sábado, 27 de abril de 2013

Ecce homo: O Jesus Histórico como Revolucionário Subversivo Anti Romano, de Herman Samuel Reimarus a Fernando Bermejo Rubio - Parte 1

O Professor Fernando Bermejo Rubio, do Departamento de Filologia Grega e Linguística Indo Européia da Universidade Complutense de Madrid, acaba de publicar um artigo na Bible and Interpretation que promete causar bastante debate.

Jesus expulsa os vendilhões do Templo, de Giotto (sec. XIV), Capela Scrovegni, (via wikipedia)
Why is the Hypothesis that Jesus was an Anti-Roman Rebel Alive and Well? Theological Apologetics versus Historical Plausibility
 (Porque a hipótese de que Jesus foi um rebelde contra Roma continua firme e forte? Apologética Teologica versus Plausibilidade Histórica).

A proposta de Jesus como líder revolucionário, contrário a ordem romana estabelecida não é nova. Pelo contrário, na gênese dos estudos do Jesus Histórico está o trabalho de Herman Samuel Reimarius (1694-1758), que apresenta Jesus e seus discipulos como buscando o estabelecimento de um reino terreno, subvertendo a ordem estabelecida. Bermejo-Rubio lamenta que, apesar de sua antiguidade, a tese não recebe o reconhecimento que deveria.

A tese de Rubio: Rubio fundamenta sua tese em três pilares. O primeiro, e pelo que entendemos da exposição de Rubio, o principal, é que espalhados pelos evangelhos, em fontes, camadas e formas de tradição diferentes existe numerosos elementos, que Rubio lista de a) a z), que apontam para um Jesus em conflito com Roma e seus prepostos [1]. No processo de edição e redação final dos evangelhos esses elementos foram amenizados ou distorcidos, uma vez que seus autores buscavam demonstrar que Jesus não criou problemas para Roma e foi executado por seus conflitos com a cúpula religiosa judaica. No entanto, tais elementos, mesmo que varridos para debaixo do tapete, demonstram a existência de um padrão recorrentemente atestado de tensões entre Jesus e seus seguidores contra Roma. Rubio então utiliza o critério de atestação recorrente, proposto por Dale Allison, para identificar esse conflito político como proveniente da atividade do Jesus histórico. É o primeiro pilar de sua tese. Podemos apontar e classificar alguns desses elementos da seguinte forma:
a) A própria execução: Jesus foi crucificado sob uma acusação eminentemente politica, de pretender ser o Rei dos Judeus, entre dois rebeldes.
b) As circunstâncias de sua prisão: Rubio aponta os relatos evangélicos em que Jesus é preso por um destacamento militar fortemente armado, a noite, secretamente, e como uma cilada (Mt 26:47, Mc 14:41, Lc 22:47 e  João 18:12). Lucas relata que, antes, Jesus havia solicitado que seus discipulos estivessem armados (Lc 22:35-36), e alguns deles mantinham espadas em segredo, prontos para utiliza-las (Lc 22:38 e 49 e Mc 14:47). Todos os evangelhos reportam resistência oferecida inicialmente pelos discipulos durante a prisão.
c) Comportamento de Jesus e seus discipulos em Jerusalém, antes da prisão:  A expulsão dos vendilhões do Templo, a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, a disposição de vários  discipulos, declarada antes da prisão, de morrer com Jesus, e após a prisão, seus temores de serem presos e executados. Rubio alega também que o episódio de Jesus ensinando a dar a César o que é César (Mc 12:13-17), quando lido em conjunto com Lc 23:2, 5, e 14 indica uma disposição em não pagar tributos a Roma e subverter a nação judaica.
d) Pregação e Atividade Anterior de Jesus: Professor Bermejo-Rubio destaca o inequívoco caráter politico, concreto, implícito na pregação de Jesus nos evangelhos da vinda iminente do Reino de Deus. A promessa registrada na tradição de que os díscipulos sentariam em tronos para julgar e governar as doze tribos de Israel, seria conflitante com a manutenção do governo de Roma e seus representantes, e indica uma dimensão concreta, material e imediata desse Reino, com recompensas neste mundo. O antagonismo existente entre Jesus e Herodes Antipas, que governava a Galiléia em que Jesus exercia seu ministério. Em vários ditos na tradição, Jesus limita seu ministério a Israel, com contornos nacionalistas e até chauvinistas. Outro elemento citado por Rubio é que Marcos ( 15:7) e Lucas (23:19), fazem referência a uma revolta  ocorrida pouco antes da prisão de Jesus.
e) Outros elementos incidentais nas fontes: A narrativa de infância de Lucas (capítulos 1 e 2), apresenta traços de uma disposição nacionalista, de subjugar os gentios. Em Atos 5, o movimento de Jesus é comparado por Gamaliel com os de Teudas e Judas Galileu, ambos dos quais entraram em conflito com os romanos.
O conjunto de elementos apresentados por Bermejo Rubio é bastante significativo. Em minha opinião, a proposta é interessante (embora, mais adiante, direi porque, em minha opinião, necessita de algumas ressalvas e revisões) a nos fazer lembrar do fato que Jesus foi executado pelos romanos, justa ou injustamente, por uma acusação politica, e que esse fato deve ser explicado. Como já disse o Professor Bart Erhman, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill:
"The link between Jesus' message and his death is crucial, and historical studies of Jesus life can be evaluated according to how well they establish the link. This in fact is a common weakness in many portrayals of the historical Jesus: They often sound completely plausible in their reconstruction of what Jesus said and did, but they can't make sense of his death (tradução) A relação entre a mensagem de Jesus e sua morte é crucial, e os estudos sobre a vida de Jesus podem ser avaliados em quão firme fica estabelecida essa ligação. Na verdade, essa é uma vulnerabilidade comum nos estudos sobre o Jesus Histórico: Frequetemente soam perfeitamente plausíveis em reconstruir o que Jesus disse e fez, mas não conseguem explicar por que ele foi morto. [2].
Da mesma forma, Professora Paula Frederiksen, da Universidade de Boston, enfatiza que
The single most solid fact about Jesus life is his death; He was executed by the roman Prefect Pilate, on or around passover, in the manner Rome reserved particularly for political insurectionists, namely, crucifixion. Construction of Jesus primarily of Jewish religious figure, one who challenged the authority of Jerusalem's priests, thus fit umconfortably on his very political, Imperial death (Tradução) O fato mais solidamente estabelecido sobre a vida de Jesus é sua morte; Ele foi executado pelo Prefeito Romano Pilatos, nos dias da páscoa, ou próximo deles, da forma que os romanos reservavam especalmente para subversivos politicos, ou seja,  crucificação. Portanto, reconstruções de  Jesus  primariamente como uma figura religiosa judaica, que desafiou os sacerdotes de Jerusálem, ficam desconfortáveis com essa morte tão política, imperial [3]  

