Mas esses critérios são utilizados fora da pesquisa do Jesus Histórico?
Como veremos a seguir, os termos são especificos da pesquisa do Jesus Histórico. Contudo, o princípio em que os critérios se baseiam possui ampla aplicação, sendo utilizado por historiadores em várias situações que envolvem a análise de fontes textuais, constituindo ferramentas muito úteis, particularmente quando a possibilidade de verificação externa das narrativas é limitada. Neste post vamos abordar as bases teóricas dos critérios do embarassamento e dissimilaridade, e ver como principios similares são utilizados por historiadores da fase inicial da república romana (sec VI e V AC). Outros exemplos serão analisados em outros dois posts.
1) Historiografia, a análise de motivos nas fontes, e a base teórica dos critérios do constrangimento e diferença
Gilbert J. Garraghan, foi professor da Historia da Loyola University, e escreveu, em 1946, um Manual de Método Histórico que é utilizado até hoje, chamado, "A Guide for Historical Method", ele observa:
"Testimony may be accepted as truthful when its content is of such a nature that lying would be of no advantage whtever to the informant, whereas telling the truth could not harm him in any known way. Regard for the truth is inherent in human nature; no one goes counter to it unless moved by the prospect of some advantage to be gained."
(Tradução) "Testemunho pode ser aceito como verdadeiro quando seu conteúdo é de tal natureza que a mentira não traria qualquer vantagem para o informante, ao passo que dizer a verdade não poderia prejudicá-lo de qualquer forma conhecida. Respeito a verdade é inerente à natureza humana; Ninguém vai contra isso, salvo se movido pela perspectiva de alguma vantagem a ser adquirida. "[1].
Carragham se baseia aqui numa constatação da natureza humana. De modo geral, a grande maioria das pessoas mente ou inventa a partir de uma percepção de ganho. A invenção serve a um propósito, um motivo, para obter algo (reconhecimento do grupo, por exemplo) ou evitar uma sanção, um constrangimento. Por exemplo, um analista de recursos humanos que tenha que analisar uma pilha de curriculos, e um perfil do cargo definido pelo empregador, para selecionar candidatos para um entrevista, sabe que que muitos candidatos, se não a maioria, vai exagerar suas conquistas profissionais ou seu conhecimento de linguas estrangeiras. Que muitos outros podem simplesmente ser, digamos, criativos, ao descrever formação acadêmica, listando um MBA ou Pós-Graduação que não concluiram, e, as vezes, sequer cursaram. Alguns outros podem mentir em relação a seu estado civil, (se, por exemplo, é sabido que o cargo exige viagens contantes), ou mesmo seu endereço (se residem em lugares distantes da empresa, ou, em virtude do preconceito que infelizmente ainda existe, se residem em uma comunidade carente). Mas se o selecionador encontra um curriculo em que o candidato afirma ter feito um curso de uma semana do "Netscape Navigator 4.0" em 1998, ele, muito provavelmente, e sem ver o certificado, concluirá que essa informação deve ser verdadeira, (a menos, é claro, que o perfil da vaga seja tão específico que exiga esse conhecimento). Por que inventar ter feito curso sobre um programa que não é mais utilizado a mais de uma década? Porque inventar uma informação que pouco contribui e a qual o perfil da vaga não exige?
