sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Jesus e os Fariseus. Inimigos Mortais?! Você precisa rever os seus conceitos - Parte 2




Cadeira de Moisés, da Sinagoga de Corazim, sec I DC
(Biblical Archeology Review, Sept/Oct 1993)




Continuando nosso estudo sobre a relação entre Jesus e os fariseus, é possivel que alguns leitores possam ter lembrado a essa altura do "sermão dos Ais", o duríssimo discurso de Jesus em Mateus 23, em que ele afirma "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!". Contudo, Jesus também disse "Na cadeira de Moisés se assentam os escribas e fariseus.Portanto, tudo o que vos disserem, isso fazei e observai"; acrescentando "mas não façais conforme as suas obras; porque dizem e não praticam" (Mt 23:2-3). Na verdade, o centro da crítica de Jesus não foi a doutrina farisaíca, mas a forma como seus seguidores a praticavam.

Mas tanto o Talmude Babilônico (bSota 22), quanto o de Jerusalém (yBerachot 9:5:I 2) trazem, com algumas pequenas variações, uma passagem muito interessante, em que os rabinos (sucessores dos fariseus), "lavam a roupa suja", por assim dizer. O Professor e rabino Jacob Neusner, do Bard College, uma das maiores autoridades do mundo no estudo acadêmico do judaismo talmudico, faz uma parafrase da passagem do Talmude de Jerusalém.

Permita que o amor motive tuas ações. E se começares a desprezar os mandamentos ou a Torá, lembra-te que tu amas a Deus, e aquele que o ama não despreza seus mandamentos. Deixe que o temor também motive tuas ações. E quando começares a se rebelar contra os mandamentos de Deus ou Torá, lembra-te que aquele que teme não se rebela.
Existem sete tipos de fariseus [perushim]: O fariseu "exibido", o fariseu "contador", o fariseu "parcimônioso", o fariseu que "compensa", o fariseu "temente", e o fariseu que "ama".
O Fariseu "exibido", leva suas boas obras sobre seus ombros, para mostra-las a todos.
O Fariseu "presunçoso" diz "espere por mim. Eu estou ocupado usando meu tempo para cumprir os mandamentos! Eu não tenho tempo para você"
O Fariseu "contador" paga cada dívida, istoé, pecado, realizando uma boa obra correspondente.
O Fariseu "parcimonioso" diz "do pouco que eu tenho, o que eu posso deixar de lado para cumprir os mandamentos?"
O Fariseu que "compensa" diz "conte-me que pecado eu cometi, e eu cumprirei um mandamento para ofusca-lo".
Estes cinco tipos de fariseu são negativos, pomposos e dados a ostentação"[
1]

Jesus atacou os fariseus hipócritas que faziam "suas obras a fim de serem vistos pelos homens" (Mateus 23:5). No Talmude há uma critica a certos fariseus exibidos "que levavam suas boas obras sobre seus ombros para mostra-las a todos". Jesus fala de fariseus que gostavam de ser chamados de Rabi, de serem saudados nas praças, de sentarem nos primeiros lugares nos banquetes e nas sinagogas. Os rabinos do Talmude criticam fariseus presunçosos, pomposos e ostentadores. A passagem Talmudica chegou a essa forma no século II ou III DC, mas reflete uma tradição anterior, transmitida oralmente. Em suma, a crítica de Jesus não era isolada, outros rabinos contemporâneos também tinham essa percepção. E existe uma longa e antiga tradição, que data dos profetas bíblicos de ataques duros contra práticas erradas.

Prof. Paul Winter observa:
"As mesmas críticas que Jesus nos evangelhos sinóticos faz aos fariseus em geral são feitas no Talmude por vários rábinos contra certos tipos de fariseus. Em ambos os casos, o cenário é palestino. Os evangelhos e o talmude manifestão desaprovação a práticas que os líderes religiosos consideram incorretas: Jesus poderia expressar tais críticas sem se excluir da "Escola Farisáica", desde que elas se restringissem a casos concretos e específicos. Ao criticar certos indivíduos, Jesus pode ter desagradado ou ofendido algumas pessoas de seu meio, mas a animosidade dai resultante não teria constituido uma base para que o acussassem de crime político. Havia uma certa relutância entre os círculos judaicos a levar questões internas a julgamento por um magistrado não judeu" [2]

Prof. Geza Vermes, acrescenta:
"Nos Atos dos Apóstolos, os líderes judeus de Jerusalém não são descritos como cegamente hostis aos seguidores de Jesus. Pedro atribuiu a ignorância ou falta de compreensão em vez de má-fé aos chefes dos sacerdotes (Atos 3:17). O celebre fariseu rabi Gamaliel invocou a imparcialidade para com os apóstolos diante da alta corte (Atos 5:34-39) e mesmo durante o conturbado encontro no Sinédrio a propósito de Paulo, acusado de pregar contra a lei, os membros fariseus do conselho o apoiam abertamente: "Nenhum mal encontramos nesse homem. E se lhe tivesse falado um espírito ou anjo (Atos 23:9) [3]

Ou seja, embora parte do partido farisaico possa ter sido hostil a Jesus e aos os primeiros cristãos (alguns de seus membros cooperaram na prisão e crucificação de Jesus), a iniciativa das ações contra a igreja partia geralmente do partido saduceu. E em várias ocasiões, foram fariseus (como Gamaliel) que protegeram os cristãos.