 Em vários momentos falamos desse elemento político na mensagem e execução de Jesus aqui no adcummulus, em posts meusoutros do Rodrigo (informadordeopinião), e ainda outro do Flávio,  e vamos entrelaçar essas observações com a analise dos argumentos de Rubio, nas linhas abaixo.
O Reino ou Reinado de Deus, na época de Jesus, implicava no momento em que o domínio de Yahweh, que governava o céu, mas cujo domínio um dia seria plenamente estabelecido sobre a terra (seja diretamente ou por seu Messias), expectativa que se reflete, por exemplo, no Pai Nosso "venha teu Reino, seja feita tua vontade, assim na terra como no Céu"  e no Kadish "(...) Que estabeleça Seu Reino, em nossa vida e em nossos dias e na vida de toda a Casa de Israel, pronta e brevemente (...)". A recorrência do tema do Reinado de Deus nos evangelhos, multiplamente atestado em fontes e formas, é apontada pelo Professor John P. Meier (Universidade de Notre Dame).

''Uma das razões pelas quais os críticos afirmam sem vacilar que Jesus de alguma forma realmente falou no Reino de Deus (ou Reino dos Céus) é que a frase aparece em Marcos, em Q, na tradição especial de Mateus, na tradição especial de Lucas e João, com ecos em Paulo, apesar do "Reino de Deus" não ser a forma preferida de expressão desse último. Ao mesmo tempo a frase é encontrada em diversos gêneros literários (beatitudes, preces, aforismos, história de milagres). Dada a grande quantidade de testemunhos em diferentes fontes e gêneros, vindo principalmente da primeira geração de cristãos, fica bastante díficil alegar que tal material é apenas uma criação da Igreja [4].