(De fato, segundo notícias vinculadas pela Revista Época , de 25/04/2009, e InfoExame, de 03/05/2010, estima-se que 40 % dos curriculos tragam informações exageradas ou distorcidas e 20 % mentiras deslavadas, as mais comuns são a) transformar conhecimento básico de lingua estrangeira em avançado; exagerar ou inventar ao descrever b) qualificação e c) experiência profissional, transformando um curso rápido em MBA e um estagiário em assistente, por exemplo; d) exagerar a própria responsabilidade e participação em projetos; mentir ao informar as e) razões e do desligamento e f) datas de admissão e saída de empregos anteriores, para evitar demonstrar um padrão de instabilidade profissional; e g) endereço; todas essas mentiras, desnecessário dizer, são elaboradas com o propósito ou motivo de aumentar as chances do candidato, e serão mais ou menos comuns dependendo do perfil definido para a vaga)
Esse princípio acima esta associado, em parte, ao critério da dissimilaridade ou diferença na pesquisa neo- testamentária, que se concentra nos ditos, ensinos e feitos de Jesus que não podem ser originários "nem do judaismo de seu tempo, nem da igreja primitiva depois dele" [2]. Contudo, conforme observado pelos Professores Gerd Thiessen e Dagmar Winter [3] e esse é o ponto que queremos enfatizar, o critério é na verdade uma combinação de dois outros, o critério da diferença com o cristianismo (CDC), e o critério da diferença com o judaismo (CDJ). Na verdade o CDC, acrescentam Thiessen e Winter, parte do pressuposto que, em geral, fontes históricas não são compostas e preservadas por autores desisteressados ou neutros, mas são elaboradas com propósitos e motivos, assim, os elementos que não corroboram esses interesses e motivos são particularmente dignos de confiança (observe que é exatamente o ponto levantado por Carragham, acima, é improvável que o informante invente ou minta, se isso não atender a seus interesses). A combinação com o CDJ teria objetivo obter o que é "original" de Jesus, contudo se torna um dos principais pontos de crítica ao critério, pois o conceito de originalidade é discutível, isola Jesus do ambiente judaico em que ele exerceu seu ministério e estabelece um padrão de prova desnecessáriamente rigoroso. Como observa o Prof. Brian Han Gregg, da Sioux Falls University, o grupo que tinha interesse em Jesus era a Igreja Primitiva, (e aqui podemos acrescentar que mesmo quando o Velho Testamento, Josefo ou Filo são utilizados, tem como objetivo atender as ênfases caracteristicas da igreja cristã), assim quando se demonstra que determinado dito (ou feito) atribuido a Jesus não atende aos interesses e práticas dos grupos cristãos que recordaram e puseram em forma escrita esses ditos e feitos (e que os usavam para legitimar seus ensinos e práticas), é pouco provável que tenha sido inventado por eles [4]. Assim, o Prof. Gregg propõe o uso do Critério da Diferença com o Cristianismo apenas, (e acrescenta que esta é uma tendência crescente entre os estudiosos do Novo Testamento)[4], posição com a qual concordamos é que corresponde ao ensinamento do Prof. Carragham, como já observado.
Semelhantemente, Professor Murray G. Murphey, da Universidade da Pensillvânia, observa o seguinte em seu livro, "Truth and History"
"In other words, where an account involves something that goes against the bias of the author, there is more reason to believe it, since the bias of the author would lead one to expect its exclusion if it were not so well known to have ocurred that it could not be excluded"
(tradução) "Em outras palavras, se uma narrativa relata um fato que vai contra a tendência do autor, haverá maiores razões para acreditar nele, uma vez que o viés do autor nos levaria a esperar sua omissão, a menos que sua ocorrência fosse tão bem conhecida que não pudesse ser excluída" [5]
Aqui também temos um critério que se baseia numa observação do comportamente humano. De modo geral, na esmagadora maioria das situações, inventamos coisas, ou mentimos, para fugir de situações constangedoras. Desde a criança, que aprende desde cedo a dizer, mesmo contra todas as evidências, "não fui eu, mamãe!!!"; passando pelo marido que diz a esposa que a ligação feminina recebida no celular as 3 horas da manhã foi um engano; até o político que, diante de vídeos comprometedores, alega que os maços de dinheiro que recebeu diante das cameras serviriam a compra de panetones para famílias carentes. Voltando ao exemplo da seleção para o emprego, seria muito improvável que um candidato, na entrevista, afirmasse que foi demitido por justa causa de seu emprego anterior. Se isso acontecer, a única explicação é que ele realmente acredite que o entrevistador já saiba ou saberá desse fato, seria (quase) inacreditável que alguém simplesmente inventasse uma informação tão prejudicial. Assim, o padrão é claro, a informação prejudicial será omitida quando e enquanto possível, negada até o limite, e ai, se nada funcionar, se buscará uma explicação, mesmo que esfarrapada.
