quinta-feira, 21 de julho de 2011

Concílio de Jerusalém e os mandamentos - parte I

No livro dos Atos dos Apóstolos, encontramos um relato que seria um ponto cardeal para a história posterior da cristandade. Tal relato se encontra no capítulo 15 e trata do famoso Primeiro Concílio de Jerusalém. A partir deste relato, descobrimos que haviam alguns judeus da seita dos fariseus que haviam se convertido ao cristianismo (Atos 15:5). Descobrimos também que cristãos judaicizantes estavam pregando entre os gentios (Atos 15:1). Em sua pregação, eles afirmavam que os gentios deveriam se "circuncidar e guardar a lei" para que pudessem se tornar cristãos (Atos 15:24).

Atos 15:1 e Atos 15:24 evidencia que alguns destes pregadores saíram da própria Igreja de Jerusalém. E nos mostra também que eles estavam “atormentando” os gentios, "os perturbando com palavras e atormentando a alma deles" através dessa pregação que faziam. Atos 15:2 nos mostra que Paulo e Barnabé haviam tido grandes discussões com este grupo de cristãos judaicizantes. Também é visto que os dois grupos de pregadores saíram de onde estavam e foram até Jerusalém para resolver a questão. A questão era - os gentios, para se tornarem cristãos, deveriam ser circuncidados e "guardar a lei"?

Descobrimos que quando a questão começou a ser exposta no Concílio, os cristãos oriundos da seita dos fariseus se levantaram e defenderam a tese de que "Sim - os gentios deveriam se circuncidar e guardar a lei para se tornarem cristãos". Em bom tom, os gentios inicialmente deveriam se "tornar judeus" para que se tornassem realmente cristãos posteriormente. (Atos 15:5). Atos 15:7 nos conta que houve grande contenda entre os dois lados. Ou seja, ocorreu uma forte disputa de idéias entre aqueles que defendiam que "os cristãos gentios deveriam se circuncidar e guardar a lei" (grupo dos judaicizantes) e aqueles que defendiam que "não" (grupo de Paulo e Barnabé).

A resolução do impasse é dada por Tiago o Justo, lider da Igreja de Jerusalém. Os cristãos gentios deveriam tão somente se abster “das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da prostituição”, conforme é relatado no versículo 29. Ou seja – A Igreja de Jerusalém acabou por descredenciar a pregação sobre “a guarda da lei” por parte dos gentios (defendida pelos cristãos farisaicos, os quais no versículo 5 advogavam que “era mister circuncidá-los e mandar-lhes que guardassem a lei de Moisés”, dando-lhes apenas as prescrições supracitadas do versículo 29.

Uma importante questão se dá a partir da análise do tipo de recomendações feitas por Tiago para os cristãos gentios. De acordo com a Jewish Encyclopedia, o acordo estipulado entre Paulo e os apóstolos de Jerusalém implicaria que os gentios fossem admitidos no cristianismo dentro da Igreja somente “como prosélitos do portão, isto é, após sua aceitação das Leis Noáquicas. (Atos 15:1-31).” Em outro artigo da Jewish Encyclopedia sobre o Novo Testamento, também encontramos:

“Como foi grande o sucesso de Barnabé e Paulo no mundo pagão, as autoridades em Jerusalém, insistiram sobre a circuncisão como condição de admissão de membros na igreja, até que, por iniciativa de Pedro, e de Tiago, o chefe da igreja de Jerusalém, foi acordada a aceitação das Leis Noáquicas - ou seja, sobre a abstenção da idolatria, da prostituição, do consumo de carne de um animal vivo - as quais deveriam ser exigidas dos gentios desejosos de entrar na Igreja.”

O primeiro registro mais direto sobre as chamadas Leis Noáquicas (ou Leis Noéticas) pode ser encontrado no apócrifo Livro dos Jubileus, datado do século II a.C. Assim encontramos no seu capítulo 7:20-28:

“E no ano do vigésimo oitavo jubileu, Noé começou passar para seus filhos as ordenanças, mandamentos e todos os julgamentos que ele sabia. E ele exortou seus filhos a observar a justiça, a cobrir a vergonha da sua carne, a abençoar o seu Criador, a honrar pai e mãe, a amar o próximo e a guardar as suas almas da fornicação, da impureza e de toda a iniqüidade... Para quem derramar sangue, e todo aquele que come sangue de qualquer carne: todos serão exterminados da Terra.

Se somarmos os mandamentos do Decreto Conciliar de Tiago à tradicional pregação cristã sintetizada no amor a Deus e ao próximo [Mc 28b-31] teríamos praticamente a mesma pregação vista no texto de Jubileus. Um interessante ponto deve ser visto quando do retorno de Paulo à Jerusalém em Atos 21 quando se reencontra com Tiago e os anciãos. Este o adverte sobre os temores dos milhares de judeus convertidos ao movimento nazareno, todos eles fiéis à Torah, de que Paulo estaria desencaminhando judeus quanto ao cumprimento da Lei em suas pregações na diáspora. Logo em seguida, Tiago relembra Paulo sobre o Decreto Conciliar assim reafirmando em Atos 21:25: “Quanto aos gentios que abraçaram a fé, já lhes escrevemos sobre nossas decisões: que se abstenham das carnes imoladas aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas e das uniões ilegítimas”.

Haveria alguma necessidade de reforço se tais prescrições estivessem sendo divulgadas e cumpridas no processo de evangelização dos gentios? Provavelmente, não. Tal reforço nos remete à posição de Paulo quanto às carnes sufocadas, bem como às sacrificadas aos ídolos vista em 1 Cor 10:25-30 e que poderia ser sintetizada no versículo 25: “Tudo o que se vende no mercado, comei-o sem levantar dúvidas por motivo de consciência.” Aparentemente, Paulo flexibilizou ainda mais a aplicação das recomendações noáquicas aos gentios notadamente no que toca às práticas dietéticas.

