domingo, 7 de julho de 2019

O que aconteceu com os doze apóstolos de Jesus? Parte 3: A Casa de Pedro em Cafarnaum?


A Cura dos Leprosos de Cafarnaum
James Tissot, 1886, Brooklin Museum
O cristianismo se inicia como um movimento de judeus discípulos de Jesus de Nazaré, por volta do ano 30. De pouco mais que uma centena de seguidores, se expandiu por todo o Império Romano, de forma continua e gradual ao longo dos 300 anos seguintes até atingir milhões de pessoas na época de Constantino. 

Este desenvolvimento produziu um vibrante e impressionante volume de literatura, não só o Novo Testamento, como os vários volumes dos Pais da Igreja, livros apócrifos,  e heterodoxos. O consenso histórico-critico é que os livros do NT e alguns apócrifos, como o evangelho de Tomé, o Didaquê, e a carta de Clemente, foram escritos entre 50 a 130 DC. No final do século I e início do  II DC, o cristianismo começa a chamar a atenção de observadores externos, como Flávio Josefo, Tácito, Plínio e SuetônioOs primeiros artefatos conhecidos são manuscritos, como o P52 e P90, geralmente datados por volta de 150 DC. Inscrições e estruturas claramente ligados ao movimento surgem a partir do início do século III, como a Igreja de Dura Europos, na Síria. 

Há porém uma outra candidata ao posto de primeira igreja e mais antiga estrutura associada ao cristianismo. Localizada em Cafarnaum, na mesma Galileia em que Jesus atuou a maior parte de seu ministério, há uma casa que pode ter sido usada desde o primeiro século como santuário e pertencido ao próprio Apóstolo Pedro.

Casa de Pedro: No ano 383, uma peregrina chamada Egéria, escreveu um detalhado relato de suas viagens aos lugares sagrados do oriente. Proveniente, provavelmente, do norte da Espanha ou sul da França,  chegou a Constantinopla em 381, e de lá foi para a Palestina, visitando Jerusalém, Jericó, Nazaré, e Cafarnaum. Se dirigiu ao Monte Sinai, Alexandria, Tebas e o Mar Vermelho, no Egito. Conheceu também Antioquia na Síria, "esticando" para Edessa e o Rio Eufrates. Junto com Descrições da Grécia, de Pausanias, a "Peregrinação de Egéria" é um dos mais interessantes exemplos de "roteiro de viagem" do mundo antigo, e mais ainda por ter sido um dos raros casos na antiguidade de literatura escrita por uma mulher.  De Cafarnaum, Egeria escreveu:

"Em Cafarnaum a casa do Príncipe dos Apóstolos foi transformada em uma Igreja, mas suas paredes originais ainda permanecem. Foi lá que o Senhor curou o paralítico"  
No século V, uma Basílica foi construída no lugar atribuído a "Casa de Pedro". No entanto, além do relato de Egeria, 350 anos depois do tempo de Jesus e Pedro, e a Basílica construída 400 anos mais tarde, existe evidência da associação da estrutura com o famoso apóstolo?


A associação de artefatos e estruturas ao ministério de Jesus e seus apóstolos é uma constante desde os primeiros séculos do cristianismo, frequentemente sob bases inexistentes ou extremamente frágeis. No entanto, como observam os Professores John Dominic Crossan, e Jonathan Reed, da Universidade La Verne, a casa é uma candidata promissora:


Presume-se que tenha pertencido à família de Pedro e que seria o lugar onde sua sogra fora curada de severa febre, segundo Marcos 1:29-31. Trata-se, na verdade, de uma das poucas localizações plausíveis na tradição do Novo Testamento [1]

Professor  James Charlesworth, do Seminário Teológico de Princeton, descreve a estrutura e a natureza de sua associação ao cristianismo:


A casa do primeiro século recentemente escavada em Cafarnaum por baixo da igreja octogonal de São Pedro pode até ser a casa que Pedro possuiu (Marcos 1:29; Mateus 8:14; ver ilustração 6) e a casa-igreja em que os primeiros seguidores de Jesus reuniam-se para devoção e estudo. Essa possibilidade é tão notável que pode levar as pessoas a serem acusadas de esquecer os rigores da erudição e cair no sensacionalismo. Contudo, não é essa possibilidade, mas sim a descoberta, que é sensacional.[2]
.