O ensinamento do Prof. Murphey corresponde ao critério do constrangimento, ou embaraçamento, ou resistência a tendência redacional, baseado no princípio de que"a igreja primitiva dificilmente teria se afastado de sua linha para criar material que pudesse constranger seu autor ou enfraqueçer sua posição diante de adversários. pelo contrário, o material constrangedor proveniente de Jesus naturalmente seria suprimido ou atenuado nos estágios posteriores da tradição evangélica, e muitas vezes a supressão ou atenuação progressiva podem ser detectadas aos longo dos quatro evangelhos [6], e constitui uma radicalização do critério da diferença. Assim, o dito ou feito constrangedor é evitado, ou não enfatizado, ou surge apenas porque se refere a um fato conhecido pelos crentes, potenciais convertidos, rivais e/ou inimigos, com o objetivo de ser explicado. Exemplos muito citados são a crucificação de Jesus como "Rei dos Judeus", ou o batismo de Jesus por João Batista. O Prof. Murphey utiliza exatamente o exemplo do batismo de Jesus como um belo exemplo do "papel dos fatos nos relatos históricos" [7], pois é relatado mesmo quando representa um problema teologico da Igreja Primitiva.
Deve ser observado que quando falamos em fatos autenticados por esses critérios, estamos falando em termos do que é mais ou menos provável. Observamos várias vezes que informações que não atendem ou mesmo prejudicam os interesses da fonte provavelmente não foram inventadas, e que os critérios se baseiam em considerações gerais do comportamento humano. Toda a regra, porém, pode ter excessões. Por exemplo, o que é dissimilar ou constrangedor para o igreja em nosso contexto, ou no século IV, ou no século II, talvez não o fosse no final do século I, quando os evangelhos foram escritos. Além disso, os interesses da igreja no século II e III poderiam ser diferentes daqueles de cada um dos evangelistas. Adicionalmente, o autor pode estar relatando um fato constrangedor ou dissimilar que ele acredite ser verdade, mas que ele não sabia que foi inventado (principalmente se ele escreve séculos depois do fato, por exemplo). E, mais importante, se considerarmos como fatos apenas aquilo que diferencia Jesus de seus seguidores, ou os constrange, estamos excluindo justamente os elementos que fizeram com que ele atraisse seguidores, e se tornasse Senhor e Mestre para tantos. Assim, os critérios não devem ser utilizados isoladamente, mas apenas após uma cuidadosa avaliação das fontes, suas intenções e motivos, e contexto de elaboração, e conjuntamente com outros métodos de análise histórica.
O problema: John Rich, Professor de Historia Romana da Universidade de Nottingham, descreve as fontes e as informações disponíveis para a monarquia romana (753 - 509 AC), e o início da República (séculos V e IV AC).
