quinta-feira, 14 de junho de 2018

Sobre aquele manuscrito do evangelho de Marcos: Publicado o papiro P137 (200 DC)

Marcos, o evangelista, Icone Copta
Concord, California, via wkicommons
Em fevereiro de 2012, falamos aqui de notícias referentes a possível descoberta do mais antigo manuscrito bíblico já conhecido, que conteria um fragmento do evangelho de Marcos do século I, anunciada pelo Professor Daniel B Wallace, do Dallas Theological Seminary..

Atualmente, o mais antigo manuscrito do Novo Testamento conhecido é um fragmento do evangelho de João, o P52, geralmente datado entre 125-175 DC. Outros importantes papiros são o P90, também do evangelho de João (2° século DC),  P46, datado de 175-225 DC, que contem o texto das cartas paulinas, e P45, que contém partes substanciais dos evangelhos e atos dos apóstolos, e é datado de cerca de 250 DC.

O manuscrito, porém, foi cercado de polêmica desde o seu anuncio. Havia um acordo de preservação de confidencialidade dos estudiosos que tiveram acesso ao manuscrito, até sua publicação, e assim boa parte das informações disponíveis eram fragmentadas, desencontradas, ou simplesmente  proveniente de boatos e rumores. Em 2015, chegou a ser divulgado por alguns meios que o papiro estava associado a mascaras mortuárias de múmias egípcias do período romano.

Em 24 de maio deste ano, porém, os manuscritos foram publicados pela equipe do Professor Dirk Obbink, da Universidade de Oxford, em conjunto com a Egypt Exploration Society, (EES) em Oxyrhynchus Papyri, Volume LXXXIII (Graeco-Roman Memoirs), que editou uma nota relativa a descoberta:

In the latest volume of the Oxyrhynchus Papyri, volume LXXXIII text 5345, Professor Obbink and Dr Colomo publish a fragment from a papyrus codex (book). The two sides of the papyrus each preserve brief traces of a passage, both of which come from the gospel of Mark. After rigorous comparison with other objectively dated texts, the hand of this papyrus is now assigned to the late second to early third century AD. This is the same text that Professor Obbink showed to some visitors to Oxford in 2011/12, which some of them reported in talks and on social media as possibly dating to the late first century AD on the basis of a provisional dating when the text was catalogued many years ago. Papyrus 5345 was excavated by Grenfell and Hunt, probably in 1903 (on the basis of its inventory number), and has never been for sale, whatever claims may have been made arising from individual conversations in the past. No other unpublished fragments of New Testament texts in the EES collection have been identified as earlier than the third century AD. 
(Tradução) No último volume de Oxyrhynchus Papyri, volume LXXXIII, texto 5345, professor Obbink e Dra. Colomo publicam um fragmento de um códice de papiro (livro). Cada um dos dois lados do papiro preserva breves traços de uma passagem, ambas provenientes do evangelho de Marcos. Depois de uma comparação rigorosa com outros textos objetivamente datados, o manuscrito deste papiro é agora atribuída ao final do segundo ao início do terceiro século DC. Este é o mesmo texto que o Professor Obbink mostrou para alguns visitantes de Oxford em 2011/12, que alguns deles relataram nas conversas e nas mídias sociais como possivelmente datando do final do primeiro século DC, com base em uma datação provisional quando o texto foi catalogado há muitos anos. O papiro 5345 foi escavado por Grenfell e Hunt, provavelmente em 1903 (com base no seu número de inventário), e nunca esteve à venda, seja qual for a alegação que possa ter sido feita a partir de conversas individuais no passado. Nenhum outro fragmento não publicado de textos do Novo Testamento na coleção EES foi identificado como antes do terceiro século DC.

O artigo apresentando o novo papiro foi disponibilizado aqui,  contendo o texto de Marcos 1:6-7 e 17-18. O papiro passa agora também a integrar a coleção de manuscritos antigos do novo testamento (séculos II a VIII)  como P137. Na publicação, a data do manuscrito foi corrigida em cerca de 100 anos, passando agora para o final do século II DC. A significância do achado é comentada em detalhes pelos Professores James McGrath, Airton José da Silva, Larry Hurtado, e Bart Erhman, que pontuam também questionamentos não tanto dirigidos a descoberta em si, mas aos vários rumores e informações desencontradas que circularam previamente a publicação, que levaram a EES a expandir a nota acima, com a resposta aos principais questionamentos, em 04/06/2018.

Sobre o papiro, Professor Bart Erhman disponibilizou o texto em seu post (link acima):

Frente:
(...) de suas sandálias, Eu os batizo com água mas ele batizará vocês com o Espirito Santo. E aconteceu naqueles dias (...)

Verso :
(...) No mar.  Pois eram pescadores. E ele lhes disse, venham comigo e eu os farei pescadores de homens. E imediatamente deixaram suas redes  (....).

De nossa parte, já havíamos nos manifestado quando as primeiras informações surgiram em 2012, no sentido de que a descoberta era provavelmente muito signikficativa, mas que se deveria "evitar colocar a carroça na frente dos bois", e os novos fatos não mudam nossa posição:

"É importante observar que, mesmo que haja (e provavelmente há) exagero na notícia, a sua publicação seria muito relevante para a critica textual do novo testamento e história do cristianismo primitivo. O Evangelho de Marcos é um dos textos neo-testamentários mais pobremente atestados, P45 é nossa melhor testemunha textual e data de meados do século III. Se esse novo papiro puder ser datado de 100 DC, por exemplo, seria o mais antigo manuscrito do novo testamento. Se, após analise dos especialistas, sua datação for corrigida em um século, ainda seria o fragmento mais antigo do segundo (e mais antigo) evangelho. Portanto, em se confirmando, essa descoberta tem potencial enorme para contribuir com nosso conhecimento do cristianismo primitivo.

Então, controvérsias a parte, a publicação do manuscrito é extremamente significativa.

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