Um princípio fundamental da arqueologia é que as várias camadas de ocupação humana, os contextos, vão se sobrepondo a medida que o tempo vai passando, de forma  que é possível inferir a história da ocupação do sítio em função de sua estratigrafia. Utilizando este princípio para santuários antigos, é de sua natureza serem construídos, reformados, reconstruídos ao longo dos anos, sobre o mesmo espaço. Aqui no adcummulus, por exemplo, já falamos sobre isso quando descrevemos o provável sepulcro do apóstolo Felipe, sobre o qual foi construída uma Igreja, conforme proposta do professor Francesco D'Andria. No caso da "Casa de Pedro". A história de ocupação do sítio, conforme os Professores Gerd Thiessen, da Universidade de Heildelberg, e Annete Merz, a Universidade de Utrecht, indica que:

 "(...)  Sob uma esplendorosa igreja octogonal do período bizantino foram encontrados restos de habitações - casas pobres que remontam ao séc. I AC. Anzóis encontrados dão a entender que os habitantes eram pescadores. Uma dessas pobres casas foi evidentemente "restaurada" entre 50 e 100 DC. Suas paredes rústicas foram rebocadas, seu chão coberto com várias camadas de cal. No reboco que caiu há símbolos e inscrições que apontam uma congregação doméstica cristã. Jesus é mencionado várias vezes com títulos honoríficos, e o nome de Pedro possivelmente também ocorre. Tudo indica que a casa de Pedro foi localizada aqui  já -no século I- possivelmente por causa de uma tradição local acurada. Será então que encontramos a casa de Pedro? [3].

A basílica do tipo octogonal, um martírio, é um tipo de estrutura associada a lugares como a paixão de Cristo ou seus mártires, como a Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, o Martírio de Filipe, em Hierapolis, ou a Basílica de São Pedro, em Roma. Estas basílicas foram construídas nos lugares em que se acreditava que Jesus, Felipe e Pedro teriam sido sepultados. A basilica em Cafarnaum é do período bizantino, mas sabemos que o local possuía uma igreja que  recebia peregrinos no século IV. Contudo, o mais relevante é que abaixo destas estruturas existe o que pode ser um santuário do século II, ou final do século I, e uma casa de pescador no início da era cristã.

Crossan e Reed descrevem de forma mais detalhada o sítio:


Arqueólogos franciscanos, trabalhando em volta deste sítio entre 1968 e 1985, descobriram três camadas ou strata: a igreja octogonal do quinto século (classificada por eles como stratum III), uma casa-igreja ou santuário do século quarto (stratum II) e uma casa que teria sido habitada desde o primeiro século  A.C (stratum I). Os oito lados concêntricos da Igreja abrigavam outro octógono interno cujo teto era apoiado por oito colunas. Podia-se entrar neste espaço por diversos lados. Mosaicos decorados com desenhos geométricos simples e flores de lótus nas margens decoravam o piso entre as duas estruturas em forma de pórtico. A sala central já havia sido separada do resto, no quarto século, quando a parede quadrilátera de 80 por 80 pés isolava o local para uso sagrado. O teto apoiado por um arco cobria o recinto que fora foco de atenção possivelmente desde o século II.O piso e as paredes haviam sido reparadas constantemente em contraste com resto do edíficio. As paredes ostentavam centenas de inscrições semelhantes a grafites - em grego, siríaco, hebraico e latim. [4]

Pedro e João correm para o Sepulcro, Eugene Burnand, 1898
Museu D'Orsay, via wikicommons
Melhor descrevendo, a história de ocupação do sítio indica que uma casa comum do século I AC, semelhante as outras casas da vila no período,  sofreu alterações em sua função, a partir do final do século I, sendo adaptada como congregação e santuário cristão, como indicam os grafites , em várias línguas, e símbolos em suas paredes, até ser convertida em uma igreja propriamente dia, no século IV, que continuou sua expansão tornando-se uma monumental basílica no século V. 