The evidence for early Roman history is notoriously problematic. Roman historians developed extensive narratives, preserved most fully for us in two histories written in the late first century BC, by Livy and by Dionysus of Halicarnassus (the latter in Greek, and fully extant only for the period down to 443 BC). However, Roman historical writing only began in the late third century BC, and it is clear that the early accounts were greatly elaborated by later writers. For the period of the kings, most of waht we are told is legend or imaginative reconstruction. From the foundation of the republic (traditionally dated to 509), the historian give an annual record. This incorporated a great deal of authentic data, transmited either orally or from documentary sources such as the record of events kept from quite early times by the pontifex maximus. However, this material underwent extensive distortions and elaborations in the hands of sucessive historians writing up their account for literary effect and expanding the narrative with what they regarded as plausible reconstructions. As a result the identification of the hard core of the authentic data in the surviving historical account is very problematic and its extent remain disputed. There is a general agreement that much of what we are told is literary confection, and this applies in particular to most accounts of early wars, which are full of stereotyped and often anachronistic inventions. Despite these difficulties, it is possible to establish a great deal about early roman history and to make an assessment of character of its warfare
(tradução) "A evidência para os primórdios da historia romana e notoriamente problemática. Os historiadores romanos elaboraram extensivas narrativas, preservadas de forma em sua maior parte em duas historias escritas no final do século I AC, por Lívio e Dionísio de Halicarnaso (este último em grego, e preservado integralmente apenas para o período anterior a 443 AC). Entretanto, os escritores romanos só começar a escrever sua História no final do terceiro século AC, sendo claro que os primeiros relatos foram extensivamente elaborados pelos escritores posteriores. Para o período da monarquia, a maior parte do que é contado são lendas ou reconstrução imaginativa. Da fundação da República (tradicionalmente datada em 509 AC), os historiadores antigos fornecem um relato anual. Estes incorporam substancial quantidade de material autêntico, transmitido tanto oralmente quanto de fontes documentárias como os registros de eventos mantidos desde tempos muito antigos pelo Pontifex Maximus. Entretanto, este material esteve sujeito a extensivas distorçoes e elaborações nas mãos de sucessivas gerações de historiadores elaborando seus relatos literariamente e expandindo as narrativas com o que eles consideravam reconstituições plausíveis. Como resultado a identificação de um núcleo duro de dados autênticos nas narrativas históricas que chegaram até nós é muito problemática, e sua extensão permanece em disputa. Existe um consenso de que muito do que é contado é ficção literária, e isto se aplica em particular a maioria dos relatos das primeiras guerras, que são cheios de invenções anacronísticas e esteriotipadas. A despeito destas dificuldades, é possível estabelecer uma quantidade significativa de informações a respeito da Historia Romana primitiva, e fazer uma avaliação do caráter de seus conflitos militares [8]
Ou seja, se focarmos os séculos V e IV AC - quando a jovem república romana, então uma cidade-estado, após lutas duríssimas, subjugou pouco a pouco seus vizinhos do centro da Itália, e ascendeu como senhora inconteste daquela região - temos uma tradição oral que foi posta em forma escrita séculos após os fatos e, basicamente, está preservada em duas histórias do final do século I AC, Tito Lívio e Dionísio de Halicarnasso, no resto, não antes da metade do século III AC. As tradições foram reelaboradas literariamente, expandidas, distorcidas, revisadas a luz dos acontecimentos contemporâneos a medida que foram transmitidas, e não se pode ter certeza da fonte última das informações. Acredita-se que exista um núcleo histórico, mas não se sabe a sua extensão, e os historiadores não conseguem chegar a consenso. Temos aqui uma situação semelhante a que muitas vezes se descreve para os evangelhos em relação a Jesus, com a diferença que estes foram escritos de quatro a sete décadas após os acontecimentos, enquanto que as fontes aqui datam de vários séculos após os fatos. Contudo, tanto os historiadores da república romana, quanto os do Jesus Histórico estão confiantes de estabelecer, no mínimo, um esboço dos acontecimentos. E como veremos a seguir, com métodos bastante similares.