E anteriormente, já haviamos destacado que "Metade das parábolas fazem menção ao "Reino de Deus". Jesus foi crucificado entre dois "lestai", termo que embora seja traduzido comumente como "ladrão", leva uma conotação de "revolucionário" ou "guerrilheiro". Jesus teve Cristo (Messias) incorporado a seu nome, sendo que Messias, originalmente, é um conceito que possui amplas conotações políticas, envolvendo o estabelecimento de um Reino terreno, interpretado pelos judeus no I século como o fim do jugo romano [5].

A Captura de Cristo, de Fra Angelico, 1440 (via wikipedia)
Os cristãos, reiteradamente, reinterpretaram o conceito messiânico como o de um Reino Celestial, que seria estabelecido na terra apenas no fim dos tempos. Assim, por exemplo, Justino Martir, em sua 1ª Apologia (150 DC) busca refutar a gravíssima acusação de que os cristãos buscavam estabelecer um reino (e, portanto eram desleais a César, e traidores do Império):
E quando ouvis que buscamos um Reino, imaginais, sem procurar conhecer mais a fundo, que falamos de um reino humano; quando na verdade nos referimos daquele reino que é de Deus, como na confissão de fé feita por aqueles que são acusados por serem cristãos, embora saibam que a morte é a punição imposta aqueles que assim confessam. [6]
 Podemos citar também Atos 17:7, "Todos eles estão agindo contra os decretos de César, dizendo que existe um outro rei, chamado Jesus". Ainda que, como alguns estudiosos, o leitor do adcummulus opte por descartar a historicidade desse episódio específico, resta o fato de que a acusação existia, e era eventualmente levantada contra os cristãos. Se estes tivessem sorte (como Jasom e seus companheiros na narrativa de Atos) as autoridades ficariam corretamente alarmadas (v. 8), mas diante de pessoas insuspeitas e com recursos suficientes para pagar uma fiança (v. 9), poderiam relevar as acusações, principalmente se envolvesse um grupo que incluiria mulheres de alta posição (v.4). Contudo, se a acusação fosse considerada como verossímil, o destino seria a morte, como aqueles a qual Justino se refere.

Tais fatos indicam fortemente que a mensagem de Jesus da vinda iminente do "Reino de Deus", bem como sua condenação como Reio dos Judeus foi interpretada pela autoridades como subversiva a ordem imperial e perturbadora da Pax Romana, seja qual fosse seu conteúdo ou propósito original, e que os cristãos, constrangidos e ameaçados por essa "má impressão", buscaram desfazer esse "mal entendido".
Aqui, podemos acrescentar que além do critério da atestação recorrente, Rubio utiliza também o do constrangimento, ele afirma que os elementos acima apontados:



"Christians would never have gratuitously concocted such material, which not only does not advance their kerygmatic interests, but directly runs counter them".
(Tradução) Os cristãos nunca teria inventado o material examinado acima gratuitamente, que não só não avança seus interesses querigmáticos, como os contraria diretamente.[7]
 e
A significant hint indicating that this kind of material was indeed deeply disturbing for early Christians, at least for those who wrote the Gospels or transmitted the underlying tradition, is that much of the potentially disconcerting material has been tampered with in the editing process.
Significantes indícios de que este material era, de fato, profundamente perturbador para os primeiros cristãos, pelo menos, para aqueles que escreveram os Evangelhos ou transmitido a tradição subjacente, é que grande parte do material potencialmente desconcertante foi alterado no processo de edição. [7]

