terça-feira, 3 de setembro de 2013

ANOTAÇÕES AD CUMMULUS 001: esperanças farisaicas, Jesus e a data escatológica

Aqui inicio um novo tipo de postagem em nosso blog. As "Anotações AD Cummulus". Este tipo de postagem não se constituirá em um grande artigo ou paper. Por diversas ocasiões, lendo um determinado texto, tive um  insight útil para a formulação de um argumento ou encontrei um complemento para uma idéia já formulada. No entanto, em boa parte dos casos, eles ficaram apenas como uma idéia não-aproveitada e se perderam no mar de coisas que nos cerca pela vida cotidiana. Algumas boas ilações formuladas acabaram por se perder em minha memória, se transformando em vagas lembranças ou em lembrança alguma. Sendo assim, achei por bem criar esta categoria de textos onde colocarei estas pequenas formulações [que ficarão incubadas à espera de uma articulação de maior fôlego].


A primeira anotação será feita sobre um dos textos dos chamados Salmos de Salomão. Trata-se de uma coletânea de salmos escritos no século I a.C. A Enciclopédia Judaica situa tal conjunto de textos entre os anos de 40-70 a.C. A autoria dos textos é farisaica. O conteúdo mostra a oposição entre os fariseus e saduceus. Sobre a tipologia messiânica encontrada em alguns destes textos, assim fala a Enciclopédia:

"O Messias é um filho de David (em oposição aos reis-sacerdotes macabeus e aos messias-levíticos. Um homem sem poder sobrenatural, levantado por Deus para purificar Jerusalém e para reinar em paz sobre todas as nações. A descrição dele é tomada em grande parte dos Profetas e do Saltério. Ele é chamado no texto (XVII. 36) "o senhor Messias", ou "o ungido, Senhor" (χριστὺς κύριος), que é talvez um erro de escrita de "o ungido do Senhor", a expressão comum." [trad.própria]

A tradução para o inglês do texto completo dos Salmos de Salomão pode ser encontrada aqui. Nosso rápido comentário será feito sobre o versículo 23 do Salmo 17:

"Vê, ó senhor, e levanta a eles o seu rei, filho de Davi, no tempo em que tu vês, ó Deus, para que ele possa reinar sobre Israel, teu servo".[trad. própria]


P.Grelot, em seu A esperança judaica no tempo de Jesus, tece um interessante comentário sobre esta parte.

"Embora se espere a salvação da cidade santa e do povo só de Deus (v. 25a), o artífice dela será o rei filho de Davi (v.25). Não há nenhuma especulação sobre o tempo da sua vinda, pois só Deus o conhece (v.23b); a expectativa ansiosa do poeta fariseu e a sua oração insistentemente distingue-se assim da febre apocalíptica atestado no Livro de Henoc ou em Qumran." [GRELOT, P. A esperança judaica no tempo de Jesus. São Paulo: Edições Loyola, 1996, p. 85]

Não poderia deixar de anotar esta referência no que toca às expectativas quanto ao TEMPO ESCATOLÓGICO. A analogia ao pronunciamento de Jesus em Mateus 24:36 é clara. O capítulo 24 de Mateus é tipicamente um pronunciamento de escatologia no qual Jesus discorre sobre a tribulação de Jerusalém e a vinda do Filho do Homem:

 "Daquele dia e da hora, ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, mas só o Pai." [Mt 24:36] 

Os acontecimentos narrados por Jesus neste texto são de proporções cósmicas. Neste sentido, trata-se de um tipo de expectativa muito diferente daquelas esperadas nos Salmos de Salomão. No entanto, a questão a questão do conhecimento único por parte de Deus é um dado a ser marcado.

No Novo Testamento, vários elementos nos mostram a recorrente esperança de uma Parusia a ser verificada ainda no tempo em que aqueles personagens viviam. Jesus, no entanto, afirma desconhecer o exato momento dos eventos, apesar de elencá-los. O texto farisaico também fornece unicamente à Deus a percepção do momento. Isso nos é importante em termos sociológicos para entender o tipo de potencial mobilizador que a tipologia escatológica deve ter despertado nos leitores farisaicos, ou seja, uma esperança em tempo lento, pouco latente.

Ps. Teremos mais análises sobre os Salmos de Salomão nas próximas ANOTAÇÕES AD CUMMULUS.


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