Exemplo 1: Roma, do Início da República ao Saque pelo Gauleses (509 - 390 BC)
Tim J. Cornell, Professor de Historia Antiga da Universidade de Manchester, faz uma avaliação geral das tradições contidas nas fontes do período, e tenta estabelcer alguns fatos básicos:
"Alleged Roman sucesses form the most dubius category of material. It seems likely enaugh that the annalists sometimes took the opportunity to exaggerate minor sucesses, and to turn indecisive engagements into victories. Under the year 446 BC, Livy reports a major victory over the Aequi e Volsci, but adds that, as far as he could discover, the victorius consuls did not go on to celebrate a triumph, a fact which he then attempts - unconvincily - to explain (Livy III.70.14-15). But it is worth noting that as general rule major Roman victories are comparative rare in the tradition as we have it. This point can be illustrated by the record of Roman triumphs between the overthrow of the kings and the Gallic Sack (which are listed in table 6). The list reveals the comparative infrequency of triumphs during this period. In the middle Republic triumphs were held , on average, in two out of every three years, and they were especially common atthe time when the first roman histories were being written, that is, in the late third and early second century BC. By contrast, only twenty two triumphs (and ovations) are registered for the whole of the fifth century; this must suggest that the record is relatively free from contamination, and that is was not simply a fraudulent projection into remote past of the conditions of the middle republic.
(tradução) "Os alegados sucessos romanos formam a categoria mais dúbia do material. Parece suficientemente provavel que os analistas aproveitaram oportunidades para exagerar pequenos sucessos, e transformar confrontos indefinidos em vitórias. Ao referir-se ao ano de 446 AC, Livio relata uma grande vitória contra os Aequi e Volsci, mas acrescenta que, até onde ele pode apurar, os consules vitoriosos não celebraram o triunfo, um fato que ele tenta explicar - de forma pouco convincente (Livio III.70.14-15). Mas é interessante notar que, como regra geral grandes vitórias romanas são comparativamente raras na tradição recebida. Este ponto pode ser ilustrado com o registro dos triunfos romanos entre a derrubada dos reis e o saque gálico (que estão listadas na Tabela 6). A lista revela a raridade comparativa dos triunfos durante este período. Na República Média, triunfos foram realizadas, em média, em dois de cada três anos, e eram especialmente comuns no momento em que as histórias romanas começaram a ser escritas, ou seja, no final do terceiro e início do segundo século aC. Em contrapartida, apenas 22 triunfos (e ovações) são registrados para o conjunto do século V, o que indica fortemente que o registro é relativamente livre de contaminação, e que não se trata simplesmente de uma projeção fraudulenta no passado remoto das condições da República Média" [9]
Cornell considera tanto os autores das narrativas históricas sobre o período, como aqueles que conservaram e transmitiram as tradições orais, geração a geração, até que fossem escritas. Os romanos em geral e os autores em particular tendem a projetar a glória e o destino manifesto de Roma ao período anterior, exagerando pequenas conquistas e convertendo batalhas indefinidas em grandes vitórias. Ainda, podemos acrescenter que durante a República os ocupantes da maior parte dos cargos políticos, religiosos e militares de importantes alternaram membros de algumas famílias romanas de prestígio, como as gens Furia, Manlia, Junia, e Cornelia, que, obviamente, a medida que as tradições foram transmitidas, tendiam a enaltecer os feitos, reais ou imaginários, dos protagonistas daquelas histórias, seus antepassados. Mesmo assim, Cornell percebe um núcleo histórico das narrativas, apontando o fato de que os triunfos, as grandes vitórias, são relativamente raras, bem mais raras do que a frequência deste tipo de evento no período em que as tradições foram escritas. Assim existiria uma dissimilaridade entre a realidade dos autores e seus desejos, a história que eles narram, e sua dificuldade em explicar a falta de triunfos, aponta fortemente que "a narrativa esta relativamente livre de contaminação, que não é uma simples projeção fraudulenta das condições da República Média sobre o passado remoto".