Não chegariamos a ponto de dizer que seria impossível que os cristãos tivessem inventado esses elementos da tradição associada a Jesus, mas altamente improvável. Como observa Paul Winter:
 (...) As palavras da inscrição não fazem qualquer alusão ao Antigo Testamento, e portanto podem não ter sido ditados pelo desejo de regitrar as últimas horas de Jesus conforme a profecia divina. Em certo sentido, as palavras do Titulus de Pilatos eram mesmo ofensvas a apreciação que os cristãos faziam da pessoa de Jesus (...)[8]
e:
(...) os autores dos evangelhos remodelaram e adaptaram as tradições que compilaram de acordo com os pontos de vista de um público habituado a ler grego e impreganado das idéias que circulavam no Mediterrâneo - para eles, a importância de Jesus não estava no fato de ele ter sido βασιλεὺς τῶν Ἰουδαίων (O Rei dos Judeus) mas sim no fato de ele ter sido σωτήρας του κόσμου (O Salvador do Mundo). Portanto as palavras de Mc 15:26 não podem ser entendidas como ditadas pela teologia do segundo evangelista. [8] 
Como já afirmamos aqui, uma vez que  os evangelhos foram escritos entre 65-135 DC entre as duas guerras judaico-romanas. Nesse período, houveram inúmeras revoltas, provocadas por auto-proclamados "Reis dos Judeus" e "Messias", causaram a morte de (dezenas de) milhares de pessoas, dentre os quais milhares de bons soldados e cidadãos de Roma. No mesmo período, a igreja era perseguida e o cristianismo era uma seita ilegal, sendo que alguns oficiais e magistrados suspeitavam que o grupo era formado por agitadores, desleias a César e a Roma. De fato, Aristides, Quadrato, Justino Martir, Melito, Apolinario, e outros, escreveram ao Imperador da época buscando incessantemente provar que os cristãos eram leais, pacíficos e produtivos e perfeitos súditos do Império. Porque, nessas circunstâncias, os cristãos inventariam que seu líder tinha sido um Messias Crucificado, executado como um criminoso político, por magistrados romanos, sob a acusação de Alta Traição? Provavelmente, porque Jesus foi realmente crucificado, por ter sido acusado (justa ou injusta) de se auto-proclamar "Rei dos Judeus, e essas coisas eram fatos bem conhecidos (e problemáticos) que os cristãos tinham que explicar[9].