Essa evolução é descrita de uma forma  mais detalhada pelo Professor Charlesworth:


Sete estágios das pesquisas levam a conclusão de que a Casa de Pedro possa ter sido descoberta. 
Primeiro, os peregrinos antigos, como Egeria, que visitou Cafarnaum entre 381 e 384 E.C. identificam o lugar como sítio da Casa de Pedro e dos primeiros cultos cristãos. 
Em segundo lugar, a casa contém cruzes gravadas, um barco e mais de uma centena de grafitos gregos, aramaicos, siríacos, latinos e hebreus de cristãos dos séculos segundo e terceiro que veneravam o lugar.
Em terceiro lugar, a casa está situada sob uma igreja octogonal do século V, um tipo de arquitetura especialmente usado para venerar lugares sagrados mais antigos (uma igreja octogonal foi construída por ordem de Constantino sobre o sítio celebrado como sendo o local de nascimento de Jesus, em Belém). E
Em quarto lugar, a casa pode ser retraçada ao primeiro século A.E.C (foi provavelmente construída entre 100 a 60 A.E.C) por causa das condições estratigráficas e da recuperação de antigas candeias e moedas herodianas.
Em quinto lugar, foram achados anzóis debaixo do pavimento do que é identificado como sendo uma casa-igreja; por isso é concebível que ali tenha vivido um pescador.
Em sexto lugar, é evidente um pavimento antigo, notadamente o Pavimento Romano B, mas o mais notável é a descoberta que o chão e as paredes da casa foram argamassados não menos que três vezes, a partir de meados do primeiro século E.C. 
Em sétimo lugar, o grande aposento, depois de argamassado, foi provavelmente convertido numa "casa-igreja" (em Cafarnaum não foram encontradas outras casas com argamassa). Nesse aposento amplo só foram desenterrados grandes jarros para armazenamento e candeias a óleo; não se recuperou qualquer cerâmica de uso doméstico [5]


Nenhuma das evidências apontadas, isoladamente, é prova de que a casa pertencia a Pedro. Mesmo que fosse possível demonstrar que o proprietário da casa no século I se chamava Simão, não seria incontestável que seria o mesmo Simão que procuramos, já que se estima que esse era o nome de 1 em cada 11 homens judeus no século I [6]. Na verdade, é o conjunto de evidências circunstanciais   que importa. O fato de que o lugar era venerado nos séculos IV/V como "Casa de Pedro", é corroborado pelo fato de que nas camadas arqueológicas mais antigas encontramos grafites de conteúdo cristão, em várias línguas (grego, aramaico, siríaco, latim e hebreu), utensílios  cerâmicos no cômodo principal que não são compatíveis com uso doméstico,mas típicos de um lugar de culto e peregrinação, e que essas características  coincidem com  uma série de intervenções estruturais na casa (chão e paredes argamassados pelo menos 3 vezes) a partir de meados do século I, diferenciando-se das demais da vila, sendo que, anteriormente seu uso era compatível com o lar comum de um pescador. Desta forma, a interpretação de que a casa do Apóstolo Pedro foi convertida em santuário e local de peregrinação a partir do final do século I, se torna altamente plausível, mesmo que não se concorde totalmente com a interpretação que os arqueólogos franciscanos deram aos achados. Como observam Crossan e Reed:  

Algumas frases parecem ter saído das mãos de visitantes e de peregrinos cristãos, embora quase sempre ilegíveis  e até mesmo de origem profana. Os grafites são importantes mesmo, mesmo se as transliterações exageradamente tendenciosas e piedosas dos escavadores franciscanos, envolvendo teorias sobre a existência de uma comunidade judeo-cristã e incluindo elaboradas especulações a respeito de simbolismos e acrósticos, não sejam persuasivas. Os grafites nas paredes e as diversas camadas de reboco mostram que se tratava de lugar singular em Cafarnaum e mesmo na Galiléia toda, e demonstra que fazia parte de uma residência particular considerada muito especial por diversas pessoas apenas um século depois das atividades de Jesus na Galiléia. [7].

Os grafites nas paredes apresentam claro caráter cristão.  "A maioria das inscrições dizem coisas como "Senhor Jesus Cristo ajuda teu servo", "Cristo tem piedade", e foram escritas em grego, siríaco, e hebreu, algumas vezes acompanhadas por incisões de pequenas cruzes e até um barco. Os arqueólogos alegam que o nome de Pedro é mencionado em vários grafites, embora muitos estudiosos contestem essa leitura, [8]


James Charlesworth apresenta outra interessante evidência, desta vez associando o relato do evangelho de Marcos com os dados arqueológicos relativos a casa.