Professor Cornell continua,
"Whatever later generations of romans might have wanted believe about the heroic achievements of their ancentors, the fact is that they did not suceed in effacing the dismal memory of the fifth century as a period of hardship and adversity. Indeed the sources frequently record roman defeats (eg. against the Volsci in 484; Dionysus of Halicarnassus, Ant. Rom. VII 84-6, and 478; Livy II 58-60). It is clear that Livy for one found these defeats embarrassing and did his best to minimize them. An obvious instance of the use of this technique is the story of Sex. Tampanius, a cavalry commander who distinuished himself at the disastrous battle of Verrugo in 423 BC (Livy iv:38). The clear inference to be drawn from such passages is that roman historians, so far scribbling whatever they pleased, accepted the traditional facts what they were and tried to make the best of them"
(tradução) "Seja o que fosse que as gerações romanas posteriores possam ter querido acreditar sobre as conquistas heróicas da sua ancentrais, o fato é que eles não conseguiram apagar a triste memória do quinto século como um período de dificuldades e adversidades. Na verdade, as fontes frequentemente registram derrotas romanas (por exemplo, contra o Volsci em 484, Dionísio de Halicarnasso, Ant. Rom. VII 84-6, e 478, II Lívio 58-60). É evidente que Lívio percebia estas derrotas como constrangedoras e fazia o possível para minimizá-los . Um exemplo claro do uso desta técnica é a história do Sex. Tampanius, um comandante de cavalaria que distinguiu-se na desastrosa batalha de Verrugo em 423 aC (iv Livio: 38). A conclusão clara a retirar tais passagens é que os historiadores latinos, ao invés de escrever aquilo que bem entendiam, aceitaram os fatos tradicionais e tentaram fazer o melhor deles".
Aqui, temos uma aplicação clara de raciocínio análogo ao critério do constrangimento. Ainda que os interesses e motivos dos autores, em particular, e dos romanos, em geral, seja relembrar os feitos gloriosos de seus ancestrais, o fato é que as narrativas conservam a memória de adversidades e dificuldades do período, e de derrotas romanas. Cornell aponta o embaraçamento de Tito Lívio, que tenta minimizar esses acontecimentos, exaltando, por exemplo, os feitos individuais de alguns combatentes. Segundo Cornell, são justamente esses elementos constrangedores da narrativa, que demonstram que "os historiadores romanos ao invés de escrever o que lhes agradava, receberam fatos tradicionais e tentaram lidar com deles da melhor forma que podiam".
"But the most striking feature of the surviving narratives is that most of the annual campaigns are presented neither as victories nor as defeats, but as indecisive and often uneventful raiding expeditions. This seems an unlikely pattern for an annalist to invent; it is much more likely that is represents the true caracter of actual events"
(tradução) "Mas a característica mais marcante das narrativas que chegaram até nós é que a maioria das campanhas anuais não são apresentados nem como vitórias, nem como derrotas, mas como indecisas e repetidas escaramuças e incursões rápidas. Isto parece um padrão improvável para os analistas terem inventado, é muito mais provável que representem o caráter verdadeiro de acontecimentos reais" [9]
Existe um padrão marcante das fontes de apresentar os conflitos não em termos de vitórias e derrotas definitivas, mas como escaramuças que se repetiam constantemente. Como já dissemos isso não atende aqueles que recordaram as tradições, bem como aos autores, interessados em grandes vitórias e conquistas. Cornell, contudo, observa ainda outro elemento favorável a autenticidade, nos séculos II e I AC, os conflitos eram travados em grandes e decisivas batalhas e guerras de grande escala, assim Títo Livio expressa sua perplexidade com o fato de que inimigos como os Aequi e Volsci sejam repelidos ano após ano, e mesmo assim consigam formar novos exércitos invasores, e até sugere explicações pouco convicentes, como que talvez o centro da Itália fosse mais densamente povoado no século V AC do que em seu tempo, ou que vários grupos volscianos estivessem envolvidos [10]. Assim, além da dissimilaridade entre entre os motivos e interesses dos autores e as narrativas da guerras do século IV-V AC, sua inabilidade de entender e explicar esses elementos da tradição, em face das diferenças em relação a sua época, é forte indício da existência de um núcleo autêntico. Faz pouco sentido inventar fatos que não se consegue explicar.