Prof. David Flusser:
Realmente, quando fazemos uma leitura crítica dos evangelhos, tornamo-nos cientes de que os fariseus não desempenharam nenhum papel decisivo no aprisionamento, no interrogatório e na crucificação de Jesus. Eles sequer são mencionados por seus nomes no contexto do julgamento, conforme relatado ns três primeiros evangelhos, à excessão da história sobre a guarda do Túmulo de Jesus (Mateus 27:62). (...) Os fariseus, é obvio, discordavam da ação levada a cabo pelos sumos-sacerdotes contra Jesus porque, segundo sua Halakhá, a entrega de um judeu a uma autoridade estrangeira era um pecado imperdoável [4]

e Winter:
É aos discipulos de João Batista e dos fariseus que se refere a apologética e a polêmica. Não se trata de mero acaso. Durante sua vida, Jesus manteve relações estreitas com esses dois grupos, e depois de sua morte foram eles os grupos que se mostraram mais próximos de seus seguidores, que após a crucificação formaram uma comunidade independente (...) Parte dos seguidores de João Batista convergiu para o movimento messianista, unindo-se aos discípulos primitivos numa comunidade apostólica. Da mesma forma, alguns fariseus - e não somemte Paulo - aderiram a irmandade messiânica dos apóstolos (...) Gradualmente, a medida que o cristianismo se desenvolvia, as relações entre seus adeptos e os judeus deterioraram. A frustração dos pregadore cristãos ao abordarem os fariseus, na esperança de converte-los a nova fé, afinal se transformou em hostilidade [5]

Isto indica que judeus que pertenciam ao grupo que Josefo fazia parte - farisaico, sem dúvida - ainda não tinham aplicado a Jesus uma reputação de herético, ou o denunciado como rebelde. Que vários circulos farisáicos mantiveram relacões amistosas com judeus-cristãos ainda por um longo tempo após a crucificação é demonstrado, não só pelo relato do ressentimento causado pelo apedrejamento do irmão de Jesus por ordem do sumo-sacerdote saduceu, mas também pelo fato significativo de certas tradições comunais de proveniência palestina (parte da assim chamada "fonte especial" de Lucas) descrevem vários fariseus e outros judeus não membros do grupo de discipulos de Jesus como expressando sentimentos e intenções de amizade com Jesus e mantendo contato social com ele [6].

É claro que os séculos seguintes testemunharam uma triste escalada de ódio entre judeus e cristãos. Mas no final do século I, quando Josefo escreveu, os grupos cristãos palestinos, como nazarenos e ebionitas, eram bastante atuantes, e ainda tinham boas conexões com o partido farisaico. De fato, as tensões entre cristãos e judeus foram crescendo lentamente, mas se degenaram em hostilidade aberta apenas pelo IV ou V século, no período pós constantiniano.

Como observa o Professor Louis Feldman, Yeshiva University:

"Dr. Heinz Schreckberg ressaltou a tremenda influencia de Josefo na igreja cristã primitiva e, em particular, o desenvolvimento do ponto de vista cristão de que a destruição do Templo de Jerusalém e as tragédias sofridas pelos judeus é a punição divina imposta a eles por seus terriveis pecados. Nos podemos notar, nessa conexão,que nos primeiros três séculos da Era Cristã, precisamente no periodo quando a influência de Josefo era mínima, que a Igreja foi muito menos virulenta em seu anti-semitismo. Assim, por exemplo, no Secundo Século, o Dialogo entre Trifo e São Justino Martir, é marcado por uma relação de cordialidade e mútua cortesia entre os debatedores judeu e cristão. Podemos acrescentar, ainda, que os primeiros textos ortodoxos contém menos hostilidade frente aos judeus que os posteriores, e que os escritos extracanônicos não incitam ódio particular contra eles.
Na verdade, há evidências de que judeus e cristãos, nos aspectos cotidianos da vida, mantiveram uma convivência relativamente pacífica. Foi somente na medida em que a polêmica cristã contra os judeus se tornou cada vez mais estridente, no IV e V século. periodo em que o cristianismo se tornou a religião oficial do Império, e que a relação entre os dois grupos se degenerou em ódio mútuo."
[7]

Bibliografia e Referências

[1] Talmude de Jerusalém yBerachot 9:5:I:2, parafraseado por Jacob Neusner em "The Comparative hermeneutics of rabbinic judaism", fl. 81
[2] Paul Winter, Sobre o Processo de Jesus, fl. 253, nota 39
[3] Geza Vermes, A Paixão, fl.114.
[4] David Flusser, "Para Enterrar Caifas, Não para Louva-lo" in Jesus, fl. 167
[5] Paul Winter, "Sobre o Processo de Jesus", fl. 244
[6] Paul Winter "Excursus II -Josephus on Jesus and James," em E. Schurer, The History of the Jewish People in the Age of Jesus Christ, rev. and ed. by G. Vermes and F. Millar, fl 441
[7] Louis Feldman, "Introduction" In Louis Feldman & Gohei Hata (eds) Josephus, Judaism and Christianity, fl. 53

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