Bart Erhman, pondera na significância do fato de que tanto o critério da atestação múltipla, quando o de constrangimento apontam Jesus como tendo sido executado como Rei dos Judeus:
"Moreover, it is independent attested that the ground of execution, as found, for example, on the title placed over Jesus cross, was that Jesus called himself King of the Jews (Mark 15:26, John 19:19). Not only is this tradition multiply attested and contextually credible, it also passes the criterion of dissimilarity. For this is not a titlethat Christians themselves used of Jesus, insofar as we can tell from our surviving sources. If they didn't use this title for Jesus, why do the account claim that he was executed for using the title himself? Evidently because that's what come out at the trial.
"(tradução) Além disso, é independentemente atestado como razão da execução, como pode visto, no título colocado sobre a cruz de Jesus, que ele se auto proclamou Rei dos Jesus (Marcos 15:26 e João 19:19). Não somente é uma tradição multiplamente atestada e contextualmente crível, como também satisfaz o critério da dissimilaridade. Pois se este não era um título que os cristãos utilizavam para Jesus, porque os relatos afirmam que ele foi executado por reinvidicar esse título ? Evidentemente, este foi o resultado do julgamento
[10].
Rubio lança mão então do critério de plausibilidade histórica e adequação contextual, os elementos apontados acima correspondem a situação histórica existente na Palestina sob o domínio romano no 1° Século, principalmente naquilo que se refere ao surgimento da chamada quarta filosofia [11]. Aqui podemos utilizar a análise do Professor Steven H Rutledge, da Universidade de Maryland, que análise os relatos de prisão e crucificação de Jesus sob o ponto de vista de sua plausibilidade e verossimilha~ça em relação ao processo judicial romano do período. Routledge, inicialmente, considera tanto a possibilidade de que as narrativas podem ser resultado do que realmente ocorreu com Jesus no tempo de Pilatos ou, por outro lado, terem incorporado anacronismos resultantes do período de sua copmposição e edição das narrativas evangélicas, no período ou posteriormente a destruição de Jerusalém em 70 DC. Rutledge identifica vários elementos verossimilares encontrados nos evangelhos, capazes de perturbar Pôncio Pilatos e levar a prisão e execução de Jesus:
"There was considerable more to the charges than Jesus' followers who wrote de gospels  were inclined to report: from the Roman (as well as jewish) perspective there was real reason for Pilate to arrest and execute Jesus. If the gospel account is credible. Among other offenses were Jesus' receipt of the title of King, his blatant identification , in various ways, with the messianic movement. Moreover Herod Antipas attempt to destroy Jesus and his followers, even before he left Galilee, apperas to indicate that there was surely a movement , early on, which the authorities perceived as subversive in its intent. In addition, Mark's (2:13-17) and Luke (23:2-5, 23:14) gospels indicate Jesus' stand against payment of Roman Tribute" (traduçãoHavia bem mais no que se refere as acusações contra Jesus que seus seguidores que escreveram de evangelhos estavam inclinados a relatar: na perspectiva romana (e também como judia) havia razão real para Pilatos para prender e executar Jesus. Se os relatos evangelicos  são críveis, entre outros crimes, o fato de Jesus ter recebido o título Rei, e sua identificação flagrante, de váriadas maneiras, com o movimento messiânico. Além disso, a tentativa de Herodes Antipas  de destruir Jesus e seus seguidores, mesmo antes deles deixarem a Galiléia, indicar que houve certamente um movimento, que desde seu início, as autoridades perceberam como tendo intenções subversivas. Além disso, os evangelhos de Marcos (2:13-17) e Lucas (23:2-5, 23:14)  indicam a posição de Jesus contra o pagamento do tributo romano [12].
Além dos elementos de natureza eminentemente política, Routledge aponta outros detalhes, a príncipio associados com a atuação de jesus como líder religioso, que poderiam ter contado para sustentar uma condenação:
It is also tempting to append to these charges those of magic pratices, a serious offense always, but in particular if such practices were perceived as employed for seditious purposes (...) One more item that will have weighed in balance against Jesus was his role as prophet, something which, as Potter has noted (1994, 171-182), the roman authorities did not dismissed lightly (...) it worth remember, moreover, that Jesus had acted in a manner with potentially explosive implications  for both local jewish and the roman civil authorities - entering the city in a manner to assert his identity as the messiah, overtunning the tables of the money changers in the temple duting passover (possibly)threatening the destruction of the Temple, and arming his followers the night before the arrest (tradução) Também é tentador somar a essas acusações  a de prática de magia, sempre um crime grave, mas especialmente se tais práticas eram vistos como empregadas para fins sediciosos (...) Outro item a pesar na balança contra Jesus era seu papel como profeta, algo que, como observou Potter (1994, 171-182), as autoridades romanas não menosprezavam (...) Adicionalmente, não podemos esquecer algumas atividades de Jesus com implicações potencialmente explosivas, tanto para autoridades civis romanas e judaicas locais - entrando na cidade de uma forma de afirmar a sua identidade como o Messias, derrubando as mesas dos cambistas no templo durante a páscoa (e possivelmente) a ameaça de destruição do Templo, e armar seus seguidores a noite antes da prisão. [12]
A captura de Cristo e o Episódio de Malco, Gerard Douffet
1620, Museum of Fine Arts, Boston, via wikipedia. 
Mas e se parte, ou muitos, ou quase todos, ou mesmo todos os elementos apontados não poderiam ser resultado do processo de composição dos evangelhos, não tendo correspondência real com a execução de Jesus no ano 30? Rutledge responde a essa pergunta utilizando as implicações do critério de plausibilidade histórica:
"Yet, what if we choose to see most of the charges as anachronistic and to read them in light of all that had passed between the time of Jesus and the composition of the gospels? That may matter but little: even if we allow that just one of the charges against him was accepted, there will be a strong case. And dismissing the charges wholesale as anachronistic may be wrongheaded, considering that in a number of details of Jesus life the gospels are in general agreement (such as magic pratices, which need not to be anachronistic - there were plenty of magicians running about the empire and they were viewing with suspicion by the authorities). In a somewhat peculiar twist, hovewer, the very anachronisms that may have found their way into the gospels appear in legal (and roman) terms to construct an overwheelming case against Jesus" (tradução) Mas, e se optarmos por considerar a maior parte dessas acusações como anacrônicas e lê-las à luz de tudo o que se passou entre o tempo de Jesus e da composição dos evangelhos? Isto pode até ser relavante, mas pouco: se admitirmos que apenas um das acusações contra ele seja verdadeira, já seria suficiente para um caso consistente. E rejeitar inteiramente esses elementos acusatórios como anacrônicos é possivelmente equivocado, considerando que uma série de detalhes da vida de Jesus nos evangelhos estão em concordância entre si  (tais como práticas de magia, que não precisam ser anacrônicas- havia muitos mágicos que exerciam seu ofício no império, e que estavam sujeitos a desconfiança das autoridades). Em uma desdobramento um tanto peculiar, entretanto, os mesmos anacronismos que supostamente teriam sido incorporados aos evangelhos constituiriam em termos legais (e romanos) acusação arrasadora contra Jesus[12] 
Assim, foram apontados acima por Rubio e Rutledge uma série de detalhes nas narrativas evangélicas que indicariam atividades consideradas pelos romanos como subversivas ou, no mínimo, fonte de preocupação. É possível que parte tenha origem no ministério de Jesus, e é possivel que parte tenha se originado do desenvolvimento das narrativas evangélicas nas décadas seguintes, sendo extremamente complicado decidir entre as duas alternativas. No entanto, muitos desses elementos são recorrentemente e multiplamente atestados, ou seja, existem em várias correntes de tradição e devem ser anteriores a ela. Além disso, são plausíveis no contexto, ou seja, fazem sentido na Galiléia e Judéia dos anos 30 DC, sob domínio romano em uma atmosfera de tensão messiânica e apocaliptica, mais do que fariam em grandes centros urbanos, cosmopolitas e plenamente integrados ao Império, como Roma, Éfeso, Antioquia ou Alexandria. Por fim, existe um movimento claro nos Evangelhos em particular e no Novo Testamento em geral de evitar problemas como Roma, então porque inventar detalhes comprometedores sobre Jesus, que levariam a suspeita das autoridades?
Nesse sentido, é nítido nas narrativas evangélicas a tendência de "absolver" Pilatos e o poder romano "não acho culpa alguma nesse homem (Lucas 23:4)" e "(...) Pilatos respondeu: Levem-no vocês e crucifiquem-no. Quanto a mim, não encontro base para acusá-lo" (João 19:6) e culpar os líderes judeus: "Finalmente Pilatos o entregou a eles para ser crucificado" (João 19:16), e "Então Pilatos decidiu fazer a vontade deles. Libertou o homem que havia sido lançado na prisão por insurreição e assassinato, aquele que eles haviam pedido, e entregou Jesus à vontade deles" (Lucas 23:23), cujas razões seriam inteiramente religiosas. Paulo exorta os crentes de Roma (Romanos 13) a respeitarem e se submeterem aos magistrados e autoridades, ordenados por Deus, apesar deles saberem que os magistrados haviam crucificado Jesus (I Cor. 2:8) e prendido o próprio Paulo (Filipenses 1:7-13), explicando prontamente que essas coisas aconteceram porque as autoridades eram ignorantes dos propósitos de Deus em Jesus, pois se os tivessem conhecido jamais o teriam executado; assim como a prisão do apóstolo, em Cristo, tinha um propósito divino de contribuir para o progresso do evangelho, e permitindo-lhe testemunhar junto a guarda pretoriana.