No proximo post continuaremos com exemplos de aplicações do princípio do constrangimento e diferença por historiadores na análise das narrativas dos primeiros anos da República Romana.
CONTINUA: PARTE 2
Referências Bibliográficas
[1] Gilbert G. Carraghan (1946), A Guide for Historical Method, fl. 287
[3] Gerd Thiessen e Dagmar Winter (2002), Quest for Plausibe Jesus, fl. 19
[4] Brian Han Gregg (2006) The historical Jesus and the final judgment sayings in Q, Volume 2, fl. 29-30; Gregg cita na nota 87, fl. 29, estudiosos que propuseram uma revisão no critério de dissimilaridade, de forma a considerar apenas a diferença com a Igreja Primitiva, dentre os quais Ben Meyer, Tom Hólmen, Dale Allison, e Gerd Thiessen e Dagamar Winter (já citados).
[5] Murray G Murphey (2009), Truth and History, fl. 88
[6] John P Meier (1991), Um Judeu Marginal, Volume I, fl. 174
[7] Murray G Murphey (2009), Truth and History, fl. 87-88
[8] John Rich (2007), Warfare and the Army in Early Rome in Paul Erdkamps "A Companion to Roman Army", fl. 7-8.
[9] Timothy J. Cornell (1989) Rome and Latium to 390 BC in Frank W. Walbank, The Cambridge ancient history: The Hellenistic world, Part 2, fls. 290-291
[10] Timothy J. Cornell (1989) Rome and Latium to 390 BC in Frank W. Walbank... fls. 291-294
3 comentários:
parabéns por mais uma bela apresentação, Nehemias!
Eu penso sim na questão de probabilidade quanto aos critérios. Mas não consigo aceitar que têm validade como "critérios de desconfirmação". Podemos ver que dependendo da teleologia de algum pesquisador, ele costuma aplicá-los assim, p. ex., no "dupla dissimilaridade", o que ultrapassa os limites comuns do judaísmo de então e está consoante com pregação da igreja é falso, a priori, e busca-se argumentos ad hoc para tal.
Acho que sim, algo que vai contra batendo de frente com eles, pode ter um ônus maior para si.
Abçs
Rodrigo,
Eu concordo com você.
O A.N. Sherwin White, que foi um estudioso da História Greco Romana muito importante, escreveu certa vez que ele ficava chocado com os seus colegas do Novo Testamento, porque enquanto os estudiosos clássicos aumentavam a confiança de extrair informações históricas de suas fontes, os de Novo Testamento, utilizando um material tão promissor quanto, afirmavam que os evangelhos não tinham interesse histórico, e a biografia de Jesus não poderia ser escrita. Era uma coisa que ele não conseguia entender. E vc vê isso claramente qunado compara um Michael Grant, Robin Lane Fox ou David Flusser com os caras do Jesus Seminar. O ceticismo de boa parte do estudiosos do NT é incompreensivel.
Mas eu acho que o valor desses critérios é fazer algo como um "Teste de Stress" na tradição. O que eu quero enfatizar é que o que passa do critério da diferença ou constangimento são as "piece de resistance" do que temos. Não só no Jesus Histórico, mas como em outras áreas da pesquisa histórica. O erro que o Jesus Seminar comete é aceitar apenas o que é constangedor e dissimilar como sendo de Jesus, quando na verdade esses critérios seriam apenas de natureza complementar em relação ao principal, o de plausibilidade histórica. E no Novo Testamento se leva o ceticismo a um nível absurdo associando a um critério razóavel, e utilizado em outras áreas da História, o de diferença com a tendencia redacional, a um outro que é absurdo, o de diferença com o judaismo, o que simplesmente acaba com o critério.
Nehemias
Penso que o grande desafio hoje, para além dos critérios diversos, é conseguir engendrar ferramentas e métodos que permitam uma abordagem e aproximação propícia a tratamentos qualitativos, sem cair em subjetivismo.
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