(...)  As paredes da casa, levantadas no primeiro século, são demasiado fracas para sustentar um teto de telhas, como em Roma ou Pompéia. O teto teria sido construído com três galhos cobertos por folhas de palmeira e barro cozido. Os especialistas refletiram corretamente sobre o seguinte episódio: [9]

Cita Marcos 2:1-5:

Poucos dias depois, tendo Jesus entrado novamente em Cafarnaum, o povo ouviu falar que ele estava em casa. Então muita gente se reuniu ali, de forma que não havia lugar nem junto à porta; e ele lhes pregava a palavra. Vieram alguns homens, trazendo-lhe um paralítico, carregado por quatro deles. Não podendo levá-lo até Jesus, por causa da multidão, removeram parte da cobertura do lugar onde Jesus estava e, pela abertura no teto, baixaram a maca em que estava deitado o paralítico. Vendo a fé que eles tinham, Jesus disse ao paralítico: “Filho, os seus pecados estão perdoados”. 
A "Casa de Pedro", no estrato relativo ao primeiro século, apresenta paredes que não suportariam o peso de um teto convencional. Desta forma, possuía uma cobertura que poderia ser removida, como no relato evangélico. Tal característica era extremamente comum nas casas da Galiléia, mas não era o padrão em outras partes do Império Romano. No entanto, como Marcos, vivendo em Roma ou na Síria, saberia que as casas em Cafarnaum que não tinham cobertura fixa? Possivelmente, porque tinha acesso a uma memória histórica que remonta a Cafarnaum dos anos 30 DC.

A Cura do Paralítico, James Tissot, 1890
Brooklin Museum, via wikicommons

Nessa linha, o Professor Maurice Casey,(1942-2014), da Universidade de Nottingham, pondera entre uma diferença relevante entre o relato de Marcos e Lucas quanto ao teto da casa, que reforça ainda mais a possibilidade de uma memória histórica:
 "(...) a evidência arqueológica é clara de que as casas de Cafarnaum não foram construídas para suportar um segundo andar. As paredes das casas eram construídas com basalto negro colado com argila, não possuindo suficiente resistência para suportar o peso de um segundo andar. Telhados eram edificados com vigas de madeira intercaladas e cobertas com ramos, caniços e argila. (...) Lucas porém altera o relato. Ele retira a parte de descobrir o telhado, e afirma que ele desceram o paralítico por entre as telhas (Lucas 5:19). Nas cidades helenístics que Lucas conhecia, o teto das casas era coberto com telhas. [10]

Fotos de reconstituições de telhados de casas da Galileia do século I podem ser visualizadas aqui. Lucas utiliza o termo Keramos  que geralmente é a associado a cerâmica, uma cobertura de telhas, incomum entre nas vilas da Palestina do século I, mas o padrão nas cidades helenísticas. Marcos, por sua vez, relata que os quatro amigos do paralítico fizeram uma abertura no telhado, por entre os ramos, caniços e argila. Como pontua o Professor Douglas R Edwards, da Universidade de Puget Sound  "(...) O relato marcano reflete o tipo de telhado encontrado em vilas e cidades do período romano. Este tipo de telhado está presente nas estruturas de Séforis, e nas vilas de Jotapata e Khirbet Cana. As coberturas de telhas, do relato de Lucas, contudo, são uma estória diferente. Na Galileia a evidência para coberturas de telhas no período romano, principalmente em vilas e pequenas cidades é praticamente inexistente até o segundo século depois de Cristo (...)" [11].  Assim, Lucas, que usou o relato de Marcos, "corrigiu" sua fonte nesse ponto, pois em sua experiência uma "perfuração" ou afastamento da cobertura do teto da casa se faria pela retirada das telhas, sem saber que esse tipo de telhado não existia na Galileia do primeiro século, e que o relato de Marcos corresponde precisamente a realidade histórica e arqueológica.

