Galeno com as bases racionais e filosóficas do cristianismo, e também seu louvor ao comportamento moral dos cristãos.

"Galeno escreve em três ocasiões diferentes, sobre leis não demonstradas aceitas pelos discípulos de Moisés e Cristo, possivelmente entre 176-180, mas já diferencia os cristãos por volta de 180. Ainda que não fossem filósofos, eles desprezavam a morte, exerciam auto-controle na sexualidade, comida e bebida, e buscavam a justiça. Walzer compara a admiração de Galeno por escravos incultos que em 185 foram torturados mas não trairam seus mestres. Ainda mais importante, Galeno trata o comportamento dos cristãos de forma similar ao encontrado nas "Exortações atribuidas a Pitágoras", que ele lia duas vezes por dia; Eles favoreciam não só o desapego de Epicuro da raiva, mas sua pureza no que concerne a glutonaria, luxúria, embriaguez, intromissão e inveja. Por essa época, ditos morais Pitagóricos eram atribuidos ao autor cristão Sextus" [32]

Galeno, a respeito de suas reservas quanto a solidez filosófica e racionais do cristianismo, tinha os valores morais da nova religião em alta conta, e atribuia isso ao ensinos encontrados nos evangelhos. A "Escola de Cristo" conseguia transformar pessoas simplórias em seres humanos disciplinados, corajosos e ansiosos pela justiça, "verdadeiros filósofos".

Sobre o impacto que a figura de Cristo e seus ensinos tiveram, vale observar que algumas décadas depois de Galeno, já em meados do século III, Mani (216-276 DC), um filósofo que vivia na distante Mesopotâmia (atual Iraque), então sob dominio do Império Parto, fundaria um sistema religioso que combinava ensinos de Jesus, Zoroastro e Buda, chamado Maniqueismo, que rapidamente se tornaria popular entre as elites do Império Romano, e se expandiria da China ao confins ocidentais do mundo Romano nos séculos seguintes.

Outro caso é citado por John P. Meier, que observa que já no início do século III, o Imperador Alexandre Severo (222 a 235 DC), mantinha em sua capela particular imagens de vários imperadores divinizados, de Alexandre Magno e de vários homens santos, como Apolônio de Tiana, Jesus Cristo, Abraão e Orfeu [33]. Meier faz a significativa ressalva de que a fonte dessa informação é a problematica e, muitas vezes, pouco confíavel, "História Augusta" - uma coleção de biografias de Imperadores entre Adriano (117-138) e Numeriano (283-284), supostamente escrita por seis diferentes autores no início do séc. IV, hoje considerada pelos estudiosos como produto de um único autor por volta do final do século IV [33][34]. No entanto, apesar de suas limitações "Historia Augusta" ainda é uma das fontes principais ( e as vezes a única) de informações históricas para muitos os Imperadores Romanos dos séculos II e III, mesmo para figuras como Marco Aurélio, Adriano, Antonino Pio e Lucio Vero, trazendo informações que variam do "preciso e acurado até o evidentemente fictício" [34]

Concluindo, é fato que os cristãos nos séculos II e III foram vistos com desconfiança e hostilidade pelas elites judaicas e greco-romanas. O cristianismo era, na visão de muitos observadores externos, uma superstição; nova e maligna (Suetônio, De Vita Nero, 16:2), depravada e irracional (Plínio, Cartas 10:96) e "daninha" (Tácito, Anais 15:44).

No entanto, esta não é história completa. Temos em Galeno um eco do Jesus o "homem sábio" de Josefo, e da surpresa de Plínio, que mesmo sendo hostil ao cristianismo e o considerando uma "superstição irracional e sem medida", nada encontrou além de pessoas que se reuniam para cantar hinos ao seu Mestre se comprometendo "sob juramento, não com algum crime, mas a abandonar o furto, o roubo, o adultério, a infidelidade e não se apossar dos bens a eles confiados".

Ao passo que muitos dos membros da elite do Império frequentemente tinham uma visão pejorativa dos cristãos, os seus méritos não passaram desapercebidos. Vemos em Galeno, um membro distinto da elite romana, a continuidade de uma tendência, já incipiente em observadores anteriores de ver algumas virtudes no cristianismo, principalmente na figura de Cristo como Mestre de verdades morais. E que se intensificaria um pouco mais (em críticos como Porfírio). Nesse contexto, é possível entender Josefo se referindo a Jesus como "homem sábio" e mestre.

O Jesus Mestre e Sábio é apenas uma das facetas de sua personalidade, o elemento que parece mais ter chamado a atenção de observadores simpáticos ou neutros. Não nos atrevemos, no entanto, a descrever tal figura na sua totalidade, pois, suspeitamos, parafraseando aqui o evangelho, "que nem toda a tinta e papel do mundo seriam suficientes".

Bibliografia e Referências:
[28] Robert M Grant (2003), "Second Century Christianity", fls. 10-12 (2ª edição revisada e expandida do original de 1945).
[29] Margareth Y. MacDonald (1996), Early Christian Women and Pagan Opinion, fl. 82, nota de rodapé
[30] Margareth Y. MacDonald (1996), Early Christian Women and Pagan Opinion, fl. 82
[31] Stephen Benko (1986), Pagan Rome and Early Christians, fls. 144-145
[32] Robert M. Grant (2003), Second Century Christianity - A Colection of Fragments, fl.11
[33] John .P Meier (1994), O Judeu Marginal, Volume II, Livro 3, fl. 93
[34] Herbert W. Benario (2001), Marcus Aurelius In: De Imperatoribus Romanis:An Online Encyclopedia of Roman Rulers and their Families http://www.roman-emperors.org/marcaur.htm, acessado 02.06.2009)

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