Então porque inventar elementos que apontariam para um juízo político? Provavelmente, porque, em sua maioria, detalhes como os apontados por Rubio e Rutledge acima, referem-se aos fatos do julgamento de Jesus, que eram conhecidos e deveriam ser explicados. É sempre possível imaginar elementos da narrativa inventados com o objetivo de dissipar suspeitas de subversão, mas que tenham tido o efeito contrário, em que a "emenda tenha saído pior que o soneto", mas é muito improvável que isso seja aplicável para todos os casos, e mesmo para a maioria desses elementos.  Ou seja, tais elementos vão na contramão das tendências editoriais, e são em muito casos perigosos para os primeiros cristãos, que volta e meia tinham de se explicar perante as autoridades (É verdade que o líder de vocês foi executado por alta traição por um governador romano, por ter se proclamado Rei? E lá na Judéia, aquele lugar que vive se revoltando? Sabe, meu irmão morreu lá lutando contra um tal de "Messias". E o que é esse Reino que vocês tanto falam?). Assim, tal padrão é talvez o caso mais cristalino de aplicação do critério do constrangimento.    
Os outros dois pilares da tese de Rubio são o poder explanatório da hipótese e a falta de alternativas concorrentes [13]. O segundo ponto é basicamente uma expansão dos argumentos utilizados no primeiro pilar, uma vez que os elementos de tensão com Roma não teriam sido inventados, e são tão recorrentemente atestados, e dada sua plausibilidade e adequação ao contexto, ele se tornam a melhor explicação para a crucificação de Jesus como Rei dos Judeus, o fato mais sólido de sua vida. Em consequência, se Jesus foi executado como um rebelde político, e a análise histórica demonstra feitos e palavras que se encaixam no padrão de ação de um rebelde político, a melhor explicação para os fatos é de Jesus foi um rebelde político. O terceiro ponto de Rubio é de que nenhum outro perfil de Jesus explica tanto os fatos como o de um rebelde contra Roma [13].
Subversivos ontem e hoje: Será que existem paralelos no tempo de Jesus e do passado recente pode nos auxiliar a entender sua execução por motivos políticos? O que os messianistas e apocalipticos judeus do século I, e os comunistas brasileiros do século XX tem a ver com isso? Veremos isso no próximo post.
Referências Bibliograficas:

