segunda-feira, 9 de setembro de 2013

ANOTAÇÕES ADCUMMULUS 003: Theos Hypsistos, El Elyon e Deus Altíssimo, Judeus e Gentios Tementes a Deus no Império Romano

Moisés, afresco da Sinagoga de Dura-Europos,
Síria, seculo III, via wikipedia
Nas duas anotações anteriores, foram discutidos elementos do contexto judaico contêmporaneo a Jesus: as expectativas apocalípticas, os anseios de restauração política e religiosa, de um tempo áureo, idílico, de que não se sabia exatamente como seria, mas certamente melhor do aquele que se vivia, personificados na intervenção do Senhor na História, e o advento de seu Messias. E nesse meio de cultura, nesse solo, que surge Jesus de Nazaré, e nasce seu movimento.
Mas existe um outro contexto a considerar. Aquele em que o cristianismo floresceu, frutificou, e amadureceu. Através dos Paulos, Priscilas, Aquilas e Apolos, e mesmo dos muitos judaizantes com quem Paulo teve inúmeros embates, o evangelho chegou a lugares como Antioquia, Éfeso, Corinto, Tessalônica, Roma e além.

E os primeiros missionários cristãos tinhamos uma estratégia e um público alvo claro. Nos grandes centros provinciais romanos, identificar a comunidade judaica, pregar em suas sinagogas, formar um grupo de discípulos, iniciar uma Igreja (Atos 9:20; 13:4-12;  13:14 e seguintes; 14:1-5; 16:12-13; 17:1-4; 17:10-12; 18:1-4, 19:8). E, frequentemente, o grupo de discipulos formado envolvia prosélitos e gentios tementes a Deus (ex: Lídia). Esse "procedimento operacional padrão" se reflete nas cartas. Como observam os Professores John Dominic Crossan, De Paul University, e Jonathan Reed, University La Verne.

"Pegue qualquer carta de Paulo e leia uma passages ao acaso. Como poderia um pagão ou uma comunidade de pagãos entender o que Paulo queria dizer? Mesmo admitindo que tivessem alguma instrução oral e houvessem se convertido a Cristo, como poderiam entender os argumentos e preocupações intensamente relacionadas com os judeus? Mas, os simpatizantes  por sua vez, conheciam bastante a respeito da fé tradicional da religião judaica, suas bases escriturais e as exigências rituais. Com um núcleo de simpatizantes em suas comunidades, Paulo tinha com ele seguidores que não eram judeus nem gregos, ou melhor, eram judeus e gregos ao mesmo tempo" [1]).

Crossan e Reed descrevem [2]), por exemplo, a Sinagoga de Afrodísia, no sul da atual Turquia. As excavações da edifício, datado de cerca de 200 DC, contém inscrições relatando os nomes dos 126 indivíduos que participaram de sua construção.  A partir dos nomes, 14 são judeus, 3 são prosélitos, e 2 adoradores de Deus (simpatizantes, ou gentios tementes a Deus). Os nomes restantes, estão claramente divididos, os 55 primeiros são judeus, os outros 52 gentios. Ao todos temos, associados a construção da sinagoga, 69 judeus, ou 55%, 54 gentios tementes a Deus (ou simpatizantes), cerca de 43%, e 3 prosélitos, ou 2 %. Uma vez que existiam milhões de judeus no Império, e ainda que as demais sinagogas tivessem muito menos simpatizantes gentios, podemos estimar em centenas de milhares os gentios de alguma forma associados ao Judaísmo. Todos esse poderiam ser atingidos pela pregação cristã.

