terça-feira, 3 de setembro de 2013

ANOTAÇÕES AD CUMMULUS 002: os complexos imaginários apocalípticos que circundavam Jesus

Estamos vibrando com a excelente iniciativa de nosso amigo Flávio de incrementar novos tipos de postagens no AD Cummulus, dando mais dinamicidade ao mesmo e potencializando os insights e horizontes que se descortinam nas nossas leituras e reflexões sobre o campo de interesse do blog. São drops valiosíssimos também para estimular o interesse em pessoas que se deparam com este campo de estudo acadêmico e que poderão ajudar a disseminá-lo mais no Brasil

E nosso amigo e fundador começou com uma exploração de grande fecundidade, de interesse literário, sociológico e histórico-cultural sobre o ambiente das ideias escatológicas envolvendo Jesus e os grupos religiosos do período. Flávio propõe-se a analisar as interfaces com escatologias presentes no ambiente farisaico.

A gente vislumbra pontes e pontos de apoio para muitos saltos e dos feixes que se formam a gente vai tentando amarrar. Me lembro de cara dos hinos de origens judaicas e rearranjados pelos judeus-cristãos da abertura do evangelho lucano, capítulos 1 e 2, por Izabel, Maria, os anjos no Gloria in Excelsis, Simeão... como sorvem em expectativas com muitas semelhanças aí. Reflexo dos anseios dos primeiros convertidos, e antes deles, de judeus com grandes anelos e anseios messianológicos.
Daí, em relação a eles, em Jesus parece-nos mais verossímil conceber que nele havia um embebimento comum de tradições judaicas como as refletidas no 1Enoque (como 51,3-4)
Ele [um anjo] disse: Todas essas coisas que contemplas serão para o domínio do Messias, para que ele possa comandar e ser poderoso sobre a terra.
E aquele anjo de paz respondeu-me dizendo: Aguarde mais um curto espaço de tempo, e entenderás, e cada coisa secreta que o Senhor dos Espíritos tem decretado será revelada a ti. Aquelas montanhas que viste, a montanha de ferro, a montanha de cobre, a montanha de prata, a montanha de ouro, a montanha de metal fluido e a montanha de chumbo, todas estas, na presença do Eleito,serão como um favo de mel diante do fogo, e como a água descendo de cima sobre estas montanhas, e devem tornar-se debilitadas diante de teus pés.
Também refletidas em 2 Baruq 70,2: 
Eis que os dias estão chegando e isso vai acontecer quando chegar a hora do mundo ter amadurecido e vier a colheita da semente dos ímpios e dos justos, que YWHW, o Poderoso, fará vir sobre a Terra e seus habitantes, e causar em seus governantes confusão de espírito e espanto do coração. E eles vão odiar uns aos outros e provocar um ao outro para lutar.
72,2: Depois que vierem os sinais vieram dos quais eu tenho falado com você antes - quando as nações forem movidas e o tempo de meu Ungido chegar, Ele vai chamar todas as nações, e algumas delas Ele não poupará, e outras ele vai exterminar.
O Hino do capítulo 10 do Testamento de Moisés:
E a terra há tremer: em seus limites ela será abalada
E as altas montanhas virão abaixo
E os outeiros serão abalados e cairão.
E as extremidades do sol serão despedaçadas e ele se converterá em trevas;
E a lua não dará a sua luz, e será transformada completamente em sangue.
E o círculo das estrelas será remexido.
E o mar se retirará para o abismo,
E as fontes das águas falharão,
E os rios se secarão.
Para a aparição do Altíssimo,  o único Deus Eterno, (...)
E também que formaram tradições refletidas na biblioteca de Qumrã, como o famoso 4 Q521, que engloba as passagens sobre os sinais da era messiânica tomados de cominações isaiânicas 35.5, 61.1 (presos libertos, cegos curados, encurvados soerguidos, mortos redivivos, boa nova aos ‘pobres’).  

Algo como a dimensão cósmica, com sinais antecipatórios; o misto de urgência com indeterminação. Talvez por uma questão de não identificar a realização das expectativas no que apontavam diversos os diversos grupos que cultivavam dadas orientações; aí a gente viaja na recepção e continuação do movimento de Jesus nos primeiros tempos da igreja primitiva e a incorporação de pessoas oriundas de outros movimentos messiânicos com abordagens em comum dos fariseus dos Salmos de Salomão, e mesmo de fariseus.


Os documentos das passagens citadas foram engendrados no período dos dois séculos circundantes a Jesus. Imagino que circularam entre grupos judaicos piedosos de estudiosos e místicos que fizeram uma leitura da história e de sua conjuntura mais fatalista, embora não desesperançada, à medida que influenciada pelas narrativas da libertação do Egito e diversos fragmentos proféticos, conceberam – e penso que não é necessário que o grau entre o que seria mais e menos metafórico ou simbólico seja o mesmo para todos – a intervenção de YWHW na história se faria acompanhar de sinais na criação e implicaria, para um mundo social renovado, renovações no mundo natural (à medida que foram amalgamando os males sociais e políticos com concepções cósmicas e o que a gente diria hoje, “ônticas” sobre a natureza destes males).

É um campo muito viçoso buscarmos conceber como teria sido o contato e interação de Jesus com estes corpos apocalípticos complexos, considerando que não seriam propriamente “escolas” ou “ramos” do judaísmo, tanto delineados como o é convencionalmente, mas ainda mais fluidos. Inclusive, eu imagino que deve estar na explicação para sua possível alfabetização.




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    Este blog tem como objetivo central a postagem de reflexões críticas e pesquisas sobre religiões em geral, enfocando, no entanto, o cristianismo e o judaísmo. A preocupação central das postagens é a de elaborar uma reflexão maior sobre temas bíblicos a partir do uso dos recursos proporcionados pela sociologia das idéias, da história e da arqueologia.
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