[1] Fernando Bermejo Rubio (2013): Why is the Hypothesis that Jesus was an Anti-Roman Rebel Alive and Well? Theological Apologetics versus Historical Plausibility, em Bible and Interpretation (http://www.bibleinterp.com/articles/2013/ber378008.shtml), abril de 2013, acessado em 13.04.2013.
[2]  Bart Erhman (2001), Jesus Apocalyptic Prophet of the New Millenium, fl. 208
[3]  Paula Frederiksen (2000), Jesus the King of the Jews, A Jewish Life in the Emergenge of Christianity, fl. 8.
[4] John P Meier (1991), Um Judeu Marginal, Repensando o Jesus Histórico. Volume 1 , fl. 177
[5] maiores detalhes no post "A Significância de Jesus e a Escala Richter de Impacto Histórico: O Rei dos Judeus entre os Revolucionários".  http://adcummulus.blogspot.com.br/2011/06/significancia-de-jesus-e-escala-richter.html
[6] Justino Martir (150-160 DC), 1ª Apologia, capítulo 11 (parafráse própria da tradução em inglês de Robert-Doneldson), disponivel em http://www.earlychristianwritings.com/justin.html, acessado em 24.04.2013
[7] Fernando Bermejo Rubio (2013): Why is the Hypothesis that Jesus was an Anti-Roman Rebel Alive and Well? ..., Bible and Interpretation
[8] Paul Winter (1974)Sobre o Processo de Jesus, fl. 217-219
[9] maiores detalhes no post "Jesus e os Fariseus, Inimigos Mortais? Você Precisa Rever os seus Conceitos", nota 3, http://adcummulus.blogspot.com.br/2009/07/jesus-e-os-fariseus-inimigos-mortais.html
[10] Bart Ehrman (2001), Jesus Apocalyptic Prophet of the New Millenium, fl. 222-223
[11] Fernando Bermejo Rubio (2013): Why is the Hypothesis that Jesus was an Anti-Roman Rebel Alive and Well? ..., Bible and Interpretation
[12]  Steven Rutledge (2001), Imperial Inquisitions Prosecutors and Informants from Tiberius to Domitian, fl. 74-75
[13] Fernando Bermejo Rubio (2013): Why is the Hypothesis that Jesus was an Anti-Roman Rebel Alive and Well? ..., Bible and Interpretation.
  


2 comentários:

Ivani Medina disse...

Alguém já ouviu falar de uma Iemanjá histórica? Não? Claro, não faz o menor sentido. Então por que o Jesus histórico faz? O que já foi feito para dar sentido a essa crença é de dar medo.

“A verdade histórica é a mais ideológica de todas as verdades científicas [...]Os termos de subjetivo e de objetivo já não significam nada de preciso desde o triunfo da consciência aberta [...]. A verdade histórica não é uma verdade subjetiva, mas sim uma verdade ideológica, ligada a um conhecimento partidário”. (ARON cit. por Marrou, s/ data, p. 269)

Se a fé nunca dependeu da história, porque fazem tanta questão desta última? Por que insistem em preservar essa bruma que envolve os primeiros séculos do cristianismo? Não devia ser assim. No entanto, quando fazemos uma aproximação dos fatos com fatos e não com ideias, é possível outra conclusão.

http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/paguei-pra-ver

Leila disse...

Uma compreensão que se faz muito necessária no mundo atual.

Há 2000 anos, alguém mais pagou com a vida o preço que a sociedade corrompida cobra dos REVOLUCIONÁRIOS. Ele questionou os pilares do poder - que recomporia em 3 dias. Demonstrou que o verdadeiro poder está nas mãos da comunidade, do comportamento ético, fraterno e progressista.

Porém, há 2000 anos, calúnias, acusações sem provas, manipulação de corações e mentes, amedrontam e instigam os ignorantes, violentos e os sem caráter.

Se a Fé não é raciocinada, torna-se instrumento contra o fiel.

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