Além disso, no mesmo episódio, Maurice Casey identificou outra evidência de memória histórica, pois a passagem seria um dos textos em que pode ser utilizado o critério de traços do aramaico (como já discutimos aqui no adcummulus), a qual é um dos principais proponentes. Casey descreve a crença comum na época que culpa causada pelo pecado causaria doenças físicas, conforme interpretação do Salmo 32, "(...) Enquanto escondi os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer. Pois de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; minha força foi se esgotando como em tempo de seca (....)", e dos rabinos Hyya Bar Abba e Alexandri,  discutindo o Salmo 103:3, "uma pessoa doente não se levanta de sua enfermidade até que todos os seus seus pecados sejam perdoados".[12]

Casey faz uma comparação entre esse "modelo explanatório" de enfermidades no tempo de Jesus com casos relatados na literatura médica de "transtornos de conversão"  associados a paralisia histérica; como a de uma mulher que ficou paralisada por dois anos após testemunhar um crime violento, e que se sentiu curada após ser convencida de que não tinha nenhuma culpa do ocorrido, e de um homem que era despertado de seu estado de paralisia ao ouvir "levante". Casey observa no verso 9 a pergunta de Jesus "O que é mais fácil dizer ao paralítico: “Os seus pecados estão perdoados” ou “Levante-se, pegue a sua cama e ande”?" que o termo grego para o comparativo mais fácil (eukopoteron), não tem correspondente em aramaico. O termo aramaico qalltl equivale a, literalmente, a "mais leve" (em peso). Em sentido figurativo, porém, era utilizado para mandamentos e julgamentos legais no sentido de menos importante, insignificante, ou leniente. Segundo Casey, diante de escribas e fariseus, Jesus teria utilizado o sentido figurativo de qalltl para questionar qual das ações propostas - declarar a liberação do pecado ou ordenar que o paralítico se levantasse - era de menor importância. Assim, propõe Casey, o atual texto de Marcos traduziu para o grego um relato original em aramaico de que ao retirar o peso da culpa e do pecado sobre o paralítico, ele se torna "leve", e capaz de superar sua enfermidade.[12].



Os estudos que indicam evidências arqueológicas e textuais em favor da "Casa de Pedro", porém, devem ser avaliadas em conjunto com aqueles que chegam a conclusão opostas. A professora Joan Taylor, da Universidade de Londres, apresentou uma consistente crítica na cronologia dos estratos da casa antes do IV século, contestando em primeiro lugar, a interpretação de que a casa foi utilizada como igreja antes do IV século, uma vez que os grafites, em sua grande maioria em grego, e objetos encontrados sugeririam um uso como local de peregrinação e"museu". Além disso, Taylor revisa em quase 150 anos as datas em que foram efetivadas, as reformas da casa, como a colocação do reboco e piso calcário, do final do primeiro e início do segundo século, para o início do terceiro e meados do querto século DC. Ela também associa o início, ou pelo menos a consolidação da associação da casa ao Apóstolo Pedro com a atividade de José de Tiberias, um estudioso judeu convertido ao cristianismo, que teria sido membro do Sinédrio, e que recebeu do Imperador Constantino a incumbência de supervisionar e construir igrejas na Galiléia [13].

Professor Anders Runesson, da Universidade de Oslo, contudo, considera que se de um lado "Taylor enfatizou corretamente a falta de provas conclusivas de uma comunidade judaico cristã venerando a casa e a domus-eclesia anteriores a igreja ortogonal", por outro lado "quanto todas as evidências são consideradas, inclusive circunstanciais e literárias, a balança de evidências favorece a reconstrução  feita pelos escavadores do sítio"[14]. Runesson, pontua ainda que, em parte, a crítica de Taylor a interpretação tradicional do sítio já havia sido trazida nos anos de 1970/1980 pelo Professor James Strange, da Universidade do Sul da Florida, que, contudo, considerou também o efeito cumulativo dos vários indícios arqueológicos e literários afirmando que "(...) prova conclusiva ainda não foi encontrada, e possivelmente nunca será, mas todos os indícios apontam como provavel que  a Casa de São Pedro, onde Jesus se hospedou, perto da famosa sinagoga de Cafarnaum, seja uma reliquia autêntica", e esta é "(...) provavelmente a casa de São Pedro onde Jesus ficou quando esteve em Cafarnaum (...)". [14].