Entre as muitas comunidades da diaspora, temos, por exemplo, aquela que se reunia numa sinagoga da ilha grega de Delos. Crossan e Reed descrevem a evidênciaarqueológica

"Nos pedestais de quatro colunas das salas A e B lemos a seguinte inscrição, Theos Hupsistos, designação grega para " Deus mais alto" ou "Deus altíssimo", títulos empregados pelos judeus para distinguir seu Deus uno e único de outros deuses no contexto politeista. A tradução grega, Septuaginta, traduz El Elyon, nos Salmos, por Theos Hupsistos. Em Atos, Estevão diz: "O Altíssimo não habita em moradas feitas por mão de homem" (7:48), e uma profetiza pagã declara que Paulo e Silas " são servos do Deus Altíssimo, que vos anunciamos o caminho da salvação" [3]

Crossan e Reed apresentam também algumas das inscrições encontradas na Sinagoga de Delos:

"Lisímacos, em seu próprio favor, agradece ao Theos Hypsistos;
Laodicéia, ao Theos Hypsistos, salva por sua ajuda, uma promessa solene;
Zozas de Paras ao Theos Hypsistos
Ao Hypsistos, uma promessa, Márcia (idem)[3]


Existem centenas de inscrições dedicadas ao Theos Hypsistos, datadas do século II AC até o início do  século V DC. Deve ser observado, como faz Ekaterini Tsalampouni (Universidade de Tessalônica) que Theos Hypsistos não foi exclusivo na antiguidade para Yahweh, e a referência ao Deus bíblico deve ser considerada caso a caso. Mas é incontestavel que Judeus, prosélitos e adoradores do Altíssimo, estavam presentes em todo lugar, mesmo em regiões não integrantes do Império, e extremamente distantes. Por exemplo,  no lonquinquo Reino do Bósforo, estado cliente de Roma, que existia  na atual  Criméia, entre a Ucrânia e a Rússia, temos a presença de gentios tementes e adoradores do Theos Hypsistos, desde o ano 16 DC. Em uma inscrição, da cidade de Gorgipia, datada de 41 DC, em que um senhor de escravo torna pública a alforria de um dos seus servos,e o nome do altíssimo e da sinagoga (casa de oração, proseuchē) é invocado para tornar solene a promessa

"Ao altíssimo Deus [Theos Hypsistos], Todo Poderoso, Bendito, no reinado do Rei Mitrídates, amigo de ? E amigo da pátria, no ano 338, mês de Deios, Potos, filho de Estrabo, dedicou à casa de oração de acordo com sua promessa, sua escrava doméstica, com o nome de Crisa, sob a condição de que ela não venha a ser molestada nem maltratada por nenhum de seus herdeiros sob Zeus, Gê, Hélio" [CIRB 1123][5]

 Crossan e Reed observam (fl. 196) que a menção a Zeus, Gê e Helio era a formula local, legal, para tornar os deuses como testemunhas. E não implicava em idolatria, sincretismo ou prática não judaica. Ainda, esclarecem que os adjetivos Todo Poderoso e Bendito são característicos de Yahweh. 

Logo, vemos como era disseminada a adoração do Deus de Israel no Império Romano, e mesmo além, e o fascínio que exercia sob um número considerável de gentios. E sobre esses que a pregação cristã centrou seus esforços. Podemos entender a "Plenitude do Tempo" (Galátas 4:4), que Paulo se refere, para o surgimento do movimento de Jesus.

REFERÊNCIAS BÍBLIGRÁFICAS
[1] John Dominic Crossan e  Jonathan Reed (2004) Em Busca de Paulo, fl. 45
[2] John Dominic Crossan e  Jonathan Reed, Em Busca de Paulo, fl. 32
[3] John Dominic Crossan e  Jonathan Reed, Em Busca de Paulo, fl. 57
[4] Ekaterini G Tsalampouni (2011) The Cult of Theos Hypsistos in Roman Thessalonica, SBL International Meeting, Londres, 2011, 3-7/7/2011, acessado em 09.09.2013.
[5] John Dominic Crossan e  Jonathan Reed (2004) Em Busca de Paulo, fl. 196



1 comentários:

Flávio Souza disse...

Muito interessante o texto, Nehemias. Eu desconhecia este apanhado mais quantitativo. Importante, neste sentido, pensarmos também no poder que tiveram os fariseus no sentido de congregar prosélitos nestas sinagogas.

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    Este blog tem como objetivo central a postagem de reflexões críticas e pesquisas sobre religiões em geral, enfocando, no entanto, o cristianismo e o judaísmo. A preocupação central das postagens é a de elaborar uma reflexão maior sobre temas bíblicos a partir do uso dos recursos proporcionados pela sociologia das idéias, da história e da arqueologia.
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