Um aspecto interessante e que possui relevância especial para o propósito de nossa análise, no entanto, é a questão da guarda do Shabbat por parte dos gentios. Como é sabido, a guarda do Shabbat, não só faz parte dos 613 mitzvot (mandamentos) da Torah, bem como se encontra inserida no próprio texto do Decálogo [nas tábuas] da Lei. Na segunda parte deste nosso texto investigaremos se este mandamento deveria ou não ser seguido pelos gentios.






5 comentários:

Nehemias disse...

Grande Flávio,

E ai Chefe? Tudo Blz?

Eu não sei como vc vai desenvolver o assunto, mas uma impressão que eu tenho desse episódio é que Vc tinha um compromisso, firmado pelos líderes, mas, independente do que pensassem Paulo e as outras "cabeças" do movimento cristão, vc teria problemas, digamos assim, "operacionais".

A decisão era "se abster das carnes sacrifcadas a idolos e das que fossem sufocadas". So far, so good. Pro sujeito que morava numa comunidade rural, em que a carne vinha da vaca que ele ou o viznho tinham, era fácil saber como foi abatida ou se foi sacrificada aos idolos.

Mas em grandes cidades (mesmo para padrões atuais), como Roma ou Corinto, o camarada ia ao Mercado comprar carne, e simplesmente não sabia se tinha sido sufocada ou sacrificada. Isso deve ter gerado um impasse, alguns cristãos, temendo ingerir uma carne "impura", devem ter deixado de comer carne. Outros, devem ter mandado a recomendação do Concílio pro espaço, não abrindo mão de seu "churrasquinho".

Quer dizer, eu acho que para algumas comunidades cristãs, a decisão do Concílio não era operacional. Paulo interpreta a seu jeito, criando uma politica "don't ask, don't tell". Na prática vc limitava a abrangência da recomendação de Tiago aqueles casos como reuniões públicas, festivais, eventos cívicos, as quais os cristãos já eram orientados a se abster de qualquer forma. Se eu fosse um judaizante, é bem possível que eu considerasse isso uma burla a ao acordo. Mas que é engenhoso, e pratico, isso é...

Abs,
Nehemias

Rodrigo disse...

E aeh, meus chefes!

Eu percebo também nas decisões, algo remetendo a Levítico 17:08-18:18, os preceitos relativos aos judeus e estrangeiros residentes na terra de Israel. Claro que aí temos algumas questões de variância textual no livro de Atos.
Neste caso, vejo que tem um gancho forte com a concepção dos Doze, remetendo ao novo Israel escatológico, e a perpetuação desta perspectiva na comunidade messiânica cristã-judaica.

Aí vejo que algo que Paulo fez foi derivado de sua visão de que tal novo "povo de Deus" seria algo mais universalista ainda, não sendo "apenas" à agregação de gentios ao Israel renovado, e daí ele foi aplicando a esta questão das regras.

Onde vejo que a ruptura entre ele e Tiago pode ter sido mais profunda...

Anônimo disse...

Atos 21:25: “Quanto aos gentios que abraçaram a fé, já lhes escrevemos sobre nossas decisões: que se abstenham das carnes imoladas aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas e das uniões ilegítimas”.
Esses,os mandamentos do Espírito Santo para os que abraçam a fe em Jesus.
Três séculos depois,a igreja católica, agora Romana ignorando o mandamento sobre os ídolos, não coibiu , vendo uma oportunidade de fazer grande renda em cima da devoção dos simples.Tanto na confecção e venda de imagens e velas como acessórios religioso.

Anônimo disse...

Porque, dizendo um: Eu sou de Paulo; e outro: Eu de Apolo; porventura não sois carnais?
1 Coríntios 3:4
Há muitos anos
antes do terceiros séculos já se via certa preferência por pessoas no evangelho, então Paulo achou melhor por coibir tais atitudes afinal,o maior é Cristo.Porem com o passar do tempo, parece que a igreja agora sob a influência de Roma não se importou em fazer o mesmo trabalho de Paulo.
E qual foi o resultado?
As mais variadas preferência no tocante a devoção.
Mas de quem é a culpa,do devoto?
Claro que não!
O devoto é sincero e mal esclarecido.
Pois quando ele nasceu,seus pais já tinha herdado tal costume de devoção de seus antepassados.
Então quem será responsabilizado no dia do Juízo?
Certamente a hierarquia,por visar lucros em cima da inocência da devoção alheia.
Sim!! Devoção gera uma receita sem precedentes.Nao existe crise na indústria de imagens,velas e acessórios religiosos. Seja inteligente e use seu cérebro.
De onde cuida que certas igreja protestantes,aprenderam hoje a vender seus acessórios ungidos!Por ventura não foi com a igreja romana no tempo em que se cobrava indulgência,e vendia pedacinho do céu?
Assista o filme lutero ou pesquisa a história.
Só existe um intercâmbio entre Deus e os homens,...Jesus Cristo homem.
A porta da estava fechada.
O livro estava selado com 7 selos.
As almas precisavam ser libertas.
Então alguém precisa pagar,mas não havia ninguém.
Então quem pagou?
O sangue de Jesus foi a moeda que pagou, para abrir o livro selado.
Então Jesus, somente Jesus,e o único intercessor.Mas tendo Jesus somente como único instrumento de interseção não gera receita.
Então porque coibír a devoção a centenas de nomes no tocante a canonização?




Anônimo disse...

A igreja detém os direitos autorais no tocante às edições dos livros,(bíblia ) mas não detém o direito da verdades contidas nela .

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