Professor Cilliers  Breytenbach, da Universidade Humboldt de Berlim, argumenta, por sua vez, que mesmo que a conclusão de Joan Taylor seja aceita, o relato de Egeria indica que "(...) as paredes da casa do príncipe dos apóstolos eram, em seus dias, como sempre foram (...)", e, principalmente, a casa de Pedro e André é o centro espacial do relato de Marcos na primeira parte de seu evangelho. A casa de Pedro é mencionada em Mc 1:29-35, 2:1-12; 3:20-35, 9:33-34 e, talvez, em 7:17. Desta forma, observa Breytenbach, "(...) cura e especialmente ensino dos discipulos? Muito provavelmente porque a casa de Pedro e André já se tornara um centro de reunião e ensino desde antes do evangelho ser escrito"(...)" [15].

Desta forma, concluimos que a correção de Joan Taylor a interpretação de Corbo e Loffreda é correta no sentido de que não há prova definitiva de que a estrutura em Cafarnaum seja a casa de Pedro. Contudo, mesmo que não se possa afastar a dúvida na identificação, o balanço das evidências arqueológicas e literárias, quando tomadas em conjunto, indicam que a casa é a mesma descrita no evangelho de Marcos. 

Referências Bibliográficas:

[1]  John Dominic Crossan e Jonathan L Reed (2001), Em Busca de Jesus, Debaixo das Pedras, atrás dos textos, Edições Paulinas, 2007, fl. 130
[2] James Charlesworth (1988), Jesus Dentro do Judaísmo, Editora Imago, 3ª edição, 1992, fls. 118-119.
[3] Gerd Theissen e Annete Merz (1996), Jesus Histórico, Um Manual, Edições Loyola, fls 188-189.
[4] John Dominic Crossan e Jonathan L Reed (2001), Em Busca de Jesus, Debaixo das Pedras, atrás dos textos, Edições Paulinas, 2007, fl. 130-131
[5] James Charlesworth (1988), Jesus Dentro do Judaísmo, Editora Imago, 3ª edição, 1992, fls. 118-119
[6] Richard Bauckham (2007), Jesus and Eyewitness, fls 70-71
[7] John D Crossan e Jonathan L Reed (2003) Em Busca de Jesus - Debaixo das Pedras, atrás dos textos, fl. 130-131.
[8] Bible History Daily (2018), The House of Peter: The Home of Jesus in Capernaum? 22.04.2018,https://www.biblicalarchaeology.org/daily/biblical-sites-places/biblical-archaeology-sites/the-house-of-peter-the-home-of-jesus-in-capernaum/,
[9] James Charlesworth (1988), Jesus Dentro do Judaísmo, 1988, Editora Imago, 3ª edição, 1992, fl. 125)
[10] Maurice Casey (2010) Jesus of Nazareth: An Independent Historian's Account of His Life and Teaching, fl 126.
[11] Douglas R. Edwards (2009) Walking the Roman Landscape in Lower Galilee: Sepphoris, Jotapata e Khirbet Cana, In Zuleika Rodgers, Margaret Daly Denton, Anne Fitzpatrick McKinley (ed) A Wandering Galilean: Essays in Honour of Seán Freyne, fl 225-226.
[12] Maurice Casey (2010) Jesus of Nazareth: An Independent Historian's Account of His Life and Teaching, fls. 259-260
[13] Joan E Taylor (1990) Capernaum and its 'Jewish-Christians': A Re-examination of the Franciscan Excavations,Bulletin of the Anglo-Israel Archaeological Society, Volume 9, fls 7-28 
[14] Anders Runesson (2007), Architecture, Conflict, and Identity Formation, In Jurgen Zangenberg, Harold W Attridge e Dale Martin, Religion, Ethnicity, and Identity in Ancient Galilee: A Region in Transition, fl.242
[15] Cilliers Breytenbach (1997), Mark in Galilee: Text world and History World In Eric M Meyers: Galilee Through the Centuries: Confluence of Cultures, fl, 82-84
Pois de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; minha força foi se esgotando como em tempo de seca

Salmos 32:3,4
Enquanto escondi os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer.
Pois de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; minha força foi se esgotando como em tempo de seca

Salmos 32:3,4

Enquanto escondi os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer.
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Salmos 32:3,4Enquanto escondi os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer. Pois de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; minha força foi se esgotando como em tempo de seca

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